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Uma análise do controvertido art. 1830 do CC/02, sob um cotejamento civil-constitucional

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21/05/2010 às 00:00
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5. CONCLUSÃO

No decorrer deste trabalho, observou-se a evolução conceitual e legislativa no âmbito das entidades familiares, tendo como marco principal o reconhecimento pela Constituição Federal de 1988 de outras formas de constituição familiar que não aquelas fundadas no casamento, incluindo-se as uniões estáveis.

Com os novos valores propugnados pela Carta Magna, com a valorização do afeto como a base do núcleo familiar, esta passou a ser vista também como instrumento de realização pessoal de seus integrantes, independentemente da forma de sua constituição.

Entretanto, o tratamento sucessório dado pelo legislador ao companheiro não acompanhou os avanços constitucionais, conferindo um tratamento desigual em relação ao cônjuge.

É necessário se ter em mente que o ordenamento jurídico brasileiro é hierarquicamente sistematizado e, sendo assim, seus princípios são superiores, sendo inaceitável a contraposição de qualquer norma aos ditames constitucionais.

Neste diapasão, é imprescindível a revisão dos direitos sucessórios disciplinados pelo Código Civil atual, de modo a se equiparar o tratamento entre os companheiros e os cônjuges.

Constitucionalmente, não há como conceber a existência de uma hierarquia entre as diversas formas de constituição familiar, visto que estar-se-ia inferiorizando uma forma frente a outra, o que não pode ser aceito diante do novo paradigma institucionalizado.

Entretanto, enquanto o legislador não promove a adequação dos institutos do Direito Civil aos novos paradigmas constitucionais, a doutrina pátria e os aplicadores do direito precisam encontrar a solução mais justa para o problema trazido no artigo 1830 do Código Civil.

Destarte, é com base nos ditames constitucionais, sobretudo na substituição, empreendida pelo Texto Constitucional, da "família-instituição" tutelada em si mesma, pela "família-instrumento", que tem no afeto o seu núcleo essencial, é que se buscou a solução que parece ser a mais justa para a solução do caso analisado no presente trabalho, consistindo em atribuir o quinhão hereditário exclusivamente à companheira quando entre seu convivente e a ex-esposa tenha havido mera separação de fato, evitando-se assim, privilegiar, mais uma vez, as relações fundadas no casamento em detrimento das uniões estáveis.


6. REFERÊNCIAS

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Notas

  1. "Fala-se na sua desagregação e no seu desprestígio. Fala-se na crise da família. Não há tal. Um mundo diferente imprime feição moderna à família" (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. V. 16ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 28).
  2. Conclui Celso Bastos em sua obra: "(...) pode-se afirmar que predomina, atualmente, a aceitação de que a sociedade é resultante de uma necessidade natural do homem, sem excluir a participação da consciência e da vontade humanas (...) não se poderá falar do homem concebendo-o como um ser isolado, devendo-se concebê-lo sempre, necessariamente, como o homem social" (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 6ª Edição. São Paulo: C. Bastos, 2004. p. 18/19).
  3. "Sociedade vem a ser toda forma de coordenação das atividades humanas objetivando um determinado fim e regulada por um conjunto de normas" (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 6ª Edição. São Paulo: C. Bastos, 2004. p. 1).
  4. "É ela considerada a celula mater da sociedade numa equiparação com as células dos organismos vivos, que são as menores partes em que pode ser decomposto o ser vivo sem perder a sua natureza" (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do estado e ciência política. 6ª Edição. São Paulo: C. Bastos, 2004. p. 3).
  5. A Constituição Federal mostrou-se realmente protetora ao estabelecer em seu art. 227 § 6º a impossibilidade de existir no ordenamento pátrio quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, afastando as pejorativas adjetivações sempre presentes nos diplomas legislativos, tais como: legítimo, ilegítimo, naturais, espúrios, adulterinos, incestuosos e adotivos. Neste mesmo diapasão, o posterior Código Civil de 2002 instituiu, em seu art. 1596, os preceitos constitucionais afirmando, in verbis: "Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação"
  6. Neste sentido, consagra o artigo 226, § 5º da Constituição Federal de 1988: "Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".
  7. Art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988: "Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".
  8. Art. 226, § 4º da Constituição Federal de 1988: "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
  9. "Esta expressão latina é abreviatura da frase de cujus sucessione (ou hereditatis) agitur, que significa aquele de cuja sucessão (ou herança) se trata". (GONÇALVES, Carlos Roberto. Coleção Sinopses Jurídicas: Direito das Sucessões, Vol. IV. 6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1)
  10. Entretanto, conforme dispõe o artigo 1792 do Código Civil, "o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados."
  11. Caso existam herdeiros necessários, o testador só pode dispor em testamento de no máximo metade de seu patrimônio, pois a outra metade compõe a legítima que deve ser dividida necessariamente entre os aqueles herdeiros (é a chamada "reserva da legítima). Se tal regra for violada, aquilo que exceder a parte disponível será desconsiderada. (Artigos 1846 e 1967 do Código Civil)
  12. Tal ordem vinha disposta no Livro IV, Títulos XCIV e XCVI das Ordenações Filipinas
  13. Redação dada pela Lei nº 8049/90.
  14. Art. 1725 do Código Civil de 1916: "Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar."
  15. Válido ressaltar que, somente a separação de fato não afastava a condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente, visto que, não havia, no Código Civil de 1916, regra que excluísse da herança cônjuge simplesmente separado de fato.
  16. Art. 1845 do Código Civil: "São herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge".
  17. Aqui o cônjuge é excluído da sucessão porque ele já é meeiro (metade do patrimônio do casal já lhe pertence), não devendo, portanto, concorrer com os demais sucessores em relação à outra metade. A intenção do legislador foi impedir que restasse configurado um enriquecimento desmensurado por parte do cônjuge, visto que este poderia acabar recebendo mais da metade do patrimônio do casal, caso participasse da sucessão, enquanto que os descendentes ficariam com uma pequena parcela do bojo da herança. Válido ressaltar que, em tal regime, há bens que são excluídos da comunhão (art. 1668 do Código Civil), mas mesmo em relação a esses bens, o cônjuge não concorre em função da disposição legal não estabelecer nenhuma exceção.
  18. O legislador impôs a obrigatoriedade da adoção de tal regime quando ocorrerem as situações previstas no art. 1641 do CC/02. Neste caso, conforme dispõe a Súmula 377 do Superior Tribunal Federal, os bens adquiridos de forma onerosa na constância do casamento, sob o regime da separação legal de bens, se comunicam, sendo que o cônjuge em relação a tais bens é meeiro, não justificando, portanto, que o mesmo venha a concorrer com os demais sucessores quando da morte de seu consorte.
  19. Bens particulares são aqueles que já integravam o patrimônio da pessoa antes do casamento. Neste caso, se o autor da herança, casado sob o regime da comunhão parcial, não deixou bens particulares, não haverá concorrência, herdando apenas os descendentes. Entretanto, havendo bens particulares, sobre tais o cônjuge não teria direito à meação, mas concorreria com os descendentes na sucessão.
  20. "Seguindo esta corrente, mais recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo deferiu a separação por mera quebra de afeto, ou perda do amor, não entrando no mérito de discussão da culpa: Separação judicial – Inexistência de amor. A inexistência de amor autoriza a separação do casal (TJ-SP, AC 270.393-4/2-00, Rel. Des. Carlos Stroppa, Ac. Unan. Da 4ª CDPriv, julgado 04.09.2003). Nos Tribunais de Justiça de Minas Gerais, Rio de janeiro e Rio Grande do Sul várias são as decisões neste sentido" (TARTUCE, Flávio & SIMÃO, José Fernando. Direito civil. Série concursos públicos: direito das sucessões, Vol. VI. São Paulo: Método, 2007, p. 194).
  21. Art. 1566 do Código Civil: "São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos".
  22. Art. 1777 do Código Civil de 1916: "A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até 2 (dois) anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (arts. 178, § 7º, VI, e 248, IV)".
  23. Admitindo-se inclusive a repartição da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira (Súmula 159 do extinto Tribunal Federal de Recursos: "É legitima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos).
  24. Art. 57, § 2º da Lei 6015/73: "A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas".
  25. Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum".
  26. Art. 1º da Lei 8971/94: "A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade".
  27. As discussões que versam sobre a introdução da possibilidade de discussão de culpa, no âmbito do processo de inventário, para apuração das causas da separação de fato já foram devidamente trabalhadas em tópico à parte, não sendo assim, retomadas neste momento.
  28. Art. 1521 do CC/02: " Não podem casar: (...); VI – as pessoas casadas".
  29. Art. 1790 do CC/02: "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (...) III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança".
  30. Considerando-se, frisa-se novamente, a não existência de outros herdeiros.
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Sobre o autor
João Gabriel Villela Machado

Advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, pós-graduando em Direito Processual Penal pela Universidade Gama Filho/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, João Gabriel Villela. Uma análise do controvertido art. 1830 do CC/02, sob um cotejamento civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2515, 21 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14901. Acesso em: 20 mai. 2024.

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