RESUMO
O fio condutor deste trabalho é o reconhecimento da vinculação das razões de decidir fixadas pelo Tribunal Constitucional em controle abstrato de constitucionalidade, tendo como norte o princípio da força normativa da Constituição. O enfoque se estabelece a partir da evolução do sistema de precedentes judiciais no nosso ordenamento pátrio; não apenas diante da jurisdição constitucional, mas também diante da seara processual civil. Buscou-se analisar as particularidades da utilização da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes e seus reflexos, atentando-se tanto para julgados e situações concretas quanto para toda a principiologia envolvida. Por fim, foi feito um apanhado sobre os argumentos favoráveis e contrários ao reconhecimento da transcendência dos motivos determinantes, de sorte a evidenciar aqueles que demonstram a consonância da referida teoria com a ordem constitucional brasileira, tendo em vista a expansão da jurisdição constitucional e a maximização de direitos fundamentais. No tocante à investigação foi utilizado o método científico de abordagem indutivo, em que se partiu de dados particulares, suficientemente constatados, inferindo-se uma verdade geral.
PALAVRAS-CHAVE: I. Força normativa da Constituição. II. Ratio Decidendi. III. Precedentes judiciais. IV. Transcendência V. Efeito vinculante. VI. Normas paralelas.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DA OBSERVÂNCIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL.1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES ANTES DA CF/88. 1.2 DA UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES APÓS A CF/88. 2 DA TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 2.1 DOS ASPECTOS GERAIS. 2.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS PARALELAS. 2.3 DA INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO. 2.4 DA IMPORTÂNCIA DO PRECEDENTE FIXADO. 3 DOS INSTITUTOS RELACIONADOS À TEORIA. 3.1 DO DISTINGUISHING E DO OVERRULING. 3.2 DA EFICÁCIA ERGA OMNES E DO EFEITO VINCULANTE. 3.2.1 Do efeito vinculante. 3.2.2 Da eficácia erga omnes. 3.3. DA RECLAMAÇÃO. 4. DOS PRINCÍPIOS RELACIONADOS À TEORIA. 4.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 4.2 DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS. 5 DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À APLICAÇÃO DA TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 5.1 DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 5.2 DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A Constituição é garantia, mas também deve ser garantida. A necessidade de, como Lei Fundamental, ter sua supremacia reconhecida na ordem jurídica traz como consequência inarredável a imprescindibilidade da utilização de mecanismos suficientes que garantam essa qualidade. Neste enfoque, o controle de constitucionalidade ganha autonomia, tendo como objetivos precípuos a segurança e a justiça.
Não é raro que, para uma mesma questão de direito, diversos órgãos do Poder Judiciário profiram decisões conflitantes entre si, o que põe em xeque a previsibilidade e a confiança nas decisões desse poder. No tocante ao controle de constitucionalidade, possível controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, pode acarretar grave insegurança jurídica, injustiças e desmedida multiplicação de processos acerca de questões idênticas. Tais consequências afrontam diversos direitos fundamentais, como por exemplo, o princípio da igualdade. Neste cenário, ganha importância a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes que, como técnica de vinculação jurídica, almeja resolver tais questões utilizando-se do princípio da força normativa da Constituição como fundamento.
Nesta ordem de ideias, além de salientar a importância da aplicação da teoria em comento no direito brasileiro, o presente estudo tem como objetivo demonstrar a evolução do direito brasileiro no tema dos precedentes. É com essa finalidade que se estabelece uma relação entre o período colonial (Ordenações Filipinas), o lapso temporal referente à codificação e a atualidade. Procura-se demonstrar os diversos mecanismos ligados aos precedentes que vêm sendo inseridos pelo legislador ordinário, pelo Constituinte derivado reformador e pela jurisprudência, nos diversos ramos do direito brasileiro, v.g, no Direito Constitucional, no Direito Processual Trabalhista e no Direito Processual Civil.
Desta maneira, a investigação do tema, caso reduzida à apenas uma faceta do direito, seria prejudicada. Sendo assim, houve a necessidade de, juntamente com o Direito Constitucional, utilizar o Direito Processual Civil, que forneceu subsídio doutrinário, legislativo e jurisprudencial de extrema importância para a estruturação do trabalho, bem como para a correta compreensão da aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes e o porquê de ela ser rechaçada por parte dos operadores jurídicos.
A precitada teoria, juntamente com os institutos e princípios a ela correlatos, além das supostas dificuldades na sua aplicabilidade e dos inúmeros benefícios por ela trazidos, consubstancia a segunda parte do trabalho. Neste trabalho, não há pretensão de se esgotar o tema ou de se propor uma solução inovadora no que se refere ao controle de constitucionalidade. Pretende-se, por certo, diminuir a resistência dos operadores do direito em aceitar a utilização dos precedentes e a sua vinculação, com a demonstração de sua viabilidade e, mesmo, de sua necessariedade diante da insegurança jurídica que debilita a força normativa da Constituição. A citada resistência é baseada no desconforto que qualquer mudança enseja, na falta de familiaridade com a cultura dos precedentes, na incerteza diante de um sistema de controle de constitucionalidade que a um só tempo abrange a fiscalização concreta e a abstrata, além do fato de se levar alguns dogmas, como o princípio da independência funcional dos magistrados, ao extremo. Frise-se que grande parcela dos julgadores pátrios - mormente os que exercem atividade judicante nos tribunais superiores - apesar de decidirem em conformidade com os precedentes e a teoria em estudo, muitas vezes não o fazem às escâncaras, falseando o caminho percorrido por intermédio de outros instrumentos jurídicos, de maneira a evitar possíveis críticas.
Resta dizer que a fundamentação da teoria tratada neste estudo teve como balizamento normas constitucionais garantidoras de direitos fundamentais, bem como a utilização da hermenêutica constitucional. No que concerne ao tipo de investigação, o trabalho foi realizado a partir de um enfoque predominantemente jurídico-sociológico, buscando-se compreender o fenômeno jurídico no ambiente social mais amplo. Foi utilizado o método científico de abordagem indutivo, em que se partiu de dados particulares, suficientemente constatados, inferindo-se uma verdade geral. Objetivou-se, portanto, chegar a conclusões cujo conteúdo é bem mais amplo do que as premissas nas quais se basearam. Nesse intento, foram utilizados livros e artigos científicos publicados, além de outros documentos informativos, consultando-se, precipuamente, a doutrina pátria.
1 DA OBSERVÂNCIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL
Para a correta compreensão da tendência de vinculação dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico pátrio é imprescindível uma abordagem histórica a respeito da evolução do nosso direito positivado e da nossa jurisprudência.
1.1 DA UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES ANTES DA CF/88
A influência dos precedentes judiciais sobre o direito brasileiro evidencia-se desde o período colonial, quando vigoravam, no Brasil, as Ordenações do Reino, que previam os assentos, regulamentados no Título V, §5º, Livro I, das Ordenações Filipinas. Acrescente-se que a Lei da Boa Razão, editada em 1769, consignava que os assentos aprovados pelas Relações teriam força vinculante após aprovados pela Casa de Suplicação de Lisboa. Em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa, que fugia da invasão do Reino pelas tropas de Napoleão, a Relação do Rio de Janeiro adquiriu a qualidade de Casa de Suplicação para o Brasil, com poderes de aprovar assentos. Com a independência do Brasil (7 de setembro de 1822) e a outorga da Constituição de 25 de março de 1824, continuaram a vigorar os assentos expedidos pela Casa de Suplicação Portuguesa. Em 1829, foi instituído o Supremo Tribunal de Justiça, que sucedeu a Casa de Suplicação do Rio de Janeiro. A este Tribunal, como órgão de cúpula do Poder Judiciário, coube a função de lavrar assentos de observância obrigatória (Decreto Legislativo n. 2.684, de 23.10.1875). Vale dizer que estes assentos, assim como os portugueses, após aprovados não podiam ser revistos ou cancelados pelo Judiciário, mas tão-somente por meio de lei.
A partir da proclamação da República (15 de novembro de 1889) e da promulgação da Constituição de 1891, a jurisprudência do STF ganhou força com o artigo 1º do Decreto n. 23.055, de 9.8.1933, que tornava obrigatório a todo o Judiciário brasileiro a interpretação de leis em conformidade com o que dispunha a Corte constitucional. Resta dizer que, na vigência da Constituição de 1934, a codificação, em nosso país, foi responsável pelo desaparecimento da vinculação da jurisprudência, conquanto nem o CPC de 1939, nem o de 1973 previam tal fenômeno.
1.2 DA UTILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES APÓS A CF/88
Após quase seis décadas do CPC de 1934, diversas alterações legislativas, constitucionais e jurisprudenciais vem sendo realizadas de maneira a mudar progressivamente o sistema dos precedentes e, por via de consequência, o sistema constitucional no tocante à fiscalização normativa. Essa mudança de paradigma encontra-se em consonância com a CF/88, uma vez que densifica o seu conteúdo normativo, apesar de inexistir, em seu texto originário, qualquer dispositivo que determine expressamente a vinculação dos precedentes judiciais. Neste contexto, passa-se a exemplificar os mecanismos inseridos no nosso ordenamento jurídico com vistas a ensejar a observância dos precedentes.
O Estado Constitucional brasileiro, diferentemente do Rule of Law, do État de Droit e do Verfassungsstaat, consubstancia-se na existência simultânea de duas formas de controle de constitucionalidade dos atos normativos, a saber: controle concentrado e controle difuso. É cediço que o controle difuso pode ser exercido por todos os juízes a partir do julgamento das causas em que seja suscitado o tema da constitucionalidade de determinado ato normativo na causa de pedir como fundamento da procedência do pedido. No entanto, a Lei Fundamental determina, em seu artigo 97, que somente pela maioria absoluta dos membros dos tribunais, ou do respectivo órgão especial, é possível declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo público, estando tal procedimento disciplinado nos artigos 480 usque 482 do CPC. Trata-se da cláusula de reserva de plenário, também conhecida como cláusula de Full Bench. O parágrafo único do artigo 481 do CPC, que foi incluído pela Lei 9.756/98, dispõe que no caso de a questão de constitucionalidade já ter sido examinada pelo plenário ou por órgão especial do respectivo tribunal ou pelo Plenário do STF há dispensa de submissão do incidente de constitucionalidade [1], tendo em vista a vinculação jurídica existente.
Na hipótese de não ter sido a questão de constitucionalidade examinada anteriormente e, tendo sido admitido o incidente de inconstitucionalidade, será lavrado acórdão e remetido cópia desse a todos os membros do plenário ou do órgão especial, que terá a cognição limitada à aferição de constitucionalidade. Diante da multilateralidade do debate a respeito da compreensão da Constituição, a necessidade da construção de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição e a futura vinculação do que for decidido, pluraliza-se o debate, sendo admitidos ao diálogo judiciário as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pelo ato, o Ministério Público, os legitimados à propositura de ADI e, considerada a relevância da matéria, todos aqueles órgãos ou entidades representativos de setores sociais potencialmente atingidos pela decisão a ser tomada (amicus curiae). Fixada a interpretação que há de ser outorgada à norma, o julgamento do caso no órgão fracionário que suscitou o incidente deve ser retomado estando esse órgão vinculado à solução a respeito da constitucionalidade dada pelo tribunal. Firma-se o precedente, que deve ser respeitado, inclusive pelo próprio tribunal em suas câmaras ou turmas. Trata-se da eficácia intra muros.
A redação dada ao artigo 557, caput, do CPC e a inclusão de seu §1º pela Lei 9756/98 (lei citada alhures, que também disciplina a vinculação dos precedentes em sede da cláusula de reserva de plenário) traz a possibilidade de o relator negar, de plano, recurso manifestamente contrário a enunciado de Súmula ou jurisprudência do respectivo tribunal, do STF ou de qualquer tribunal superior. Lado outro, permite o provimento do recurso pelo relator na hipótese de a decisão atacada encontrar-se em manifesto confronto com enunciado de Súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de qualquer tribunal superior. Nota-se a possibilidade de julgamento monocrático do relator, que age sob delegação de poder, de maneira a respeitar o precedente firmado pelo tribunal, inclusive na hipótese de reexame necessário (enunciado de Súmula n. 253 do STJ); de se destacar, ainda, que para a utilização desse mecanismo basta ser a jurisprudência dominante, a teor do dispositivo em exame - não havendo necessidade de ser ela pacífica – consoante a finalidade do referido dispositivo, qual seja o patrocínio da autoridade do precedente.
Sobre o citado dispositivo cabe salientar que, reconhecidamente, inclusive pelo então presidente do STF, Min. Gilmar Mendes (ver Rcl. 2363/PA), a Corte Constitucional vem dele se utilizando para aplicar os fundamentos determinantes de leading cases. Tal recurso vem sendo utilizado, inclusive, em precedente discutido em controle difuso de constitucionalidade de lei emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto de exame.
Segue a linha dos dispositivos até então citados o artigo 518, §1º do CPC, que dispõe sobre o não recebimento do recurso de apelação pelo juiz quando a sentença estiver em conformidade com enunciado de Súmula do STJ ou do STF. Trata-se de enunciado de Súmula impeditivo de recurso, com inequívoco expediente de compatibilização vertical das decisões judiciais.
O artigo 285-A do CPC, acrescentado pela Lei 11.277/06, ao prestigiar a racionalização da atividade judiciária, a compatibilização vertical das decisões judiciais e a economia processual, possibilita ao juiz dispensar a citação do demandado e prolatar desde logo sentença reproduzindo-se o teor de sentença proferida de total improcedência em outros casos idênticos na hipótese de a matéria controvertida ser unicamente de direito. Por óbvio que, existindo enunciado de Súmula de tribunal local, do STJ ou do STF a respeito do problema jurídico controvertido em ações idênticas, o juiz de primeiro grau pode julgar liminarmente improcedente em conformidade com o enunciado de Súmula. Da mesma forma, jamais poderá o juiz singular julgar, em sede liminar, improcedente o pedido, com base no artigo sub oculis, de maneira contrária à orientação sumulada ou pacificada pelos referidos tribunais. Vale dizer que na hipótese de existir enunciado de Súmula do STF no sentido de improcedência do pleito há obrigação de se julgar liminarmente improcedente o pedido, tendo em vista a vinculação em face do Tribunal Constitucional. Trata-se de decisão de mérito sem citação da parte ré. Nota-se o elevado valor dado ao precedente.
O artigo 543-A do CPC, acrescido pela Lei 11.418/06 (após a EC45/04 que incluiu o §3º no artigo 102 da CF/88), estabelece ser a repercussão geral requisito intrínseco de admissibilidade do recurso extraordinário. A Lei, assim como a EC, objetivou racionalizar a atividade judiciária, permitindo ao STF desempenhar a sua função de outorga de unidade ao direito por intermédio de sua compreensão da Constituição. Unidade esta, diga-se, prospectiva e retrospectiva, pois busca não apenas a compatibilização das decisões judiciais relacionadas aos conflitos já existentes, mas, também, à uniformidade na interpretação constitucional nos conflitos que estão por vir. Nesta linha, consigna o §1º do artigo 543-A do CPC que para efeito da repercussão geral serão consideradas questões que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Este parágrafo traz a aceitabilidade, em sede de recurso extraordinário, de um caso que, podendo se tratar de um leading case, sirva como parâmetro (precedente) a ser observado em futuros julgamentos de casos semelhantes. O §3 º do mesmo artigo traz a presunção absoluta de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a enunciado de Súmula ou jurisprudência dominante do STF. Este parágrafo objetiva aplicar os entendimentos constitucionais reiterados pelo Tribunal Constitucional, para que seus precedentes não sejam desrespeitados por tribunais e juízes de grau jurisdicional inferior. O §5º do precitado artigo, de sua vez, assevera que sendo negada a repercussão geral, esta decisão valerá para todos os recursos que versarem sobre matéria idêntica. Avulta acrescentar que esta decisão vincula a Corte Constitucional (vinculação horizontal), que tem o dever de observar a sua própria jurisprudência, salvo revisão de tese, nos termos de seu RI. É perceptível a predileção do legislador infraconstitucional e do constituinte derivado reformador em dar uniformidade ao posicionamento constitucional tendo como norte os precedentes judiciais.
As Leis 11.418/06 e 11.672/08 que inseriram no CPC a regulamentação a respeito dos recursos repetitivos (por amostragem), também demonstram, mesmo que sob o véu da celeridade e da economia processual, a importância que se vem atribuindo aos precedentes e, por via de consequência, à unidade do direito. Os artigos 543-B (que diz respeito ao STF) e 543-C (que diz respeito ao STJ), do CPC, são aplicados quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. São selecionados recursos que representam de maneira adequada a controvérsia, ficando os demais sobrestados na origem até o pronunciamento do tribunal. Após decisão de mérito proferida por este órgão jurisdicional, os recursos sobrestados serão apreciados na origem, podendo ser declarados prejudicados (quando a decisão do tribunal tenha sido no sentido da decisão recorrida) ou reconsiderados (no caso de contrariedade da decisão do tribunal em cotejo com a decisão recorrida). Notadamente deve haver a vinculação do precedente não apenas diante dos feitos que se encontrem sobrestados, mas, também, diante de outros que tramitam nos demais órgãos do Poder Judiciário, sob pena de se esvaziar a utilidade do instrumento processual.
Vale consignar que a notícia expedida pelo STJ no dia 02 de agosto de 2009 (veiculada pelo sistema push), reconhecendo a ferramenta dos recursos repetitivos como indispensável ao combate à morosidade, destacou que após doze meses de sua regulamentação houve 34% a menos de recursos, tendo sido impedida a subida de quase 35 mil recursos à respectiva Corte. A referida noticia registrou, também, que ao se aplicar o entendimento firmado pelo STJ, há o chamado efeito cascata, com reflexos benéficos nas cortes de jurisdição inferior, uma vez que estas tendem a decidir conforme orientação superior, de sorte a tornar a solução dos conflitos dotada de maior celeridade e qualidade. É oportuno anotar que tais benefícios aplicam-se, da mesma maneira, à sistemática dos recursos por amostragem relacionada ao STF. Imprescindível é a transcrição dos dizeres do Ministro Teori Zavascki - proferidos no bojo da notícia em comento – no que diz respeito aos precedentes:
A observância e valorização dos precedentes por parte dos jurisdicionados e dos órgãos judiciários será, em breve, um fenômeno natural, especialmente porque o sistema dos recursos repetitivos determinará maior estabilidade e previsibilidade na jurisprudência do STJ. Essas características têm relação íntima com a qualidade dos julgamentos: elas serão alcançadas e consolidadas com julgamentos juridicamente consistentes.
Nota-se, por intermédio das palavras do precitado Ministro, a tendência de se valorizar os precedentes, que deverão ser observados não apenas pelos órgãos judiciários, mas, também, pelos jurisdicionados. Na esteira de se demonstrar que a força vinculativa dos precedentes judiciais vem ganhando importância no cenário jurídico brasileiro é imperioso citar, de maneira assaz breve, outros dispositivos que ratificam tal fenômeno.
O artigo 546 do CPC, com a alteração dada pela Lei 8.950/94, disciplina os embargos de divergência, recurso que tem por objetivo uniformizar a jurisprudência interna corporis do STF (compreensão da Constituição) e do STJ (compreensão do direito infraconstitucional federal), de sorte a se firmar precedentes judiciais a serem observados. Nesta direção, convém mencionar o enunciado de Súmula n. 168 do STJ, que impede os embargos de divergência quando a jurisprudência do tribunal tenha se firmado no mesmo sentido do acórdão embargado.
De se mencionar, ainda, o §3º do artigo 475 do CPC (incluído pela Lei 10.352/01), que dispensa o reexame necessário diante de precedente fixado, e o §3º do artigo 544, do mesmo codex (com redação dada pela Lei 9.756/98), que traz a possibilidade de o relator conhecer do agravo de instrumento para dar provimento ao recurso especial quando a decisão atacada estiver em contrariedade com enunciado de Súmula ou jurisprudência dominante do STJ. Vale dizer que, utilizando-se do mesmo raciocínio, nada obsta a admissão do agravo de instrumento para que se negue provimento ao recurso especial inadmitido na origem quando a decisão impugnada estiver em conformidade com enunciado de Súmula ou jurisprudência dominante do tribunal.
A respeito da CLT, cabe explicitar seus artigos 896 (redação dada pelas Leis 9756/98 e 9957/00) e 896-A (acrescido pela MP n. 2.226/01), que versando sobre o recurso de revista, objetivam a uniformização interpretativa e a observância dos precedentes do TST, além de exigirem para o seu exame a necessidade de a divergência ser atual (ainda não pacificada em enunciado de Súmula ou inexistir notória jurisprudência deste tribunal) e da causa oferecer transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, na explícita intenção de se admitir apenas leading cases com o fito de se fixar novos precedentes a serem observado.
O artigo 14 da Lei 10.259/01, de sua vez, ao versar sobre o pedido de uniformização da interpretação de lei federal no âmbito dos juizados especiais federais também oferta relevo aos precedentes judiciais, uma vez que tem como pretensão aplicar entendimento proferido pelas turmas de uniformização (TRU e TNU) ou pelo STJ, de sorte a demonstrar que o precedente há de ser observado por magistrados e turmas recursais. Interessante é salientar que, na intenção de atribuir unidade ao direito, o pedido em tela se utiliza, por similitude, do procedimento dos processos repetitivos com o sobrestamento dos feitos e a vinculação do precedente fixado pelo STJ a eles.
A mudança que chancela de vez o fenômeno que se descreve advém da EC45/04, que estatui as "Súmulas vinculantes", com a inclusão do artigo 103-A na Lei Fundamental. Este dispositivo consigna que depois de preenchidos os requisitos (reiterados julgados sobre a matéria constitucional e decisão de dois terços dos membros do tribunal) o STF aprovará enunciado de Súmula com efeito vinculante, ou seja, de observância obrigatória em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, englobando todos os entes federativos. No §1º do artigo sub examen há o demonstrativo de que o objetivo deste instrumento é dirimir controvérsia atual entre órgãos judiciários - ou entre esses e a administração pública - que acarrete grave insegurança e relevante multiplicação de processos. O §3º do dispositivo em comento, de sua vez, estabelece ser passível de reclamação ao STF o ato administrativo ou decisão judicial que contrariar enunciado de Súmula vinculante ou indevidamente o aplicar. Há evidente intenção de se unificar a compreensão constitucional tornando-a obrigatória. É válido mencionar que o efeito vinculante e a reclamação serão abordados em tópicos próprios.
No tocante à jurisprudência constitucional é evidente o recrudescimento da valorização ofertada aos precedentes judiciais e a sua vinculação. Exemplo marcante é a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, que não deixa de ser uma das espécies de transcendência dos motivos determinantes. Neste ponto, é imperioso destacar o caso da cidade de Mira Estrela (ver RE 197.917/SP), quando o STF, ao interpretar o artigo 29, inciso IV, da CF/88 em controle difuso, firmou parâmetro aritmético proporcional relacionado à limitação do número de vereadores em cotejo com a população municipal. Após o referido RE, o TSE editou resolução seguindo o entendimento do STF de maneira a expandir seu posicionamento. Em ADI ajuizada em face da citada resolução (ver ADI 3345/DF e ADI 3365/DF) houve improcedência do pedido com fundamento no precedente firmado pelo tribunal no referido RE. O mesmo expediente foi utilizado posteriormente por diversas vezes em controle difuso (ver RE 199522/SP, RE 273844/SP, RE 266994/SP, RE 300343/SP e RE 282606).
Outro exemplo importante é o que diz respeito à progressão de regime no cumprimento de pena diante na lei dos crimes hediondos (ver HC 82959/SP), quando foi admitido o uso da reclamação (ver Rcl 4335/AC), em processos distintos, com o fito de se reconhecer a nova inteligência do princípio da individualização da pena assentada na inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (redação anterior à dada pela Lei 11.464/07). Nota-se a reiterada utilização dos precedentes (ratio decidendi) nas decisões prolatadas, traduzindo a nova tendência do Tribunal Constitucional. Vale aventar que o expediente utilizado, em última análise, equivale à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional em controle difuso, não obstante à discussão a respeito da mutação constitucional relacionada ao artigo 52, inciso X, da CF/88, segundo a qual a competência para o Senado se limitaria a dar publicidade à referida suspensão. No tocante ao controle normativo abstrato - tema que será detalhadamente estudado - a vinculação dos precedentes também vem ganhando guarida jurisprudencial.
Por todo o exposto, nota-se, que tem sido atribuído elevado valor à jurisprudência e aos enunciados de Súmula dos tribunais, mormente quando emanados do STF. Disto decorre, na seara constitucional, que o sistema de constitucionalidade brasileiro movimenta-se ao encontro de sistemas alienígenas, sem, contudo, perder a sua identidade. Não se trata de homogeneização entrópica dos sistemas. Existe apenas semelhança com o direito costumeiro, conquanto neste modelo a observância dos precedentes ocorra naturalmente. É conceito de costume a reiteração constante e uniforme de uma conduta, na convicção de esta ser obrigatória. Desta feita, nos países de common law, desenvolve-se a repetição, em casos idênticos, de critérios já adotados por questão de coerência em razão da igualdade e previsibilidade das decisões. Frise-se que os juízes ingleses sempre tiveram a tendência de procurar em decisões anteriores de casos normativamente análogos o sentido da decisão da espécie. Diferença crucial nota-se diante da evolução do sistema brasileiro que se baseia em prescrição legislativa, em que pese existir tendência jurisprudencial no sentido de se observar os precedentes mesmo diante de situações que inexista comando normativo neste sentido. Como descrito, esta nova tendência iniciou-se e reiniciou-se tendo como lastro legislação infraconstitucional, sendo imperioso destacar, neste ponto, a elevada contribuição da multicitada Lei 9.756/98.