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A desconsideração da personalidade jurídica aplicada às associações

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19/06/2010 às 00:00
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5. Considerações finais

Além da plausibilidade de abuso da personalidade jurídica das associações, caracterizada pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o que por si só justifica a aplicação da teoria comentada, todos os elementos da desconsideração da personalidade jurídica podem ser encontrados quando aplicada às associações. Nas associações ocorre personificação e a desconsideração desta implica na ignorância dos seus efeitos, de modo que a separação patrimonial é afastada no caso concreto. O ato jurídico praticado pela associação é mantido em sua eficácia e validade, contudo as repercussões daquele ato alcançam o patrimônio dos associados ou administradores das associações. O afastamento da distinção patrimonial e dos efeitos da personificação tem o escopo de evitar a perpetração de fraudes ou o abuso através da associação em detrimento de interesses de pessoas que figuram em relações jurídicas junto àquela corporação.

O jurista é o responsável pela interpretação da lei em conformidade com a realidade social vivida e, como exprime Alexandre Couto Silva (2004, p. 453), "não pode limitar-se à mera interpretação de um direito objetivo que tem a pretensão de ser perfeito e infalível, devendo assumir uma função propulsiva capaz de tornar o direito positivo sempre mais de acordo com as necessidades concretas da sociedade". O trabalho hermenêutico, embora construtivo, deve ser científico e criterioso, porquanto, retornando às lições de Miguel Reale (1998, p. 82),

"A certeza das ciências sociais é obtida mediante o rigor do raciocínio, a objetividade da observação dos fatos sociais e concordância de seus enunciados. Quando uma ciência social obedece às exigências ora apontadas, ela estabelece princípios e leis. Não são leis de causalidade, como as da Física, mas leis de tendência, isto é, leis que asseguram certo grau de certeza e previsibilidade. Visto se basearem em dados estatísticos e probabilísticos, ou por terem sido estabelecidas "com rigor", à vista da observação positiva dos fenômenos ou fatos sociais". (grifos do autor)

O abuso da personalidade jurídica das associações é um fato social observável e previsível. Encontramos no artigo 50 do Código Civil o fundamento legal para construção do modelo jurídico disciplinador deste abuso, por meio das interpretações gramatical, lógico-sistemática, teleológica e histórica, de modo a evidenciar a aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica às associações. A desconsideração da personalidade jurídica continua sendo um instituto jurídico muito novo e de difícil compreensão, principalmente nos países que derivam do direito continental europeu, como nosso sistema. A teoria que lhe dá suporte, contudo, se apresenta como ferramenta jurídica útil e eficaz na tarefa de inibir o abuso da personalidade jurídica das associações, corrigindo as situações injustas decorrentes desta conduta.


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Notas

  1. ENSINO superior na mira dos investidores. Universia Brasil, São Paulo, 20 out. 2003. Disponível em: http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?id=2308. Acesso em 26 abr. 2007.
  2. Paulo Bonavides menciona ainda os direitos de quarta geração (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 524-526), mas seu exame fugiria por demais nosso propósito.
  3. IBGE. Perfil das fundações privadas e associações sem fins lucrativos em 2002. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/fasfil/comentario.pdf. Acesso em 26 abr. 2007.
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Sobre o autor
Jairo Cavalcanti Vieira

Procurador Geral do Ministério Público de Contas do Maranhão, Especialista em Direito Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Jairo Cavalcanti. A desconsideração da personalidade jurídica aplicada às associações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2544, 19 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15064. Acesso em: 25 abr. 2024.

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