Penitenciando-me por parafrasear o lema da campanha contra a violência, lanço a minha irresignação.
Quotidianamente, tem-se visto reiterados atos de ofensa e, também, de violência à democracia, tão arduamente conquistada pela nação brasileira.
São medidas provisórias, reeditadas sem que se aponte a relevância e urgência das mesmas, afrontas ao direito de propriedade, aos direitos fundamentais dos cidadãos, abusos de poder, tráfico de influência com garantias oficiais, etc.
Todavia, o que mais tem chamado a atenção são os atos que visam o desprestígio das instituições. Atos especialmente voltados, dolosamente, a desprestigiar o Poder Judiciário, mesmo que à custa da moralidade pública.
Em artigo intitulado "AS DIATRIBES DE ACM E O CIRCUS BRASILIENSIS", o Desembargador aposentado e advogado militante no Estado de Mato Grosso do Sul, Dr. José Rizkallah, anotou que "o palco do circo brasiliense está hoje monopolizado pelo trêfego senador baiano, mais do que nunca sedento de ribalta. Agora, levantando os punhos cerrados e fazendo outros gestos a seu gosto, lança, como nova peça, toda a sorte de impropérios contra o Poder Judiciário nacional. Em seu estultilóquio, brada, textualmente, que fará instaurar uma C.P.I. para apurar denúncias de corrupção e outras irregularidades nepotismo e desperdício praticados pelo poder judiciário." (in site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul www.tj.ms.gov.br)
Pois bem, agora o ilustre Senador baiano levanta, mais uma vez, seu punho cerrado e empresta condenável apoio à edição casuísta e imoral da Lei 9.996, que anistiou os candidatos que cometeram infrações durante os pleitos eleitorais de 1996 e 1998.
Conduta deste jaez não causa espanto, todavia, irresignação.
Tão-só para lembrar, ato legislativo igualmente imoral já fora editado.
A Lei Federal nº 8.985, de 07 de fevereiro de 1995, concedeu anistia aos candidatos às eleições de 1994, processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente declaração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pela prática de ilícitos eleitorais previstos na legislação então vigente, que tiveram relação com a utilização dos serviços gráficos do Senado Federal.
Diversas máculas pesam em desfavor de normas desta espécie malsinada.
Aliás, com muito acerto, a OAB, através do Conselho Federal, ajuizou Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, buscando extirpar mais um absurdo do mundo jurídico, qual seja, a Lei 9.996/2000.
Dentre os fundamentos invocados em tal ajuizamento, a OAB reporta-se à ofensa ao princípio da moralidade pública, bem como ao princípio da independência entre as Funções, ao ceifar os veredictos lançados pelo Poder Judiciário.
Nada mais acertado.
É evidente a ofensa à moralidade pública, pois, como bem lembrou-se na ação aforada, os parlamentares legislaram em causa própria, ferindo, de morte, os mais comezinhos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito.
A moralidade pública, erigida a nível constitucional, agora desfruta de status normativo, sendo, portanto, perfeitamente possível sua investigação pelo Poder Judiciário que, através de seu órgão de cúpula, confia-se, deverá expurgar tamanha afronta aos sentimentos éticos vigentes em nossa sociedade.
Em pesquisa realizada através da internet, pelo Jornal Correio do Estado, nada menos que 93,33% das pessoas que opinaram, discordaram da edição da Lei 9.996/2000. Mais uma vez, então, o Poder Legislativo posiciona-se contrariamente à vontade do povo que representa.
Estes fatos, sem dúvida, acarretam imensa indignação, especialmente durante o ano eleitoral.
Deve-se destacar que, hodiernamente, a questão da moralidade tem despertado especial interesse da sociedade, em razão das conseqüências sociais e jurídicas ensejadas pelo crescente senso ético que começa a se arraigar no seio da nação brasileira.
Indaga-se, por conseguinte, onde tal diploma legal, que somente poderia ser editado buscando o bem coletivo, traz benefícios à sociedade? Evidentemente, que em lugar nenhum. O ato legislativo revela-se, sobretudo, indecoroso.
A relevância jurídica do princípio da moralidade impede, destarte, que qualquer cidadão se cale, subservientemente, ao manifesto abuso levado a cabo através da anistia antes referida.
Não há necessidade de qualquer indagação de cunho filosófico para se chegar à conclusão aqui averbada, porquanto a medida colide, à toda evidência, com os sentimentos éticos e morais do homem médio.
Aliás, de quem, a pretexto de fazer apologia da moralidade, ataca, sem qualquer critério, o Poder Judiciário como um todo não se poderia esperar outro comportamento.
Eis aí mais um caso apto a ensejar uma "CPI do legislativo", já que se vulgarizou tão relevante instituto na busca de espaço na mídia.
Sob outra angulação, também resta induvidosa a ofensa ao princípio da independência entre os Poderes, na medida em que o Legislativo se imiscui em questão sobre a qual já pende o manto da coisa julgada.
De efeito, a própria Carta Constitucional estatui o princípio da irretroatividade da lei, não valendo o argumento de que esta veio em benefício daqueles maus candidatos.
Como se afirmou acima, o mais grave de toda esta situação reside no malferimento aos princípios inerentes ao Estado Democrático de Direito e, por conseguinte, à própria democracia.
Com efeito, o que causa maior espécie em tais fatos é que se vislumbra neles o desiderato de ofender-se um Poder com o escopo de manietá-lo, como se já não bastasse a utilização do orçamento com tal finalidade.
Ouso aqui dizer que, em certos momentos, falta ao Judiciário a noção de que constitui-se num Poder e, bem por isto, deve fazer valer suas decisões, formadas, no mais das vezes, sob o espírito isento, imparcial e legalista, mas sobretudo justo.
Deve-se, então, a nosso sentir, repelir, de plano, tais espécies de atentado, o que por certo exige postura ativa, sem ser agressiva. Agir e não reagir.
Vista a questão de outra forma, a independência e a autonomia dos poderes não passará de letra morta, o que vem em prejuízo da própria população.
Aliás, não seria de estranhar que Montesquieu, estruturador da teoria da independência dos poderes, reencarnasse para re-explicar tal teorização, trazendo consigo Aristóteles, quem primeiro idealizou tal pensamento.
A desconfiança no Poder Judiciário, a quem interessa? Evidentemente que a quem sempre viveu à revelia, não da lei, mas da justiça, porque a lei se edita conforme os interesses das oligarquias dominantes. Sempre foi assim.
O Estado nazista, assim como o comunista, recheados de leis injustas e imorais, constituíram-se amparados pela legalidade, nem sempre moral. Os regimes de exceção, implantados no Brasil em duas ocasiões neste século, similarmente encontraram arrimo na lei positivada.
O povo brasileiro, portanto, deve ter cautela, ficar atento.
Suprime-se verbas do Poder Judiciário, pagando-se mal e impontualmente, na maioria dos Estados. Não há funcionários em número adequado e tais funcionários não são treinados e, também, são mal remunerados. Os cartórios judiciais carecem até mesmo de material para o desenvolvimento de seu trabalho. Nos rincões do Brasil há fóruns despedaçando-se. O executivo, muitas vezes, sequer possibilita o cumprimento das ordens judiciais pela ausência da força policial. Acresça-se a tudo isto, que o reduzido número de magistrados são submetidos a uma sobrecarga de trabalho absurda. Veja-se que na Alemanha há 1 (um) juiz para cada 3 (três) mil habitantes, enquanto no Brasil há 1 (um) juiz para cada 30 (trinta) mil.
Isto não é manchete.
Ocorre que, quando um juiz classista, ou seja, um juiz não togado (figura que nem deveria existir e só surgiu por imposição e iniciativa do executivo e pela inércia do legislativo), frauda a nação em milhões de dólares em companhia de um senador, suspeita-se o JUDICIÁRIO é manchete. Quando um processo sofre delongas, o JUDICIÁRIO também é manchete.
Há que se ter um mínimo de autocrítica, evidente. O Poder Judiciário precisa melhorar-se.
Todavia, como fazê-lo se as dotações orçamentárias, apesar da crescente voracidade do fisco, são decrescentes? Como fazê-lo se os senhores legisladores não se dignam a elaborar leis mais justas e que impeçam a chicana? Como fazê-lo se o executivo, além de praticar reiteradas ilegalidades contra os administrados, mesmo sabendo não ter razão, recorre sistematicamente das decisões judiciais contrárias ao interesse do tesouro, mesmo que favoráveis aos reclamos da coletividade, visando apenas o equilíbrio de suas contas?
São perguntas que devem ser respondidas, se não pelos governantes, pelo povo.
De tudo isso que se narrou, resta um consolo.
O Brasil vive a democracia em sua tenra idade e, não se pode esquecer, ainda é governado por boa parte daqueles que formaram-se e deformaram-se sob as benesses do regime de exceção, fato que traz a esperança de algum dia, chegada a maturidade, ver-se respeitado, pelo menos, o mandamento constitucional insculpido no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, donde extrai-se que todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.