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Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas

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01/09/1998 às 00:00
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4. Transgressão e punição disciplinares militares face à CF/88

4.1 Considerações preliminares

É mister trazer um esclarecimento sobre o conceito e distinção existentes entre transgressão e punição disciplinar militar, a despeito de o constituinte se referir a ambas como se fossem a mesma coisa e tivessem o mesmo sentido.

A Carta Política Cidadã de 1988, nos dispositivos infracitados, estatui apaertis verbis:

"Art. 5º...

LXI- ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão disciplinar ou crime propriamente militar, definidos em lei."

Art. 142...

§ 2º - Não caberá Habeas Corpus em relação a punições disciplinares militares."

A priori, antes de se adentrar ao cerne da análise aos dispositivos suso transcritos, é mister trazer a lume os elementares conceitos de transgressão militar e de punições militares disciplinares, porquanto etímológica e essencialmente distintas; bem como também imperioso definir prisão e detenção, espécies do gênero punições disciplinares militares, conforme se verá.

4.2 Transgressão militar ou transgressão disciplinar militar

É de se ver que a transgressão militar, referida do inciso suso transcrito, constitui-se em mera norma administrativa - ato administrativo normativo, consubstanciada em REGULAMENTOS DISCIPLINARES DAS FORÇAS ARMADAS e, in casu, do RDPMAL, aprovado pelo Dec. Est. nº 4598/81, de 23 de janeiro, e não em Lex Castrense, i.e., definidas em Legislação Disciplinar Militar, não "definidos em lei"- formal e legítima.

Para a verificação de transgressão militar ou transgressão disciplinar militar devem-se observar, principalmente, os chamados regulamentos disciplinares de que dispõem as Forças Armadas, e as PM e CBM estaduais, territorial e distrital possuem. E, "cada força singular tem o seu respectivo regulamento, onde se delineiam as diferentes sanções disciplinares e modos de aplicação" (46), acrescente-se as diversas transgressões, posto que sanção (punição) diferença de transgressão; esta é a violação, aquela medida coativa.

O Regulamento Disciplinar da Marinha (RDMAR), baixado pelo Decreto nº 88. 545, de 26 de julho de 1983, chama a transgressão disciplinar de "Contravenção Disciplinar", definindo-a como:

"(...) Toda ação ou omissão contrária às obrigações ou deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a organização militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime" (Art.6º).

O Regulamento Disciplinar do Exército, aprovado pelo Decreto nº 90.608, de 04 de dezembro de 1984, (R/4) ou RDE, como é mais conhecido, define transgressão militar como:

"(...) qualquer violação dos preceitos de ética, dos deveres e das obrigações militares, na sua manifestação elementar e simples. Distingue-se do crime, militar ou comum, que consiste na ofensa a esses mesmos preceitos, deveres e obrigações, mas na sua expressão complexa e acentuadamente anormal, definida e prevista na legislação penal."(Art. 12 caput).

O Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER), vigente com o Decreto nº 76.322, de 22 de Setembro de 1975, denomina de Transgressão Disciplinar como sendo:

"(...) toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificado nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar."(Art. 8º).

Todos, no entanto, trazem uma relação do que consideram transgressão disciplinar ou Contravenção Disciplinar: o primeiro com 84; o 2º com 121 e último com 100.

Todavia, todos três, ad cautelam, acrescentam que também consideram transgressão (ou contravenção) disciplinar militar,

"(...) todas as ações ou omissões, não especificadas na relação, nem qualificadas como crime nas leis penais brasileiras, que afetam a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe e outras prescrições estabelecidas no Estatuto dos Militares, leis e regulamentos, bem como aquelas praticadas contra normas e ordens de serviços, emanadas de autoridade competente," consoante se vê do Art. 13, nº 2 RDE; do Art. 10., parágrafo único do RDAER; e do Art. 7, parágrafo único da RDMAR.

O RDPMAL, portanto, seguindo-se ao RDE, que lhe serviu de fundamento, só e somente só adequando-se aos misteres da OPM alagoana, à semelhança do R-4, define Transgressão Disciplinar como

"| ...| qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres e das obrigações policiais militares, na sua manifestação elementar e simples e qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos em lei, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crime."(Art. 13) (sic).

E, mais, elenca 126 transgressões no anexo I, de que trata o inciso I do Art. 14, e, seguindo-se aos das forças singulares, acautela-se ao considerar o plus como transgressão disciplinar:

"(...) todas as ações, omissões ou atos não especificados na relação das transgressões do anexo citado, que afetam a honra pessoal, o pundonor policial-militar, o decoro da classe ou o sentimento do dever e outras prescrições contidas no Estatuto dos Policiais Militares, leis e regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviço estabelecidas por autoridade competente." (Art. 14, II) (sic)

Resta claro, portanto, que o conceito de transgressão disciplinar é de amplitude universal, lato sensu, como também o poder discricionário da autoridade competente, porquanto depende tão-só e somente só do seu livre alvedrio e talante considerar como transgressão "todas as ações, omissões ou atos não especificados" no rol das transgressões e que afetem além dessas todas as outras prescrições em leis, regulamentos, regras e, inclusive, ordens da "autoridade competente."

Não há, pois, como livrar-se de uma sanção disciplinar, se assim "decidir" a autoridade competente, mormente se espezinhados os mais comezinhos princípios de direito e do direito-garantia de apuração regular da falta, do due process of law, do contraditório e da ampla defesa, que, como veremos ver neste, o indigitado RDPMAL não garante ao possível transgressor acusado do cometimento de uma "falta" qualquer desse " infinito universo disciplinar."

4.3 Punições disciplinares militares (sanção, pena)

Punição Disciplinar Militar constitui-se, pois, de meio, forma ou medidas coercitivas de reprimir o transgressor (culpado) acusado de ter violado ou descumprido preceito, norma disciplinar ou ordens legais de superior hierárquico. Seria noutras palavras a medida corretiva do transgressor. É, pois, a sanctio aplicável à ofensa disciplinar. É efeito do ato disciplinar, que configura a transgressão disciplinar, portanto, resultado da conduta anti-regulamentar.

E, de acordo com o RDPMAL, no seu Art.23, são as seguintes :

"As punições disciplinares a que estão sujeitos os policiais-militares, segundo a classificação resultante do julgamento da transgressão, são as seguintes, em ordem de gravidade crescente: I - advertência; II - repreensão; III - detenção; IV - prisão e prisão em separado; V- licenciamento e exclusão a bem da disciplina. Parágrafo único - As punições de detenção e de prisão não podem ultrapassar de trinta dias." (47)

Aliás, o parágrafo acima atendia ao § 2º do Art. 46, da Lei Est. nº 3696/76 (48), cujo teor era litteris: "As penas disciplinares de detenção e prisão não podem ultrapassar de trinta dias." E atualmente, o § 2º, do Art. 35 da Lei Est. nº 5346/92 tem a mesma redação supra.

O Art. 24 do RDPMAL, define a Advertência como sendo "...a forma mais branda de punir. Consiste numa admoestação feita verbalmente ao transgressor, podendo ser em caráter particular ou ostensivamente."(sic). e o seu § 1º., diz: "Quando ostensivamente poderá ser na presença de Inferiores, no círculo de seus pares ou na presença de toda a tropa."(sic); enquanto o § 2º assevera: "Advertência, por, ser verbal, não deve constar das alterações do punido, devendo, entretanto, ser registrada em sua ficha disciplinar."(sic).

A repreensão "é a punição que, publicada em boletim, não priva a punido da liberdade."(sic) - Art. 25.

Já a detenção, "consiste no cerceamento da liberdade do punido, o qual deve permanecer no local que lhe for determinado, normalmente o quartel, sem que fique, no entanto confinado."(sic) - Art. 26. caput - g.n.

Enquanto a prisão, "consiste no confinamento do punido em local próprio ou determinado para tal."(sic). Art. 27 caput. - Voltar-se-á essas duas modalidades mais adiante, neste trabalho.

Entrementes, no sentido do texto Constitucional, José Cretella Júnior (49) averba:

"(...) prisão é o apoderamento da pessoa física do homem, privando-o da liberdade; detenção; encarceramento: ‘É o fato de ser o indivíduo impossibilitado de locomover-se’. A prisão importa ofensa à liberdade física ou individual que, como se sabe, se compõe de liberdade corporal, do ‘corpus’, ou da que tem todo homem de dispor de sua pessoa, da liberdade de pensar e da liberdade de dispor do fruto de seu trabalho."

E, sobre este tema, continua o escólio do aludido mestre,

"(...) Ora, ponderando-se que nem todas que são acusados podem ser criminosos, e que perante os princípios de justiça absoluta, só depois de sentença codenatória irrevogável, desaparece a presunção de que não há culpado (...) compreende-se que só por necessidade pode o poder social servir-se da prisão preventiva que, no caso de inocência do acusado, constituirá a MAIS GRAVE OFENSA À LIBERDADE INDIVIDUAL."

grifos do autor.

Dessarte, dando seguimento ao mister e ainda segundo escólio do citado publicista,

"(...) A prisão, ou seja, a limitação da liberdade física, somente pode ser determinada pela lei- lei penal, de direito material ou de direito formal-, ou por lei federal ordinária de conteúdo criminal (...) o preceito constitucional analisado afirma a segurança pessoal, salvaguarda a liberdade do homem, proscreve o arbítrio (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição brasileira, 6ª edição, São Paulo, 1986, Ed. Saraiva. p. 597)."

Resta claro, portanto, que o Constituinte de 88 não foi preciso, e, até dir-se-ia, cometeu um deslize, pois ora chama de transgressão militar (Art.5º.LXI) - que, como vimos de ver, é ato, e ora denomina como punição disciplinar militar (§ 2º, do Art. 142) - resultado, pois, desse ato.

Realmente, e de fato, a novel Carta é expressa e clara, quando diz que "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares." até porque nem todas as punições são restritivas de liberdade, como visto supra, e o habeas corpus se presta tão-só a salvaguarda do direito de locomoção. Seria incompreensível e até ilógico impetrar habeas corpus contra, por exemplo, advertência, repreensão verbal ou repreensão escrita, punições disciplinares que são.

De modo aparente, segundo Univaldo Corrêa (50),

"(...) pelo menos, parece que a questão está definida: quando se tratar de punição disciplinar, segundo os regulamentos Militares, no âmbito portanto dos quartéis, aplicada a militares, o conhecido ‘remédio heróico’ não poderia ser usado em favor do prejudicado ou do assim punido."

Todavia, não é isso que se deve entender, mormente diante do preceptivo constitucional insculpido no Inciso LXVIII do mesmo Art. 5º, que trata justamente do Habeas Corpus. É o que se verá mais adiante.


5. Dos Poderes da Administração (hierárquico, disciplinar e regulamentar) e dos atos administrativo

5.1 Considerações preliminares e gerais

Consoante visto de ver durante o discorrer desta tese e conforme assevera e leciona o mestre Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quanto a legalidade e outros princípios fundamentais exigidos pela nova ordem jurídica:

"Exige a Lei Magna que a Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional paute sua atividade com obediência, dentre outros, dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

A doutrina do Direito Administrativo tem sido unânime na afirmação de que tais Princípios são inerentes à atividade administrativa, vedando aos agentes do Poder Público qualquer atuação deles divorciado.

Não é, portanto, novidade que se exija da Administração Pública o respeito aos princípios considerados fundamentais, os quais, ganharam, agora, dignidade constitucional" (51).

É cediço que à Administração Pública e, por, conseguinte, ao Administrador, não bastam apenas e tão só uma relação de não-contradição à Lei, mas, principalmente, de uma relação de subsunção ao princípio da legalidade, consoante tem asseverado a doutrina pátria, com vista ao atendimento do interesse público, que, segundo Hely Lopes Meirelles, "é a aspiração de uma coletividade para a obtenção de um bem, de uma atividade ou de um serviço de fruição geral." (52), porquanto decorre da máxima: "suporta a lei que fizeste."

Segundo o iluminado autor suso citado, os poderes administrativos nascem com a administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. E são classificados, dentro dessa diversidade, consoante a liberdade da administração, para a prática dos seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia. Entretanto, ao nosso estudo, interessa-nos apenas o hierárquico, o disciplinar e o regulamentar.

É de ressaltar, entrementes, que o princípio da legalidade impõe que o agente público observe, fielmente, todos os requisitos expressos em lei como essência do ato vinculado. Implica, pois, praticar o poder administrativo, ao expedir o ato, com todas as minúcias especificadas na LEI. Aliás, nesse sentido, mansa e pacífica a jurisprudência pátria, pautada pelos princípios expressos pelo STF:

"A legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos estejam definidos em LEI como vinculadores do Ato administrativo" (53)- grifei -

Doutra parte, pois, sobre poder vinculado e discricionário vide: Caio Tácito, Poder vinculado e poder discricionário, RDPG/91; Fernando Henrique Mendes de Almeida, Vinculação e discrição na teoria dos atos administrativos, RT/367/17; Diógenes Gasparini, Direito administrativo, p. 87/89, etc.

5.2. Poder hierárquico

Poder hierárquico, segundo Hely Lopes Meirelles, (54) é o que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores de seu quadro de pessoal. Poder hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos por serem os sustentáculos de toda organização administrativa, mormente de uma instituição policial-militar como a PMAL.

Pode-se, portanto, conceituar a hierarquia como sendo uma relação de distribuição escalonada e gradativa existente entre os vários órgãos da Administração Pública ou entre os vários postos (patentes) e graduações existentes numa corporação, empresa, instituição, etc.

O poder hierárquico, por sua vez, objetiva ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito dessa ou daquela instituição ou corporação, ou da Administração Pública direta ou indireta.

Pela hierarquia, portanto, é que se impõe ao subordinado, ao subalterno, a estrita e pronta obediência às ordens e instruções legais de seus superiores hierárquicos e, assim, define-se a responsabilidade de cada um. As ordens e determinações legais devem ser bem e fielmente cumpridas, sem ampliação ou restrição ao exato sentido da ordem determinada pelo superior hierárquico, a menos que sejam ordens manifestamente ilegais. Aliás, nesse sentido, sábia a lição do mestre Hely Lopes Meirelles, (55) "...a doutrina não é uniforme, mas o nosso sistema constitucional, com o declarar que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI" "(Art. 5º, II), torna claro que o subordinado não pode - e nem deve, ao nosso modo de ver - ser compelido, pelo superior, a praticar ato evidentemente ilegal", sob pena de ilegalidade ou abuso de poder (excesso ou desvio de poder).

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O respeito hierárquico, ou seja, a estrita, disciplinada e pronta obediência ao superior pelo subordinado, não tem o condão de suprimir, anular ou alijar, "no subalterno, o senso do legal e do ilegal, do lícito e do ilícito, do bem e do mal." O subordinado, portanto, pelo respeito que dispensa o seu superior, não deve transformar-se em mero autômato executor de ordens ao ponto de anular e desprezar sua razão, inteligência e iniciativa, no tocante ao desempenho de suas atribuições, e, nos restritos limites de sua esfera de competência (56).

Noutras palavras, o dever de obediência não anula ou aniquila a lógica, razão e inteligência do subalterno. Daí, como ensina o suso citado autor, não ser lícito ao subordinado descumprir ordens "senão quando se apresentarem manifestamente ilegais, somente as que se evidenciarem, ao senso comum, contrárias ou sem base na LEI, é que permitem ao subalterno lhe recusar cumprimento" (57)(gn); ausente essa hipótese, o descumprimento ou retardamento da ordem pode ensejar falta disciplinar ou crime funcional (prevaricação), previsto e definido no Art. 319 do CP e no Art. 319 do CPM

Do poder hierárquico - ainda seguindo o escólio do mestre Hely Lopes Meirelles - decorrem faculdades implícitas, ao superior, tais como dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar a avocar atribuições, e a de rever os atos dos inferiores. - vide, nesse sentido, acurado e detido tema in. op. cit. p.p. 100/102.

5.3 Poder disciplinar

Poder disciplinar (58) é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais subalternos sujeitos à disciplina dos órgãos, instituições e corporações da Administração Pública, no seu âmbito interno.

Essa faculdade - como bem explícita o inolvidável e luminar Álvaro Lazzarini, (59)- está empregada no sentido jurídico, que exprime o próprio exercício do direito subjetivo do administrador público, exteriorizado na faculdade de agir (facultas agendi). Não significa, em absoluto, a possibilidade de deixar de punir o faltoso.

"O poder disciplinar tem o seu fundamento, a sua razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público." Ele, na realidade, "é um atributo do superior hierárquico. Todavia, embora correlatos, não se confundem os poderes disciplinar e hierárquico"

- cf. A. Lazzarini op. cit.

E, mais ainda, acentua o mestre, "que, no caso, a hierarquia implica em relação do serviço entre os que liga. Não basta que um funcionário tenha categoria superior à outra para que possa, só por isso, dar ordens e exigir acatamento", (ou - acrescentamos - mesmo puni-lo) "O caso, então, comporta a velha distinção entre a hierarquia resultante da gradação. Só o superior funcional, via de regra, pode exigir acatamento às ordens que tenha dado ao seu subordinado funcional."

Desse modo, da assertiva acima do ilustrado publicista Álvaro Lazzarini, infere-se que, não basta ser superior hierárquico, é imprescindível que haja relação de subordinação funcional direta, para que se dê ensanchas à aplicação do poder disciplinar punitivo, o qual decorre do Poder Hierárquico funcional sobre o subordinado transgressor e desde que haja o cometimento da falta pelo subordinado.

Outrossim, analisando outra averbação do ilustre e admirado autor e nosso mestre quanto "... a transgressão disciplinar, a ser reprimida pelo detentor do poder disciplinar, mediante sanções, ou seja, mediante penas ou punições a serem impostas, em regra, mediante regular procedimento administrativo disciplinar..." (60)-grifei - ousaríamos acrescentar dever-se sempre apurar regularmente a falta disciplinar, pena de nulidade, face ao disposto no Art. 5º, LV, CF/88, que assegura "aos acusados em geral" o contraditório e ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, notadamente se se tratar de sanção restritiva da liberdade de locomoção (prisão/detenção) do transgressor, consoante escólio de Diógenes Gasparini, que assim leciona:

"(...) à vista do que prescreve o inc. LV do Art. 5º da Constituição Federal (...) sempre que se tiver um servidor acusado de infração, o processo administrativo disciplinar é obrigatório, pois só nessa espécie de processo podem realizar-se, efetivamente, essas garantias constitucionais." (61)

Inclusive, admite e assevera Diógenes Gasparini que:

"(...) os institutos da verdade sabida (conhecimento pessoal da infração e aplicação direta da pena pela autoridade competente) e do termo de declaração (aplicação direta da pena em razão da confissão, em termo, do seu autor), previstos em lei como meios de aplicação de pena, estão proscritos de nosso ordenamento jurídico." (62)- grifos do autor.

Tornará a este, ao depois, quando tratar-se da sanção disciplinar de prisão e detenção prevista no RDPMAL.

5.4. Poder regulamentar

O poder regulamentar, para Hely Lopes Meirelles (63), é a faculdade de que dispõe os Chefes do Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) de explicitar a lei para a sua correta execução, ou expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por LEI. É um poder inerente e privativo do chefe do Executivo (Constituição da República, art. 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado - Veja-se sobre poder regulamentar: Victor Nunes Leal, Lei e Regulamento In Problemas de Direito Público, Rio, 1960, p. 57; Carlos Medeiros Silva, O Poder Regulamentar e sua extensão, RDA 20/1; Francisco Campos, Lei e Regulamento - Direitos Individuais, RDA 80/373, etc.

E, sobre o mister, Diógenes Gasparini (64), assim se expressa e define como "a atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo para expedir atos normativos chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la."

Induvidosa é, portanto, a atribuição e competência privativa do Chefe do Executivo em expedir atos normativos - regulamentos -, complementando, subsidiando aquilo que o legislador tenha omitido ou passado in albis ou não previu.

Entrementes, é de supina importância frisar que, ao expedir regulamento - autônomo ou de execução de lei - o executivo não invada ou exorbite as chamadas "reservas de lei", i.e., aquelas matérias que só admitem a Lei e tão-só a lei como disciplinadora, as quais versam sobre as garantias e os direitos individuais assegurados e estabelecidos no art. 5º. caput e seus incisos c/c Art. 68, § 1º, II da CF/88, pena de ferir o preceito mor: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI."(inc. II), e, desse modo, tornar-se eivado de inconstitucionalidade, havendo, assim, nulidade absoluta e de pleno direito dessas normas.

É de se ver, pois, que o regulamento é um complemento da lei naquilo que não é privativo da lei. Entretanto, não se pode e não se deve confundir aquela com esta, i.e., "não se pode confundir lei e regulamento."

5.4.1 Regulamento e lei
5.4.1.1 Regulamento

Regulamento, no dizer de Hely Lopes Meirelles (65), é ato administrativo geral e normativo, expedido privativamente pelo chefe do Executivo (Federal, Estadual e Municipal), através de decreto, com o fim de explicar o modo e a forma de execução da lei (regulamento de execução), ou prover situações não disciplinadas em lei (regulamento autônomo ou independente).

Já Florivaldo Dutra de Araújo (66), adotando a doutrina de Seabra Fagundes, este calcado em Ranelleti, entende quanto a este (regulamento), que é norma geral e abstrata, visando tornar aplicável, por seu detalhamento, a lei regulamentada, classifica-se como mero ato administrativo, por não inovar na Ordem Jurídica.

Enquanto, para Diógenes Gasparini (67), é o ato que se origina do exercício da atribuição regulamentar e chama-se regulamento. Pode, ainda e segundo ordenamento jurídico, ser definido como o ato administrativo normativo, editado privativamente pelo chefe do Poder Executivo, segundo uma relação de compatibilidade com a lei para desenvolvê-la.

Infere-se, portanto, dessa definição, que o Direito Positivo brasileiro admite tão só o regulamento de execução ou executivo de subordinados destinados à fiel execução da lei, conforme prescrito no Art. 84. IV. da CF/88.

Aliás, nesse aspecto, continua Gasparini (op. cit. id. ibidem) "não bastasse isso, diga-se que nos termos do inc. II do Art. 5º da Lei Maior ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, assevera ainda mais, ‘Assim, se o regulamento não é lei no sentido formal, não pode criar direito novo, como os regulamentos autônomos criam.’ E, estes, ainda segundo o mestre citado, não existem em nosso ordenamento jurídico, "não há lugar, espaço jurídico, para o regulamento autônomo ou independente." Ademais, cabe ao Congresso Nacional nos termos do Art. 48 da CF/88, dispor sobre todas as matérias de competência da União.

O regulamento não é lei, seguindo-se o escólio de Hely Lopes Meirelles, embora a ela se assemelhe no seu conteúdo e poder normativo. Nem toda a lei depende de regulamento para ser executada, mas toda e qualquer lei pode ser regulamentada se o Executivo julgar conveniente fazê-lo.

Ademais, não é despiciendo dizer que, segundo o princípio de direito da hierarquia das normas jurídicas, o regulamento é ato inferior à lei, por isso mesmo não a pode contrariar, nem restringir ou ampliar suas disposições. Vale dizer: sendo inferior à lei, o regulamento não pode inovar, ampliar ou restringir aquilo que a lei delimitou ou previu, mormente quanto aos preceitos da Lei Maior e sobre direitos e garantias individuais.

Doutra banda, as leis que trazem a recomendação de serem regulamentadas não são exeqüíveis antes da expedição do decreto regulamento, porquanto ser esse ato conditio juris da atuação normativa da Lei. Este, pois, presta-se a efetivar a exeqüibilidade da lei, particularizando-a de modo a torná-la praticável, sem, contudo, poder ultrapassar seus limites.

5.4.1.2 Lei

Os romanos já asseveravam "lex est omnium divinarum et humanarum rerum regina"- A lei é a rainha de todas as coisas divinas e humanas. Este é o escólio de Hely Lopes Meirelles:

"Lei, em sentido formal e material, é a norma geral e abstrata de conduta aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo; em sentido material apenas, é toda norma editada pelo Poder Público, especialmente os decretos regulamentares expedidos pelo Executivo - como visto. Lei stricto sensu e próprio é,. portanto, unicamente, a norma legislativa, e, lato sensu, e impróprio, é toda imposição geral do Estado, provinda de qualquer órgão de seus Poderes, sobre a matéria de sua competência normativa." (68).

"Lex potest plus quam factum"- a lei tem mais força do que o fato.

Outrossim, como foi visto durante o decorrer desta tese, a Lex Magna ocupa o ápice da pirâmide do ordenamento jurídico - positivo, dentro do princípio da Hierarquia das Leis. E, sendo a Constituição a Lei Suprema, portanto, imutável por procedimentos ordinários, a todas as demais normas se impõe. A estas, os Poderes do Estado e o próprio Estado se submete à Lei - princípio da legalidade -, que decorre da máxima: "suporta a lei que fizeste", bem como também o princípio da isonomia, que declara a igualdade de todos perante à lei.

Demais disso, é reservada à lei a disciplina das liberdades, dos direitos e dos deveres dos homens e cidadãos. E, sobretudo, - consoante assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho (69)-, "deve ser reservado à lei a definição das sanções que hão de punir os abusos nos exercícios dos direitos (...). Tal lei - sublinha-se - deve ser a lei formal, editada pelo Poder Legislativo". E acrescenta:

"(...) com efeito, é da história que o Estado, mais precisamente o Executivo, seja o ‘inimigo’ das liberdades. Assim, absurdo seria que a ele se desse o poder de instituir delitos bem como de disciplinar direitos reconhecidos, por assim dizer, contra ele, por intermédio de regulamento." E arremata o autor. "Por isso, numa interpretação teleológica, deve-se entender que, no tocante às liberdades públicas, somente cabe à lei formal, jamais o ato com força de lei."

Ademais, nesse sentido, é de se ressaltar que a CF/88 é expressa ao dispor sobre a lei delegada, proibindo a delegação de competência para legislar sobre os direitos individuais, i.e., sobre as liberdades públicas (Art.68 § 1º, II), direitos e garantias individuais.

Todavia, inobstante a omissão em relação às Medidas Provisórias (Art. 62). Mas se lei delegada não tem esse poder de regular ou disciplinar liberdades públicas, a fortiori medida provisória ou até mesmo decreto-lei ou decreto.

Outro ponto a destacar quanto à concepção clássica dos direitos do homem é concernente à lei e seu papel.

Reconhece a Declaração que o exercício concomitante dos direitos fundamentais por todos e por cada um dos homens exige uma coordenação, uma regulamentação que impeça colisões. O Estado Social, portanto, reclama um mínimo de disciplina no gozo dos direitos naturais. É o que se exprime claramente o Art. 4º da Declaração, que vale frisar:

"O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos demais membros de sociedade o gozo dos mesmos direitos. Mas esta regulação, para ser legítima, não pode ser arbitrária, deve ser justa. Por isso, apenas a lei pode estabelecê-la, somente a lei pode limitar o exercício da liberdade. É a parte final do Art. 4º. ‘Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei.’ " (70)

Duas razões principais militam nesse sentido, segundo o luminar ensino do autor suso adscrito.

A primeira é ser a lei - no sentido formal e material, ou seja, dimanada do poder competente: o povo, através de seus representantes, necessariamente a expressão da justiça, com os corolários de que é geral e abstrata, aplicando-se a todos os casos, sem levar em conta os envolvidos, além de igual para todos os seres humanos.

A segunda reflete o ensinamento de Rousseau. "A Lei é a expressão da vontade geral", diz expressamente o Art. 6º da Declaração, num empréstimo flagrante ao Contrato Social (Cf. Contrato Social, livro II, cap. VI; livro II, cap. IV) (...)." Todavia, para ser legítima, no entender do mestre suso citado, os participantes na sua definição têm de fazê-lo, levando em consideração o interesse geral. "Se não visar a este objetivo, o interesse comum, da deliberação surgirá a vontade de todos, jamais a vontade geral. (cf. Contrato social, Livro III, cap. XV.)". (71)

Aliás, nesse sentido, não é despiciendo continuar com o douto escólio:

"(...) É até redundante mencionar a importância da lei no Estado de Direito, dado que este se caracteriza fundamentalmente pela sujeição de tudo e de todos à lei, conforme o princípio de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (72).

"É reservada à lei a disciplina das liberdades. E, sobretudo, deve ser reservado à lei a definição das sanções que hão de punir os abusos no exercício dos direitos." (73) Tal lei, ressalte-se emana do povo: "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido"- princípio democrático da representatividade.

Por sua vez, as sanções em que podem incidir somente podem estar definidas em lei - reitere-se - adotado pelo Poder Legislativo, consoante visto acima, mormente se se tratar de lei Substantiva Penal.

"A lei é a razão suprema, gravada em nossa natureza, que prescreve o que se deve fazer e proíbe o que não se deve fazer"- Cícero, De Legibus, Livro I. apud Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit. p.9.

5.5 Atos administrativos (conceito, requisitos e perfeição validade e eficácia)

5.5.1 Conceito (aspectos preliminares)

A CF/88 preceitua que a Administração Pública, tanto direta como o indireta, ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, reger-se-á e obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (art.37), mormente ao expedir seus atos administrativos. Mas certamente não só a esses, como ensina Toshio Mukai (Administração Pública na Constituição de 1989. p. 48) (74).

Aliás, seguindo esse ensinamento, a Constituição de Alagoas, no seu Art. 42, amplia esse rol acrescentando os princípios fundamentais de prevalência de interesse público, economicidade, planejamento e continuidade, além de orientar-se pela desconcentração e descentralização (Art. 43), e mais ainda, "É finalidade do Estado de Alagoas... promover o bem-estar social, calcado nos princípios de liberdade democrática, igualdade jurídica, solidariedade e justiça, cumprindo-lhe, especificamente: I - assegurar a dignidade da pessoa humana, mediante a preservação dos direitos invioláveis a ela inerentes" (75).gn.

Entrementes, ao desiderato desta monografia interessam, apenas e tão só os Atos Administrativos praticados pela Administração Pública Direta, e, in casu, aqueles praticados pela Polícia Militar do Estado de Alagoas, mormente os destinados ao cerceamento da liberdade de locomoção do cidadão PM, id. est., os chamados atos punitivos disciplinares de prisão e/ou detenção, porquanto Atos Administrativos, in genere, dentro de uma relação não apenas de não contradição à lei, mas, principalmente, numa relação de subsunção à LEI.

Dessarte, básica e fundamentalmente, o conceito de Ato Administrativo é o mesmo de Ato Jurídico, do qual diferencia-se como uma categoria informada pela finalidade pública. Este, segundo o C.C. (Art.81) é "todo aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos". Assim sendo, o Ato Administrativo na concepção do festejado e ilustre Hely Lopes Meirelles,

"(...) é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria." (76)

Entretanto, para Diógenes Gasparini, iluminado publicista, o conceitua como sendo:

"(...) toda prescrição, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedindo pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da Lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicáveis pelo judiciário." (77)

Vale salientar que, tais conceitos, retratam o Ato Administrativo comum, diga-se assim. E, na área da Administração Pública Direta Militar, seria este utilizado de motu proprio, i.e., diverso e diferente daquele? A razão e a lógica dizem que não, haja vista que o Ato Administrativo Militar ou Policial-Militar, do Servidor Público Militar Federal ou Estadual - lato sensu - está inserido no contexto do Direito Público Administrativo.

Noutras palavras, prescindem os Atos Administrativos Militar ou comum dos mesmos princípios estruturais e retores do Ato, sendo regidos "pelos mesmos pressupostos de Existência, Validade e Eficácia de todo e qualquer Ato" (78)- cf. pontifica Pontes de Miranda sobre o mundo do direito, o mundo jurídico - porquanto também submetidos aos princípios de direitos que regem a Administração Pública, mormente à subsunção ao princípio da legalidade.

5.5.2 Ato administrativo militar (Policial-Militar)

Ato Administrativo Militar (ou Policial Militar), no dizer de Antonio Pereira Duarte (79) , "é todo aquele proveniente de Administração Militar e que cria, modifica ou extingue situação jurídica em relação ao servidor militar ou aos próprios órgãos dela integrantes."

É curial, portanto, dizer que o Ato Administrativo militar não é diferente do Ato Administrativo lato sensu, somente porque é praticado no âmbito da Administração Militar e por uma autoridade militar. A carga de discricionariedade ou vinculação ínsita a determinado Ato Administrativo não se transmuda pelo simples fato de ter a sua consecução advinda de um administrador militar.

Ademais, embora as Policias-Militares e demais Forças Militares se pautem pelos inamovíveis e sesquicentenários princípios da Hierarquia e da Disciplina, ainda assim, não quer isto dizer que o Policial Militar, investido do cargo e encargos de administrador, detenha em suas mãos poderes ilimitados, inatingíveis e invulneráveis, para o cometimento do ato administrativo, mormente do ato punitivo.

"(...) O Ato ou será discricionário, ou será vinculado; ou simples, ou complexo, não importa. As conseqüências dele advindas são aquelas mesmas originadas por todo e qualquer ato administrativo revestido de tais características." (80)

E, por conseguinte, é imperioso constituir-se dos mesmos pressupostos, requisitos, perfeição, validade e eficácia, bem como também o devido e rigoroso controle jurisdicional, consoante afirma o ilustrado autor citado, buscando apoio em Celso Antônio Bandeira de Melo, que:

"(...) assim como ao Judiciário compete fulminar todo comportamento ilegítimo da administração que apareça como frontal violação a ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar os limites de liberdade que lhe assistam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária." (81)

Dessarte, é de se ressaltar que o administrador policial-militar estadual deve se nortear pelo princípio da igualdade de todos perante a lei, de tal forma a não criar situações de privilégios ou favorecimento para esse ou aquele servidor militar estadual. Vale dizer: se há previsão legal de direito para todos aqueles que estejam em tal ou qual situação política, então o direito há de ser extensivo a todos que se encontrem nessa mesma hipótese e não a uma dada categoria exclusivamente, pena de ferir princípio da isonomia. (82)

5.5.3 Requisitos - elementos - pressupostos (perfeição, validade e eficácia)

São aqueles componentes que todo ato deve reunir para ser perfeito e válido. Entrementes, nem todos os publicistas estão acordes quanto ao número e a identificação desses requisitos, devendo-se ressaltar que uns chamam de elementos outros denominam de pressupostos.

Veja-se, então, tais requisitos, pressupostos ou elementos, sob o escólio de Diógenes Gasparini, Hely Lopes Meirelles e Antonio Pereira Duarte. Para o primeiro, os requisitos do ato administrativo são seis e assim denominados: competência, finalidade, forma, motivo, objeto e causa. Salvo este, aqueles estão instituídos do Art. 26 e seu parágrafo na Lei de Ação Popular - Lei Fed. nº 4717/65. Para Hely Lopes Meirelles, o exame do ato administrativo revela nitidamente a existência de cinco requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto; enquanto para o último resulta, pois na competência, finalidade, motivação, objeto lícito e forma prescrita em lei, constituem, assim, os requisitos de validade do ato administrativo.

Outrossim, senão bastantes os ensinamentos e assertos acima, busquemos no ilustrado monografista Florivaldo Dutra de Araújo, que sobre o mister, assim se expressa.

"(...) A decomposição da estrutura do ato administrativo se faz objetivando sistematizar e, consequentemente, facilitar seu estudo. Essa dissecação leva, tradicionalmente, à identificação de cinco ‘elementos’: sujeito (autor do ato); forma (exteriorização do ato); objeto (conteúdo do ato); motivo (situação de direito do fato que permita ou obriga a prática do ato) e finalidade (bem jurídico a ser atingido pelo ato)." (83)

O autor, aprofundando-se um pouco mais no tema, busca em Celso Antonio Bandeira de Melo, substancial contribuição ao mister ao alertar para os equívocos que o escólio tradicional enseja, e assim assevera:

"(...) A rigor, não se pode afirmar que o sujeito, o motivo e a finalidade sejam ‘elementos’ do ato. ‘Elemento’ liga-se à idéia de ‘parte componente de um todo’. Nesse sentido, correto será mencionar dois elementos: forma e conteúdo (objeto). Os demais, itens elencados, se bem sejam fundamentais para a formação do ato, lhe são ontologicamente exteriores, sujeito, motivo e finalidade, apresentam-se, portanto, como pressupostos de formação do ato administrativo. (84) Além desses, acrescentam-se os requisitos procedimentais."

5.5.4 Elementos

Todo ato administrativo, segundo o autor retrocitado, possui dois elementos: conteúdo e forma.

Conteúdo é a própria manifestação de vontade, que constitui a essência do ato. É "o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica", (cf. Celso Antônio Bandeira de Melo). (1981 p. 37). O conteúdo é mais comumente designado pelo termo objeto, embora a rigor, não se confundam as duas figuras: o conteúdo dispõe sobre algo, que é o objeto do ato. Exemplificando: o conteúdo de um ato de nomeação é investir alguém na condição de ser preposto em cargo público; o objeto dessa investidura é o indivíduo nomeado (cf. Celso Antônio Bandeira de Melo, C.A. 1981. p. 41).

Forma é o modo como se revela a declaração jurídica; é a exteriorização do conteúdo. Aliás, escrita é a forma comum do ato administrativo, podendo, entretanto, haver manifestação verbal ou gestual, v.g., voz de comando e por gestos do PM de Trânsito.

5.5.5 Pressupostos

Têm-se como pressupostos de formação de todo ato administrativo o sujeito, o motivo e a finalidade, "podendo ainda impor-se a existência de requisitos procedimentais" - ainda segundo o suso citado autor.

Sujeito é quem emite o ato. Assim, para que alguém possa produzir um ato administrativo, deve possuir, além da capacidade genérica exigida para a prática dos atos jurídicos, a específica competência para tanto, prevista em Lei. "Competência, assim, é o poder que a lei outorga ao agente público para o desempenho de suas funções." (85) Logo, se infere que a competência resulta de Lei, em sentido formal e material. E no dizer de Hely Lopes Meirelles, (86) "para a prática do ato administrativo a competência é a condição primeira de sua validade".

Motivo é o pressuposto fático que autoriza ou obriga à prática do ato. É, segundo Diógenes Gasparini, a circunstância de fato ou de direito que autoriza ou impõe ao agente público à prática do ato administrativo. É a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo, para Hely Lopes Meirelles. O motivo pode estar ou não na Lei. Se constante na Lei, a prática do Ato dependerá da efetiva incidência de situação prevista para sua validade.

É mister trazer a lume o alerta de Celso Antônio Bandeira de Melo sobre a distinção de motivo e móvel a saber:

"Motivo é a realidade objetiva e externa ao agente. É um antecedente, exterior ao ato, que transcorre na realidade empírica, servindo de suporte à expedição do ato.

"Móvel é a representação subjetiva, psicológica, interna do agente e corresponde àquilo que o agente deseja (87)

E Florivaldo Dutra de Araújo, também, recomenda não confundir motivo e motivação. A motivação contém enunciação dos motivos e demais pressupostos exigidos legalmente para a prática do ato.

Finalidade é o objetivo que o ato deve atingir. É, pois, o requisito que impõe seja o ato administrativo praticado unicamente para um fim de interesse público, ou seja, de interesse da coletividade. Em sendo público o interesse, há de fundar-se e ser indicada na Lei a finalidade do Ato Administrativo, pois que, como bem assevera Hely Lopes Meirelles, (88) não se compreende ato administrativo sem interesse público. A finalidade é, assim, elemento vinculado de todo ato administrativo - discricionário ou regrado - porque o direito positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública ou desviado de sua finalidade específica.

A finalidade do Ato Administrativo, portanto, é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente. Sua alteração, desde que expressa na norma legal, enseja e caracteriza o desvio do poder, que resulta à invalidação do ato, por lhe faltar um elemento primordial em sua formação: o fim público desejado pelo legislador.

Dessarte, tendo cada ato finalidade própria, não pode o administrador buscar, por meio de um ato, finalidade que só por outro poderia ser alcançada, segundo os parâmetros legais. Exemplitia gratia, se o agente tem competência para remover e para suspender um servidor, não poderá removê-lo com finalidade punitiva, pois a remoção não se presta a tal objetivo (cf. Bandeira de Melo, A. 1984, p.78).

5.5.6 Existência, validade e eficácia de ato administrativo militar/ Policial Militar

Desse modo, conforme foi visto acima, consoante ocorre com todo ato administrativo, o ato administrativo militar, para existir, ter validade e projetar seus efeitos no mundo jurídico, prescinde preencher certos requisitos indispensáveis.

Destarte, é ressabido que, o ato voluntário humano, passa por três planos, consoante a tripartição estabelecida pelo saudoso e iluminado mestre do direito e jurisconsulto Pontes de Miranda: Existência, Validade e Eficácia. Noutras palavras, é preciso, portanto, que o ato adentre o plano da existência, projetando-se através de um agente (sujeito), de uma vontade (motivo e motivação), de uma forma e visando um objeto. Agente, vontade, forma e objeto são, desse modo, os requisitos existenciais do ato administrativo, porquanto a falta de um destes elementos, torna-o inexistente.

Inconcebível, portanto, um ato sem a exteriorização de uma vontade, mediante um agente capaz e objetivando gerar certas conseqüências no mundo jurídico.

De igual modo, para adentrar ao plano da validade, é necessário que o agente seja competente para praticar o ato, tendo como finalidade a satisfação e preservação do interesse da Administração Policial-Militar, motivando o porquê de sua edição, fazendo-o incidir sobre objeto lícito e exteriorizando-o através de forma prescrita em Lei.

Resta claro, portanto, de modo sintético e perfunctório que a competência, finalidade, objeto lícito, motivação e forma prescrita em lei, constituem, assim, os requisitos de validade do ato administrativo policial-militar e de todos os outros atos administrativos comuns.

Se o ato, que penetrou o mundo jurídico, ou seja, existe, está revestido dos pressupostos de validade suso adscritos, não apresentando vícios ou defeitos que o vulneram irremediavelmente, diz-se que está pronto ou apto a gerar os efeitos que projetou, quais sejam, criar, modificar ou extinguir situações jurídicas.

Em síntese, pode-se dizer que o ato é perfeito, válido e eficaz se, concluído e editado segundo as exigências do ordenamento jurídico, está apto à produção dos efeitos jurídicos que lhes são próprios. Essa é a regra, embora, de outra banda, o ato administrativo perfeito e válido possa ser ineficaz.

5.5.7 Vícios e defeitos do ato administrativo

Há, no entanto, possibilidade de ocorrer que tais atos não apresentem seus elementos necessários para sua permanência no mundo jurídico, estando fulminados por algum vício intrínseco ou extrínseco a comprometer a sua eficácia.

Dessarte, como asseverado alhures, se, exemplitia gratia, falta um ou mais pressupostos (= requisitos = elementos) de existência, o ato reputa-se inexistente.

Doutra banda, havendo a hipótese de estar desfalcado de um elemento de validade, inquina-o de inválido, imperfeito, inóxio o ato administrativo.

É o que se depreende nos casos de defeitos de competência, em que o sujeito pratica o ato fora de sua alçada, gerando o que se chama, em sede administrativa, de usurpação de função. Tal ato é inválido, posto que praticado por agente incompetente para tal mister, afigurando-se, evidente usurpação de função.

Doutra parte, a ilicitude do objeto também leva a invalidez do ato, inviabilizando a produção dos seus efeitos. "Não se pode, por exemplo, promover algum animal de estimação a General, como fez Calígola quando nomeou Senador seu cavalo Incitatus." (89)

A forma, por sua vez, também deve ser prescrita em lei, vista que, consoante salienta Roy Reis Friede,

"O Direito Administrativo, como ramo de Direito Público, prima pelo princípio da forma legal (forma prescrita em lei) em oposição ao princípio de livre forma (forma não vedada em lei) prevalente no Direito Privado (Art. 129 do Código Civil)." (90)

Não estando prescrita em lei a forma, reputa-se inválido o ato praticado em desobediência à formalidade essencial que o reveste .

Ademais, muitos atos administrativos praticados pela Administração Policial Militar Alagoana, por exemplo, exigem publicação tanto no Boletim Geral Ostensivo - BGO, quanto nos Boletins Internos - BI, das demais OPM, mormente os que tratam sobre sanções disciplinares, em atinência ao princípio da publicidade (art. 37 da CF/88).

Demais disso, quando se trata de ato vinculado, a validade do ato exige também o requisito da motivação, posto que ausente esta ou viciada ou em desconformidade com o mandamento legal, nulo é o ato. Logo, a falta de motivação do ato o nulifica de pleno direito.

E como a finalidade de todo ato administrativo é atingir o interesse público projetado pela Administração, inexistindo este há desvio de finalidade. Se o ato praticado, portanto, gerou outro fim que não aquele que ensejou sua edição (= publicação), tem-se o chamado desvio de poder.

Consoante afirma o autor acima citado:

"(...) Portanto, pode o ato administrativo militar ser inexistente, nulo ou anulável. A anulabilidade do ato administrativo, no entanto, é matéria que suscita polêmica, sendo certo que a corrente majoritária admite a existência do ato administrativo anulável.(...) nulo será todo ato administrativo que contiver vício essencial, tornando-se insuscetível de gerar conseqüências. (...) o ato anulável, a seu turno, pode até produzir efeitos, sendo que, através de sentença judicial, tais efeitos poderão ser anulados." (91)

Todavia, é de supina importância mencionar que a própria Administração pode desfazer o ato administrativo viciado ou convalidá-lo, consoante se infere da Súmula 473 do STF; in verbis:

"Súmula 473 do STF - a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". gn.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções ilegais na Polícia Militar de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1594. Acesso em: 19 mai. 2024.

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