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Presunção de inocência e direito à ampla defesa

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01/08/2000 às 00:00
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4. Conclusões finais

A democracia, apesar de todas as suas falhas, ainda é o melhor sistema a ser adotado por uma nação. Por ela, as pessoas têm iguais oportunidades, liberdades individuais e condições plenas para o exercício da vida humana.

No entanto, para a construção de um estado democrático de direito – e, principalmente, de fato – há de se observar, em primeiro momento, os princípios fundamentais constitucionais, seguindo fielmente suas trilhas. O Direito visa a preservação do ser humano dentro de sua condição fundamental, para que este goze de todos os elementos primordiais à sua existência.

De nada adianta um país com leis absolutamente humanistas, onde o Estado garante todos os meios de subsistência, as pessoas são igualmente tratadas, todos têm seu emprego garantido, se, na realidade fática, esses mesmos preceitos legais não ultrapassam as barreiras da utopia.

Vários são os princípios constitucionais que regem o sistema normativo brasileiro, no entanto, o presente trabalho trouxe uma pequena análise de apenas dois deles: a presunção de inocência e o direito à ampla defesa. O primeiro, sendo o mais amplo e filosófico; o segundo, de mais próximo relacionamento processual.

A análise contida aqui visa uma maior correlação entre os princípios e o Direito, o instrumento mais poderoso de mudanças para uma sociedade. O que se tentou buscar foi a demonstração de como a responsabilidade dos operadores das ciências jurídicas refletem na vida de todas as pessoas.

O ser humano é passível de falhas, e por isso com freqüência as comete. Dependendo do bem jurídico atingido pelo erro, o agente causador poderá ou não sofrer sanções estabelecidas pelo poder estatal, representado pelo Poder Judiciário.

Porém, antes de que qualquer sanção seja aplicada, aquele que se encontra em condição de réu deve passar por um cuidadoso procedimento de averiguação de todos os elementos que compõem um delito, sejam objetivos, sejam subjetivos.

A lei considera a inocência de todos até que eventual condenação seja transitada em julgado. Durante todo esse período, o averiguado tem todos os seus direitos e garantias fundamentais tutelados por lei. Todo o processo tem que caminhar dentro do due process of law (devido processo legal) e, mesmo após trânsito em julgado, o condenado somente será apenado dentro do que a lei prevê.

No cumprimento de sua pena, a condição humana do condenado se preserva, pois este perde somente alguns direitos. A perda pode atingir sua liberdade de locomoção, alguns direitos da cidadania, o seu patrimônio, mas não a dignidade, a privacidade, a liberdade de pensamento ou de crença, muito menos a vida.

A presunção de inocência é parte vital da democracia onde, por princípio, todos são iguais perante a lei. Então, que todos sejam nivelados pelo lado mais positivo, a inocência. Não pode haver precipitação no momento de decidir o futuro do réu, pois, assim como o ser humano é passível de erros ao ponto de praticar um delito, assim também poderá sê-lo no julgamento.

As falhas humanas sempre se manifestam, portanto, devem-se adotar etapas cautelosas durante o processo. No caso de dúvidas a respeito de fatos ou provas, a decisão judicial caminha sempre em sentido ao benefício do réu. É preferível absolver um culpado a condenar um inocente, como expressam os princípios mais básicos do Direito.

A presunção de inocência não pode se restringir à sua regra probatória, mas ampliar seu alcance às regras de tratamento e de garantia do imputado. É nesse ponto que o princípio atinge sua maior importância e proximidade do processo.

O direito à ampla defesa aparece como uma das conseqüências da presunção de inocência. Se, a priori, a pessoa humana é isenta de culpa, ao ver-se defronte a uma acusação, o mesmo tem todos os recursos jurídicos disponíveis para defender-se delas.

Nas palavras do ilustre professor Dalmo de Abreu Dallari, "O Estado Democrático é um ideal possível de ser atingido, desde que seus valores e sua organização sejam concebidos adequadamente". (32) E o equilíbrio entre igualdade e liberdade é um dos maiores passos para esse objetivo.

A liberdade, como dito anteriormente, é um dos mais poderosos bens que o homem carrega consigo, mas esta deve ser relativa. O Estado pode e deve interferir no comportamento humano, mas sempre visando apenas, e não mais do que isso, a preservação da liberdade de todos, dentro de uma organização social.

Uma intervenção estatal acima do necessário leva a uma situação ditatorial, o que não interessa a uma sociedade, mas somente a um grupo determinado. "A melhor das ditaduras traz prejuízos maiores que a pior das democracias". (33)

O Processo Penal é, pois, fundamental dentro de um processo de democratização. Seus princípios são as células para a constituição de um organismo sadio que respire a democracia. "A democracia se desenvolve paralelamente com a educação do povo, particularmente com a educação política". (34) Nada mais adequado, no Brasil, que uma reforma cultural em todos os níveis, em todos os setores, em todas as classes, para que essa concepção atinja e torne-se fixa na mentalidade do povo brasileiro.

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NOTAS
  1. Choukr, Fauzi Hassan; Processo Penal à Luz da Constituição; Edipro; 1999; Bausu/SP
  2. Diniz, Maria Helena; Dicionário Jurídico – Volume 3; Saraiva; 1998; São Paulo
  3. Ferreira Filho, Manoel Gonçalves; Comentários à Constituição Brasileira de 1988 – Volume 1; Saraiva; 1997; São Paulo
  4. Tucci, Rogério Lauria; Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro; Saraiva; 1993; São Paulo
  5. in Gomes, Luiz Flávio; Estudos de Direito Penal e Processo Penal; Saraiva; 1999; São Paulo
  6. Gomes Filho, Antonio Magalhães; Presunção de Inocência e Prisão Cautelar; Saraiva; 1991; São Paulo
  7. Marcondes, Danilo; Iniciação à História da Filosofia; Jorge Zahar; 1997; Rio de Janeiro
  8. Choukr, op. cit.
  9. Fernandes, Antonio Scarance; Processo Penal Constitucional; RT, 1999, São Paulo
  10. Choukr, op. cit.
  11. Gomes Filho, op.cit.
  12. Tribunal Regional Federal da 1.ª Região – Gabinete da Revista, A Constituição na Visão dos Tribunais – vol. 1 – Saraiva, 1997, São Paulo
  13. STF, HC 67707-0/RS. Rel.: Min. Celso de Mello. 1.ª T
  14. Muccio, Hidejalma; Prática de Processo Penal; Edipro; 1999; Bauru/SP
  15. Dinamarco, Cândido Rangel; A Instrumentalidade do Processo, RT; 1984; São Paulo
  16. Santos, Nilton Ramos Dantas; Manual do Juizado Especial Criminal; Forense; 1997; Rio de Janeiro
  17. Bitencourt, Cezar Roberto; Manual de Direito Penal; RT; 1999; São Paulo
  18. Bitencourt; op. cit.
  19. Bitencourt; op. cit.
  20. Giordani, Francisco Alberto M. Peixoto; Estudo sobre a Interpretação das Leis; Copola; 1998; Campinas
  21. França, R. Limongi; Hermenêutica Jurídica; Saraiva; 1997; São Paulo
  22. Fernandes; op. cit.
  23. Greco Filho, Vicente; Tutela Constitucional das Liberdades; Saraiva, 1989; São Paulo
  24. Choukr, op. cit.
  25. Mirabete, Julio Fabbrini; Código de Processo Penal Interpretado; Atlas; 2000, São Paulo
  26. Fernandes; op. cit.
  27. Ferreira Filho; op. cit.
  28. STF – 1.ª T. – HC n.° 68.929/SP – Rel. Min. Celso de Mello
  29. Tourinho Filho, Fernando da Costa; Código de Processo Penal Comentado; Saraiva, 1999, São Paulo
  30. Mirabete; op.cit.
  31. Tourinho Filho, op. cit.
  32. Dallari, Dalmo de Abreu; Elementos de Teoria Geral do Estado; Saraiva; 1995; São Paulo
  33. Dallari; op. cit.
  34. Maluf, Sahid; Teoria Geral do Estado; Sugestões Literárias S/A; 1979; São Paulo

Bibliografia

BARROSO, Luis Roberto; Constituição da República Federativa do Brasil Anotada e Legislação Complementar; Saraiva; 1998; São Paulo

BECCARIA, Cesare; Dos Delitos e das Penas; Edipro; 1997; Bauru/SP

BITENCOURT, Cezar Roberto; Manual de Direito Penal; RT; 1999; São Paulo

CHOUKR, Fauzi Hassan; Processo Penal à Luz da Constituição; Edipro; 1999; Bauru/SP

DALLARI; Dalmo de Abreu; Elementos de Teoria Geral do Estado; Saraiva; 1995; São Paulo

DINAMARCO, Cândido Rangel; A Instrumentalidade do Processo, RT; 1984; São Paulo

DINIZ, Maria Helena; Dicionário Jurídico – Volume 3; Saraiva; 1998; São Paulo

FERNANDES, Antonio Scarance; Processo Penal Constitucional; RT, 1999, São Paulo

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves; Comentários à Constituição Brasileira de 1988 – Volume 1; Saraiva; 1997; São Paulo

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MALUF; Sahid; Teoria Geral do Estado; Sugestões Literárias S/A; 1979; São Paulo

MARCONDES, Danilo; Iniciação à História da Filosofia; Jorge Zahar; 1997; Rio de Janeiro

MAZZILI, Hugo Nigro; Questões Criminais Controvertidas; Saraiva; 1999; São Paulo

MIRABETE, Julio Fabbrini; Código de Processo Penal Interpretado; Atlas; 2000, São Paulo

MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional; Atlas; 2000; São Paulo

MUCCI, Hidejalma; Prática de Processo Penal; Edipro; 1999; Bauru/SP

SANTOS, Nilton Ramos Dantas; Manual do Juizado Especial Criminal; Forense; 1997; Rio de Janeiro

SENADO FEDERAL; Direitos Humanos – Declarações de Direitos e Garantias; Subsecretaria de Edições Técnicas; 1996; Brasília

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa; Código de Processo Penal Comentado; Saraiva, 1999, São Paulo

_____; Prática de Processo Penal; Saraiva; 1996; São Paulo

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1.ª REGIÃO – Gabinete da Revista, A Constituição na Visão dos Tribunais – vol. 1 – Saraiva, 1997, São Paulo

TUCCI, Rogério Lauria; Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro; Saraiva; 1993; São Paulo

VON IHERING, Rudolf; A Luta pelo Direito; trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella; RT, 1998; São Paulo

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Sobre o autor
João Paulo Orsini Martinelli

acadêmico da Faculdade de Direito da PUC/Campinas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINELLI, João Paulo Orsini. Presunção de inocência e direito à ampla defesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/163. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Texto elaborado em abril de 2000, apresentado no I Congresso Nacional de Direito Penal e Criminologia, promovido pelo Centro Acadêmico Ruy Barbosa, UFBA, Salvador

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