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A inexigibilidade de licitação na permissão. Competência para assuntos de transporte metropolitano

Parecer sobre a contratação do sistema ORCA - Operador Regional Coletivo Autônomo no Estado de São Paulo

01/03/2002 às 00:00
Leia nesta página:

A peça trata de permissão de transporte metropolitano, no caso o Sistema ORCA - Operador Regional Coletivo Autônomo no Estado de São Paulo.

Sumário:Síntese. Do Projeto ORCA. Da Inexigibilidade de Licitação. Da Competência.


SÍNTESE

O Estado de São Paulo emitiu ato de permissão visando a prestação de serviço público de transporte denominado ORCA - Operador Regional Coletivo Autônomo que liga a estação Vila Madalena do Metrô e a Estação Cidade Universitária da CPTM.


DO PROJETO ORCA

A Secretaria de Transportes Metropolitanos - STM, visando buscar uma nova estruturação do serviço coletivo de transporte público de passageiros e coibir o transporte público clandestino, realizou estudos a respeito dos transportadores informais não autorizados, considerando além do exame da questão do ponto de vista eminentemente técnico, suas implicações no equilíbrio econômico-financeiro dos serviços de transporte, do controle operacional e do seu impacto nos sistemas viários municipais e metropolitanos.

A ORCA tem a seguinte configuração:

a) São empresas individuais contratadas por empresas operadoras dos serviços metropolitanos de transporte coletivo regularmente permitidos;

b) Prestam serviços em áreas que apresentam demanda compatível, onde sua utilização seja mais adequada que a dos veículos convencionais de transporte coletivo, nos horários de demanda reduzida e, ainda, para efetuar atendimento tipo expresso e semi-expresso a segmentos diferenciados da demanda complementar de serviço regular já existente;

c) Os ORCAS cumprem o serviço que é destinado na conformidade das exigências regulamentares impostas no atual Regulamento de Transportes Metropolitanos - Decreto 24.675/86.

d) Atendem exclusivamente os usuários modais de metrô e trem, promovendo uma conexão entre os dois serviços para permitir a sua integração e ampliação do atendimento;

e) É executado ponto a ponto, não atendendo outros interessados no percurso. É uma extensão da prestação dos serviços realizados pelo metrô e pelo trem.

f) Não se trata de serviço de transporte regular no âmbito municipal, pois somente transfere passageiros entre sistemas de transportes metropolitanos.

Por força do Decreto 24.674, de 30.1.86 - artigo 9º, par. 1º, modificado pelos de nrs. 27.436/87, 38.352/94 e 41.659/97 foi facultada à Secretaria de Negócios Metropolitanos a criação de linhas destinadas à execução de serviços especiais.

A Resolução STM-37, de 24.08.99, em seu artigo 1º, criou os serviços especiais noticiados no aludido decreto, estabelecendo as diretrizes para sua implantação.

Sobreveio ainda a Resolução STM-16, de 24.05.00, autorizando a contratação de serviços especiais pela CPTM e pelo METRO e EMTU/SP, que completam a normatização da extensão dos serviços prestados por essas empresas.


DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

A Lei 8666/93 dispõe acerca das normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. [1]

Desde logo insta ressaltar, na exegese da norma, que a licitação destina-se às contratações administrativas, já que constitui-se de fases procedimentais que culminam com a adjudicação, que é o ato pelo qual a promotora do certame convoca o vencedor para travar o contrato em vista do qual se realizou o certame, na lição de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO. [2]

Esse enquadramento legal rende ensejo ao debate acerca da natureza jurídica da permissão, especialmente em razão do disposto no artigo 175 da Constituição Federal [3], que prevê a obrigatoriedade de licitação para as hipóteses de concessão ou permissão na prestação de serviços públicos.

Na autorizada lição de HELY LOPES MEIRELLES permissão é o ato administrativo negocial, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse coletivo ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições estabelecidas pela Administração. [4]

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO aborda o conceito de permissão, definindo o instituto como ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que se faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários. [5]

Portanto, inexiste mandamento legal que obrigue a Administração Pública a optar em cada caso pela concessão ou pela permissão, senão razões de conveniência e oportunidade que decorrem do poder discricionário estatal. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO [6] afirma a respeito que o Estado, em princípio, valer-se-ia da permissão justamente quando não desejasse constituir o particular em direitos contra ele, mas apenas em face de terceiros.

Na verdade, a opção administrativa pela permissão e não pela concessão, reside mesmo na esfera discricionária do Estado que, atento à maior singeleza do objeto e do capital investido, reserva-se às vantagens decorrentes da possibilidade de revogação unilateral a qualquer tempo e sem indenização.

As críticas doutrinárias acerca da desconsideração do instituto, com o uso de permissão, quando caso seria de concessão, ante a inserção de cláusulas que revelam contrato e não ato administrativo perdem relevância na medida em que o nome iuris do negócio desmerece importância na análise jurídica.

Há que ser feita a verificação à luz dos conceitos jurídicos: em se estando diante de verdadeira concessão, a denominação utilizada não impede a aplicação das conseqüências jurídicas próprias do instituto [7].

Tocante ao confronto entre concessão e permissão, temos que aquela se formaliza mediante contrato e esta decorre de ato administrativo. A concessão, mercê da característica negocial bilateral, contém direitos e deveres recíprocos, especialmente o estabelecimento de prazo, ao passo que a permissão revela ato unilateral, discricionário e precário.

Pois bem, a Lei 8987/95 define a permissão como delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco [8]. E, no artigo 40, determina que a permissão do serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO alude à confusão do legislador ao mencionar a permissão como contrato usando o termo revogabilidade, adequado ao desfazimento de ato administrativo e não de contrato, que pressupõe rescindibilidade. [9]

A mesma Autora anota que a lei mencionar que, em caso de permissão, será de adesão o contrato, constitui referência inócua, pois todos os contratos administrativos revestem-se dessa característica. Considera, a seguir, que o mencionado artigo 2º,inciso IV da Lei 8987 refere-se à permissão a título precário e não faz referência a prazo determinado, reservada essa exigência aos incisos II e III que tratam da concessão, diferente da Lei 8666/93, em seu artigo 57,3º, que proíbe essa circunstância.

Conclui que essa é a única interpretação possível para justificar a existência da permissão do serviço público como contrato, no artigo 175 da Constituição Federal e na Lei nr. 8987.

Sob outro enfoque, a doutrina tem considerado que a permissão com prazo determinado ou de forma condicionada se traduz em permissão qualificada, que gera direitos análogos ao da concessão.

EDMIR NETO DE ARAUJO [10] menciona que se tal permissão, no entanto, se der de forma condicionada, exigindo-se investimentos e outros requisitos e, principalmente, se for convencionado prazo certo para a extinção da permissão, esta será a permissão qualificada, a cuja estabilidade se submeterá a Administração, só podendo extinguí-la antecipadamente nos casos mencionados para os contratos de concessão: na verdade, o termo expresso e determinado elimina a precariedade e atribui à permissão qualificada natureza claramente contratual, como aliás é atualmente tratada (artigo 175 da CF).

JOSÉ CRETELLA JUNIOR [11] admite o termo certo e a onerosidade da permissão, considerando esses aspectos como mera gradação de precariedade. HELY LOPES MEIRELLES [12] considera a existência da permissão condicionada, conceituando-a como aquela em que o próprio Poder Público autolimita-se na faculdade discricionária de revogá-la a qualquer tempo, fixando em norma legal o prazo de sua vigência e/ou assegurando outras vantagens ao permissionário, como incentivo à execução do serviço. Assim, reduzem-se a discricionariedade e a precariedade da permissão às condições legais de sua outorga.

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO entende desnaturada a permissão, na medida em que incluídas condições e elementos que lhe retiram a indispensável precariedade. Em nota de rodapé [13] conclui que, conquanto o artigo 175,I da CF que trata conjuntamente de concessões e permissões fale em contrato, evidentemente o fez com imprecisão técnica de redação, pois a expressão obviamente só pode estar reportada às concessões, embora, do modo como está posta a linguagem normativa, abarcasse a ambas. Acrescenta ainda que o intérprete assisado, entretanto, percebe de imediato que o constituinte simplesmente expressou-se com impropriedade, incidindo, por descuido redacional, em erro grosseiro. É dizer: vê-se, desde logo, que não pode ter pretendido atribuir à permissão de serviço público - ato unilateral que é - o caráter de contrato. Com efeito: se a permissão fosse um contrato, desapareceria como figura autônoma. SERIA PURA E SIMPLESMENTE UMA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO.

Na verdade, a permissão condicionado ou qualificada, é conceito utilizado para justificar o deslize legislativo, pois o que denominam de graduação de discricionariedade e de precariedade constitui-se justamente na diferença entre as definições de concessão e de permissão. Ou seja, o condicionamento e a determinação de prazo no contrato denominado de permissão revela hipótese de concessão, pois nada mais resta a distinguir os institutos.

Aliás, a se admitir essa nova modalidade de permissão, se estará inclusive contrariando a própria definição legal, na medida em que o artigo 2º da Lei 8987/95 destaca a precariedade no conceito do instituto.

De outro lado, sendo a permissão ato administrativo, somente pode ser revogada e nunca rescindida. A utilização da expressão equivocada do legislador, mais uma vez, não tem o condão de transformar revogação em rescisão, nem ato em contrato.

Há que ser analisada a questão sob o enfoque da natureza jurídica do instituto e não de seu nomem iuris, como antes abordado. Na verdade, a permissão que exige licitação, tem forma condicionada e qualificada, formalizada sob contrato, não é permissão, conquanto o texto constitucional assim tenha referido.

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Para MASAGÃO, apud EDMIR NETO DE ARAÚJO [14], tratar a natureza jurídica de um instituto é ferir seu núcleo vital, porque do ponto de vista que a respeito se adote, decorrem conseqüências decisivas quanto a todos os problemas que surgem na matéria. Assim, se concluirmos que a figura negocial é ato, em sentido amplo, incluindo-a entre os atos administrativos (também no sentido lato) as conseqüências jurídicas serão totalmente diversas das que decorrerão se não a caracterizarmos entre os acordos de vontade da Administração.

Na esteira da afirmação inicial, a Lei 8666/93 trata das licitações e contratos administrativos e, sendo o estágio final da licitação a convocação do vencedor para a assinatura do contrato, a permissão simples não se encontra submissa a essa exigência, por se constituir em ato administrativo, de natureza precária, unilateral.

Não fosse suficiente a incompatibilidade do ato administrativo com a exigência de licitação, verdade é que, no caso em exame, se está diante de hipótese de inexigibilidade de licitação.

ANTONIO ROQUE CITADINI [15] preleciona que a lei considera inexigível a licitação quando inviável a competição. Menciona a hipótese de fornecedor exclusivo e de serviços técnicos de natureza singular, por notória especialização.

HELY LOPES MEIRELLES afirma que ocorre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração.

Ao contrário das hipóteses de dispensa de licitação, o rol das inexigibilidades é meramente exemplificativo [16], sendo ajustável a todos os casos em que não se coaduna com o espírito da lei, como do caput do artigo 25 se pode concluir.

O artigo 175 da Constituição Federal que exige a prévia licitação para as concessões e permissões, à parte a impropriedade que encerra, não afasta as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade do certame, na medida em que o artigo 37,XXI admite que à legislação infraconstitucional ficaria reservada a especificação de hipóteses de não-licitação.

JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR [17] afirma que as hipóteses de dispensabilidade e de inexigibilidade de licitação previstas na Lei 8666/93, com a redação dada pela Lei 8883/94, são aplicáveis às licitações para concessões e permissões de serviços públicos.

CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO considera a licitação como o certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos que se podem assumir. [18]

No caso em exame, resta inviabilizada a idéia, na medida em que não se trata de hipótese de escolha da melhor oferta, objetivo máximo da licitação, muito menos da competição entre os interessados, sendo de todo aplicável a hipótese de inexigibilidade de licitação.

ANTONIO ROQUE CITADINI [19] afirma que inexistindo, assim, a possibilidade de confrontarem as propostas dos contratantes, a realização do certame constituir-se-ia em uma farsa, não atendendo, sua realização, aos objetivos do próprio instituto da licitação.

Trata-se de permissão de serviço público na qual a tarifa a ser cobrada é previamente fixada pelo Poder Público, bastando o cadastramento dos interessados que apresentem as condições mínimas para a prestação do serviço.

A propósito, a questão sob o enfoque do Tribunal de Contas Estadual:

Licitação. Inexigibilidade. Permissão de uso remunerado de unidades atacadistas no CEASA. O tabelamento prévio de preços, com impossibilidade de modificação por parte dos interessados, torna inexigível a licitação por inviabilidade de competição. Deve-se elaborar cadastramento prévio dos interessados mediante critérios objetivos de seleção que assegurem isonomia entre os interessados [20]

Oportuno ressalvar ainda que sequer seria compatível a exigência de licitação para a espécie, na medida em que incompatível a sua realização com o procedimento legal previsto para as modalidades do certame.

De fato, o procedimento deve ser instaurado com o edital, seguido basicamente da habilitação, classificação, homologação e adjudicação.

Várias dessas fases seriam inconcebíveis no caso sob exame. Por exemplo: não haveria a oferta de propostas; a classificação, que é seguida da análise do melhor preço e da melhor técnica seria inviável, porque previamente fixada a tarifa e as condições técnicas de prestação do serviço. Também não tem cabimento a adjudicação, na medida em que esta resulta da consagração do vencedor, e, no caso em exame, inexiste a necessária competição.

De qualquer forma, evitando afronta ao principio da impessoalidade, que deve nortear a Administração Pública em qualquer hipótese, ainda que inexigível a licitação, como no caso, foi efetuado o credenciamento, precedido de publicidade no D.O.E. de 28.8.98, conclamando os interessados a apresentarem documentos pessoais e do veículo, para cadastramento.

Foi elaborado o regulamento - Comunicado STM - DOE de 28.8.98 -, estabelecido o procedimento do serviço, sendo viável a contratação de todos aqueles que preencherem as condições pré-estabelecidas.


DA COMPETÊNCIA

O serviço de transporte coletivo de caráter regional, além de ser uma das funções públicas de interesse comum, é de responsabilidade do Estado por imposição da Carta Paulista (artigo 158 da Constituição Estadual) estando afeta a Secretaria de Transportes Metropolitanos, por força de lei, a execução da política estadual de transportes urbanos de passageiros para as regiões da política estadual de transportes urbanos de passageiros para as regiões metropolitanas, abrangendo os sistemas metroviário, ferroviário, de ônibus e troleibus e demais divisões modais do interesse metropolitano.

Trata-se de serviço de utilidade pública, cuja regulamentação e controle compete ao Poder Público (municipal, estadual ou federal) que pode, dentro da esfera de competência e respeitada a ordenação vigente, delegar a terceiros sua execução, bem como determinar o tipo de veículo a ser utilizado na prestação do serviço coletivo, nos termos do artigo 107 do CTB.

O Sistema Nacional de Transportes Urbanos, criado pela Lei Federal 6.261, de 14 de novembro de 1975, instituiu a política nacional de integração dos transportes coletivos terrestres, que compreende o conjunto de sistemas metropolitanos e sistemas municipais nas demais áreas urbanas, vinculado à execução das políticas nacionais dos transportes e do desenvolvimento urbano.

Compete aos Municípios, na forma do artigo 30 da Constituição Federal, "organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo, que tem caráter essencial".

De acordo com a doutrina de HELY LOPES MEIRELLES, "o transporte coletivo urbano e rural, desde que se contenha nos limites territoriais do Município, é de sua exclusiva competência, como serviço público de interesse local, com caráter essencial" [21]

O referido sistema nacional de transportes não retirou a competência do Município para o transporte coletivo local, apenas o integrou no Plano Nacional de Viação, ao lado do intermunicipal, que é da jurisdição do Estado-Membro e do interestadual e internacional, que são de competência da União.

A Lei Complementar Federal no. 14, de 08 de junho de 1973, criou a Região Metropolitana de São Paulo e estabeleceu que a unificação da execução dos "serviços comuns" na Região Metropolitana deve ser efetuada pela concessão do serviço a entidade estadual, quer pela criação de empresa no âmbito metropolitano, quer mediante outros processos que venham a ser estabelecidos (artigo 3º, parágrafo único), disciplinado em seu artigo 5º:

"Art. 5º - Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns dos municípios que integram a Região:

IV – Transportes e Sistema Viário"

No âmbito do Estado de São Paulo a Lei Complementar n. 94, de 29.5.74, reproduziu os conceitos editados pela legislação federal e no artigo 3º dispôs:

"Compete ao Estado:

V- A concessão, permissão e autorização dos serviços comuns de interesse metropolitano e a fixação das respectivas tarifas"

O Decreto 24675, de 30.1.8, que disciplina o serviço metropolitano de transporte coletivo regular, com a redação dada pelos Decretos 27436, de 7.10.87 e 38352, de 26.1.94, complementado pelo Decreto 41659, de 25.3.97, determina:

"Artigo 3º - Compete à Secretaria dos Negócios Metropolitanos o planejamento, criação, implantação, supressão, coordenação, execução, regulamentação, controle, e fiscalização dos serviços metropolitanos de transporte coletivo regular de passageiros, por ônibus, na Região Metropolitana de São Paulo, bem como a aplicação de sanções e fixação das tarifas respectivas"

Artigo 4º - No desempenho de suas atribuições, a Secretaria dos Negócios Metropolitanos poderá utilizar os serviços da Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ ou de outras entidades da Administração Descentralizada do Estado"

A Constituição Federal enquanto fixa a competência municipal no que se refere ao transporte coletivo de interesse local, deixou aos Estados a possibilidade de criação de regiões metropolitanas para execução de serviços públicos de interesse comum (artigo 25, parágrafo 3º da CF).

Do exame dos textos resulta que não se trata de interferência do Estado na autonomia municipal, mas de competência ligada ao interesse metropolitano.

EROS ROBERTO GRAU, em obra específica adverte que "Competindo à União os poderes que a ela tenham sido conferidos e aos Municípios aqueles inerentes à sua autonomia para dispor sobre quanto diga respeito ao interesse local, aos Estados são deferidos todos os demais, que são ditos residuais: problemas de interesse predominantemente comuns a mais de um Município, quando não expressamente de âmbito federal, seja porque não assim designadas para Constituição, seja porque não se manifestem sobre territórios de mais de um Estado, e quando não se incluam entre os definidos por relação de vizinhança, haverão de ser tidos como de interesse Estadual". [22].

Conclui o autor que é "importante observar que os problemas de interesse regional, podendo ser de duas ordens, ora dirão respeito à competência federal, ora à estadual: tratando-se de questão comum a municípios que se situem em territórios de mais de um Estado - regional inter-estadual - a competência para dela tratar é da União; tratando-se de questão comum a municípios que se situem no território de um só Estado - regional intra-estadual - a competência é estadual", afirmando ainda que " a autonomia municipal será assegurada, entre outros poderes, pelo de administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse". [23]

Especificamente quanto ao tema em questão, o mesmo Autor faz lembrar que "não é costumeira a alegação, pelos Municípios, de que este ou aquele problema seja de interesse predominante ou peculiarmente local, salvo as hipóteses relativas à regulamentação e controle do uso e ocupação do solo, que manifestam reflexos incisivos e notórios sobre as potencialidades tributárias do município. No mais, impassíveis e silentes, os Municípios assistem a absorção de certas funções governamentais, que originariamente eram suas, pelos outros níveis de poder, especialmente pelos Estados, mesmo porque disso advém uma sensível redução no volume de suas responsabilidades administrativas. Esta absorção de funções municipais é fenômeno notório, de resto cometida ao abrigo da disposição constante do parágrafo 1o. ao artigo 13 da Constituição vigente" [24].

O que se tem por fundamental é que a atuação do Estado na competência para gerir a região metropolitana diz respeito exclusivo aos interesses comuns de mais de um Município, localizados na mesma região metropolitana.

Assim é que a Emenda que veio a dar origem ao parágrafo 10 do artigo 157 da Constituição Federal, na exposição de Paulo Sarasarte, legislador constituinte, traz a mens legis que norteia a questão:

" Essas regiões serão formadas pelo conjunto de Municípios que gravitam em torno de uma grande cidade e têm interesse e problemas comuns. Diante dessa realidade urbanística, há necessidade da unificação de serviços públicos para melhor atendimento da região. Tais serviços deixam de ser municipais para serem intermunicipais (de uma área unificada). Quanto aos serviços de caráter estritamente local, continuarão com os respectivos Municípios, mas os de natureza metropolitana seriam realizados e administrados em conjunto por um só ogro superior. Essa nova técnica de administração vem sendo adotada como por exemplo, na área metropolitana de Toronto, Londres, Paris, Nova Deli e outras. Não se compreeende como a nova Constituição possa desconhecer essas realidades urbanísticas e administrativas, tanto mais quando temos um Ministério do Planejamento, um Banco Nacional de Habitação e um Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, trabalhando em planejamento regional e municipal, sem nenhuma base constitucional que permita atuar nos Estados e Municípios.

Para legitimar a necessária intervenção desses órgãos na área regional e local é preciso que a Constituição Federal lhes conceda competência e lhes forneça os instrumentos urbanísticos adequados ao seu trabalho de coordenação e planificação territorial. Essa planificação deverá ser integral e integrada nas três esferas administrativas: União, Estados e Municípios. mas a União não poderá editar normas de planejamento estadual e municipal, nem atuar nestas áreas, sem que a Constituição o permita. E este é o momento oportuno para que se incluam os dispositivos permissivos dessa atuação coordenadora e planificadora no texto constitucional" [25].

O Estado, portanto, apenas implementou serviço essencial dentro de sua esfera constitucional de competência e que está voltada ao aperfeiçoamento do transporte na região metropolitana, envolvendo a integração de seus próprios modais (metro-trem).

A jurisprudência, nesse sentindo, é uníssona, merecendo destaque:

De acordo com o artigo 158 da Constituição do Estado, em região metropolitana ou aglomeração urbana, o planejamento do transporte coletivo de caráter regional será efetuado pelo Estado, em conjunto com os Municípios integrantes das respectivas entidades regionais. No Estado de São Paulo, a Lei Complementar nr. 94, de 29.5.74, dispõe sobre região metropolitana da Grande São Paulo e no artigo 2º. relaciona os serviços de interesse metropolitano, comuns aos municípios que integram a região, entre as quais está o transporte. [26]

Ainda a respeito, o artigo 2º., inciso I da Lei 7450/91 instituiu, como campo funcional da Secretaria de Transportes Metropolitanos, a execução da política estadual de transportes urbanos de passageiros para as regiões metropolitanas, abrangendo os sistemas metroviário, ferroviário, de ônibus e trolebus e demais divisões modais de interesse metropolitano; no inciso II, prevê a organização, a coordenação, a operação e a fiscalização do sistema metropolitano de transportes públicos de passageiros e de sua infra-estrutura viária, compreendendo: a) a realização do planejamento do transporte coletivo de caráter regional e a elaboração, execução e a fiscalização de programas e obras para o seu cumprimento e controle; b) o estabelecimento de normas e regulamentos referentes ao planejamento, à implantação, à expansão, à melhoria, à operação e à manutenção dos serviços; c) a outorga de concessões, permissões e autorizações dos serviços, sua fiscalização e a fixação das respectivas tarifas, nos termos da legislação vigente...

O acesso a esse serviço é exclusivo aos usuários dos modais do Estado e não à população do Município em geral, sendo ponto a ponto, sem embarques no percurso.

Recentemente a Fazenda do Estado propôs ação civil pública contra o Município de São Paulo, visando o reconhecimento da ilegalidade da prática de autuação sobre os veículos do sistema ORCA. Foi concedida medida liminar e, em sede de agravo de instrumento interposto pela Municipalidade, restou decidido:

Transporte. Apreensão de veículos utilizados no transporte coletivo intermunicipal de passageiros. Inadmissibilidade. Conflito de atribuições entre o Município e o Estado-membro ante a admissão de dúplice regulamentação (estadual e municipal) dos serviços de trânsito e tráfego intermunicipais. Discussão que não pode prejudicar a prestação do serviço público.

E, no corpo do referido v.acórdão, foi destacado o acerto da decisão recorrida, in verbis:

... é certo que incumbe ao Poder Público, diretamente ou sob o regime de permissão ou concessão, a prestação dos serviços públicos, dentre eles o de transporte coletivo. É fato que dentro da cidade de São Paulo a competência para disciplinar o transporte coletivo é do Município. Contudo, em se tratando de execução dos serviços públicos comuns a diversos municípios e integração de serviços do próprio Estado, como ocorre com o transporte intermunicipal e a integração metrô-trem, a competência é, a princípio, do Estado e decorre dos dispositivos da Constituição Federal e Estadual. Presente, pois, a relevância do fundamento invocado. [27]


CONCLUSÕES

1 - A permissão não tem natureza contratual e, portanto, revela-se inexigível a licitação. A norma constitucional refere-se às permissões qualificadas que, na verdade, revelam verdadeira concessão.

2 - A ausência de busca da melhor oferta, em razão da prévia fixação do preço, muito embora possível a participação de inúmeros cadastrados, traduz ainda hipótese de inexigibilidade de licitação, por ausência de competição.

3 - O Estado tem competência para gerir assuntos ligados ao transporte público que transbordem os limites municipais, na seara metropolitana.


Notas

1..Artigo 1º da Lei 8666, de 21.6.93, com a redação da Lei 8883/94, de 6.7.94.

2..Curso de Direito Administrativo, 8ª edição, pg. 374.- grifo nosso.

3..Artigo 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

4..Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 23ª edição, 2ª tiragem, pg. 167, grifo nosso

5..Curso, obra citada, pg. 471 - grifo nosso

6..Obra citada, pg. 465

7..Maria Syvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo Brasileiro, ed. Atlas 1999, pgs. 220/1, afirma que... sob a forma de permissão condicionada ou qualificada, o que se nota é que a Administração celebra verdadeiros contratos de concessão sob a forma de permissão, pois a fixação de prazo aproxima de tal forma a permissão da concessão que quase desaparecem as diferenças entre os dois institutos.

8..Artigo 2º, inciso IV.

9...Parcerias na Administração Pública, Ed. Atlas, 2ª ed., pg. 96

10..Revista da Procuradoria Geral do Estado, volume 43, pg. 101 - A nova lei federal de concessões e permissões dos serviços públicos e obras públicas

11..Teoria e Prática do Direito Administrativo, Forense 1979, pgs. 81 e 89/95.

12..Obra citada, pgs. 171/2.

13..Nota 24, pg. 346, obra citada.

14..Do Negócio Jurídico Administrativo, Ed. RT 1992, pg. 173

15..Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, Ed. Max Limonad, 1996, pg. 171

16..Antonio Roque Citadini (ob.citada, pg. 170) menciona que a hipótese de inexigibilidade de licitação do artigo 25 da Lei 8666/93 é tratada exemplificativamente. Odete Medauar afirma a respeito que o caput do art. 25 traz a expressão em especial antes de enunciar as respectivas hipóteses, o que tem levado a se cogitar do seu caráter não fechado (não taxativo). Direito Administrativo Moderno, Ed. RT - 5ª edição, pg. 240

17..Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, ed. Renovar, 1997, pg. 715 - Afirma o Autor que a exigência de sempre licitar não conflita com a possibilidade de dispensar-se a licitação na medida em que nisso consinta a lei, e não a autoridade administrativa.

18..Obra citada, pg. 314

19..Obra citada, pg. 171

20..TCE/PR, Processo 32641/93, Cons. Cândido Martins de Oliveira, BLC, ago/95, p. 408

21..Direito Municipal Brasileiro, Malheiros ed., 9ª Ed., 1997, pgs. 315/6

22..Regiões Met., Regime Jurídico - ed. José Bushatsky, 1974, pg. 63/4

23..ob. cit. pg. 65

24..ob. cit, pg. 66

25..apud Paulo Sarasate - A Constituição do Brasil ao Alcance de todos - Rio, Freitas Bastos, 1967, pág. 513

26..Apelação cível 232.675-1/0, de 24.8.95

27..AI 192.311.5/5, de 14.2.2001, 8ª Câmara de Direito Público, v.u., Tribunal de Justiça de São Paulo

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Sobre a autora
Mirna Cianci

procuradora do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIANCI, Mirna. A inexigibilidade de licitação na permissão. Competência para assuntos de transporte metropolitano: Parecer sobre a contratação do sistema ORCA - Operador Regional Coletivo Autônomo no Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16467. Acesso em: 5 nov. 2024.

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