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A realidade em uma abordagem epistemológica

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03/08/2010 às 19:33
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4.O conhecimento na relação do binônio sujeito e objeto

Para existir conhecimento sobre a realidade que se pretende verificar, é necessário que haja uma relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor (mente) e um objeto que se pretende conhecer (a realidade). No entanto, só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto é, representá-lo mentalmente, no caso a realidade. Mas a questão do conhecimento é tema inerente às especulações filosóficas. É conhecida pelos filósofos como gnosiologia, crítica do conhecimento ou epistemologia.

A mente do sujeito conhecedor é usada para captar o conjunto de fenômenos relacionados com o conhecimento, os sentimentos e a ação do homem, o que inclui diversas ocorrências como percepções, imagens mentais, memória, formação de conceitos, inferências e outros tipos de pensamentos (José Luiz Bulhões Pedreira, 2009, p.27).

Os fenômenos mentais são classificados em cognitivos, afetivos e volitivos. Interessa-nos os fenômenos cognitivos pelos quais o homem conhece o mundo exterior e a si mesmo, inclusive suas ideias, seus processos mentais e seus estados afetivos e volitivos, já que é a capacidade de conhecer que difere o homem dos demais seres vivos.

O processo de conhecimento compreende a formação, na mente do sujeito, da representação de símbolos mentais do objeto de conhecimento. A segunda etapa do conhecimento é aquela em que o sujeito apreende o objeto ou dele se apropria. Entretanto, alerta-se para o fato de que os fenômenos ocorridos no espaço mental são altamente subjetivos, isto é, só vale para o sujeito que os pensa.

Quanto aos objetos, podem ser reais ou ideais. São reais quando os percebemos como elementos ou fatos da realidade extramental. Neste caso, existem independentemente de sua representação na mente do sujeito que os pensa. Os objetos ideais são objetos de pensamento – somente existem enquanto representados por símbolos mentais - na mente do sujeito que os pensa: não são encontrados na realidade tal como pensados. São exemplos deste tipo de objeto os imaginários, criados pela própria mente do sujeito (José Luiz Bulhões Pedreira, 2009, p.66-67).

Os objetos também podem ser simples e compostos, conforme sejam unos ou formados de diversas partes ou elementos. A noção de elemento composto pressupõe a de relação. As relações podem ser reais ou ideais. As relações reais são as percebidas como fatos da realidade extramental, existem no mundo independentemente do sujeito, como por exemplo, as relações de espaço criadas pela força gravitacional e ainda as relações entre as partículas, moléculas, órgãos e tecidos. Relações ideais são vínculos criados subjetivamente entre partes.

O ponto central da discussão sobre o conhecimento reside no binômio sujeito-objeto. Para tanto, duas correntes surgiram para estudar o problema: empirismo e racionalismo (Agostinho Ramalho, 2001, p.1-3).

Para os empiristas, o conhecimento nasce do objeto. Ao sujeito caberia o papel de uma câmera fotográfica: registrando e descrevendo o objeto tal como ele é. O vetor epistemológico vai do objeto para o sujeito, ou ainda, do real para o racional. Ao sujeito cabe "saber ver", captando o objeto em sua essência. O momento do conhecimento é o da constatação, do contato do sujeito com o objeto.

O empirismo - que reduz todo conhecimento humano à experiência sensível – afirma que não existem dados universais, e sim generalizações que nossa mente faz a partir de dados parciais. O que diferencia um dado geral do universal é que este ocorre sempre e sem exceção, ao passo que o geral indica apenas o que normalmente ocorre, o que é comum, mas admite exceções. O geral é majoritário e o universal refere-se à totalidade (Javier Hervada, 2008, p.43).

Ao contrário do empirismo, o racionalismo coloca o fundamento do ato de conhecer no sujeito. O objeto constitui mero ponto de referência. Entendem que nem sempre as verdades dos fatos são verdades da razão. Algumas vezes as verdades da razão não se originam nos fatos (Agostinho Ramalho 2001, p.6-7)

Uma forma moderada de racionalismo é constituída pelo chamado intelectualismo, que atribui à razão o papel de conferir validade universal do conhecimento, embora, sustente que este não pode ser concebido sem a experiência. O intelectualismo caracteriza-se, pois, por racionalizar a realidade, concebendo-a como se contivesse, em si mesma, as verdades universais que a razão capta e decifra.

Kant quis conciliar empiria e razão através de uma composição, de uma síntese, vendo na razão, uma forma; e nos dados da intuição sensível, um conteúdo. Para Kant, a razão é a forma ordenadora de um conteúdo que a experiência fornece. É uma concepção estática com a qual Hegel não concordou.

O mestre da Fenomenologia do Espírito não se contentou com uma adequação estática entre o empírico e o racional, mas desenvolvendo o pensamento crítico em função da afirmada "força sintética do espírito", levou a cabo uma fusão entre o real e o racional.

O idealismo constitui ponto extremo do racionalismo. Para o idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, como ideia pura. O objeto é posto em posição secundária ou simplesmente lhe é negada qualquer importância, como se não existisse ou constituísse mera ilusão do espírito. A tese fundamental do idealismo é a de que não conhecemos as coisas, mas sim, as representações da coisa. Esta é a posição de Descartes (Agostinho Ramalho, 2001, p.8).

Esta posição é inovadora em relação ao idealismo antigo e é representado principalmente por Platão que não coloca as ideias como momento do processo cognitivo, mas as considera como "essências existentes", isto é, como a própria realidade verdadeira da qual seriam meras cópias imperfeitas das realidades sensíveis.

O idealismo moderno apresenta uma vertente lógica (idealismo objetivo) segundo o qual tudo se reduz a um complexo de juízos, afirmações e negações, de tal maneira que ser é ser pensado. A vertente psicológica (idealismo subjetivo) entende que toda realidade está contida na consciência do sujeito, de tal sorte que ser é ser percebido. Isto implica em dizer que as coisas não têm existência independente de nosso pensamento.

O idealismo supervaloriza o sujeito e chega a, praticamente, ignorar o objeto e a própria relação que entre eles se opera. O idealismo de Kant segundo o qual "não conhecemos as coisas, mas o que de nós colocamos nelas", e o de Hegel, para quem "o mundo real é a encarnação de uma idéia eterna que o espírito humano descobre e reencontra pouco a pouco, conquistando a idéia verdadeira do mesmo", não supera a questão crucial da relação concreta entre sujeito e objeto (Agostinho Ramalho (2001, p. 20)

O criticismo de Kant, parte da correlação sujeito-objeto no ato de conhecer tentando superar e sintetizar os pontos de vista contraditórios do empirismo e do idealismo. Para tanto, são aceitos e refutados princípios de ambas as correntes. Kant entende que o conhecimento não pode prescindir da experiência, que fornece o material cognoscível; por outro lado, sustenta que o conhecimento de base empírica não pode prescindir de elementos racionais já que os dados sensoriais são ordenados pela nossa razão (Agostinho Ramalho, 2001).

Kant foi quem primeiro citou o problema da não separação entre sujeito e objeto no processo de conhecimento, ressaltando a importância, não de cada um desses elementos tomados isoladamente como fazem o empirismo e o idealismo tradicionais, mas da relação que entre eles se processa no ato de conhecer. Porém, Kant foi um racionalista, pois para ele o vetor epistemológico vai do racional para o real (Agostinho Ramalho, 2001).

A transcendentalidade de que tanto se fala na filosofia de Kant consiste essencialmente na funcionalidade que ele vê na relação entre sujeito e objeto. Conhecer é, por consequência, fazer a união entre os elementos materiais de ordem empírica e os elementos formais de ordem intelectual. Se no processo de conhecimento a razão condiciona a experiência, o conhecimento não pode deixar de ser uma adequação do objeto ao sujeito cognoscente.

Para Kant, não podemos possuir qualquer tipo de conhecimento absoluto, pois o sujeito constrói o conhecimento, mesmo ao nível elementar da sensação, pois só sentimos e percebemos nos limites de nossa capacidade.

A Escola Fenomenológica tentando romper com o realismo critico de Kant, repudia o exagerado formalismo kantiano e tenta estabelecer uma revalorização do objeto e cuja figura principal é o alemão Husserl.

Os fenomenalistas sustentam que há algo nos objetos que permite distingui-los, pois, se fossem indeterminados em si mesmos, não poderiam ser apreendidos pela razão, que evidentemente, não produz objetos do nada. Isto significa que há algo extrínseco ao pensamento.

Hegel tentou superar a dualidade sujeito-objeto concebendo a razão, não de maneira abstrata como o fez Kant, dissociada dos dados empíricos, mas como uma síntese a priori do próprio processo. É de Hegel a afirmação: "o que é real é racional e o que é racional é real" e mostra bem a trilogia da dialética idealista hegeliana: tese, antítese e síntese, onde nada pode ser fora do pensamento.

As epistemologias dialéticas veem sob um enfoque novo o problema da relação sujeito-objeto. Para tanto, rompem com a concepção metafísica, tanto do empirismo como do idealismo, segundo a qual o sujeito cognoscente é separado por alguma fronteira obscura e misteriosa, do objeto real. Para a dialética, o importante é a própria relação. (Agostinho Ramalho, 2001, p.13).

A dialética busca tomar consciência das condições reais do ato cognitivo, dentro do processo de sua elaboração. De forma que, toda pesquisa criadora é um trabalho de construção de novos conhecimentos e não uma simples captação passiva da realidade porque o conhecimento não pode ser puro reflexo do real como querem os positivistas.


5. A percepção da realidade por meio de categorias

Para conhecer a realidade precisamos pensar através de categorias. Há duas grandes categorias de seres: os seres da realidade e os seres de imaginação. Os seres imaginários repartem-se entre as entidades mitológicas, as figuras folclóricas e os personagens da literatura de ficção. Não existem em si, nem em outras coisas, mas somente como pura imagem. Nada obstante, têm participação, às vezes até decisiva, nos negócios humanos. De forma que o pensamento não pode ignorá-los. Os seres da realidade, objetos de apurada reflexão intelectual, compõem-se em duas categorias: a dos seres-substância e a dos seres-acidente. O ser-substância existe em si e por si, com plena autonomia individual – o homem. O ser-acidente existe apenas por meio de outro ser, do qual depende, embora tenha sua própria essência e possua verdadeira realidade. Ele tem natureza adjetiva, acrescentando qualidade ao ser substância (VASCONCELOS 2006, p.21-22).

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Historicamente o primeiro significado das categorias está ligado as determinações da realidade e em segundo à noções que servem para indagar e compreender a própria realidade. Foi essa a concepção de Platão que as chamou de "gêneros supremos" e enumerou cinco desses gêneros: o ser, o movimento, o repouso, a identidade e a alteridade (Nicola Abbagnano, 2007, p.139).

Para Aristóteles as categorias são modos como o ser se predica das coisas, portanto são os predicados fundamentais das coisas. Aristóteles enumera as categorias em:Sustancia : Es la base primaria, invariable de todo cuanto existe, conservada pese a todas las transformaciones, a diferencia de los objetos y fenómenos concretos sujetos a cambios, es la esencia más general y profunda, cuya causa y fundamento no se hallan incluso en alguna otra cosa, sino en ella misma. substância, Cantidad : Magnitud, número, extensión, ritmo en que los procesos transcurren, grado de desarrollo de las propiedades, etc. quantidade,Cualidad : Es aquello en virtud de lo cual alguien tiene algo, es decir, para Aristóteles esto era algo que gente y los objetos tienen. qualidade,Relación : Es momento necesario de interconexión de todos los fenómenos, conducido por la unidad material del mundo, las relaciones entre las cosas son tan objetivas como las cosas mismas. relação,Lugar : Es el espacio ocupado o que puede ser ocupado por un cuerpo cualquiera. lugar,Tiempo : La materia, en su movimiento, manifiesta ciclos. tempo, Situación : Acción y efecto de situar o situarse. posição,Condición : Situación o circunstancia indispensable para la existencia de otra. posse, Acción : Es lo necesario para que se produzca un efecto en las cosas, es el argé manifestado por la materia para hacer efecto en los procesos del devenir en las personas y cosas.ação e Pasión : Se refiere a las emociones o sentimientos muy intensos. passividade.

Para Kant o intelecto unifica os pensamentos em categorias. As categorias são as condições de pensar algo como objeto de experiência. Para Aristóteles as categorias são modos de ser, enquanto que para Kant as categorias são modos de funcionar o pensamento. Assim como os conceitos puros são as categorias, analogicamente, os conceitos puros da razão são as ideias, entendidas em sentido técnico. As ideias valem como esquemas para ordenar as experiências. Elas unificam nosso conhecimento. Para Kant são categorias (Giovanni Reale 2007, p.364-370):

- Causa

: Causa es todo aquello que produce o provoca un cambio en otro. Causa: qualquer coisa que produz ou provoca uma mudança em outro.

-Efecto : Es el cambio provocado por la causa. Efeito: o movimento desencadeado pela causa. Y casualidad o relación casual es el proceso mediante el cual la causa produce efecto.

La relación existente entre causa y efecto es solamente un aspecto, aunque de suma importancia, de la interdependencia existente entre todos los objetos que forman la totalidad que denominamos realidad objetiva. A relação entre causa e efeito é apenas um aspecto, embora importante, da interdependência de todos os objetos que formam o conjunto que chamamos de realidade objetiva. Es solamente en ese contexto más amplio de la interacción universal que adquieren su valor científico estas dos categorías. É somente neste contexto mais amplo de interação universal que essas duas categorias adquirem o seu valor científico.

formas subjetivas , a priori, ya que son patrimonio previo de todo entendimiento humano, o sea, de lo que Kant llama el "yo trascendental". Kant elabora a construção de juízos divididos em categorias. O primeiro está organizado a partir da magnitude do conhecimento (universais, particulares e singulares) o segundo, tendo em vista a qualidade ou o valor do conhecimento (afirmativos, negativos e infinitos) o terceiro, tomando como base a relação cognitiva (categóricos, hipotéticos e disjuntivos) e o quarto por dizer respeito ao valor do pensamento em geral (problemáticos, assertóricos e apodíticos) (Wilson Engelmann (2007, p. 63) [01].

Já Hegel considera as categorias como determinações do pensamento. A única categoria que ele reconhece é a autoconsciência ou a própria realidade. Já para Heidegger as categorias representam o ser das coisas.

Assim, as categorias são os gêneros mais gerais segundo os quais se distribuem os objetos do pensamento. As categorias nos ajudam a compreender as propriedades do objeto em análise, facilitando o raciocínio. Por meio delas, chega-se a uma conclusão com maior grau de certeza.

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Sobre a autora
Ana Claudia Saldanha

advogada, especialista em direito publico, mestranda em direito constitucional, colaboradora dos Cursos de Pos-Graduaçao na ESMP-CE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALDANHA, Ana Claudia. A realidade em uma abordagem epistemológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2589, 3 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17107. Acesso em: 30 abr. 2024.

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