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A inserção do Brasil na política internacional de direitos humanos da pessoa idosa

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Ações do Brasil na temática do Idoso

Nacionais

Após a realização da I Assembleia Geral sobre Envelhecimento, em Viena, em 1982, a preocupação do governo brasileiro com a temática do Idoso ganhou força. A Política Nacional do Idoso, estabelecida em 1994 (Lei nº 8.842/94), criou normas para os direitos sociais dos idosos, garantindo autonomia, integração e participação efetiva como instrumento de cidadania. Essa lei foi reivindicada pela sociedade, sendo resultado de inúmeras discussões e consultas ocorridas nos Estados, nas quais participaram idosos ativos, aposentados, professores universitários, profissionais da área de gerontologia e geriatria e várias entidades representativas desse segmento, que elaboraram um documento que se transformou no texto base da lei.

Da mesma forma, após a elaboração do Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento, em 2002, a preocupação com a pessoa idosa volta a tornar-se central para o Brasil. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), que entrou em vigor no dia 1° de janeiro de 2004, foi sancionado pelo Presidente da República em outubro de 2003, após 7 anos de tramitação no Congresso Nacional. Com ele, foram beneficiados mais de 16 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais de idade.

Conforme Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva enfatiza "o Brasil confirmou a projeção da ONU, quando da vigência do Estatuto do Idoso apenas em 2004, mais de 20 anos após o Plano de Viena" [31].

O Estatuto do Idoso, composto por 118 artigos, resgatou princípios constitucionais que garantem aos cidadãos direitos que preservam a dignidade, sem distinção de origem, raça, sexo e idade. Pautou-se nos princípios da absoluta prioridade ao idoso e da proteção integral do indivíduo. Os principais direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso são o direito à saúde, ao trabalho, à igualdade, à educação, à participação política, ao desenvolvimento, à valorização de sua condição econômica, a viver livre da violência e ao meio ambiente acessível.

Em 2009, o III Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III) acolheu "a valorização da pessoa idosa e a promoção de sua participação na sociedade" como objetivo estratégico dentro da diretriz de "garantia da igualdade na diversidade", no sentido da universalização dos direitos em um contexto de desigualdades. [32]

Os direitos das pessoas idosas foram, assim, considerados oficialmente pelo Brasil como direitos humanos. Caso seja aprovada, uma convenção internacional dos direitos humanos da pessoa idosa seria recebida pela Constituição Federal brasileira de 1988, como direito fundamental e, poderia, conforme o art. 5º, parágrafo 3º, atingir status de emenda constitucional, se aprovada por quórum especial.

Em 2010, instituiu-se o Fundo Nacional do Idoso, com o objetivo de financiar os programas e as ações relativas ao idoso com vistas a assegurar os seus direitos sociais e criar condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. A criação do fundo significa dimensão pragmática da política nacional do idoso. [33]

Mercosul

Os países do Mercosul têm posições convergentes em relação à política internacional dos direitos das pessoas idosas. Afirmaram, em julho de 2009, em comunicado conjunto, compromisso para com os direitos da pessoa idosa:

"12. Reiteraram seu compromisso para promover, no marco geral das Nações Unidas, o tratamento da temática dos Direitos das Pessoas Idosas, com o objetivo de avançar para a adoção de uma convenção internacional na matéria. Nesse contexto, comprometeram-se a aprofundar o diálogo interamericano sobre a temática, conforme a Resolução da OEA sobre Direitos Humanos e Pessoas Idosas, aprovada em São Pedro Sula, em Honduras" [34]

Ressalta-se que, em 2009, foi criado o grupo de trabalho da pessoa idosa nas discussões das reuniões de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul e países associados (RAADH), consolidando a presença dos direitos humanos das pessoas idosas na pauta de discussões e cooperação regional. A RAADH ocorre, de maneira ordinária, uma vez por semestre, durante as presidências pró-tempore dos países integrantes do bloco. A continuidade das atividades do grupo de trabalho é fundamental para um posicionamento uniforme do bloco nas esferas internacionais.

América Latina

O debate acerca da necessidade de um instrumento internacional vinculativo sobre os direitos humanos da pessoa idosa na América Latina extrapola as fronteiras dos países do Mercosul, ocorrendo nas reuniões da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (CEPAL) e da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A Estratégia regional de implementação para a América Latina e o Caribe do Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento foi adotada, na 1ª Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento, realizada em 2003, e ratificada na Resolução 604 do Trigésimo período de sessões da CEPAL. A estratégia regional teve como objetivo "promover os direitos humanos das pessoas idosas" e recomendou a elaboração de legislações específicas que definissem e protegessem esses direitos, em conformidade com os padrões internacionais e com a normativa aceita pelos Estados.

Em 2007, a Declaração de Brasília foi adotada durante a II Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e no Caribe, quando os países participantes reafirmaram o compromisso de "não pouparem esforços para promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todas as pessoas de idade, trabalhar na erradicação de todas as formas de discriminação e violência e criar redes de proteção das pessoas de Idade para fazer efetivos os direitos das pessoas Idosas [35]."

Especial atenção deve ser dada aos artigos 25 e 26 da Declaração de Brasília, cujos artigos tratam, respectivamente, da possibilidade de designar um relator especial, encarregado de zelar pela promoção e pela proteção dos direitos humanos das pessoas idosas, e da realização de consultas pertinentes entre os governos para a elaboração de uma convenção sobre os direitos humanos das pessoas idosas, no âmbito das Nações Unidas.

Em setembro de 2008, realizou-se a I Reunião de Seguimento à Declaração de Brasília, no Rio de Janeiro. O objetivo foi formular recomendações para projeto de convenção internacional de direitos humanos para as pessoas idosas e para medidas práticas a impulsionar a criação da convenção e a designação de relator especial para o tema nas Nações Unidas. Dentre as principais recomendações da Reunião, encontram-se: (i) que os governos apóiem incluir na resolução do 63º período de Sessões da ONU, um pedido ao Secretário Geral das Nações Unidas (SGNU) para que apresente um informe específico sobre os direitos das pessoas Idosas, durante o 64º período de sessões de 2009; (ii) que os governos solicitem à Comissão de Assuntos Jurídicos do Conselho Permanente da OEA, sessão extraordinária para tratar da situação dos direitos humanos das pessoas idosas, e (iii) que a questão seja considerada nas intervenções dos representantes respectivos no Segmento de Alto Nível do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Em maio de 2009, ocorreu a II Reunião de Seguimento à Declaração de Brasília, em Buenos Aires, cujo tema fora Hacia una Convención sobre los Derechos de las Personas Mayores. Reiterou os objetivos da reunião precedente. Como resultado, obteve-se uma série de temas que poderiam fazer parte do texto da convenção, junto com a identificação de algumas ações futuras para curto prazo, dentre as quais destaca-se a seguinte: "Propõem-se que, durante esse processo, alianças sejam construídas entre os distintos países da região e fora dela. Para isso, se espera que na próxima reunião, no Chile, se discuta um documento mais acabado em termos técnicos e jurídicos (...)".

Em outubro de 2009, ocorreu a III Reunião de Seguimento, em Santiago do Chile, na sede da CEPAL. Entre as conclusões a que se chegaram está a recomendação para que CEPAL elabore proposta estratégica para avançar nos conteúdos dos artigos 24 e 25 da Declaração de Brasilia [36]. Em maio de 2010, realizou-se a reunião do Comitê Especial da CEPAL sobre População e Desenvolvimento, quando foi solicitado à Secretaria Executiva da CEPAL que transmitisse ao Secretário Geral das Nações Unidas o interesse dos países da região em estabelecer um grupo de trabalho encarregado de liderar o processo de elaboração de um tratado internacional para proteger os direitos das pessoas idosas [37].

Percebe-se, assim, o protagonismo e o avanço dos países da América Latina na elaboração de uma convenção internacional e na criação de um cargo de relator especial para o tema do idoso. Essas discussões devem avançar com a continuidade das reuniões de seguimento à Declaração de Brasília.

A dificuldade na elaboração de uma convenção interamericana para os direitos humanos das pessoas idosas está na resistência das posições dos Estados Unidos e do Canadá, que argumentam haver outras discussões acerca de direitos humanos em pauta na OEA, prioritárias à temática do idoso por ordem de precedência. Além disso, os países latino-americanos enquadram-se em realidade socioeconômica diferenciada da experimentada pelos Estados Unidos e pelo Canadá. As demandas em relação aos direitos humanos dos idosos são, portanto, diferenciadas, o que dificulta a formação de um conceito regional amplo. Ressalta-se também que não há consenso entre os demais países da América Latina. O México inicialmente favorável à convenção, hoje, tem posições mais relutantes. Alguns países da América Central, Cuba e República Dominicana têm posições indecisas quanto ao assunto, e alguns países caribenhos de língua inglesa, holandesa e francesa sequer apareceram nas reuniões.

Entende-se, nesse sentido, em oportunidade próxima, a discussão poderia ser levada ao âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que não contempla entre seus membros o Canadá e os Estados Unidos. Apesar de a União não apresentar foro específico para a discussão de direitos humanos, os países membros já manifestaram em reiterados documentos o compromisso da Unasul para com a defesa dos direitos humanos.

Multilateral

Nas Nações Unidas, as discussões sobre o envelhecimento ocorrem, ainda de maneira tímida, na Assembleia Geral, no Conselho Econômico e Social e no Conselho de Direitos Humanos. Foram feitas recomendações, estudos, resoluções, pactos, mas ainda não houve consenso sobre a necessidade de uma convenção internacional e de um cargo de relator especial para os direitos humanos das pessoas idosas.

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O governo brasileiro defende que, antes da redação final do texto de uma Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa Idosa, seria importante que Grupos de Trabalho Regionais (constituídos por Estados e ONGs) levantassem diagnósticos acerca da situação dos idosos nos contextos nacional e regional. Mediante esses estudos, o consenso em relação à Convenção deveria ser buscado no âmbito de alguns mecanismos regionais de integração.

"A base conceitual da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas Idosas é a mudança de paradigma da perspectiva biológica e assistencial para a visão social dos direitos humanos, visando eliminar todas as formas de discriminação, entre outras, a discriminação por motivos de idade. É reconhecer também que as pessoas, à medida que envelhecem, devem desfrutar de uma vida plena, com saúde, segurança e participação ativa na vida econômica, social, cultural e política de suas sociedades. É fundamental o aumento do reconhecimento da dignidade dos idosos e a eliminação de todas as formas de abandono, abuso e violência, bem como, a tarefa de incorporar eficazmente o envelhecimento nas estratégias, políticas e ações sócio-econômicas." [38]

Aqueles que não apoiam a elaboração de uma convenção, entre outros fatores, baseiam-se nas dificuldades de adaptar políticas públicas nacionais a padrões internacionais que sejam modelos de implementação. Entre essas dificuldades, Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva atenta para o fato de que "a expectativa de vida tem superado em muitos anos o estabelecido para o percebimento de aposentadoria ou de pensões, o que é uma vitória sob muitos aspectos, mas certamente não para a contabilidade da seguridade social. De outra forma, o envelhecimento ativo permite a coexistência – em geral tensa – de gerações no ambiente do trabalho ou, em pior hipótese, propicia a competição já petrificada em preconceitos [39]". É necessário, assim, que uma convenção internacional atente-se a essas dificuldades como estabelecer padrões para a reforma previdenciária e promover o diálogo intergeracional, para não ser considerada nem principiológica nem utópica.

Outros argumentos contrários, de viés mais jurídico, apontam para o excesso de normas internacionais de direitos humanos. A hermenêutica normativa dos instrumentos existentes seria suficiente para o adequado tratamento das pessoas idosas.

A participação abrangente da sociedade civil é de suma importância no diálogo para a elaboração de uma convenção internacional, sobretudo porque a política do idoso tem reflexos na sociedade como um todo. Para alcançar-se o envelhecimento ativo e saudável, são necessárias políticas educacionais, previdenciárias, de saúde entre outras tantas preocupações que dizem respeito à qualidade de vida das pessoas em qualquer idade. É ainda na juventude que se observa o cuidado preventivo para atingir o envelhecimento.


Desafios e Conclusão

O envelhecimento da humanidade é, hoje, uma realidade em todos os continentes. Diante dessa mudança demográfica, a qual deve pautar novas prioridades de políticas públicas, é determinante que se atente para a estrutura normativa que irá pautar as novas relações entre os Estados e as sociedades.

Inicialmente, percebe-se um problema cultural a ser transposto, qual seja, o estigma do idoso. As sociedades contemporâneas, sobretudo as ocidentais, valorizam a juventude e entendem o idoso como inativo. Além de as oportunidades tornarem menores para o idoso atuar, quer na economia, quer nos espaços sociais, ele é visto, muitas vezes, como fonte de problemas. Investir no idoso parece antagônico, pois a expectativa de vida é menor, comparada a de uma pessoa jovem. O idoso torna-se um custo a mais para as políticas públicas, o qual não se sabe se terá efeito multiplicador.

Essa visão acerca do idoso é base para o preconceito e a discriminação. Falta a promoção de educação, diálogo e políticas intergeracionais, que promovam a pessoa idosa. Somam-se a isso, as dificuldades econômico-sociais experimentadas pelos países. Dados apontam ser as pessoas idosas as ultimas a beneficiarem-se de cuidados em campos de refugiados. Mulheres idosas são privadas de direitos de herança em muitos países, sendo descartadas pelas sociedades. No Brasil, percebe-se que, em muitos municípios, as economias locais giram em torno da fonte de renda dos idosos, sejam as aposentadorias ou os benefícios de prestação continuada. Muitos sustentam suas famílias e, com isso, muitas vezes são por elas explorados e, até mesmo, violentados. A violência é também notada na negligência para com os idosos, muitas vezes abandonados e privados de suas moradias. Longe da família e de seu ambiente, o idoso perde referências, o que é substrato para mazelas psicológicas, com fortes efeitos sociais.

Diante do vigor das pessoas mais jovens, os idosos tornam-se atores hipossuficientes. É por isso que proteger os direitos das pessoas idosas é garantir condições de igualdade nas sociedades. Esses direitos são contemplados na categoria de direitos humanos, não porque sejam especiais e diferentes de quaisquer outros direitos humanos, mas porque sua proteção merece atenção especial, para igualar-se à de qualquer outra pessoa. Infelizmente, é uma realidade mundial a violência contra os direitos humanos das pessoas idosas. São atores que têm de enfrentar muitos obstáculos na sua participação como membros igualitários da sociedade.

A maior expectativa de vida, assim, é positiva para as sociedades, mas também é fonte de novos desafios. O idoso deve ser visto como ganho social. A elaboração de uma convenção internacional e a criação de um cargo de relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos dos idosos são objetivos fundamentais para completar, por meio de obrigações peremptórias e de maior acompanhamento institucional de políticas para os idosos, a proteção do desenvolvimento natural do ser humano.

Tendo o Brasil se beneficiado dessa revolução demográfica, deve atuar para garantir um envelhecimento mais ativo, digno e humano. Percebe-se que o país vem acompanhando o desenvolvimento da temática do idoso nas esferas internacionais e nacionais. O esforço em favor de uma convenção internacional e de um cargo de relator especial deve acompanhar a política internacional do Brasil em relação aos direitos humanos da pessoa idosa. A recepção de novas normas internacionais referentes à temática do idoso deve ganhar relevância de norma constitucional, haja vista referir-se a direito fundamental de todos os brasileiros.

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Sobre as autoras
Maria Helena Notari

Oficial de chancelaria

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo Fragaso

Advogada, especialista em relações internacionais, oficial de chancelaria, assessora internacional da secretaria de Direitos HUmanos da Presidência da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOTARI, Maria Helena ; FRAGASO, Maria Helena Japiassu Marinho Macedo. A inserção do Brasil na política internacional de direitos humanos da pessoa idosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2603, 17 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17206. Acesso em: 1 mai. 2024.

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