Capa da publicação A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais
Artigo Destaque dos editores

A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais

Exibindo página 2 de 3
28/09/2010 às 06:03
Leia nesta página:

4 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA

Em razão das fraudes proporcionadas pela separação entre o patrimônio da empresa e os bens dos sócios, decorrente da personificação da primeira, o direito brasileiro, a partir da jurisprudência, passou a desenvolver um mecanismo de responsabilização dos segundos pelos atos ilícitos cometidos em nome da primeira.

Com origem nas jurisprudências inglesa e norte-americana [13], a disregard of legal entity ou "doutrina da penetração" busca desconsiderar os efeitos da personificação da pessoa jurídica para atingir a responsabilidade individual dos seus membros nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, quando a primeira não possuir patrimônio suficiente para indenizar um lesado por seus atos.

O caso que deu origem à referida doutrina é assim narrado por Requião [14]:

[...] Em 1897, a justiça inglesa ocupou-se com um famoso caso – Salomon vs. Salomon & Co. – que envolvia o comerciante Aaron Salomon. Este empresário havia constituído uma company, em conjunto com outros seis componentes da sua família, e cedido seu fundo de comércio à sociedade que fundara, recebendo em conseqüência vinte mil ações representativas de sua contribuição, enquanto para cada um dos outros membros coube apenas uma ação para a integração do valor da incorporação do fundo de comércio na nova sociedade. Salomon recebeu obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas. A sociedade logo em seguida se revelou insolvável, sendo o seu ativo insuficiente para satisfazer as obrigações garantidas, nada sobrando para os credores quirografários.

O liquidante, no interesse dos credores quirografários, sustentou que a atividade da company era atividade de Salomon, que usou de artifício para limitar sua responsabilidade e, em conseqüência, Salomon deveria ser condenado ao pagamento dos débitos da company, devendo a soma investida na liquidação de seu crédito privilegiado ser destinada à satisfação dos credores da sociedade. O Juízo de primeira instância e depois a Corte acolheram essa pretensão, julgando que a company era exatamente uma entidade fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu agent ou trustee, e que ele, na verdade, permanecera como o efetivo proprietário do fundo de comércio. Era a aplicação de um novo entendimento, desconsiderando a personalidade jurídica de que se revestia Salomon & Co.

A doutrina da desconsideração não busca anular a existência da pessoa jurídica, mas apenas considerar a sua personalização ineficaz em relação a determinado ato, concluindo que ele foi realizado por determinados membros da organização e não por esta.

4.1 INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

Antes de se adentrar nos fundamentos jurídicos da aplicação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica ao direito tributário, cumpre relembrar que este ramo do direito público dispõe de instrumentos próprios de simbiose com as demais espécies.

A interpretação das normas é matéria da hermenêutica jurídica e busca entender o verdadeiro sentido dos textos legais.

Já a integração é a busca pelo preenchimento de lacuna involuntária deixada pelo legislador. No dizer de Hugo de Brito, "não é atividade de simples declaração do sentido da norma, como a interpretação, mas atividade criadora, embora esse processo criativo esteja diretamente vinculado a normas preexistentes". [15]

Ao apontar as divergências existentes a respeito do tema, principalmente em relação à possibilidade de atividade criadora também na interpretação, bem como a afirmação de alguns de que nem uma nem outra aceitam essa ideia, o mesmo mestre nos diferencia os dois institutos:

É preferível, por isso, dizer-se que a interpretação pressupõe a existência de norma expressa e específica para o caso que se tem para resolver. O intérprete, então, determina o significado dessa norma, tendo em vista, especialmente, o sistema em que a mesma se encarta. Já de integração se cogita quando se esteja na ausência de norma expressa e específica para o caso, e se tenha, por isto mesmo, de utilizar um dos meios indicados no art. 108 do CTN [16].

O Capítulo IV, do Título I, do CTN, trata do tema da interpretação e da integração da legislação tributária.

O artigo 108 nos fornece a ordem sucessiva dos institutos que devem ser utilizados na atividade de integração legislativa, quando ocorrer ausência de disposição normativa tributária expressa aplicável ao caso ao qual se busca solução. Nessa hipótese, deve ser buscado o preenchimento da lacuna legislativa (daí se dizer que o nosso Código adotou a teoria das lacunas), sucessivamente, através da analogia, dos princípios gerais de direito tributário, dos princípios gerais de direito público e, por fim, da regra da equidade.

O parágrafo primeiro, do mesmo dispositivo legal, destaca que "o emprego da analogia não pode resultar na exigência de tributo não previsto em lei", haja vista que a incidência tributária sujeita-se ao princípio da estrita tipicidade, segundo o qual o tributo deve estar previsto em um tipo fechado, que contenha todos os elementos da obrigação tributária, quais sejam, hipótese de incidência, sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e alíquota, e não deixe espaço a ser preenchido pela Administração.

Já o parágrafo segundo do mesmo artigo proíbe que a utilização da equidade resulte na dispensa de pagamento de tributo devido, o que implicaria em ofensa à Constituição Federal, que exige lei específica para cuidar de subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão. A regra também demonstra sintonia com o artigo 111 do CTN, apesar deste último tratar de interpretação.

Mesmo tendo o mencionado artigo 108 só elencado a utilização dos princípios gerais de direito tributário (espécie do gênero direito público) e das outras espécies de princípios gerais de direito público na atividade de integração legislativa, o artigo 109 nos esclarece que os princípios gerais de direito privado também deverão ser usados, quando se necessitar pesquisar a definição, o conteúdo e o alcance de seus próprios institutos, conceitos e formas, mas não para a definição dos respectivos efeitos tributários. Isso porque a legislação tributária utiliza-se desses conceitos e, portanto, precisa buscar nesses institutos o fundamento de sua aplicação.

O artigo 110, por sua vez, é mandamento de superioridade dos conceitos de direito privado em relação à lei tributária, nas oportunidades em que esta parecer estar desvirtuando a definição, o conteúdo e o alcance daqueles institutos. Exemplo típico ocorreu na edição da Lei n° 9.718/98, em que o legislador ordinário tentou dar à expressão receita bruta definição jurídico-tributária diversa da que já lhe dava o direito privado, o que acabou sendo rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998. O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. [17]

Por fim, registra-se as regras do artigo 111, que impõem a interpretação literal às hipóteses de suspensão ou exclusão do crédito tributário ou dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, e a do artigo 112, que exige a interpretação mais benigna ao sujeito passivo quando se tratar de definição de infrações ou cominação de penalidades, regra esta derivada do princípio penal "in dúbio pro reo".

No que se refere ao tema do presente trabalho, pode-se concluir que a teoria da desconsideração da pessoa jurídica está inserida na regra de integração legislativa, haja vista a lacuna deixada pelo legislador, que não a previu de forma expressa no capítulo da responsabilidade de terceiros do CTN ou mesmo em outra lei tributária, mas também não a proibiu.

Sendo assim, o intérprete da relação jurídico-tributária deve sopesar se o instituto é ou não aplicável à situação particular analisada.

4.1 FUNDAMENTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Em nosso ordenamento jurídico, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa é encontrada no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração); no art. 18 da Lei nº 8.884/94 (A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração); no art. 4º da Lei nº 9.605/98 (Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente) e no art. 50 do Código Civil (Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica).

Segundo lição do Ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho, o instituto da disregard of legal entity tem natureza subsidiária aos demais institutos de solução da responsabilidade das pessoas jurídica, como a solidariedade ou imputação de responsabilidade de terceiros, só podendo ser aplicado na ausência destes.

Portanto, a desconsideração da personalidade é algo (a) excepcional (por somente ser cabível em situações incomuns, anormais ou extraordinárias), (b) tópico (por servir apenas à resolução do caso concreto sub judice, não afetando outras obrigações da entidade e nem desconstituindo a sua personalidade) (c) processual (por somente ter cabimento mediante decisão do Juiz, em feito de amplo contraditório); em outros termos, a desconsideração da personalidade somente tem aplicação quando não dispuser o Juiz de outros institutos, instrumentos, meios ou remédios jurídicos capazes ou hábeis para a solução da pendência judicial oriunda de fraude ou abuso por intermédio da entidade controlada ou dirigida, pois a autonomia da pessoa jurídica continua sendo a regra básica do ordenamento, como já constava do art. 350 do Código Comercial (Lei n. 556, de 25.06.1850) do art. 20 do Código Civil (Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916) consta do art. 596 do vigente Código de Processo Civil (Lei n. 5.969, de 11.01.1973). [18]

A aplicabilidade da teoria da disregard doctrine às relações juridico-tributárias decorre da autorizada norma de integração do direito tributário.

Como já vista acima, na ausência de uma regra de natureza tributária que se aplique à solução do caso concreto, o art. 108 do CNT impõe ao intérprete a utilização da integração legislativa, iniciando esse mecanismo pelo instituto da analogia.

A analogia, como ensina Tercio Ferraz Jr., é forma de preenchimento de lacuna legislativa que se origina da necessidade de se dar solução isonômica a questões semelhantes.

O uso da analogia, no direito, funda-se no princípio geral de que se deva dar tratamento igual a casos semelhantes. Segue daí que a semelhança deve ser demonstrada sob o ponto de vista dos efeitos jurídicos, supondo-se que as coincidências sejam maiores e juridicamente mais significativas que as diferenças. Demonstrada a semelhança entre dois casos, o intérprete percebe, simultaneamente, que um não está regulado e aplica a ele a norma do outro. A analogia permite constatar e preencher a lacuna. [19]

A desconsideração da pessoa jurídica é regra geral de direito prevista no art. 50 do Código Civil, sendo aplicável às relações jurídicas entre as entidades formais sempre que constatado abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Se o instituto acima é utilizado como solução de conflito em que a vítima é uma pessoa privada, natural ou jurídica, com muito mais razão a pessoa jurídica também deve ser desconsiderada quando o abuso ocorrer contra um ente público, criado para servir à sociedade como um todo.

De outro lado, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica não ofende as garantias constitucionais do contribuinte, uma vez que tal instituto é alheio à obrigação tributária ou à identificação do seu sujeito passivo, tratando-se de regra de direito civil e empresarial, tal qual a norma que estabelece a distinção patrimonial entre a sociedade e seus sócios.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O instituto em questão não impõe obrigação tributária aos seus administradores, mas tão somente transfere a estes a responsabilidade pelo pagamento do tributo inadimplido pelo sujeito passivo, que continua sendo a empresa.

Sendo assim, para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica nas execuções fiscais não é necessária a instituição de norma por lei complementar, ou mesmo de natureza especial tributária, sendo suficiente uma regra de cunho geral no ordenamento jurídico, como é o caso do art. 50 do CC, pois não se está tratando de definição de tributo ou de obrigação tributária, mas apenas de substituição do responsável pelo inadimplemento no pagamento do débito.

Nesse sentido também leciona Heleno Torres:

A desconsideração da personalidade jurídica, para os fins de aplicação da legislação tributária, poderá ser praticada tanto quando se esteja em presença de leis especiais quanto na hipótese de aplicação de uma regra geral que a autorize, à luz de determinados pressupostos. [20]

Mas o artigo 50 do CC exige, para a aplicação do instituto em debate, que tenha ocorrido "abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial", o que exige a demonstração de uma dessas hipóteses.

Assim, em tese, a utilização do instituto exigiria a comprovação, por parte do Fisco, da ocorrência de um de seus requisitos.

Porém, dessa condição vamos tratar no item relativo à análise da jurisprudência dominante no STJ, só adiantando que no caso de inadimplemento de obrigação tributária o abuso ocorrerá na espécie "desvio de finalidade".

4.3 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE TERCEIROS

A responsabilidade de terceiros está devidamente positivada no direito tributário.

Os artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional arrolam determinadas situações em que terceiras pessoas se responsabilizam solidaria ou sucessivamente pelo inadimplemento da obrigação tributária por parte do contribuinte.

A jurisprudência tem confirmado o redirecionamento das execuções fiscais nessas circunstâncias discriminadas pela lei.

[...]

3. Faz-se necessária a integração do acórdão embargado para fazer constar que a jurisprudência desta Corte possui entendimento no sentido de que a dissolução irregular da empresa sem deixar bens para garantir os débitos, ao contrário do simples inadimplemento do tributo, enseja o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes, independentemente de restar caracterizada a existência de culpa ou dolo por parte desses.

4. É de se reconhecer que a hipótese é daquelas excepcionais que permitem a atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração, pois a análise do ponto omisso implica a alteração do julgado, razão pela qual acolho os aclaratórios com efeitos modificativos para manter o acórdão proferido no Tribunal de origem no sentido de possibilitar a citação dos sócios-gerentes da empresa executada, os quais poderão elucidar a existência ou não de responsabilidade tributária em sede de embargos do devedor.

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos modificativos para negar provimento ao recurso especial. [21]

Essa atribuição legal de responsabilidade tributária a terceiras pessoas que não o próprio contribuinte, porém, não deve ser confundida com a hipótese de desconsideração da personalidade da empresa.

4.4 DIFERENÇA ENTRE A RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

O instituto da responsabilidade de terceiros não leva em conta a desconsideração da pessoa jurídica. Apenas indica um garantidor ao pagamento, para o caso de não ser cumprida a obrigação pelo devedor principal, nas hipóteses previstas pelo legislador.

Como constata Machado:

Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei. [22]

Não obstante tratar-se de institutos diversos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem qualificado a responsabilidade tributária de terceiros como hipótese da doutrina da disregard of legal entity:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DEVIDA PELO TOMADOR DO SERVIÇO. ART. 22, IV, DA LEI 8.212/91. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. 1. "O legislador, ao exigir do tomador do serviço contribuição previdenciária de 15% (quinze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativa de trabalho, nos termos do art. 22, IV da Lei 8.212/91 (com a redação dada pela Lei 9.876/99), em nenhum momento valeu-se da regra contida no art. 135 do CTN, que diz respeito à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para que seus representantes respondam pessoalmente pelo crédito tributário nas hipóteses que menciona" (REsp 787.454/PR, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 23.08.2007). 2. Recurso Especial a que se nega provimento. [23]

Os dois institutos, porém, são diferentes.

A responsabilidade tributária de terceiros, tratada pelo art. 135 do CTN, não desconsidera a pessoa jurídica devedora, apenas imputa aos terceiros indicados pelo legislador, e que no caso estão vinculados à pessoa jurídica, a obrigação pelo pagamento dos débitos decorrentes "de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".

Trata-se, então, de imputação legal de responsabilidade solidária de terceiros, em substituição ao devedor principal, de aplicação peremptória, pois não deixa margem ao julgador para escolher se impõe ou não a responsabilização desses terceiros. Na referida norma o legislador aderiu à denominada teoria ultra vires. Nas hipóteses descritas no artigo a doutrina da desconsideração é incabível.

Já a desconsideração da pessoa jurídica, como diz o nome, desconsidera a existência da entidade social e trata esta como uma simples comunhão entre as pessoas responsáveis pela sua administração, para o fim de transferir a responsabilidade patrimonial, que a princípio seria limitada aos bens da sociedade, para os bens dos administradores, como se dela fossem, em casos não tipificados pela legislação.

Como já dito acima, a desconsideração da pessoa jurídica como forma de atingir o patrimônio dos seus administradores é instrumento subsidiário das normas de responsabilidade de terceiros e de manuseio exclusivo do juiz, que deve utilizá-lo apenas na solução do caso concreto, quando não houver outra solução legal indicativa de solidariedade no adimplemento da obrigação.

4.5 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA

Vivemos em tempo de supervalorização da segurança jurídica, que vê no instituto da súmula vinculante uma forma de impedir as decisões contraditórias, as quais provocam sucessivos e repetidos recursos sobre a mesma matéria, gerando ainda mais morosidade ao processo.

Não temos a pretensão de atacar, ou tampouco defender, neste breve trabalho, os veículos legislativos utilizados para atingir o desiderato da celeridade na prestação jurisdicional, mas é fato sabido que o engessamento das soluções judiciais transfere para a doutrina uma responsabilidade maior no embasamento de suas opiniões, relativizando em muito as conclusões que se fundamentam em decisões judiciais, pois estas já não trazem o mesmo amadurecimento que possuíam quando os juízos das instâncias de instrução e de apelação detinham a mesma liberdade para decidir.

Por isso, ao exegeta também compete avaliar os fundamentos das decisões judiciais que vêm tratando do assunto sobre o qual pretende produzir uma opinião.

Vejamos, então, o que vem decidindo o Judiciário a respeito da matéria em exame.

Em relação ao redirecionamento das execuções fiscais para os sócios-gerentes ou administradores das pessoas jurídicas empresárias, a discussão tem se limitado a questões infraconstitucionais, cujas normas têm sua interpretação final ditada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Nesta Corte, destacam-se três orientações praticamente pacificadas sobre o tema em debate, quais sejam:

a) se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, presume-se a responsabilidade deste e a ele compete o ônus da prova de que não agiu nos termos do art. 135 do CTN, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do mesmo código c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80;

b) se iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, postula-se o redirecionamento contra o sócio-gerente, que não constava na CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN;

c) a mera inadimplência da obrigação tributária não é suficiente para viabilizar o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios-gerentes da pessoa jurídica.

Verifica-se, então, que em sede de execução fiscal promovida contra pessoa jurídica o STJ tem adotado a orientação de possibilidade de redirecionamento da ação contra os administradores desta, não apontados na Certidão de Dívida Ativa, desde que a Fazenda comprove a presença de uma das condições para a responsabilidade de terceiros elencadas no art. 135 do CTN.

De outro lado, haverá a inversão no ônus da prova, cabendo assim ao administrador chamado à lide demonstrar a inocorrência dessas condições previstas na lei, quando a CDA fizer constar o nome dos sócios como corresponsáveis pelo pagamento do débito. Tal entendimento se apresenta sob o fundamento de que a CDA é documento que goza da presunção de certeza e liquidez de todos os seus elementos (sujeitos, objeto devido e valor do débito), não podendo o Judiciário limitar o alcance desta presunção.

Essas duas orientações jurisprudenciais – itens "a" e "b", acima – são demonstradas no trecho transcrito abaixo, do voto vencedor do acórdão do AgRg no AI nº 1.058.751/RS, da lavra do Ministro Castro Meira [24]:

A jurisprudência desta Corte é tranqüila em admitir o redirecionamento da execução, independentemente de qualquer prova, sempre que o nome do sócio constar como co-responsável na CDA, em face da presunção de legitimidade, certeza e liquidez que milita em favor desse título executivo, nos termos do art. 3º da Lei 6.830/80.

Essa orientação, a meu sentir, não se altera pelo fato de ter sido a empresa extinta por falência.

[...]

Assim, iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, requerido o redirecionamento contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava nenhum fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, depois, volta-se contra o seu patrimônio, deve demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

Ao revés, se a CDA já indica o sócio-gerente como co-responsável, há inversão do ônus da prova, cabendo a ele demonstrar, por meio dos embargos do devedor, que não agiu com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.

Essa orientação encontra-se sedimentada em dezenas de precedentes de ambas as Turmas de Direito Público desta Corte...

Por fim, também se mostra consolidado na jurisprudência do STJ que "a mera inadimplência da obrigação tributária não é suficiente para viabilizar o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios-gerentes da pessoa jurídica" (v.g., REsp 1183292, AgRg no REsp 1159170, AgRg no REsp 1128989, REsp 1159170, REsp 1128989, Ag 1142756).

Este último entendimento é o ponto sobre o qual precisamos nos debruçar com mais atenção.

Primeiramente, cumpre observar que toda a obrigação é imposta (no direito público) ou voluntariamente assumida (no direito privado) para ser cumprida, respondendo o inadimplente pelos prejuízos advindos do descumprimento. Nesse sentido os artigos 389 e 186 do Código Civil.

No que diz respeito às relações privadas, a incerteza que lhes é inerente é a própria causa para a imposição de cláusulas que assegurem o cumprimento das obrigações da espécie ou mesmo lhe autorizem expressamente o descumprimento. Este é o pressuposto dos artigos 121 e 410, entre outros tantos do CC.

No direito público, porém, e especialmente nas relações jurídico-tributárias ora tratadas, as obrigações decorrem de lei e, como a lei deve ser igual para todos, não podem elas ser inadimplidas, não obstante o próprio direito preveja sanções para a mora no cumprimento. É que mesmo que haja a imposição das sanções, a obrigação permanece devida, ou seja, precisa ser cumprida.

A multa, pois, no Direito Tributário pode ter caráter de mora, como indenização, pelo não pagamento do tributo no prazo, e caráter de penalidade, quando a omissão do contribuinte implica em uma infração à lei fiscal. Mas jamais terá função compensatória, pelo que o contribuinte deve pagar o tributo acrescido do valor correspondente à multa (CTN, art. 161). [25]

No mesmo diapasão os estudos de Leandro Paulsen:

Compulsória, prevista em lei. O Estado exige os tributos compulsoriamente das pessoas. O art. 150, I, da CF, diz que a sua instituição ou majoração será feita por lei. E a lei a todos obriga. A obrigação de pagar tributo não decorre, pois, da vontade do contribuinte que, aliás, será irrelevante nesta matéria, do que é prova o art. 123 do CTN. [26]

Voltando, então, ao último entendimento jurisprudencial apontado, a menos que pensemos que a Egrégia Corte Superior quis nele dizer que o não pagamento de tributos é ato lícito – o que não deve ter ocorrido –, devemos concluir que a inadimplência fiscal autorizada pelo direito só pode ser aquela que tenha uma justa causa, ou seja, que decorra de fato extraordinário impeditivo do pagamento tempestivo da respectiva obrigação, uma vez que o tributo é uma prestação compulsória (art. 3º do CTN), de cumprimento obrigatório.

As obrigações contratuais podem até ser descumpridas, desde que assim previamente pactuado (art. 410 do CC) ou por acordo posterior dos contraentes. De outro turno, o risco das operações empresariais é inerente às atividades destinadas ao lucro, sendo o descumprimento tratado na esfera da responsabilidade civil.

Na seara das obrigações tributárias o descumprimento não é admitido. Logo, a única inadimplência que pode ser considerada juridicamente autorizada – ensejadora, portanto, apenas dos ônus da mora – é aquela em que o administrador da pessoa jurídica não tinha melhor credor para satisfazer, quando do vencimento do débito tributário, que não o próprio Fisco.

Mas o que seria, juridicamente falando, "melhor credor"?

A resposta está na regra especial contida no caput do art. 186 do CTN:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela LC nº 118, de 2005)

Destaca-se que a preferência acima não se refere ao processo falimentar, cuja hipótese é tratada no parágrafo único. A cabeça do artigo diz respeito às preferências que devem ser cumpridas pelo devedor não submetido à falência.

Sendo assim, conclui-se da leitura da norma acima que o sujeito passivo de obrigação tributária não pode cumprir com outra obrigação de pagar, antes de saldar aquela, a menos que esta diga respeito a um crédito de natureza trabalhista ou de acidente de trabalho.

Portanto, quem atrasa o pagamento de obrigação tributária comete sim um ato ilícito, segundo o sentido civilista do instituto, aplicável ao direito tributário em decorrência dos artigos 108 a 110 do CTN, mesmo que o atraso se dê em razão de suposta prioridade de outra obrigação que não seja das espécies trabalhista ou acidentária, porque a opção em dar privilégio a um contrato privado (pagamento de fornecedores ou prolabore dos administradores, capitalização da empresa etc.) é contrária ao ordenamento jurídico.

A preferência pelo pagamento de uma obrigação civil ou comercial, em prejuízo do adimplemento de um débito tributário, é uma escolha exclusiva do administrador. Não é ato próprio da entidade formal, porque o ordenamento legal não criou o instituto da pessoa jurídica para lhe permitir o cometimento de atos ilícitos.

Mesmo se analisarmos a questão sob o antigo prisma liberalista de fins individualistas, e não enxergarmos aqui um ato ilícito nos moldes do art. 186 do CC, no mínimo aquela preferência terá sido um abuso de direito do administrador, pelo afastamento dos fins sociais do empreendimento em benefício próprio, o que seria, então, um ato ilícito pela modalidade prevista pelo artigo 187 do mesmo cânone, o qual tem natureza objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa ou dolo do agente, conforme nos ensina Maria Helena Diniz:

Abuso de direito ou exercício irregular do direito. O uso de um direito, poder ou coisa além do permitido, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar. Realmente, sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou por desvio da finalidade socioeconômica para a qual o direito foi estabelecido. No ato abusivo há violação da finalidade econômica ou social. O abuso é manifesto, ou seja, o direito é exercido de forma ostensivamente ofensiva à justiça. A ilicitude do ato praticado com abuso de direito possui natureza objetiva, aferível, independentemente de culpa e dolo. [27]

A mesma autora também nos faz lembrar o Enunciado nº 37 da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que diz: "a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico".

Ora, se o pagamento dos tributos é uma imposição legal para a pessoa jurídica sujeito passivo da obrigação tributária, o administrador que a representa, se deixa de fazê-lo, age em desconformidade ao direito, ou, melhor dizendo, com "infração de lei", nos exatos termos do art. 135 do CTN, permitindo ao aplicador da norma o redirecionamento da cobrança para o administrador responsável pela inadimplência, uma vez que os atos contrários à legislação não são atribuídos à pessoa jurídica, mas sim ao próprio agente cometedor da ação ou omissão ilegal.

Mesmo porque o CC também determina:

Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

[...]

Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.

Portanto, aqui sequer há necessidade de desconsideração da pessoa jurídica, regra de natureza subsidiária, haja vista a incidência da norma especial contida no art. 135 do CTN, que deve ser combinado com o art. 186 do mesmo diploma legal.

Em suma, o não pagamento de débito tributário não é uma simples inadimplência de obrigação de pagar. Cuida-se de descumprimento de imposição legal (art. 3º do CTN), que acarreta ao administrador responsável o ônus de arcar pessoalmente com o adimplemento do débito.

O critério exposto acima é de interpretação da legislação tributária.

Mas não é o único.

Caso o intérprete não aceite a tese de que o descumprimento de obrigação tributária é propriamente uma infração à lei, deve socorrer-se da integração legislativa, pelas razões abaixo.

Ocorre que o direito também regulamenta os atos negociais de empresas que passam por período de dificuldade econômico-financeira. Essa é a razão invocada por aqueles devedores que deixam de cumprir suas obrigações tributárias.

O empresário que se encontra nessa situação e busca superar a crise tem por dever jurídico procurar os seus credores (ressalvados os que a lei exclui dessa possibilidade) para propor e negociar um plano de recuperação amigável (art. 161 e ss. da nº 11.101/2005, a Lei de Falência), o qual poderá ser homologado pelo Judiciário, a fim de não lesar ou privilegiar credores. Não sendo aceita a proposta, pode ainda o devedor ajuizar um pedido de recuperação judicial da empresa, "a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica", nos termos do art. 47 da nova Lei de Quebra.

Se, entretanto, não houver forma de recuperação, a solução juridicamente imposta é o pedido de auto-falência, nos termos do art. 105 da lei de regência:

Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial [...]

Vemos que a lei utiliza o termo "deverá requerer ao juízo sua falência", não deixando margem discricionária ao empresário, pois ao Estado e à sociedade não interessa uma empresa descumpridora de suas funções sociais.

As hipóteses acima não são meras opções do empresário. São imposições de ordem pública, cujo descumprimento implica má-fé e cometimento de ato ilícito (art. 113 c/c art. 187, ambos do CC).

O art. 187 do Código Civil está em perfeita sintonia com os princípios informadores da função social da empresa e demais princípios gerais da ordem econômica, bem como com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, devendo ser aplicado às relações jurídico-tributárias em razão dos artigos 108 a 110 do CTN.

Assim, se o empresário deixou de adimplir suas obrigações tributárias porque se encontrava em situação de dificuldade econômico-financeira, descumpriu ao que manda o artigo 186 do CNT, bem como a Lei de Falência, pois não tomou as providências determinadas por esta norma, quais sejam, a proposta de um plano de recuperação extrajudicial da empresa, o ajuizamento da recuperação judicial ou, finalmente, o pedido de auto-falência.

Não tendo tomado essas providências, não pode invocar a boa-fé a seu favor, devendo ser pessoalmente responsabilizado pelo abuso de direito representado pela escolha indevida dos credores que pagou, a caracterizar o desvio da finalidade social da empresa e, consequentemente, a dar ensejo à desconsideração da personalidade jurídica, com a extensão aos bens dos sócios na garantia da execução do crédito tributário, por aplicação do instituto do art. 50 do CC às relações jurídico-tributárias, em homenagem ao art. 108, inciso I, do CTN.

Por fim, uma última questão relacionada à jurisprudência em exame também precisa ser vista.

Trata-se do ônus da prova em relação à presença dos requisitos do art. 135 do Código Tributário, como condição para ser requerido o redirecionamento da execução contra os administradores da pessoa jurídica executada.

Conforme visto acima, um dos entendimentos do STJ é que, se iniciada a execução contra a pessoa jurídica e durante o processo se postula o redirecionamento contra o sócio-gerente que não constava na CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN.

É que o dispositivo exige, como condição para a responsabilidade dos terceiros nele arrolados, a existência de "atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos", que estejam relacionados "a obrigações tributárias".

Já vimos que o adimplemento de obrigações tributárias é matéria de ordem pública, ou seja, não pode deixar de ser cumprido.

Vimos, também, que eventuais dificuldades econômico-financeiras não podem ser consideradas como justa causa para o inadimplemento de débitos tributários por parte dos empresários, haja vista que o ordenamento jurídico impõe preferência de pagamento ao Fisco e obriga os devedores a negociar com seus credores particulares uma forma de satisfação desses créditos nos termos da lei, ou seja, sem prejudicar aquela preferência. E na ausência de acordo, a lei impõe o ajuizamento de um pedido de recuperação judicial da empresa ou, se esta julgar não atender aos requisitos do instituto, que faça o requerimento de autofalência. Tudo como forma impositiva e em homenagem aos princípios constitucionais dos valores sociais do trabalho, da função social da empresa e de estímulo à atividade econômica, o que por certo não será capaz de ser atingido pelas sociedades que desatenderem às normas vigentes.

Assim, o empresário que deixa de adimplir suas obrigações tributárias comete ato ilícito por ofensa direta a lei de ordem pública, cuja responsabilidade pelo descumprimento é de natureza objetiva, sendo, portanto, desnecessária a comprovação de culpa ou dolo. Via de regra, o administrador privilegia as obrigações de natureza privada para poder levar adiante o empreendimento, mas assim o faz em ofensa à lei, por sua conta e risco de gerar um dano maior para o Fisco.

Nas palavras de Silvio Rodrigues:

A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examinando-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele. [28]

Os objetos de prova da responsabilidade objetiva são somente (a) o evento danoso, (b) o prejuízo da vítima e (c) o nexo causal entre os anteriores.

Em se tratando de inadimplência de dívida tributária, o evento danoso é a omissão no pagamento; o prejuízo da vítima está na diminuição da arrecadação e, consequentemente, dos serviços que poderão ser prestados pelo Estado; e o nexo causal está no vínculo direto entre o primeiro e o segundo fator, numa relação de causa e efeito.

Demais disso, as pessoas jurídicas de qualquer espécie têm por dever legal manter sua escrituração, com o lançamento de todas as entradas e saídas, bem com os comprovantes desses lançamentos, à disposição do Fisco até a ocorrência da decadência ou prescrição dos atos neles consignados ou dos créditos tributários.

Logo, ao Fisco somente compete apresentar a prova do inadimplemento do tributo, para o que, de outro turno, basta a sua alegação, não só pela presunção de legitimidade dos atos administrativos, mas principalmente porque os fatos negativos não precisam (e nem podem) ser provados, cabendo à parte contrária demonstrar a eventual inocorrência de inadimplência, o que no caso se faz com a prova de pagamento.

Por fim, poderá o administrador demonstrar que a inadimplência não foi ilícita, por ter ocorrido caso fortuito ou de força maior, sendo inaplicável às obrigações tributárias as excludentes de fato exclusivo da vítima ou de terceiro. Naquelas hipóteses, chamará para si o ônus da prova.

O paradigma colacionado abaixo reflete exemplo assente na jurisprudência pátria:

A responsabilidade objetiva baseia-se na teoria do risco administrativo, dentro da qual basta a prova da ação, do dano e de um nexo de causa e efeito entre ambos, sendo, porém, possível excluir a responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, de terceiro ou ainda em caso fortuito e força maior. [29]

Por essas razões, ousamos discordar em parte da Egrégia Corte Superior, no ponto em que esta afirma que a mera inadimplência da obrigação tributária não é suficiente para viabilizar o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios-gerentes da pessoa jurídica.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alvacir de Sá Barcellos

Procurador Federal, especialista em Direito Público pela UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Alvacir Sá. A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17466. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos