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É possível ser convincente sendo sucinto!

O esquecido ideal de simplicidade do processo do trabalho

25/09/2010 às 15:57
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A idéia da simplificação do procedimento vem sendo buscada em todos os ramos da ciência processual e sempre orientou o processo do trabalho. O jus postulandi conferido ao empregado e ao empregador (capacidade de ingressar em juízo sem advogado), a notificação via postal, a adoção de audiência una e do rito sumaríssimo são, sem dúvida, exemplos cabais de que sempre foi preocupação do legislador tornar o processo trabalhista o menos embaraçado possível, até porque os litígios trabalhistas, em sua grande maioria, envolvem discussão sobre verba de natureza alimentar.

Aliás, a busca da informalidade e da simplificação do procedimento se mostrara mais notável com a adoção, pioneira, do princípio da oralidade na seara processual trabalhista. O princípio da oralidade, sem dúvida, é um dos que mais concorrem para a eficácia do processo jus-laboral e, por conseguinte, para uma mais célere prestação jurisdicional.

Inspirado nesses princípios – com ênfase no da oralidade dos atos processuais - o legislador previu no artigo 840 da CLT que a reclamação trabalhista poderia ser verbal ou escrita. E no art. 847, estabeleceu que "não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir a sua defesa...".

Por muito tempo foi assim, até que se percebeu que a apresentação de contestação escrita agilizava a pauta de audiências. De fato o recebimento da defesa, seguido da apresentação de sua cópia ao reclamante e a leitura dessa peça processual pelo juiz se fazia em tempo bem inferior a vinte minutos.

Porém, com o passar dos anos, novos direitos foram sendo conquistados pela classe operária; novas competências foram atribuídas à justiça do trabalho; o acesso às informações foi significativamente ampliado e, por conseguinte, as lides trabalhistas passaram a envolver discussão de matérias mais complexas, exigindo a elaboração de petições e defesas técnicas, mas sem perda de objetividade.

Todavia, o esperado tecnicismo objetivo vem sendo relegado. Hoje são cada vez mais freqüentes as petições desnecessariamente longas e afrontosas aos princípios da simplicidade e da oralidade. São iniciais com inúmeras transcrições doutrinárias para fundamentar direito reiteradamente deferido nos tribunais e acerca dos quais não remanesce polêmica. Vemos, amiúde, contestações intermináveis. Há até aquelas contendo a transcrição da petição inicial ou de parte dela, como se a exordial não estivesse nos autos. É uma pena!

O computador, grande aliado dos operadores do direito, ao invés de servir à objetividade, tem no famoso "copiar e colar" uma porta aberta para o esbanjamento na transcrição de excertos doutrinários e jurisprudenciais. Para combater pedidos cujo combate não exige mais do que duas linhas (v.g. pleito de honorários advocatícios), folhas e folhas são apresentadas. Sentenças de poucas laudas são atacadas por embargos declaratórios com o dobro de páginas ou mais. Recursos quilométricos. Sem contar a famigerada contratação de serviços advocatícios "por peça", e sua extrema capacidade de gerar textos longos, nem sempre persuasivos.

Estou convicto de que, malgrado as relações de trabalho hodiernas façam eclodir disputas trabalhistas merecedoras de tratamento o mais zeloso por parte dos advogados, isso não significa que as peças por eles produzidas devam ser prolixas. É possível ser convincente sendo sucinto! Objetividade não se opõe ao zelo. A qualidade do argumento vale muito mais do que a quantidade de laudas preenchidas com palavras vãs. VIVA A PETIÇÃO ENXUTA!

A propósito, enalteço que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA preparou um documento intitulado "Sugestões dos Juízes do Trabalho para a Elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil", do qual pincei e adiante transcrevo parte da fundamentação utilizada visando a adoção do "PRINCÍPIO DA CONCISÃO". Penso está diante de argumentos oportunos e ponderosos, razão pela qual os compartilho com os leitores. Vejamos:


DO PRINCÍPIO DA CONCISÃO

A instituição do princípio da concisão busca sinalizar que o mínimo pode ser o máximo, quando por meio de economia de verbalização possamos destacar o ponto central da demanda e, através de objetividade na linguagem, promover a restauração do direito que foi violado ou prevenir a sua ofensa.

Melhor fala sobre o princípio da concisão o autor da proposta, José Eduardo Rezende Chaves Jr:

"Tenho duas sugestões na matéria. A primeira importa em cortar na própria carne. Petições de advogados devem ter um limite máximo de páginas.

(...)

Einstein gastou uma página para expor a teoria da relatividade. É a qualidade do argumento, e não o volume de palavras, que faz a diferença.

A segunda sugestão corta em carne alheia. A leitura de votos extremamente longos, ainda quando possa trazer grande proveito intelectual para quem os ouve, torna os tribunais disfuncionais. - Luis Roberto Barroso

A Emenda Constitucional n. 45/2004 instituiu o princípio da duração razoável do processo judicial (inciso LXXVIII do artigo 5º). Esse princípio, em essência, é muito mais um objetivo final a se alcançar, que propriamente um princípio originário, ou seja, é muito mais teleológico do que princípiológico.

O problema do Judiciário não é mais nem tanto de acesso, senão de saída. O processo tem sua resolução sempre diferida e retardada por inúmeros estratagemas. Em relação a isso, as várias modificações processuais, levadas a efeito desde que se deu início à reforma processual fatiada, são necessárias, mas não suficientes.

Além do aprimoramento e simplificação dos mecanismos e procedimentos processuais, é preciso simplificar também as próprias peças processuais. Em regra, a manifestações dos sujeitos do processo ricocheteiam entre tecnicalidades e eruditismo, perdendo muitas vezes o sentido prático para as partes envolvidas.

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Nessa linha, a proposta visa a fomentar a transformação da própria formalização dos fundamentos jurídicos no processo, para imprimir-lhes um sentido de objetividade e concisão, imprescindíveis à duração razoável do processo.

Necessitamos com urgência de um minimalismo jurídico. A liberdade de expressão é sagrada, por isso mesmo deve ser preservada da banalização e do excesso.

O processo contemporâneo clama pelo princípio da concisão, pela revolução da brevidade de Luis Roberto Barroso, o jurista carioca que nos lembra que a teoria da relatividade foi redigida e apresentada apenas em uma lauda. A logorréia bacharelesca é uma nova forma de assédio processual.

Na contemporaneidade, o processo justo é o processo sucinto, organizado e célere. Nenhum direito é absoluto e sem medida. E a medida da moderação lingüística nos autos não é tão subjetiva. O bom senso é uma medida eminentemente coletiva. O critério de adequação das atitudes é uma nota distintiva do próprio ser humano.

Além disso, a lógica jurídica é incapaz de processar o turbilhão de fundamentos e (des)arrazoados que impunemente são despejados nos autos.

Para o poeta Ezra Pound, por exemplo, poesia é condensação. Alguém tem dúvida da potência transformadora da poesia?

Portanto, se o legislador previu o prazo de vinte minutos para a produção de defesa oral em audiência é porque não se ajustam ao processo do trabalho as defesas lavradas em infinitas laudas, as quais consomem horas na sua elaboração e exigem vários minutos na sua leitura pelo juiz e pela parte ex adversa, concorrendo para a frustração do propósito da audiência una.

Lembremos que o tempo despendido pelo juiz na leitura de peças recheadas de citações e palavras desfuncionais poderia e deveria ser mais bem utilizado no estudo e julgamento de outros processos, ensejando, destarte, maior celeridade na prestação jurisdicional. Aliás, produzindo textos concisos os nobres advogados estimulam os juízes a igualmente primar pela objetividade, muitas vezes esquecida até mesmo por este escriba.

Mas se nenhum desses apelos for bastante para sensibilizar os que costumam prodigalizar na elaboração de peças processuais, resta-nos clamar pela preservação do meio ambiente. Não nos esqueçamos da advertência do ecologista MARK SOMMER: "A produção de papel consome quase a metade da madeira cortada no mundo.... também consome grandes quantidades de energia (constitui o quinto usuário industrial de energia em todo o mundo e o segundo nos Estados Unidos) e de água, e gera quase 40% de todos os dejetos sólidos no âmbito municipal. Ironicamente, a promessa de "menos papel" da era dos computadores não se cumpriu, pois a demanda não caiu, pelo contrário, aumentou".

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Sobre o autor
Paulo Mont´Alverne Frota

Juiz do TRT da 16ª Região/MA, titular da 3ª Vara do Trabalho de São Luís, professor de Direito Processual do Trabalho Escola da Magistratura do Trabalho da 16ª Região, tendo artigos doutrinários publicados em sites e revistas jurídicas. Também foi defensor público no Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Paulo Mont´Alverne. É possível ser convincente sendo sucinto!: O esquecido ideal de simplicidade do processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2642, 25 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17469. Acesso em: 1 mai. 2024.

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