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Defesa da concorrência: atos de concentração

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19/10/2010 às 16:55
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Controle Preventivo dos Atos de Concentração Empresarial

No início da década de 1990, com o Plano Collor, o Brasil alterou um aspecto fundamental na sua política econômica no que se refere ao comércio exterior.

Houve a introdução do câmbio flutuante e a eliminação do controle quantitativo como barreira alfandegária, deu-se início à superação do modelo de "Substituição das importações". Esse modelo desde o fim da segunda guerra tentara redefinir o papel do nosso país no contexto mundial, através do desenvolvimento de parque industrial próprio. [06]

Esse contexto ocasionou o aumento da competição entre os empresários atuantes no nosso país.

Houve, portanto, uma abertura econômica que expôs o nosso país à concorrência internacional e conseqüentemente fez com que os agentes econômicos se fortalecessem por meio de fusões, incorporações e outras formas de concentração para enfrentar os fortes competidores internacionais.

Na Lei n. 8.884/94 mesmo com as reformulações de 1994, predominam dispositivos de caráter repressivo (arts. 15 a 53) em detrimento aos de natureza preventiva (art. 54 a 58).

Contudo, em razão das mudanças econômicas, ao aplicar a lei o CADE tem se dedicado muito mais à apreciação dos atos de concentração do que ao julgamento dos processos administrativos sobre condutas infracionais. [07]

Dessa forma, a autarquia assume aos poucos a postura de mero repressor preferindo apenas disciplinar a estruturação do livre mercado, assumindo assim, a função preventiva na aprovação de atos de concentração empresarial.

O controle preventivo está previsto no art. 54 da Lei n. 8.884/94, o qual preceitua que os atos que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar no domínio do mercado relevantes de bens e serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.

O parágrafo 3º do artigo supracitado determina que os atos que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja por meio de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedades para exercer o controle de empresas ou agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado o faturamento bruto anual no último balanço equivalente a 400 milhões de reais devem ser submetidos à aprovação do CADE.

A apreciação do ato de concentração pelo CADE também deterá manifestações técnicas dos dois outros órgãos auxiliares: SDE e SEAE, cada um possui o prazo de 30 dias para se manifestar. Entretanto, a decisão do CADE não se encontra vinculada aos pareceres emitidos por esses órgãos, ou seja, a autarquia poderá decidir de forma contrária aos entendimentos manifestados.

Com relação aos de concentração conforme dispõe do parágrafo 2º do art. 54 da LAB, são considerados legítimos os atos de concentração econômica desde que atendidas pelo menos três das condições constantes nos incisos do parágrafo primeiro do mesmo artigo: quando necessários por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final. Estando presentes três das quatro condições do parágrafo 1º, o CADE não poderá impugnar os atos de concentração.

Caberá ao CADE avaliar e apreciar esses fatores ao caso, contudo essa avaliação possui certos limites estabelecidos por lei, que uma vez, ultrapassados, podem caracterizar desvio de poder.

Essa é a única hipótese em que um ato de concentração pode ser admitido, isto é, se estiverem presentes pelo menos três das quatro condições previstas no parágrafo 1º do art. 54.


Caso Ambev

Foi submetida à apreciação do CADE a fusão da Antartica e da Brahma que deu origem a AMBEV.

O pedido foi protocolado em dois de julho de 1999, sendo aprovado pela autarquia em 30 de março de 2000, ou seja, após nove meses de análise.

Houve a necessidade de submeter o caso à aprovação do CADE, haja vista que o ato de concentração representou mais de 20% do mercado relevante de bebida, pois a união entre a Antartica e a Brahma representa 72% do mercado de cerveja do país e 40% no mercado geral.

Na 161ª Sessão ordinária, de 29 de março de 2000, o CADE aprovou sem restrições a fusão da AMBEV no tocante aos mercados relevantes de água engarrafadas e refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas, contudo, impôs condições no mercado de cerveja, são elas:

i)Viabilização de novo concorrente através da alienação da marca Bavaria;

ii) Transferência dos contratos de fornecimento e distribuição relacionados a marca e alienação de uma unidade de fabricação e produção de cerveja, localizada em cada uma das 5 regiões do mercado relevante geográfico (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte);

iii) Acesso à distribuição para o mercado;

iv) A Ambev deveria providenciar a oferta pública das unidades de fabricação da cerveja que pretender desativar nos próximos 4 anos (não poder fechar a fábrica antes de oferecer previamente ao mercado);

v) Deveria promover programa de treinamento e recolocação dos trabalhadores que perderam emprego em razão da fusão, nos próximos quatro anos;

vi) Desobrigação da exclusividade no ponto de venda; entre outros.

O CADE também estipulou que a venda da marca Bavaria poderia ser para empresa nacional ou estrangeira sem qualquer vínculo com a AMBEV, e que não detenha, na data da decisão, mais de 5% da participação no mercado relevante brasileiro de cerveja.

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O termo de compromisso assinado tem a duração de cinco anos e o descumprimento de qualquer das suas disposições implicará na aplicação da multa mínima de 5.000 UFIRs diária, que poderá ser aumentada em até 20 vezes sem prejuízo das demais providências cabíveis.


Caso Perdigão e Sadia – Brasil Foods

A fusão da Perdigão e Sadia foi anunciada em 19 de maio de 2009, esse operação dará origem à Brasil Foods, que significa a dominação mais de 50% de diversos segmentos do mercado brasileiro de alimentos.

A fusão entre as duas empresas significa: 88% do mercado de massas industrializadas; 70% das carnes congeladas; 67% das pizzas semi-prontas e 53% dos produtos alimentícios industrializados em geral. Assim, nota-se uma alta concentração de mercado.

O CADE ainda não proferiu decisão sobre a fusão, contudo autorizou a Perdigão a tomar as medidas que forem necessárias para realizar uma `reestrutura financeira’ da Sadia. Mesmo antes de decidir sobre a autorização da fusão, o órgão considerou que impedir a reestruturação traria ônus desnecessários aos negócios das empresas envolvidas.

Inicialmente a idéia do CADE era determinar que as duas continuassem com suas operações separadas até que a fusão fosse definitivamente julgada. Esse tipo de restrições é feita para garantir que caso a fusão não seja aprovada pelo CADE, ainda seja possível separar as duas empresas.

Foi aberta essa exceção pelo CADE somente para que a Sadia pudesse contar com a ajuda financeira da Perdigão, haja vista que a Sadia teve prejuízo recorde de R$ 2,5 bilhões.

Portanto, até março de 2010 o CADE apenas autorizou a união financeira entre as duas empresas e as operações no exterior. A expectativa é que a autarquia julgue o caso até o final do semestre.


Conclusão

Conclui-se que há um paradoxo sobre a concentração empresarial, de um lado esta é benéfica ao progresso e eficiência do sistema produtivo, mas também tem efeito nocivo na economia e acarreta a instabilidade do próprio sistema, conseqüentemente, a dominação do mercado, eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros.

O sistema capitalista moderno bem como a economia globalizada incentiva a prática de concentração empresarial, principalmente frente ao mercado externo e a crescente concorrência.

Contudo, é necessário cautela para não ocasionar a dominação de mercado e eliminação da concorrência, com a qual o maior prejudicado é o consumidor, ou seja, a coletividade. Isto contraria tanto os preceitos constitucionais como a própria Lei antitruste brasileira.

Percebe-se que o CADE, em recentes decisões, ponderou muito bem esses dois aspectos acerca da concentração, isto é, através do compromisso de desempenho estipula condições para viabilizar sua aprovação. Foi o que ocorreu no caso AMBEV.


Bibliografia

FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste.São Paulo, Editora RT, 2ª Edição, 2005.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência (Estudos e Pareceres). São Paulo: Editora Malheiros. 2002

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 1. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004

TADDEI. Marcelo Gazzi. O CADE e o controle preventivo dos atos de concentração empresarial. Disponível em: http://www.franca.unesp.br/O%20CADE.pdf

SANTOS. Renata Rivelli Martins dos Santos. A Concentração empresarialcaracterização das operações de concentração. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8103

http://portalexame.abril.com.br/negocios/impacto-eventual-fusao-sadia-perdigao-469667.html

http://www.faeg.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2908:cade-da-sinal-verde-para-fusao-da-sadia-com-perdigao&catid=14:ultimas-noticias

http://www.monitormercantil.com.br/mostranoticia.php?id=76690


Notas

  1. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 1. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 200
  2. FILHO, Calixto Salomão. Regulação e Concorrência (Estudos e Pareceres). Editora Malheiros. 2002, p. 88
  3. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 1. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 203
  4. FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste.São Paulo, Editora RT, 2ª Edição, 2005. P. 470/472.
  5. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência (Estudos e Pareceres). Editora Malheiros. 2002, p.89/90
  6. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 1. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 238
  7. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 1. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 233.
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Sobre a autora
Daiille Costa Toigo

Advogada na área societária; Pós-Graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Bacharel em Direito pela Fundação Armando Álvares Penteado -FAAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOIGO, Daiille Costa. Defesa da concorrência: atos de concentração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2666, 19 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17646. Acesso em: 19 abr. 2024.

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