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Exploração do trabalho infanto-juvenil nas usinas de açúcar e álcool do estado de Alagoas

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2 A EVOLUÇÃO DOS MEIOS DE PROTEÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

2.1 As Normas de Combate ao Trabalho Infanto-Juvenil: uma Análise de Seu Surgimento no Panorama Jurídico Mundial

No que tange às primeiras medidas adotadas para a proteção da criança e do adolescente, temos a denominada Lei de Peel, criada em 1802, fruto de um industrial inglês, Robert Peel, que sensibilizado com a situação nefasta das crianças, passou a adotar práticas humanitárias em suas indústrias. Tais práticas consistiam em limitar a jornada de trabalho, além de coibir o trabalho noturno, preocupando-se com a educação das crianças. Tal iniciativa fez surgir o primeiro diploma legal de proteção ao menor trabalhador (LIMA, 2009).

Em 1833, em decorrência dos trabalhos da comissão de Sadler [01], surgiu uma nova lei, a qual proibia o trabalho de menores de 9 (nove) anos de idade, restringindo em 9 horas diárias a jornada de trabalho para os menores de 13 (treze) anos e em 12 horas diárias a jornada para os menores de 18 (dezoito) anos, além de proibir o trabalho noturno (SILVA, 2009a).

Em 1917 foi promulgada a Constituição do México, sendo a primeira Constituição do mundo que discorreu sobre o direito do trabalho, tratando em seu artigo 123 da proibição do trabalho do menor de 12 (doze) anos e limitando a jornada de trabalho do menor de 16 (dezesseis) anos em seis horas (NASCIMENTO, 2007).

Imperioso destacar, por oportuno, que um dos primeiros destinatários das medidas de proteção trabalhistas foi a população europeia, já que havia a necessidades de coibir as práticas abusivas de exploração, especialmente do trabalho do menor, pois se tratava, à época, da região mais evoluída em termos industriais no mundo.

Oportunamente, Nascimento (2007, p 45), em sua obra Iniciação ao Direito do Trabalho, relata a realidade desse período, observando que "A falta de lei permitiu a utilização de menores de 8 (oito), 7 (sete) e até 6 (seis) anos de idade nas fábricas [...]", e só a partir de então se invocou essa perspectiva de posicionamentos do Estado, por meio de leis específicas.

Uma das entidades mais importantes desse período foi criada em 1919; trata-se da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que tem como prioridade aplicar medidas protecionistas a atividades trabalhistas/ humanitárias em todo o mundo, incluindo logicamente, entre suas metas, o combate ao trabalho infantil.

A OIT é um organismo internacional, surgido como fruto de vários congressos e assembleias realizados em diversos países da Europa, tendo como principal objetivo adequar as diversas reivindicações dos trabalhadores ao direito trabalhista. Várias foram as diretrizes estabelecidas pelos diversos países que compõem a cúpula da OIT, tendo como destaque a paz mundial e a execução de atividades para a melhoria das condições trabalhistas no cenário mundial.

Entre as várias convenções instituídas pela OIT, cabe destacar aquelas que trataram da proteção ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, todas ratificadas pelo Brasil.

Assim, podemos abordar em ordem cronológica, a convenção n. 5, de 1919, que estabelece a idade mínima no setor industrial, em que cada autoridade competente determinará em cada país uma linha de demarcação e todos os membros que ratificarem essa convenção deverão cumprir todas as medidas nela estabelecidas (LIBERATI; DIAS, 2006).

Tem- se também a convenção n. 6, de 1919, dispondo sobre o trabalho noturno na indústria, exercido por menores. Já a convenção n. 105, de 1957, trata da abolição de qualquer tipo de trabalho forçado como medida estabelecida e ratificada pelos países que dela fizeram parte, tendo aplicabilidade no Brasil como forma de educação política. Cabe também demonstrar a idade mínima permitida para a admissão no emprego, estabelecida pela convenção n. 138, de 1973, a qual define que o adolescente deve ter um nível de desenvolvimento físico e mental mais completo para que se possa realmente efetivar sua contratação, respeitando sempre as normas da referida convenção (LIBERATI; DIAS, 2006).

No que concerne à recomendação n. 146, tem-se que ela instituiu a idade mínima em todos os setores de atividades laborativas, constituindo assim um aspecto da proteção e do progresso para a criança e o adolescente (FONCAIJE, 2010).

Ainda nessa linha merece destaque a convenção de n. 182, de 1999, que indica as piores formas de trabalho infantil, bem como ações imediatas para sua eliminação (OIT, 2009). Nesta, considera-se a necessidade de criação de mecanismo de proteção às crianças e aos adolescentes, como também se inclui a cooperação de todas as entidades nacionais e internacionais para pôr em prática as normas de combate às piores formas de trabalho infantil.

Há também a recomendação n. 190, de 1999, que por sua vez repudia as piores formas de trabalho infantil no mundo, protegendo as crianças e os adolescentes de represálias e garantindo sua reabilitação e inserção social através de medidas que atendam a suas necessidades físicas, psicológicas e educacionais (OIT, 2009).

Essas convenções e recomendações trazem, por si sós, um arcabouço de proteção aos direitos e garantias de crianças e jovens trabalhadores, com o objetivo de preservar e erradicar o trabalho realizado por crianças e estabelecer medidas para as atividades laborativas aos adolescentes, levando em conta tanto seu desenvolvimento físico quanto psíquico.

Entretanto, a Convenção de n. 138, de 1973, merece grande destaque devido à extensão do seu tema, relacionado ao trabalho infantil, pois essa convenção elencou todos os setores de atividades laborativas em que as crianças e os adolescentes poderiam trabalhar, limitando a idade mínima a todos os campos de atuação do trabalho infanto-juvenil, primando sempre pelo resgate e proteção da criança e do adolescente (LIBERATI; DIAS, 2006).

Temos, portanto, que as convenções e recomendações surgiram em razão da necessidade protecionista ao trabalho de jovens cidadãos, cada vez mais difundido pela sociedade em novas formas de exploração que caracterizam o trabalho infantil ao longo do tempo.

Em 1924, foi proposta pela Liga das Nações a Declaração de Genebra, que não teve grande impacto na sociedade, pois os entes filiados à Liga não deram grande importância ao direito da criança e do adolescente. Desse modo, essa declaração foi frustrante pelo fato de ser tida como uma imposição aos países e não uma difusão de efetividade desses direitos.

Somente após a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, iniciou-se o debate em torno de medidas de proteção à criança e o adolescente, servindo, pois, como um modelo para a posterior criação da Declaração dos Direitos da Criança da ONU, em 20 de novembro de 1959, que por unanimidade foi aprovada pelos países que faziam parte da Liga das Nações Unidas (ONU, 2009a).

Tal preceito teve como objetivo reforçar, de forma direta, os direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, uma vez que já estavam implicitamente indicados na Declaração dos Direitos do Homem. Todavia, não eram devidamente respeitados por seus consignatários. Sendo assim, em razão da sua hipossuficiência é que as crianças e os adolescentes se viram merecedoras de proteção e cuidados especiais, portanto, protegidas teoricamente na verdadeira efetivação de seus direitos, mesmo que no âmbito genérico da ONU.

Nessa perspectiva, bem expressa o Preâmbulo da Declaração dos Direitos da Criança da ONU: "[...] a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, requer proteção e cuidados especiais, quer antes ou depois do nascimento". E prossegue, afirmando que "[...]à criança a humanidade deve prestar o melhor de seus esforços" (ONU, 2009b).

Seguindo esse trajeto evolutivo, temos que a Declaração dos Direitos das Crianças veio para efetivar tais garantias, estabelecida em 10 (dez) princípios norteadores que tratam das prerrogativas referentes aos direitos das crianças e dos adolescentes. Conforme transcreveremos literalmente, a seguir:

Princípio I- A criança desfrutará de todos os direitos enunciados nesta Declaração, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra condição.

Princípio II- A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade.

Princípio III- A criança tem direito, desde o seu nascimento, a um nome, a uma nacionalidade, à alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e a mãe.

Princípio IV- A criança deve gozar dos benefícios da previdência social. A criança terá direito a desfrutar de alimentação, moradia, lazer e serviços médicos adequados.

Princípio V- A criança física ou mentalmente deficiente ou aquela que sofre da algum impedimento social deve receber o tratamento, a educação e os cuidados especiais que requeira o seu caso particular.

Princípio VI- A criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afeto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de sua mãe.

Princípio VII- A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Chegando a ser um membro útil à sociedade. Tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. Deverá também, desfrutar de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito.

Princípio VIII- A criança deve - em todas as circunstâncias - figurar entre os primeiros a receber proteção e auxílio.

Princípio IX- A criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e exploração. Não será objeto de nenhum tipo de tráfico. Não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação, a um emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação e chegar a impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

Princípio X- A criança deve ser protegida contra as práticas que possam fomentar a discriminação racial, religiosa, ou de qualquer outra índole. Deve ser educada dentro de um espírito de compreensão, tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universais e com plena consciência de que deve consagrar suas energias e aptidões ao serviço de seus semelhantes. (DHNET, 2010)

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A propósito, podemos notar que todas as crianças e adolescentes independentemente de condição social, raça, religião, serão regidos pelos princípios fundamentais que têm a finalidade de proteger e resguardar esse público-alvo. No mesmo viés, tal declaração preceitua uma proteção especial em que sejam propiciadas perspectivas e facilidades capazes de consentir a sua propagação de modo sadio e normal, em condições de liberdade às crianças e aos adolescentes.

Desse modo, a ONU (2009b) assevera:

[...] que toda criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os dez princípios estabelecidos.

Assim, é notório que a proteção e o desenvolvimento da criança e do adolescente devem estar entrelaçados ao dever da família, da sociedade e do Estado, numa trilogia que garanta a obediência ao cumprimento das garantias a eles destinadas, para que só assim tais princípios tenham a efetividade plena a que se propõem.

Prosseguindo nessa ordem de medidas de proteção, temos que posteriormente, em 29 de novembro de 1985, foi emanada pela Assembleia Geral da ONU uma resolução conhecida como as Regras de Beijing, que apesar de representar um acordo moral, sem caráter obrigatório, disciplinava regras mínimas para a administração da Justiça da Infância e da Juventude, traçando uma série de medidas de proteção e prevenção.

Essas medidas foram estabelecidas com intuito de preservar a integridade moral, física e psíquica da criança e do adolescente, sem discriminação de cor, raça e crença, sendo sempre sua maior finalidade a de preservação do menor que viesse a cometer uma infração.

Nesse sentido, as Regras Mínimas das Nações Unidas para administração da justiça da Infância e da Juventude estabelece em seu item 2.2, da primeira parte, que: "jovem é toda criança ou adolescente que, de acordo com o sistema jurídico respectivo, pode responder por uma infração de forma diferente do adulto" (ONU, 2009c).

As Regras de Beijing surgem com o intuito de prevenção para que as crianças e os adolescentes não viessem a cair no campo da criminalidade e, caso caíssem, fossem tratadas legalmente de forma mais abrandada, pela sua condição de ser em desenvolvimento (ONU, 2007c).

Mesmo não tendo o objetivo específico de tutelar o trabalho infantil, não se pode negar a importância das referidas regras, já que se voltaram a preservar a criança e o adolescente sob uma vertente plena e completa, assegurando-lhes garantia em sua universalidade.

Ensejando uma maior concretização desses direitos, em face de uma nova conjuntura econômica e social que abrangeu o mundo no final do século XX e início do século XXI, foi instituída a Convenção dos Direitos da Criança da ONU, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada em Portugal, em 21 de setembro de 1990 (UNICEF, 2010).

Tal iniciativa teve a finalidade de obrigar os países signatários a adaptar as normas ali estabelecidas em suas legislações internas, trazendo garantias especiais às crianças e aos jovens, bem como à convivência familiar, de forma a obedecer a tais preceitos de maneira universalizada pelas nações, as quais deveriam inserir em seus ordenamentos pátrios essas prerrogativas, diante da vulnerabilidade dos que necessitam de um amparo essencial e do devido cuidado, no que diz respeito aos desvelos e proteção.

Cabe ressaltar que a necessidade de proteção judicial das crianças e dos adolescentes é real base do papel fortificante de cooperação da sociedade mundial, uma vez que as prerrogativas dessa parcela da população devem se tornar uma existência de fato e não um modelo irrisório de proteção aos direitos fundamentais destas, as quais necessitam da proteção vislumbrada.

2.2 O Desenvolvimento dos Meios de Proteção ao Trabalho Infanto-Juvenil no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Como já declinado anteriormente, foram surgindo ao longo do tempo vários mecanismos de proteção à criança e ao adolescente no âmbito mundial, tendo grande relevância para a sociedade hodierna, já que trouxeram em suas diretrizes elementos de combate a tal exploração na esfera jurídica brasileira.

Inicialmente, convém ressaltar as Ordenações Filipinas, que vigoraram em nosso país de 1603 até 1916, mencionando a criança e o adolescente como sujeito de direitos e deveres, não tratando, todavia, da ordem de proteção propriamente dita (OLIVEIRA, 2009).

Da mesma forma o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890, trouxe em seu bojo similar tratamento aos menores, ou seja, ora de forma prejudicial, ora de forma a proteger o menor, a exemplo da Teoria do Discernimento, em que o castigo aos menores deveria ser mais brando em relação aos adultos, tomando-se por base a caracterização do discernimento desses indivíduos (TAVARES, 2009).

Já em meados da século XX, foram instalados no Brasil o primeiro Juizado de Menores e o primeiro Código de Menores, considerados o marco inicial dos diplomas legais específicos para a proteção da criança e do adolescente na América Latina.

De acordo com o que expõe Matos (apud SILVA, 2009, p. 42):

O Código Mello Matos, como foi popularmente conhecido em homenagem ao primeiro Juiz de Menores, estabelecia em seu artigo 1º que "o menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência contidas neste Código.

Assim, qualquer menor que infringisse as regras estabelecidas pela sociedade da época não poderia sofrer consequências pelas mãos de algum membro da sociedade, mas sim da autoridade competente para aplicar as medidas disciplinares e de assistência estabelecidas no código, que buscava afastar os menores da delinquência e proteger os desamparados.

Na área específica do trabalho infantil, observa-se que as principais condutas do governo para combater a referida exploração foi a criação de mecanismos de proteção ao menor, tais como legislação, fiscalização e implementação de projetos sociais que tinham como intuito extinguir o trabalho infanto-juvenil e criar meios que afastassem a criança e o adolescente do compromisso de subsistência familiar, que muitos assumiram e ainda assumem por todo o Brasil.

Adiante, com o amadurecimento da ideia positivista de efetivação de medidas a favor dos menores, outros dispositivos foram sendo aprovados, como é o caso do Decreto nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que instituiu em nosso ordenamento a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a qual inclui em seu teor regramentos sobre o ingresso dos adolescentes trabalhadores no cenário laboral brasileiro, priorizando a proteção à sua dignidade.

Desta forma, a CLT proíbe o trabalho dos adolescentes em atividades tidas como insalubres, penosas, perigosas e noturnas, pois estão num patamar de limite máximo permitido de tolerância. Trouxe como o principal instrumento de defesa da criança e do adolescente, tanto no âmbito urbano quanto no rural, o capítulo IV, que trata da proteção do trabalho do menor, quanto à duração do trabalho, à admissão em emprego, da carteira de trabalho da previdência social, dos deveres dos responsáveis legais de menores, das penalidades e disposições finais.

Ressalte-se o artigo 403 da CLT, que veda qualquer tipo de trabalho oferecido ao menor de dezesseis anos, indicando, ao final do exposto, a permissão do trabalho sob a condição de aprendiz. Regramento estabelecido pela Lei de nº. 10.097/00 (Lei do Jovem Aprendiz), tendo todos os direitos trabalhistas garantidos, para aprender uma profissão que lhe garanta um futuro profissional (BRASIL, 2009b).

Essa lei visa à formação técnico- profissional dos jovens aprendizes, conciliando a formação geral com instruções de caráter técnico, para que o adolescente aprendiz ganhe conhecimentos e aptidões relativas ao exercício de certas profissões, nunca deixando para segundo plano sua constituição educacional, pois a educação é fonte primária do ser humano e de forma alguma poderá ser dissociada da orientação técnico-profissional empregada para os adolescentes.

Quando se houver efetuado o contrato de trabalho com o menor aprendiz, podem-se estabelecer diretrizes que versem sobre meios de trabalho, sendo vedado o trabalho de menores realizado em locais prejudiciais a sua formação, como bem destaca o parágrafo único do artigo 403 da CLT, ao enunciar que "O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais a sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência escolar" (BRASIL, 2008b, p. 755).

Ou seja, a interpretação do artigo deverá ser feita de forma aberta e ampla, já que o desenvolvimento físico envolve a formação da pessoa, e o desenvolvimento psíquico representa o completo desenvolvimento da mente (MARTINS, 2007).

Seguindo o desenvolvimento do ordenamento jurídico em torno da criança e do adolescente, fortemente influenciado pelas novas perspectivas protecionistas, em especial a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, é de grande relevância o que assegura a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que traz suas diretrizes baseadas na dignidade da pessoa humana e que procurou estabelecer diversos dispositivos que tratam da criança de do adolescente, como forma de priorização dos princípios fundamentais dos direitos humanos.

Nesta ordem, importante ressaltar o artigo 1º, inciso III, o qual dispõe que: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [...] III- a dignidade da pessoa humana [...]", bem como o artigo 4º da CF/88, inciso II, o qual expõe que: "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo seguinte princípio: [...] II- prevalência dos direitos humanos [...]", e no seu artigo 5º: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade [...]" (BRASIL, 2008a).

O legislador da CF/88 se preocupou em gravar e positivar o máximo dos princípios e garantias tidas como fundamentais no próprio corpo legislativo, transformando-as em "Cláusulas pétreas" que constituem o núcleo rígido da Carta Maior, para que esses direitos não possam ser retirados nem modificados, sendo esses os direitos eternos de todos os cidadãos.

Ainda analisando a Constituição Federal, no que se refere às normas e direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes no campo do trabalho infantil, o artigo 7º, inciso XXXIII, declara a "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho aos menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos" (BRASIL, 2008a, p. 40).

Corroborando esse entendimento, a Constituição Federal, ao tratar especificamente da criança e do adolescente em seu artigo 227, esclarece (BRASIL, 2008a, p. 87):

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, fica clara a dimensão da importância da Constituição Federal ao adotar a teoria da proteção integral, impulsionando o desenvolvimento de outras normas à proteção e ao combate à exploração da criança e do adolescente, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, revogando o Código de Menores, veio trazer normatização bem mais ampla e adequada às reais necessidades dessa parcela da população.

2.3 A Eficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente em Relação ao Trabalho Infanto-Juvenil

Feita uma abordagem geral sobre o histórico do trabalho infantil no cenário mundial e no Brasil, no presente tópico procuraremos analisar a exploração do trabalho infantil à luz do que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente, construindo assim um relato crítico sobre a tal proteção aos direitos da criança e do adolescente.

Em sequência ao raciocínio exposto, observamos que a criança e o adolescente, por serem vulneráveis na sociedade e por estarem em situação quase sempre de risco, necessitam de uma total proteção. O ápice da legislação em prol da defesa dessa parcela da população ocorreu em 13 de julho de 1990, com a promulgação da Lei de nº 8.069, que deu corpo ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trazendo consigo uma série de medidas acerca da proteção à criança e ao adolescente (BRASIL, 2009a).

O Estatuto trouxe em seu bojo a definição de criança e adolescente no seu artigo 2º, conceituando a primeira como aquela pessoa que tem até 12 (doze) anos incompletos, e adolescente a pessoa que possui entre 12 (doze) anos e 18 (dezoito) anos de idade.

Relevante destacar que o referido diploma normativo ratificou todas as convenções a respeito da criança e do adolescente, efetivando políticas de proteção a estes, ao adotar a Teoria da Proteção Integral e revogar o antigo Código de Menores, que até então adotava o princípio da situação irregular, dando ênfase à criança e ao adolescente que se encontram em situação desfavorável sob o ponto de vista moral ou social, passando, a partir do ECA, a existir uma adequação aos novos princípios constitucionais vigentes.

Tem-se com isso que a ideia basilar é a proteção dos interesses daqueles que estão em fase de desenvolvimento tanto mental como físico, carentes de necessidades especiais e tratamentos adequados. Dessa forma, para a defesa dessas crianças e adolescentes foram criados mecanismos protecionistas de caráter igualitário, objetivando a proteção jurídica e tentando efetivar a prevalência de seus direitos fundamentais.

Apesar da utilização de novas técnicas e modernização de proteção ao trabalho infantil brasileiro, este resistiu ao tempo e continuou a ser o principal elemento que destinava esses indivíduos à exploração, favorecendo exclusivamente os empregadores.

Desse modo, no campo específico à proteção do trabalho infantil, o ECA traz alguns princípios garantidores que cuidam do direito à profissionalização e à proteção no trabalho, que estão contidos entre os artigos 60 ao 69 do capítulo V do referido Estatuto.

Em seu artigo 60 enuncia que é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, repetindo o que assegura a nossa Lei Maior, em seu artigo 7, inciso XXXIII (SILVA; FREDIANI, 2009). Considera-se neste caso – trabalho de menores de quatorze anos no corte de cana nas usinas de açúcar e álcool, tido como intolerável nos termos do artigo 67, do Estatuto, cominado com o artigo 405, inciso I, da CLT, não relevando sequer a condição de aprendiz (BRASIL, 2009a).

Isso porque a infância e adolescência são reconhecidas como uma fase específica e especial da vida humana, sendo a criança e o adolescente seres em desenvolvimento, de forma alguma aptos a se autodeterminarem, dignos de uma proteção especial, portanto, não podem ser submetidos a determinados tipos de trabalho que ponham em risco sua integridade.

Atualmente, inegável que a erradicação do trabalho infantil é um dos principais desafios a serem enfrentados no Brasil. Nessa vertente, a instituição do ECA foi essencial para que houvesse expressivos avanços nesse sentido, uma vez que devem ser colocados em um patamar máximo de proteção no que se refere aos direitos e garantias fundamentais desses jovens, tendo em vista a grande carga ideológica contida em cláusulas pétreas da CF/88.

Antes, a criança passava a existir para a lei a partir do instante em que delinquia, em que praticava um ato ilícito. Hoje, passa a ser vista em sua universalidade, em sua plenitude, como possuidor de direitos e garantias fundamentais e ainda como merecedora de proteção especial, em razão de sua condição peculiar de ser em desenvolvimento, pois é nessa fase que se formam os valores morais da pessoa. Importante, pois, a proteção biológica, psicológica e social, reconhecendo-a como indispensável ao papel da família na sociedade.

Enfim, não só as políticas públicas resolverão esse tipo de "crime". Ao contrário, deverá começar por cada um de nós o combate a essas práticas abusivas e em desconformidade com as leis vigentes, independentemente de qual seja a forma exploração do trabalho infanto-juvenil (CORRÊA e GOMES/2003). Nesse sentido, importante destacar que além da posição irregular em que são colocadas as crianças e os adolescentes, estes ainda que explorados, são submetidos à condição análoga de escravo, como veremos adiante, inclusive tipificada perante o Código Penal, mediante a situação de degradação em que se encontram.

Portanto, deve haver, além de muito empenho do governo, uma maior mobilização da sociedade para que se combata essa situação, que tem em nível real a pobreza como o seu principal fenômeno impulsionador. Isso se agrava consideravelmente nas regiões mais pobres de nosso país, tendo como exemplo Alagoas, que faz parte dos estados com os piores índices educacionais do Brasil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente se constitui teoricamente como importante instrumento para as garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes, já que ao adotar o princípio da proteção integral, visa, de certa forma, criar mecanismos de combate ao trabalho infantil, como programas de reestruturação de famílias degradadas e projetos que promovem a maior inclusão das crianças e dos adolescentes nas escolas.

No entanto, o ECA não pode ser utilizado como o único meio de proteção legal para as crianças e adolescentes. Portanto, necessitamos de normas legais mais atuantes que possam aplicar sanções que realmente intimidem os que por meio de sua condição social tentam burlar a lei e causar danos aos futuros trabalhadores, ora em condição de vulnerabilidade.

Nota-se, dessa maneira, que apesar dos avanços obtidos desde a criação do Estatuto, ainda lhe falta maior complexidade no tratamento desta matéria específica, além de mais eficácia em suas ações e principalmente no fim a que se desejava. Ressalta-se o que declara Saliba: "Se por um lado o ECA garantiu uma série de direitos para as crianças e adolescentes, o estatuto não teve como garantir aos menores uma inserção social maior [...]". (2010) Consentindo com essa assertiva, e considerando a necessidade de uma maior severidade do ECA, bem dispõe Silva (2010) que:

[...] a efetivação dos direitos infanto-juvenis ainda não é uma realidade em nosso país. Nesse sentido, pensamos que é chegada a hora de uma releitura crítica do ECA, de compreendermos suas contradições, suas lacunas, sua estrutura e funcionamento no sentido de efetivar a implantação da rede de direitos infanto-juvenis à proteção integral.

A mesma autora ainda declara que o ECA constitui um instrumento jurídico paradoxal, afirmando que, "[...]apesar de sua normativa atribuir direitos de cidadania para crianças e adolescentes, a efetivação desses direitos quando colocada em prática é um verdadeiro desrespeito a essa mesma ordem jurídica" (SILVA, 2010).

Por fim, vê-se que o Estado, que tem o dever de estabelecer medidas públicas à proteção da criança e do adolescente, perde tal conotação em razão da lentidão, necessitando ser mais ágil nas ações de combate ao trabalho infantil. Deverá dar resposta imediata aos infratores, sob pena de perder o efeito a que se propõe a medida.

Portanto, é nesse contexto que se enquadra o Estado de Alagoas, não sendo excessivo assinalar que pela sua cultura social e pelas raízes que embasam sua trajetória histórica evolucionista, os problemas acima expostos se encontram ainda mais agravados, em virtude dos fortes traços patrimonialistas, conforme será analisado. A seguir, demonstraremos a necessidade constante da exploração do homem pelo homem, na busca de ascensão financeira do setor sucroalcooleiro, implicando consequentemente o uso da mão de obra infantil, já que os usineiros alagoanos confiam na impunidade ou mesmo não temem penas estabelecidas pelo ordenamento pátrio.

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Sobre a autora
Fernanda Natália Xavier Dutra

Bacharel em Direito e Pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Anhanguera- Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Fernanda Natália Xavier. Exploração do trabalho infanto-juvenil nas usinas de açúcar e álcool do estado de Alagoas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2679, 1 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17713. Acesso em: 19 abr. 2024.

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