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A importância da vítima no processo penal da pirataria

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12/11/2010 às 16:23
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QUAL É O PAPEL DA VÍTIMA?

Não há dúvidas sobre a gravidade da conduta daquele que viola direitos autorias. E por mais que haja incontáveis defensores da tese de "abolição" da criminalização dessa infração, não nos parece que haja outros instrumentos eficazes ao enfrentamento de tamanha violação do ordenamento, hoje supostamente a modalidade criminosa que mais avança e que possui ramificações internacionais e ligadas a outros delitos.

É certo que o direito penal é pautado pelo princípio da intervenção mínima, tendo como características a sua subsidiariedade e fragmentariedade e que não podemos, certamente, ignorar princípios como o da insignificância e até mesmo uma olhar criteriosos sob a adequação social [10]. Temos que separar o joio do trigo. No entanto, não menos certo é afirmar que essa atuação não pode desaparecer pela simplório argumento de que não interessaria ao estado ou a sociedade intervir criminalmente nesses casos.

De toda forma, o intuito desse texto é justamente chamar a atenção para questões extremamente relevantes sobre os aspectos penais e processuais penais dos crimes contra a propriedade intelectual, elegendo nessa oportunidade as decisões envolvendo os "CDs e DVDs", que exigem efetiva e intensa participação das vítimas, titulares desses direitos, em todas as suas etapas.

Não se defende, genericamente, a condenação de todo e qualquer caso envolvendo a violação de direitos autorais, o que é hipocrisia, até porque há sensível abuso desses direitos, revelados em diversas esferas, inclusive judicial, onde não raramente pretensas vítimas invocam a expressão "da moda", pirataria, para debater questões quando não estranhas, desconectadas do que parece ser o espírito da legislação, e que certamente escapam à esfera criminal.

Também não podemos ignorar aspectos processuais penais que envolvem esses crimes e que possuem características próprias e particularidades que influenciam como maior rigor (de forma acertada) o exercício do jus persequendi (direito de ação) das vítimas e o próprio direito de punir do estado.

Sem embaraço dessa aparente complexidade e que exigiria um aprofundamento teleológico e técnico de notória dificuldade, o que os julgamentos trazidos demonstram é um encaminhamento único, por vias diversas, sobre tema palpitante, que a despeito da discussão jurídica viável e que certamente será conduzida pelas vítimas, revela que há uma faceta trágica embutida de forma subliminar: a necessidade de maior desenvolvimento das micromedidas pelas vítimas, no sentido de acompanhar todas as etapas da persecução criminal, fornecendo subsídios, informações, dados, exigindo providências e, sobretudo, fiscalizando os órgãos estatais.

Esses últimos, por outro lado, no que pese o reconhecido e digno de aplauso avanço experimentado nos últimos anos, padece de dificuldades que muitas vezes inviabilizam um trabalho técnico-científico ou investigatório necessário para esclarecimento de fatos criminosos, brecha cuja responsabilidade é conhecida, mas cujo preenchido por "legitimação extraordinária" pode ser feito pelas vítimas.

Assim, nos casos apresentados, a simplicidade de solução anterior é diametralmente oposta a perplexidade pelo desfecho: se são apreendidos CDs ou DVDs supostamente falsificados, por conterem obras protegidas, o mínimo exigível é que sejam essas relatadas, de modo a serem efetivamente identificadas, evitando os desdobramentos que certamente continuarão a proliferar em nossos Tribunais. Esse papel, de exigir ou cooperar com os institutos de criminalísticas, como MICROMEDIDAS pode ser realizado pelas vítimas e terá sabido resultado: a atuação do Estado-Juiz com maior grau de satisfação de seus interesses, quer pelo resultado, quer pelo afastamento de questão de complexidade jurídica mas simplicidade fática, como a relatada no presente artigo.


Notas

  1. O termo pirataria está sendo utilizado de forma ampla, sem o rigor científico do adequado e para identificar de forma genérica os crimes contra a propriedade intelectual em todo o texto.
  2. O primeiro caso de violação de marca no Brasil, ou o mais antigo/famoso que se tem notícia é o caso que ocorreu por volta do ano de 1875 envolvendo as empresas Meuron & Cia. e Moreira & Cia, em torno da violação da marca Rapé Areia Preta (da primeira) pela Rapé Areia Parda (da segunda), tendo como protagonista o já renomado Rui Barbosa, e que motivou a edição da Lei de 1875, nossa primeira Lei de Marcas.
  3. Essa é a conceituação da corrente bipartida, que entende que a culpabilidade, tipa pela corrente tripartida como integrante do conceito de crime, é analisada apenas para critérios de fixação, ou melhor, como pressuposto para aplicação da pena. Essa teoria tem como defensores no Brasil Damásio Evangelista de Jesus, Júlio F. Mirabette, Celso Delmanto, René Ariel Dotti e Flávio Monteiro de Barros entre outros. Entende-se que o Código Penal brasileiro adota a teoria bipartida.
  4. BARROS, Flávio Monteiro. Direito Penal – Parte Geral – Volume I – Editora Saraiva
  5. Nenhum crime contra a propriedade intelectual (direito autoral e crimes contra a propriedade industrial) ou de concorrência desleal, é punido na modalidade culposa. O artigo 18 do Código Penal é claro ao determinar que somente haverá crime culposo quando a lei assim estabelecer, o que não ocorre com os crimes em análise. É o chamado "Princípio da Excepcionalidade do Crime Culposo".
  6. Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
  7. I - estar provada a inexistência do fato;

    II - não haver prova da existência do fato;

    III - não constituir o fato infração penal;

  8. Apelação Criminal n. 990.10.068.859-6
  9. Apelação n°00956763.3/9, 2a Câmara, relator o des. Francisco Orlando, 28 de abril de 2.008.
  10. Sob o ponto de vista eminentemente técnico quer parecer que as absolvições são revestidas de argumentos absolutamente seguros e coesos. Não foi encontrada decisão do STJ ou STF analisando esse aspecto.
  11. Em função das recentes discussões sobre o tema, acirradas por algumas decisões judiciais, um artigo abordando o princípio da adequação social e a pirataria está sendo elaborado.
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Sobre o autor
Franklin Gomes

Franklin Gomes é mestre em Direito Penal Econômico pela Universidade de Granada (Espanha), pós graduado em Teoria da Infração Criminal Revisitada (IDPE Universidade de Coimbra, Portugal), possui curso de extensão em Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Center for Intellectual Property da Universidade de New Hampshire (USA), pós graduação em Processo Penal pela FMU, atendeu ao Summer Course da WIPO - Organização Mundial da Propriedade Intelectual, tem curso de extensão em Fundamentos do Sistema Legal Americano pela Thomas Jefferson School of Law (San Diego, USA) e curso em Forense Computacional (Data Security). É advogado, agente da propriedade industrial, membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP, associado da ABPI, ABAPI, INTA, IBCCRIM, ASPI, autor de artigos publicados em diversas revistas, co-autor de livros sobre propriedade intelectual e sócio de Franklin Gomes Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Franklin. A importância da vítima no processo penal da pirataria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2690, 12 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17818. Acesso em: 7 mai. 2024.

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