Resumo: O licenciamento ambiental é procedimento administrativo destinado a permitir que o Poder Público realize um juízo de viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade. Comumente, entende-se que dito procedimento não pode ser legitimamente desmembrado, percepção, todavia, que não se apresenta como regra absoluta, desde que observados certos requisitos.
Palavras-chave: Licenciamento Ambiental. Desmembramento. Fato consumado.
INTRODUÇÃO
O licenciamento ambiental é procedimento voltado a permitir que o Poder Público, amparado por estudos ambientais aptos a diagnosticar a realidade do ecossistema e os possíveis impactos causados pela atividade ou empreendimento que se pretende implantar. Deve ser pautado por regras claras e objetivas, máxime por se tratar de exercício do poder de polícia.
A rigidez de tais regras, todavia, não pode alcançar nível que impeça o órgão ambiental de considerar as particularidades de cada espécie de procedimento, permitindo uma ação de gestão ambiental pertinente.
A discussão quanto à legitimidade de desmembramento do licenciamento ambiental entra nessa seara, na medida em que tal conduta – respeitados certos requisitos – se apresenta como instrumento eficaz não apenas para a adequada análise dos impactos ambientais do empreendimento, sem prejuízos ambientais, mas ainda para garantir um caminhar mais célere ao procedimento, objeto de constantes críticas por parte de empreendedores e sociedade, respeitando assim o princípio da eficiência e o direito fundamental à duração razoável do processo (artigos 37, caput, e 5º., inciso LXXVIII, ambos da Constituição).
DO DESMEMBRAMENTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
A possibilidade de desmembramento do licenciamento ambiental é foco de críticas por parte da doutrina, haja vista a possibilidade de se converter em instrumento de desconsideração da obrigação constitucional de realização de EIA/RIMA, como se pode perceber, com aplicação por analogia ao caso em comento, no disposto no artigo 3º, § 4º, da Resolução CONAMA nº 349/04, in verbis:
Art. 3o Para efeito desta Resolução, considera-se atividade ou empreendimento ferroviário de pequeno potencial de impacto ambiental as obras ferroviárias desenvolvidas dentro dos limites da faixa de domínio preexistente, que não impliquem:
I - remoção de população;
II - intervenção em áreas de preservação permanente, unidades de conservação ou em outros espaços territoriais especialmente protegidos;
III - supressão de vegetação sujeita a regime especial de proteção legal, bem como de espécies referidas no art. 7o, da Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965.
§ 1o Além das obras ferroviárias previstas neste artigo, poderão ser também consideradas atividades ou empreendimentos ferroviários de pequeno potencial de impacto ambiental, quando assim avaliados pelo órgão ambiental competente:
I - a ampliação ou construção de ramais ferroviários de até cinco quilômetros de extensão;
II - a ampliação ou construção de pátios de manobras, transbordo e cruzamento;
III - a ampliação ou construção de terminais de carga, descarga e transbordo, cujos produtos não sejam classificados como perigosos pela legislação vigente.
§ 2o Os empreendimentos e atividades referidos neste artigo ficam sujeitos ao licenciamento ambiental com base em procedimento simplificado, nos termos do art. 12 da Resolução CONAMA no 237, de 1997.
§ 3o Aplicam-se aos empreendimentos e atividades que não sejam considerados de pequeno potencial de impacto ambiental a Resolução CONAMA no 237, de 1997 e, quando couber, a Resolução CONAMA no 01, de 1986.
§ 4o Fica vedada a fragmentação de empreendimentos e atividades a que se refere o parágrafo anterior para fins de enquadramento nesta Resolução.
Isso porque a Constituição atrela a realização do estudo prévio de impacto ambiental à existência de obra ou atividade de significativa degradação do meio ambiente, considerada como aquela capaz de causar relevante impacto no ecossistema.
Em muitos casos, porém, a obra ou atividade capaz de causar significativo impacto é composta por parcelas materialmente independentes, em que pese todas voltadas à execução da atividade central, sendo cada uma – quando isoladamente analisada – incapaz de causar significativo impacto ambiental.
Nesse caminhar de idéias, admitir o licenciamento isolado de cada parcela componente da obra ou atividade implica a definição de estudos ambientais adequados à extensão individual dos danos causados, fato que pode acarretar a realização de diversos diagnósticos simplificados dos impactos ambientais, desconsiderando que as partes só têm sentido enquanto integrantes de um todo, cuja realização não pode prescindir do exame integral e sinérgico de todas as etapas da obra ou atividade.
A fim de ilustrar a assertiva, a situação acima descrita poderia ocorrer na obra de construção de um porto capaz de causar significativa degradação ambiental, em que a instalação da área industrial componente do retroporto e as obras de acesso de navios, por si só, individualmente consideradas, causassem reduzida degradação ao meio ambiente, sendo realizados licenciamentos individuais para cada parcela, sem a exigência de EIA/RIMA.
Aqui, portanto, admitir o desmembramento do licenciamento configuraria burla à exigência constitucional de EIA/RIMA, afastando, de forma ilegítima, a necessidade de estudos mais aprofundados, bem como uma maior participação da população interessada, comumente presente – por meio da audiência pública – nos procedimentos mais complexos de licenciamento ambiental.
Ilegítimo, destarte, é o desmembramento quando este implicar em desconsideração da obrigação de realizar EIA/RIMA, cabível para o licenciamento da totalidade da obra ou atividade, caracterizado quando cada uma das parcelas licenciadas a parte – isoladamente consideradas – não perfaz o requisito do significativo impacto ambiental.
Essa não é, todavia, uma regra absoluta, genericamente aplicável a toda e qualquer pretensão de desmembramento do licenciamento.
Concebe-se situação em que não é a totalidade da obra – composta pela soma de elementos do empreendimento dependentes finalisticamente um do outro – que necessita de EIA/RIMA, mas tão somente parcela identificável do empreendimento, sendo o estudo ambiental mais complexo desnecessário para a restante.
Em tal caso, portanto, o desmembramento não configura burla à exigência de EIA/RIMA, haja vista que este permanecerá exigível para a parcela do empreendimento cuja magnitude do impacto impõe sua realização.
Ocorre, isso sim, a legítima adequação do procedimento às particularidades da obra analisada, providência admitida pela Resolução CONAMA nº. 237/97, ao prever, em seu artigo 12, que o "órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento".
A assertiva acima, todavia, não esgota a questão.
A necessidade de licenciamento conjunto de um empreendimento não está relacionado apenas ao diagnóstico sobre o ecossistema atingido, elemento relacionado aos estudos ambientais acima comentados, mas, com igual importância, a impedir o surgimento de situações de "fato consumado".
Em outras palavras, o caminhar apartado das etapas do licenciamento ambiental – quando se sabe que o empreendimento apenas se apresente útil quando tomado em sua totalidade – pode acarretar a instalação definitiva de uma determinada etapa, constatando-se, posteriormente, a inviabilidade de parcela essencial ao uso efetivo da obra, circunstância capaz de acarretar pressões pela conclusão integral do empreendimento.
Situações assim não ofendem apenas o patrimônio dos interessados – sejam públicos ou privados –, mas vão além para caracterizar injustificável degradação ambiental, uma vez que não compensada pela fruição de uma determinada utilidade.
Nessa perspectiva, o desmembramento legítimo não pode ser instrumento de realização do "fato consumado", caracterizado por eventual construção de etapa da obra sem a conclusão definitiva quanto à viabilidade do restante da mesma, elemento que impõe a adoção de solução intermediária.
Os licenciamentos desmembrados, outrossim, devem seguir de forma harmônica e gradual, especialmente caracterizada na impossibilidade de início das obras de uma das etapas, elemento da licença de instalação (LI), antes de concluído, ao menos, o juízo relativo à viabilidade ambiental das obras restantes, matéria afeta à licença prévia (LP).
Por fim, deve-se destacar que o desmembramento do licenciamento não pode servir de instrumento à alteração do ente originalmente competente para a condução do empreendimento.
Assim, por exemplo, não se faz possível repartir o licenciamento em duas etapas, cada qual localizada em uma unidade da federação, a fim de evitar a incidência da regra segundo a qual compete ao Ibama a condução do licenciamento interestadual (artigo 4º., inciso II, da Resolução CONAMA nº. 237/97), na medida em que representaria, ademais, violação à regra de que "os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores" (artigo 7º. Resolução CONAMA nº. 237/97).
CONCLUSÃO
Observa-se que a regra segundo a qual não se faz possível desmembrar o licenciamento ambiental não é absoluta, permanecendo válida, outrossim, para evitar o afastamento do cabimento do EIA/RIMA ou a alteração do ente administrativo competente.
Todavia, na hipótese em que tão-somente uma parcela do empreendimento necessitar de estudos mais complexos, excessivos para os impactos ambientais causados por etapa independente, o desmembramento apresenta-se como medida legítima, desde que ambos caminhem de forma harmônica.
Assim, o prosseguimento integrado dos licenciamentos desmembrados é providência que atende, concomitantemente, à possibilidade – decorrente do princípio da proporcionalidade e da adaptabilidade – de fixação de estudos ambientais adequados às particularidades do empreendimento e à obrigação de observância do princípio da prevenção.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009.