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Competência do ICMBio para a supressão de vegetação

17/12/2010 às 11:55
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Resumo: O presente trabalho busca esclarecer a divisão de competências para a supressão de vegetação em unidades de conservação criadas pela União, ponderando a adequada interpretação a ser conferida ao artigo 19, § 1º, inciso II, do Código Florestal, a partir da superveniente criação do ICMBio.

Palavras-chave: Supressão vegetal. Competência. Ibama e ICMBio.


INTRODUÇÃO

A supressão de vegetal é clara expressão do poder de polícia ambiental, outorgado, na esfera federal, às autarquia Ibama e ICMBio, competindo a última quando se tratar de matéria relacionada às unidades de conservação federais.

É necessário, todavia, analisar-se a extensão de tal raciocínio, para fins de identificar com clareza a atual interpretação a ser conferida ao artigo 19, § 1º, inciso II, do Código Florestal, cujo teor imputa ao Ibama a competência para autorizar a supressão de vegetação em unidade de conservação.

A interpretação literal do dispositivo, por óbvio, não se apresenta mais adequada, eis que superveniência de novo ente público acarreta impactos e alterações na gestão dos bens ambientais localizados no interior do espaço protegidos. De outro modo, entretanto, a substituição pura e simples dos entes federais não atende ao interesse público e à missão institucional de ambas as autarquias.


DA COMPETÊNCIA DO ICMBIO PARA A SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO

A questão tratada no presente trabalho tem por ponto fulcral o exame da extensão das competências do ICMBio, a fim de que se possa estabelecer com clareza o campo de atuação da nova autarquia ambiental, na esfera federal, responsável, juntamente com o Ibama, pela realização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente adequado.

Desde logo, vislumbra-se como inaceitável qualquer interpretação que afaste do ICMBio a competência para a plena gestão das áreas especialmente protegidas sob sua tutela, situação que abarca as eventuais autorizações para supressão de vegetação, desde que respeitados os requisitos abaixo.

A criação de novo ente no rol da Administração Indireta federal teve por escopo retirar do Ibama a gestão das unidades de conservação instituídas pela União, cabendo ao ICMBio "executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à (...) gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União" (artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 11.516/08), expressões que, indiscutivelmente, incluem em seu conteúdo a análise da viabilidade ambiental referente à supressão de vegetação no interior do espaço protegido.

Ademais, deve-se ressaltar que a boa doutrina administrativista e ambiental chancela o entendimento de que a autorização de supressão de vegetação é ato administrativo relacionado ao exercício do poder de polícia, pois aprecia e decide quanto à legitimidade da atividade pretendida pelo administrado, disciplinando interesse particular em função do interesse coletivo, subsumindo-se na prescrição legal do CTN, abaixo colacionada:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Dita atividade, quando realizada no espaço protegido – nos termos expressos da Lei nº. 11.516/08, inciso IV –, é da competência do ICMBio, eis que lhe cabe "exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União".

Não se pode perder de vista, noutro giro, que a análise da pretensão de suprimir vegetação no interior de UC não pode prescindir do exame das particularidades ambientais do espaço protegido, em consonância com as limitações administrativas específicas para a categoria que a unidade integra, providência que deve ser realizada pelo órgão rotineiramente responsável pela sua gestão, e não por terceiro.

Pensar de forma diversa – atribuindo competência ao Ibama ou a outro ente integrante do SISNAMA para exercer parcela da gestão da unidade de conservação – ao passo de contrariar a finalidade do legislador ao criar o ICMBio, vulnera o princípio da eficiência, eis que admite a concomitância de atuação de dois entes da mesma esfera da Administração sobre idêntico espaço, acarretando dispêndio de recursos públicos sem amparo razoável.

É nesse caminhar de idéias que deve ser compreendido o artigo 19, § 1º., inciso II, do Código Florestal, com redação conferida pela Lei nº. 11.284/06, abaixo colacionado:

Art. 19. A exploração de florestas e formações sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de prévia aprovação pelo órgão estadual competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, bem como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.   

§ 1º Compete ao Ibama a aprovação de que trata o caput deste artigo

I - nas florestas públicas de domínio da União; 

II - nas unidades de conservação criadas pela União

III - nos empreendimentos potencialmente causadores de impacto ambiental nacional ou regional, definidos em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. 

Assim, a ausência de expressa menção no texto legal à atribuição de autorizar a supressão de vegetação pelo ICMBio é superada pela análise sistemática da legislação de regência, sendo indiscutível a competência da nova autarquia para autorizar a supressão de vegetação.

Dito isso, observa-se que a prescrição legal do artigo 19, § 1º, inciso II, do Código Florestal – ao afirmar competir ao Ibama a autorização para exploração de florestas e formações sucessoras no interior de unidade de conservação criada pela União – não se sustenta inteiramente após a superveniente criação do ICMBio, por meio da Lei nº. 11.516/07, aplicando ao caso a regra da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual a lei nova revoga a anterior quando com ela incompatível, como sói ocorrer no caso em comento (LICC, art. 2º, § 1º).

Em outras palavras, a regra do Código Florestal acima colacionada surgiu no mundo jurídico quando ainda competente o Ibama para a gestão das unidades de conservação federais, circunstância inexistente atualmente.

A conclusão acima, todavia, não implica a competência do ICMBio para autorizar toda e qualquer supressão de vegetação em unidade de conservação, sendo a incidência do advento da nova autarquia sobre a regra do artigo 19, § 1º., inciso II, do Código Florestal apenas parcial.

Isso porque a mesma Lei nº. 11.516/07, ao criar o ICMBio, redefiniu e esclareceu as competência do Ibama, constantes da Lei nº. 7.735/89, nos termos abaixo colacionados:

Art. 2º  É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de: 

I - exercer o poder de polícia ambiental; 

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e 

III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.

Por essa razão, permanece afeto ao Ibama a competência para monitorar, em atividade de fiscalização, o transporte dos produtos florestais, etapa logicamente decorrente da autorização para o uso do recurso. Nesse sentido dispõe o Decreto nº. 5.975/06, in verbis:

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Art. 20.  O transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa no território nacional deverão estar acompanhados de documento válido para todo o tempo da viagem ou do armazenamento.  

§ 1º  O documento para o transporte e o armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, de que trata o caput, é a licença gerada por sistema eletrônico, com as informações sobre a procedência desses produtos, conforme resolução do CONAMA.  

§ 2º  O modelo do documento a ser expedido pelo órgão ambiental competente para o transporte será previamente cadastrado pelo Poder Público federal e conterá obrigatoriamente campo que indique sua validade.  

§ 3º  Para fins de fiscalização ambiental pela União e nos termos de resolução do CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o IBAMA manterão sistema eletrônico que integrará nacionalmente as informações constantes dos documentos para transporte de produtos e subprodutos florestais de origem nativa.  

§ 4º  As informações constantes do sistema de que trata o § 3º são de interesse da União, devendo ser comunicado qualquer tipo de fraude ao Departamento de Polícia Federal para apuração. 

É por essa razão que não se apresenta legítima interpretação no sentido da transferência da atribuição ao ICMBio, de forma total e irrestrita, da autorização para a supressão de vegetação em unidades de conservação federais, desconsiderando a intensa diferença entre o regime jurídico das diversas categorias de espaços protegidos.

Ora, há unidades de conservação cujo regime admite ampla intervenção antrópica, sendo rotineiras as atividades de supressão de vegetação, fato inclusive previsto quando da criação da unidade, como sói ocorrer com a Área de Proteção Ambiental (APA), onde predominam, na prática, terras privadas com ocupação humana (artigo 15 do SNUC).

Pretender que o ICMBio autorizasse todas as supressões nessa modalidade de unidade, desconsiderando o fato de que a autarquia não tem por finalidade disciplinar o uso dos recursos naturais, mas sim a proteção dos espaços especialmente protegidos, pelo simples fato de se tratar de unidade de conservação criada pela União, significaria desconsiderar não apenas as atribuições institucionais do órgão, mas ainda chancelar o caos na gestão ambiental.

Dessa forma, a influência do advento do ICMBio sobre a regra de competência prevista no Código Florestal deve ser compreendida no sentido de que compete ao novo órgão autorizar a supressão de vegetação tão somente quando essa medida for finalisticamente relacionada à proteção dos atributos ambientais que justificaram sua intervenção, fato observado, por exemplo, nas pretensões de supressão nas áreas prioritárias identificadas no Plano de Manejo de unidade de uso sustentável (v.g., mananciais de água e APP), nas unidades de proteção integral – na quais a supressão é possibilidade excepcional – ou ainda nos atributos ambientais que alicerçaram a criação da unidade.


CONCLUSÃO

A atividade administrativa na análise da possibilidade de supressão de vegetação, componente do poder de polícia ambiental, necessita de clara distinção em relação ao ente competente, essencial para conferir ao interessado segurança quanto à legitimidade de sua autorização.

Nesse contexto, o artigo 19, § 1º., inciso II, do Código Florestal – que atribuiu ao Ibama a competência para autorizar a supressão em unidade de conservação criada pela União – deve ser lido em consonância com o advento do ICMBio, órgão atualmente responsável pela gestão das unidades de conservação no âmbito federal.

A incidência da nova realidade fática, todavia, não pode significar pura e simplesmente a transferência da competência ao ICMBio, pelo simples motivo de que a finalidade institucional do órgão não é a rotineira autorização para o uso dos recursos ambientais – elemento encontrado inclusive em unidades de conservação, como sói ocorrer com a APA –, mas sim a gestão dos espaços protegidos e de seus atributos diferenciados.

Incumbe ao ICMBio, portanto, nas unidades de conservação criadas pela União, tão somente a supressão de vegetação relacionada aos atributos especiais do espaço protegido, permanecendo junto ao Ibama – ente institucionalmente responsável pela gestão do uso dos recursos naturais – as demais possibilidades de autorização de supressão, mesmo em unidades de conservação federais, em observância ao prescrito no Código Florestal.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 26 set. 2010.

BRASIL. Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.

BRASIL. Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9985.htm>. Acesso em: 26 out. 2010.

BRASIL. Lei de criação do ICMBio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L11516.htm>. Acesso em: 26 out. 2010.

BRASIL. Lei de criação do Ibama. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7735.htm>. Acesso em: 26 out. 2010.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: RT, 2009.

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Sobre o autor
Bernardo Monteiro Ferraz

Bacharel em Direito. Procurador Federal. Subprocurador Chefe Nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Bernardo Monteiro. Competência do ICMBio para a supressão de vegetação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2725, 17 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18055. Acesso em: 22 dez. 2024.

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