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Evolução histórica do Direito Comercial.

Da comercialidade à empresarialidade

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07/01/2011 às 11:22
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8 FONTES DO DIREITO COMERCIAL

Entende-se por fonte do direito as diferentes maneiras de realização do Direito [21], isto é, a partir de onde as regras jurídicas se originam. A importância de tais fontes está na constante necessidade de quem opera o direito de interpretar as normas legais, adaptando-as ao fato concreto, o que também se observa na solução das lides mercantis.

Tais interpretações, no entanto, não ocorrem ao gosto do operador. A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657, de 04/09/1942), que na verdade se refere a todo o ordenamento jurídico brasileiro, elenca em seu art. 4º as fontes de direito que devem ser hierarquicamente observadas, quais sejam: a lei (norma positivada, isto é, escrita, que integra o conjunto de regras que formam o ordenamento jurídico); a analogia (método de interpretação da lei pelo qual se estende um preceito legal a casos não previstos nele, tendo vista a semelhança com os casos previstos); os costumes (uso reiterado de uma conduta que a torna obrigatória); e os princípios gerais do Direito (princípios estruturantes de todo o ordenamento jurídico, envolvendo, por exemplo, a idéia de justiça).

Enquanto lei maior, a Constituição é o ponto de partida da ordem jurídica, é a fonte positiva primeira regendo todo o sistema. Seus princípios guiam os institutos do Direito e, entre eles, está o Direito Comercial.

O Código Comercial de 1850 por muito tempo foi a principal fonte do direito mercantil, entretanto, após o Código Civil de 2002 ter revogado seu Capítulo I, permanece vigente apenas sua segunda parte, que trata do comércio marítimo, tendo em vista o Capítulo III desse diploma já haver sido revogado desde o Império [22].

Atualmente, as mais importantes fontes do Direito Comercial são as regras empresariais, que englobam todas aquelas normas positivadas que se destinam a regular a atividade econômica, não só as inseridas no código Civil, as quais devem sempre estar alinhadas aos princípios da Carta-Magna.

A essas normas, acrescentem-se os usos e costumes que, conforme RAMOS (2009, p. 54), são merecedores de destaque principalmente porque estão diretamente ligados ao surgimento do direito empresarial, o qual foi baseado nas práticas mercantis dos mercadores medievais. Sobre essa fonte do Direito Comercial, o autor complementa: Os usos e costumes surgem quando se verificam alguns requisitos básicos: exige-se que a prática seja (i) uniforme, (ii) constante, (iii) observada por certo período de tempo, (iv) exercida de boa fé e (v) não contrária à lei. [23]

Vale salientar que em nosso ordenamento jurídico a lei positivada deve ser sempre a primeira fonte a ser utilizada. Apenas quando ela não for suficiente para a resolução da lide é que as demais fontes do direito deverão ser usadas, de acordo com o que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 4º, já exposto anteriormente.


9 DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL

Inicialmente, o Direito Comercial foi criado para regular a atividade do comércio. Aparece na Idade Média com um caráter eminentemente subjetivista, já que fora elaborado pelos comerciantes, reunidos nas corporações de ofício, para disciplinar suas atividades profissionais. Porém, com o passar do tempo, as atividades comerciais evoluíram e passaram a abranger a indústria e outras atividades que não eram primordialmente mercantis. Assim sendo, a disciplina jurídica que as regula também acompanha tal evolução, senão, vejamos:

[...] o Direito Comercial não cuida apenas do comércio, mas de toda e qualquer atividade econômica exercida com profissionalismo, intuito lucrativo e finalidade de produzir ou fazer circular bens ou serviços. Dito de outra forma: o Direito Comercial, hoje, cuida das relações empresariais, e por isso alguns têm sustentado que, diante dessa nova realidade, melhor seria usar a expressão direito empresarial. [24]

Dessa forma, observa-se que a evolução ocorreu na medida em que o centro do Direito Comercial não é mais o comerciante, subjetivamente falando, nem o ato de comércio, sob a ótica objetiva, mas a empresa. Isso fez com que o Direito Comercial evoluísse de regulador de comerciantes para diretriz do exercício empresarial.

Devido a tal mudança, se observa com bastante freqüência divergência quanto à nomenclatura que se usa nos livros, manuais, cursos e disciplinas de entidades de nível superior: algumas vezes Direito Comercial; outras vezes Direito Empresarial. Muitos doutrinadores também apresentaram outras opções para nomear a disciplina jurídico-mercantil, como Direito dos Negócios, Direito das Empresas, Direito Econômico. No entanto, apesar de não haver uma uniformização em seu uso, por tradição, se mantém Direito Comercial.

Fica claro, porém, que diante da vastidão de institutos e matérias que o Direito Comercial abarca, como, por exemplo, os títulos de crédito, as marcas e patentes, a falência e concordata, o direito societário, o direito marítimo, o direito aeronáutico e, até, o direito do mercado de capitais e o bancário, independente do nome que a ele seja atribuído não há como encará-lo de forma reducionista como outrora. Isso porque o termo "comércio" há muito não é entendido, simplesmente, como a ato de comprar e vender – a empresarialidade é um fato.

Por fim, desde que não seja motivo de confusão para o entendimento das pessoas, pouco importa a nomenclatura adotada. O que importa saber é que existe um ramo jurídico específico para regular as relações econômicas. Se esse ramo continuará sendo chamado de "Direito Comercial", embora não mais exista a figura do "comerciante" ou dos "atos de comércio", ou se será adotado um novo nome, in casu, "direito empresarial", tendo em vista a aceitabilidade do termo, só o tempo se encarregará de responder.


10 AUTONOMIA DO DIREITO COMERCIAL

Como visto anteriormente, está na Idade Média a origem do Direito Comercial, como ramo autônomo do direito, isto é, independente do Direito Civil, tendo sido decorrente das relações jurídicas desenvolvidas com o comércio. Essa independência em relação ao Direito Civil propiciou que o Direito Comercial alcançasse autonomia jurídica, com objeto, princípios e métodos próprios que o consolidaram como disciplina jurídica autônoma.

Direito Comercial é tradicionalmente outro grande ramo do direito privado. Aquilo que dantes tratava do comerciante e de suas atividades, hoje é um "direito das empresas mercantis". Aos poucos, a figura do comerciante é substituída pela noção de empresa.

[...]

O Direito Civil trata do conjunto de normas reguladoras das relações jurídicas dos particulares. O interesse de suas regras é eminentemente individual. Nele estão os princípios de personalidade, o conjunto de atributos que situam o homem na sociedade. É matéria fundamental, sem a qual todas as outras disciplinas não podem ser convenientemente compreendidas. [25]

[...] o Direito Comercial não se confunde com o civil, não obstante os inúmeros pontos de contato existentes entre ambos. [...] Afigura-se, assim, o Direito Comercial como um direito de tendências profissionais, enquanto que o civil é de tendência individualista, procurando reger as relações jurídicas das pessoas como tais e não como profissionais. [26]

Depreende-se dos ensinamentos dos ilustres doutrinadores que, enquanto o Direito Civil se presta a disciplinar, de forma geral, os direitos e obrigações na esfera privada no que se refere às pessoas, aos bens e às suas relações; o Direito Comercial, por seu turno, é um regime jurídico especial que comporta todo um conjunto normativo para ser aplicado, especificamente, aos agentes econômicos, isto é, aos empresários. É essa especificidade que lhe garante a autonomia, pois o fenômeno econômico, objeto da disciplina do Direito Comercial e de suas normas, tem exigências técnicas e econômicas particulares que pressupõem uma organização própria e normas específicas de atuação [27].

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Ademais, a própria Constituição Federal, em seu art. 22, I, ao tratar da competência legislativa que são privativas da União, cita separadamente Direito Civil e Comercial. Assim, apesar da unificação formal do direito privado brasileiro com o Código Civil de 2002 esses dois ramos jurídicos permanecem distintos. O novo Código representa o início de uma nova fase da disciplina comercial no país, pela caracterização do empresário e pela delimitação da matéria comercial segundo a teoria da empresa.

Como ensina Fábio Ulhôa Coelho [28], a autonomia do Direito Comercial se justifica por ser ele uma área jurídica especializada, dotada de conhecimentos extrajurídicos, como economia, administração de empresas, finanças e contabilidade, além de dar conta das necessidades peculiares ao empresário. Dessa forma, em nada compromete essa autonomia o fato de estar junto com o Direito Civil num único Código, já que suas características didáticas e profissionais permanecessem independentes.

A demonstração irrespondível, porém, de que a autonomia do Direito Comercial não é comprometida nem pela unificação legislativa do direito privado, nem pela teoria da empresa, encontra-se nos currículos dos cursos jurídicos das faculdades italianas. Já se passaram 60 anos da unificação legislativa e da adoção da teoria da empresa na Itália, e o Direito Comercial continua sendo tratado lá como disciplina autônoma, com professores e literatura especializados. [29]

Situação similar à italiana ocorre no Brasil, visto que o Direito Comercial é lecionado de forma independente, em disciplina própria, nos cursos de Direito do país. Isso leva ao entendimento de que, didaticamente, o Direito Comercial é plenamente emancipado.

É preciso que não se confunda autonomia formal com autonomia cientifica. A autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado; enquanto que a autonomia científica tem a ver com outros aspectos: ter objeto único ou objetos relacionados de regulação; existir princípios e institutos próprios; e método interpretativo diferenciado.

Matéria comercial e matéria civil não se confundem, mesmo estando juntas no novo Código Civil. A divisão do direito privado não se extingue com a adoção da teoria da empresa, ocorrendo, na verdade, uma ampliação da abrangência do Direito Comercial que passa a tratar de atividades econômicas anteriormente não alcançadas pela teoria dos atos de comércio.

Pelo exposto, conclui-se que a unificação legislativa realizada trata-se de questão de organização legislativa, não afetando a autonomia de determinado ramo do direito. O Direito Comercial, mesmo não tendo suas normas inseridas em um código próprio, sempre terá autonomia jurídica, visto que possui autonomia didática, método próprio, princípios próprios e um campo de atuação delimitado.


11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste artigo foi a de realizar um levantamento histórico sobre o Direito Comercial para se entender como se deu a transição da teoria comercial para a empresarial. Isso porque, para que se entenda a situação atual dessa disciplina, é necessário estudar seu surgimento e desenvolvimento ao longo da história. Dessa forma, constata-se que foi de grande valia teórica o contato com os dados históricos sobre o início da atividade comercial, seus primeiros institutos jurídicos e, sobretudo, ter a real idéia da importância que o comércio tem, e sempre teve, na evolução da vida em sociedade e, consequentemente, no meio jurídico.

Depois de transitar pela história geral da disciplina mercantil, adentrou-se em sua trajetória no Brasil. Aqui, pela própria história colonial do país, verificou-se que as relações comerciais eram, em seu início, regidas pelas leis portuguesas; só vindo a disciplina mercantil conseguir independência legislativa em 1850, com a edição do Código Comercial Brasileiro. Esse diploma legal, que foi totalmente influenciado pela então dominante teoria francesa dos atos de comércio, há muito era considerado arcaico diante da evolução que a matéria comercial vivenciou nas últimas décadas. Tal situação foi resolvida com a adoção da teoria da empresa a partir do Código Civil de 2002, que, entre outras inovações, promoveu a unificação legislativa do direito privado brasileiro.

No decorrer do levantamento bibliográfico para o presente trabalho, algumas obras de publicação anteriores ao Código Civil de 2002 foram consultadas com o intuito de se ter uma idéia sobre o pensamento dos doutrinadores acerca do futuro do Direito Comercial caso ocorresse a unificação legislativa deste com o Direito Civil. Observou-se que muito se especulou sobre que conseqüências isso poderia acarretar, principalmente em relação a uma possível perda de autonomia da matéria mercantil, uma vez que a união formal poderia promover a absorção das normas comerciais pelo Direito Civil.

Pelo que aqui foi apresentado, entretanto, observa-se estar comprovado que tal temor não se justifica. O Direito Comercial, apesar de ter perdido a independência legislativa, permanece com autonomia didática e científica, além de gozar de características próprias, não se confundindo com a matéria civil.

Na verdade, sob a perspectiva do Direito Comercial, esse diploma legal se apresenta como marco inaugural de uma nova fase dessa disciplina jurídica no Brasil, antes tida como arcaica em referência ao Código Comercial de 1850. Assim, mesmo passível de críticas, não se pode negar que o novo Código Civil trouxe benefícios para o Direito Comercial com a adoção da teoria da empresa, consolidando e ampliando sua abrangência no país, consagrando o que já se verificava na doutrina, na legislação e na jurisprudência.

Como exposto ao longo do trabalho, o Direito Comercial transformou-se sobremaneira no passar dos séculos. Num processo que se inicia com as primeiras relações comerciais, no simples sistema de trocas para que a subsistência dos grupos fosse garantida; passa pelas relações comerciais através dos mares, até então com regras baseadas nos usos e costumes simplesmente; envereda-se pelas feiras e mercados e adentra nas fábricas como regulador do comércio; até chegar à contemporaneidade para se apresentar como o regulador das relações econômicas, como direito de empresa.

Assim, tem-se um panorama geral da regulação da atividade comercial. Observa-se a progressão das normas, no sentido de serem operáveis mediante as necessidades coletivas: a matéria comercial foi então expandida e hoje atua como reguladora e fiscalizadora da nova ordem econômica mundial.

Conclui-se, então, que, do comércio à empresa, o Direito Comercial modificou-se porque precisava acompanhar as transformações da própria estrutura mercantil que, das arcaicas corporações de ofício, passaram a multinacionais. Não seria ele um campo do direito se seus institutos não se adequassem às novas perspectivas impostas pela sociedade que se modificou, exigindo novas posturas jurídicas.

De resto, fica a expectativa pelas mudanças que estão por vir. Afinal, se a sociedade não pára, o que está ao seu redor é forçado a acompanhar seu constante movimento.

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Sobre a autora
Luciana Maria de Medeiros

Técnica do MP/RN. Graduanda do Curso de Direito da UERN; Especialista em Gestão da Qualidade de Vida e Saúde no Trabalho pela UFRN; Graduada em Letras Português pela UFRN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Luciana Maria. Evolução histórica do Direito Comercial.: Da comercialidade à empresarialidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2746, 7 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18219. Acesso em: 24 abr. 2024.

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