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Ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da Advocacia-Geral da União: Uma aberração jurídica!

Processo extradicional de Cesare Battisti

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29/01/2011 às 09:51
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JUíZO DE SUPOSIÇÃO

Minha Nossa Senhora, meu Senhor do Bonfim! É pouco apelo: Meu Deus! "Juízo de suposição" (?). Pode sim; o ilustre Advogado-Geral da União pode supor determinada situação; o presidente (ex), induzido ou não por seu jurisconsulto, podia supor determinada situação. O ilustrado Advogado-Geral da União pode até supor a real existência da "invencionice" por si criada: "juízo de suposição". O que ele não pode é supor que essa "obra" de sua fértil inteligência esteja inserida no instrumento que celebraram Brasil e Itália e que contempla o instituto da extradição. Infelizmente nós temos uma mídia despreparada, uma mídia "caro ouvinte". Ouve impropérios de nossas autoridades e não sabe rechaçá-los. A imprensa, boquiaberta, ouve as baboseiras e as repassa para a sociedade como se fossem expressões da verdade. Mas nós, operadores do direito, por fidelidade para com nossas próprias consciências, não podemos proceder da mesma forma. O douto Advogado-Geral da União nos falta com o devido respeito; menospreza nossa mediana inteligência. E diante disso, autorizados estamos a fazer-lhe a seguinte indagação: Excelência, em que dispositivo do tratado Brasil-Itália se encontra agasalhado esse "supositório" que a AGU pretende enfiar ... goela abaixo do DEM? Antecipamo-nos: em lugar nenhum. Ao regular a defesa do extraditando, estabelece o § 1º do art. 85 da Lei nº 6.815/80: "A defesa versará sobre a identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados ou ilegalidade da extradição". Não figura em nossa lei, e muito menos no tratado Brasil-Itália, a esdrúxula invencionice do "juízo de suposição". E se por absurdo se admitisse a aplicação desse tal "juízo de suposição" no campo do Direito dele não poderia se valer o ex-presidente, pois figura estranha ao processo extradicional reconhecido pelo Direito brasileiro.

A lei não trata de suposições; a lei é feita para ser aplicada no caso concreto. E quando a Constituição Federal exige como requisito para exercer a chefia da Advocacia-Geral da União pessoa de "notável saber jurídico" é justamente para que o órgão Presidência da República possa consultar e ser assessorado por quem indubitavelmente possa fornecer-lhe o necessário embasamento jurídico nas decisões a serem por ele tomadas. Para fazer "suposições" qualquer do povo está habilitado. Não fosse isso a Constituição abriria espaço para que pessoas menos inconfiáveis do que "suposicionistas" (temos o direito de supor a existência deste termo) prestassem à Presidência consultoria e assessoramento, como, por exemplo, os videntes. Na AGU, em vez de operadores do Direito, teríamos tarólogos, umbandistas e ciganas: as cartas, os búzios e a linhas das mãos "não mentem jamais". Certamente as previsões fundadas no "juízo de vidência" teriam maiores probabilidades de acerto.do que as alicerçadas no "juízo de suposição".


PERSEGUIÇÃO POLÍTICA

O jurisconsulto da Presidência da República convenceu o ex-presidente de que ele, ex-presidente, poderia fazer uso do "juízo de suposição" para, contrariado determinação do STF, negar a entrega do extraditando à Itália. A falta de aprofundamento no estudo de sua criatura deu motivo a que seu criador fundamentasse sua aplicação em suposição impossível de ser concretizada, qual seja, "perseguição política" ao extraditando. O senhor Cesare Battisti foi condenado pela justiça italiana à pena de "prisão perpétua". Perguntamos: que perseguição política poderá ele, Cesare Battisti, sofrer cumprindo pena de prisão perpétua? Preso, para cumprir prisão perpétua – com direitos políticos cassados – o senhor Cesare Battisti almeja militar politicamente na Itália? Valemo-nos, novamente, do Neto: "É brincadeira!"


O LEGISLADOR E A EXTRADIÇÃO

O legislador brasileiro cercou-se de todas as cautelas para que um eventual pedido de extradição fosse observado com a merecida acuidade. Para a concessão ou negação de extradição delegou poderes à elite da cultura jurídica nacional – o Supremo Tribunal Federal. Razão outra para isso não teve senão a de garantir uma apreciação extremamente técnica da questão e uma decisão de indiscutível juridicidade e, por isso, não comprometedora da honradez e dos interesses da nação brasileira

O art. 102 da Constituição Federal preceitua: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ..." (grifos nossos). Isto já preceituava o art. 114, inciso I, letra g, da C.F. de 1967, em cuja vigência foi promulgado o Estatuto do Estrangeiro. O legislador ordinário, cônscio da preocupação do legislador constituinte, foi mais além: exigiu que a extradição fosse julgada pelo STF na sua composição plenária. Reza o art. 83 da Lei nº 6.815/80: "Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão".

Depreende-se, diante de tanto zelo, que os legisladores temiam decisões desprovidas de juridicidade plena e comprometedores da honradez e dos interesses da nação brasileira. Empenhou-se ao máximo o legislador, tanto constituinte como ordinário, para evitar decisões apaixonadas e, acima de tudo ilegais, a exemplo do ato impróprio – juridicamente inexistente - do ex-presidente na extradição do senhor Cesare Battisti.

Intriga-nos sobremaneira essa paixão do ex-presidente e de seu partido pelo paciente reclamado pela Itália. Será que vale a pena sacrificar uma cuidadosa construção legislativa, desmoralizar a mais Alta Corte de Justiça do País, comprometer a honradez e interesses da nação brasileira, se sujeitar a um processo por crime de responsabilidade – por desrespeito às leis e à decisão judicial - pela permanência desse senhor em nosso território? Por que ele é tão importante assim?


DA DESISTÊNCIA DA ADI

Não sabemos com que propósito o partido político Democratas (DEM) ingressou com a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o "parece-ser" da AGU. Se ajuizou a ação movido por sentimento de ofendido, muito embora a propositura caracterize-se como uma aberração jurídica, valeu pela intenção. Os deputados e senadores do partido são legisladores. Eles, legisladores, independentemente do partido a que pertençam, por dever de lealdade para com o povo, em nome de quem legislam, deveriam ser os primeiros a se insurgir contra atos que atentem contra suas elaborações legislativas (o tratado Brasil-Itália é lei). Infrutífera a ação do DEM, porém louvável.

Pelas razões antes argüidas, aconselhamos ao DEM que desista da ação, pois certamente não será conhecida pelo Supremo. Isto não acontecendo, a imprópria ação servirá tão somente para procrastinar ainda mais a entrega do extraditando. Ensejará intermináveis e descabidas discussões no STF. Discutir-se-á até o sexo dos anjos.

Insistimos: o acórdão proferido pelo STF continua incólume, à espera de uma iniciativa para se tornar efetivo. Por acreditarmos que o STF não mais se encontra no estado de letargia em que se encontrava quando do julgamento do processo extradicional, que cansado está de ser masoquista e que a lei ainda impera neste País, sugerimos ao DEM que faça ingerência junto ao causídico patrono da República Italiana no sentido de requerer ao STF que determine que a Presidenta da República dê cumprimento ao quanto decidido no processo extradicional do senhor Cesare Battisti. Da mesma forma o DEM pode proceder junto à Procuradoria Geral da República, que como fiscal da lei, pode solicitar a providência, ou junto ao próprio STF, que entendemos nós, por ser guardião da Constituição, principalmente, de ofício, deveria de há muito ter providenciado a execução do julgado A obrigação de entregar o extraditando não era uma obrigação pessoal do ex-presidente; é do Governo brasileiro. Portanto, ao atual Governo cabe cumprir o quanto consubstanciado no acórdão prolatado pelo STF. E deve cumprir sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, como incorreu o ex-presidente.A bem da verdade, neste imbróglio muita gente incorreu em crime de responsabilidade.Também a bem da verdade confessamos que com atual quadro político que se afigura no Brasil não vislumbramos muita chance de essa gente responder por crime de responsabilidade. Punição por esse crime nem imaginar.


DO CRIME DE RESPONSABILIDADE DO EX-PRESIDENTE

1- "Compete privativamente ao Presidente da República: ...; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso nacional" – art. 84 da C.F..

2- "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição" – art. 1º, parágrafo único, da C.F..

3- "O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989 apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém" - art. 1º do Decreto-Presidencial nº 863, de 09 de julho de 1993.

4- "Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal" - art. 1º do Tratado Brasil-Itália.

5- "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ..." – art. 5º "caput", da C.F..

6- "São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: ...; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais" – art. 85 da C.F..

7- "O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" – art. 78 da C.F..

Dos dispositivos retro transcritos infere-se: que ao Presidente da República compete privativamente, em nome do povo brasileiro, celebrar tratados, acordos e atos internacionais (1, 2); que esses entabulamentos internacionais só ganham força de lei se referendados pelo Congresso Nacional (1); que o Tratado de Extradição celebrado entre Brasil e Itália foi referendado pelo Congresso Nacional e sancionado por Decreto-Presidencial, adquirindo assim força de lei e passando a vigorar como se emanados do povo brasileiro (3); que as partes celebrantes - República Federativa do Brasil e a República Italiana – obrigaram-se reciprocamente a entregar, mediante solicitação, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam reclamadas para submissão a processo penal ou para cumprimento de pena restritiva de liberdade pessoal (4); que todos os brasileiros são iguais perante a lei, não sendo dado, pois, ao Presidente da República fazer-se diferente (5); que a inobservância das leis e das decisões judiciais pelo Presidente da República caracteriza crime de responsabilidade (6); e, que o Presidente e o Vice-Presidente da República, mais do que outro qualquer brasileiro, está obrigado a manter, defender e cumprir a Constituição e observar as leis, já que a isso se comprometem quando assumem os cargos (7).

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O ex-presidente da República, mais pela certeza da impunidade do que pela ignorância, entendeu que a entrega do paciente reclamado pela Itália era ato pessoal seu e não do Governo brasileiro, sendo pois a obrigação intransferível para o Governo que o sucederia, no último dia do seu mandato resolveu não entregá-lo à requerente. O ex-presidente cometeu crime de responsabilidade, caracterizado não só no dia em que resolveu pela não entrega do extraditando, mas desde quando, cientificado da decisão, deixou de fazer a entrega em prazo razoável como estabelecido no tratado. E continua o ex-presidente passível de punição. É claro, ele não pode mais se sujeitar a um processo de "impeachment". Num país sério o ex-presidente não escaparia de responder por crime de responsabilidade; e a ele, certamente, não seria aplicada tão-só pena inelegibilidade por oito (8) anos; condenado também seria a ressarcir o cofre público por quanto despendeu o erário para aqui manter, injustificadamente, por longo tempo custodiado o extraditando.


CONCLUSÃO

A Advocacia-Geral da União é órgão do Estado brasileiro que se presta, precipuamente, a assessorar juridicamente e atender consultas da mesma natureza ao poder Executivo. O artigo 131 da Constituição da República Federativa do Brasil exige para o exercício da nobre função de chefe da instituição o atendimento a dois requisitos, quais sejam, notável saber jurídico e reputação ilibada. Embora a Constituição tenha deixado a cargo do titular do poder Executivo a aferição dessas qualidades, entendemos que ao convidado cabe fazer uma auto-análise, só decidindo pela aceitação do cargo se se convencer de que preenche tais requisitos (sabemos, isto é utópico). E nós, particularmente, entendemos que o atendimento a outro requisito se faz necessário, qual seja, "a nobreza de caráter". Esse requisito não há como ser aferido de outra forma; deve ser auto-aferido, ou seja, cabe ao convidado fazer uma auto-análise e decidir se tem ou não condições de assumir o delicado encargo. Deve ele, antes de tudo, ter consciência de que exercerá uma atividade do Estado brasileiro e não do presidente; comedir sua capacidade de resistir aos reclamamos apaixonados do Chefe da Nação e atuar, com base na lei, por seu livre convencimento; refletir sobre a vulnerabilidade de sua consciência em face da remuneração e do "status" que o exercício do cargo lhe proporcionará, como também nas possibilidades de ascensão que, certamente, também serão vislumbradas no exercício do cargo (também não deixa ser de utopia).

Constrangidos, forçados somos a reconhecer que a Advocacia-Geral da União, uma bem intencionada criação do constituinte de 1988, não tem se prestado a desempenhar seu real papel; caracteriza-se muito mais como um escritório de advocacia, em que se desconhece a ética e de tudo se faz para burlar a lei em favor de seu cliente maior, o Presidente da República, em troca de prometidos favores. Como diz Odorico Paraguassú, deixemos de bolodórios, vamos direto ao assunto: a AGU tem servido como trampolim para o Supremo Tribunal Federal – e não foi assim só no governo Lula.

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Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Ubiratan Pires. Ação direta de inconstitucionalidade contra parecer da Advocacia-Geral da União: Uma aberração jurídica!: Processo extradicional de Cesare Battisti. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2768, 29 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18388. Acesso em: 17 mai. 2024.

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