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Lucro social

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3. Parâmetros próximos ou práticos para apuração do lucro social: do resultado do exercício ao lucro líquido

Como mencionado no item 2.1. acima, a possibilidade de distribuição dos lucros aos sócios demanda do legislador estabelecer que tal distribuição só pode ser feita de acordo com normas preestabelecidas que protejam os credores, e até mesmo os sócios entre eles, da pretensão lucrativa dos sócios.

Em função da mesma problemática o legislador impõe regras não apenas para a distribuição dos lucros aos sócios, mas também à determinação do lucro social, que na prática possui regras específicas, bem mais próximas da realidade do que a simples e teórica comparação do patrimonio entre dois exercicio, acima exposta, questão enfrentada na esclarecedora obra de Luiz Gastão [13]:

A determinação do lucro social é, assim, filha de um complicado feixe de normas, com fulcro no balanço geral de exercício, objetivando tutelar os vários interesses em jogo, muitos deles divergentes e contrastantes: de um lado, os interesses dos atuais acionistas, de outro, os interesses dos futuros acionistas e dos credores sociais, sem falar no interesse social, e até no interesse da economia nacional

Com efeito, a expectativa de retorno do sócio é fundada em uma série de normas que regem a apuração e a utilização do lucro social, impondo procedimento rígido a ser observado pela sociedade, que serve também como garantia aos credores.

Fábio Ulhoa Coelho [14], ao explicar a demonstração de resultado do exercício, um dos instrumentos que suporta e propicia a devida prestação de contas da administração, leciona que o resultado do exercício, em termos técnicos, é o resultado da operção que parte "da receita bruta, detalha os lançamentos contábeis pertinentes (deduções, abatimentos, custos, impostos, receitas e despesas não ligadas à operação da companhia etc.), e mensura o seu ganho".

Referida operação inicia o processo específico em busca da definção do lucro social, mas, como se nota, não avalia o patrimônio da sociedade como um todo, limitando-se às entradas e saídas econômicas ocorridas no período, sendo, genericamente, a expressão da diferença entre receitas e despesas incorridas no exercício, encontrando regulamentação no artigo 187 da Lei 6.404, que, por analogia e costume comercial, aplica-se aos demais tipos societários.

Apurado o resultado do exercício devem ser feitas as provisões para o Imposto de Renda e para a Contribuição Social sobre o Lucro, na forma da complexa sistemática tributária, bem como a compensação de eventual prejuízo acumulado de outros exercícios.

Destaca-se novamente, por oportuno, que a apuração do lucro real de que trata a legislação fiscal não se confunde com a apuração do lucro social regulada na legislação societária, havendo inúmeras diferenças para o esclarecimento das quais se faz necessário trabalho monográfico específico. Excetuados os casos em que a legislação tributária dispense o contribuinte do cumprimento desta obrigação, deve a sociedade apurar ambos os tipos de lucro, cada um para uma finalidade, apesar das interpenetrações recíprocas.

Vale salientar, neste ponto, que a compensação de prejuízos acumulados faz com que o lucro do exercício comunique-se com o resultado proveniente de todo o tempo de existência da sociedade, de modo que em diante se tem a dimensão do acréscimo patrimonial experimentado não apenas no exercício analisado, mas desde a formação do capital social, o que protege os credores.

Em diante, pela maior complexidade, o presente artigo passa a explorar as etapas que as sociedades anônimas devem seguir segundo a legislação especial, haja vista que para as sociedades regidas pelo Código Civil as etapas para chegar-se ao lucro social disponível terminam por aqui, não havendo o que falar em participações estatutárias no regramento legal dos demais tipos societários.

Prosseguindo, o saldo remanescente dessa subtração (resultado do exercício menos provisões fiscais e prejuízos acumulados) serve como base para a apuração da participação eventual nos lucros de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo quando tais pagamentos sejam feitos mediante instrumentos financeiros com outras denominações, como fundos de previdência ou doações à fundação com essa finalidade, não podendo caracterizar despesas, tudo em conformidade com o artigo 187, V e VI da Lei 6.404.

Na forma do artigo 191 da mesma Lei, o pagamento de eventual participação nos lucros de que disponham empregados, administradores e partes beneficiárias será feito sucessivamente nessa ordem, com consecutiva diminuição a base de cálculo.

Destaca-se, nesse ponto, que silenciou o legislador sobre a posição na ordem de apuração e recebimento de debenturistas que gozem do direito de participar dos lucros, havendo quem entenda que os debenturistas são os primeiros, como Américo Luis Martins da Silva [15] e Rubens Requião [16], e quem entenda que o estatuto deve dispor sobre a prioridade, como Modesto Carvalhosa [17], que, em seus comentários à Lei 6.404, não apresenta uma solução para o caso de omissão estatutária.

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Todavia, ambas as posições doutrinais encontram-se equivocadas, a primeira porque a Lei expressamente trata de uma ordem, com início e fim, não relacionando a posição dos debenturistas, devendo se entender que tal omissão legal priorizou a participação nos lucros daquelas categorias que relaciona, relegando aos debenturistas unicamente a proteção que o estatuto lhes conceder nesse sentido, sem que o estatuto possa lhes dar uma prioridade perante aqueles que a Lei priorizou.

Ademais, a interpretação da controvérsia deve levar em consideração que o ordenamento jurídico nacional prevê, em diversas passagens, proteções privilegiadas aos trabalhadores, como se extrai da Constituição Federal [18], artigo 7º, XI, que estabelece a participação dos mesmos nos lucros, ou do artigo 83 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas [19], que impõe ordem de prioridade na falência situando-os à frente de outros credores.

Com efeito, também a segunda posição apresenta equívoco, pois a disposição estatutária acerca dessa prioridade seria de legalidade completamente discutível e, no caso de omissão estatutária o problema persistiria.

Destarte, entende-se que os debenturistas, caso o estatuto lhes proporcione uma participação nos lucros, serão os últimos na ordem de participação, observando-se estritamente a ordem do artigo 191.

Vale salientar, outrossim, o entendimento adotado pela Comissão de Valores Mobiliários no parecer CVM/SJU nº 034/95 [20], que, corretamente, diferencia a participação nos lucros dos empregados instituída pela Lei 10.101 [21] e a participação nos lucros dos empregados prevista no artigo 191 da Lei 6.404, que ora se estuda, no sentido de que a primeira constituí despesa da sociedade estabelecida em conformidade com a Lei de proteção ao trabalhador e acordo ou convenção coletiva em que é especificada, enquanto que a última constitui liberalidade da sociedade anônima estabelecida nos estatutos.

Não obstante ser uma liberalidade estatutária, instituídas as participações da Lei do anonimato entende-se que é vedado às sociedades anônimas modificar a ordem de cálculo prevista em Lei, de modo que, uma vez optando por instituir a liberalidade, deverá a sociedade observar estritamente a ordem legal, não sendo possível estabelecer outra nos estatutos em prejuízo dos beneficiados pela norma.

Com efeito, por uma questão de respeito à Lei do anonimato, a participação nos lucros dos detentores de debêntures que atribuam aos seus titulares esse direito deve ser calculada após o abatimento da participação, nessa ordem, de empregados, administradores e partes beneficiárias.

Contudo, no caso do estatuto dispor diferentemente da ordem legal, mas de forma que nenhum dos beneficiários tenha prejuízo, entende-se que a falta de interesse de agir inviabilizará qualquer tipo de impugnação, mas o pagamento das participações deve obedecer à normatização do artigo 201 da Lei do anonimato,sendo pago apenas "à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados ou de reserva de lucros", gerando responsabilidade aos administradores que empreenderem o pagamento de forma diversa e não sendo exigível a restituição dos beneficiários que recebam de boa-fé.

Assim, apurado o lucro (resultado do exercício menos provisões tributárias e prejuízos acumulados), o restante será a base de cálculo para pagamento da participação dos empregados, sendo o saldo, após o pagamento da participação dos trabalhadores, a base para pagamento da participação dos administradores e o que sobejar, após o pagamento da participação da administração, a base de cálculo da participação nos lucros devida às partes beneficiárias, sendo, por fim, o saldo, após o pagamento das partes beneficiárias, a base de cálculo da participação nos lucros de debêntures com esse direito, exceto no caso do estatuto dispor de maneira mais favorável a todos.

Recapitulando, o resultado do exercício deve ser subtraído das provisões tributárias e dos prejuízos acumulados, apurando-se o lucro, do qual são subtraídas as participações acima explanadas, cálculo após o qual se obtém o lucro líquido.

Verificando o lucro líquido a sociedade estará diante do verdadeiro lucro social obtido no exercício, ou seja, a variação patrimonial do período na pespectiva legal, podendo a partir deste lucro deliberar sobre o autofinanciamento da empresa, com o abastecimento de reservas (valendo salientar a reserva legal que em certas circunstâcias é de abastecimento obrigatório), ou a remuneração dos socios, com a distribuição do lucro social.


Notas

  1. BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1982. p. 672.
  2. MARQUES, Antônio. Tento na língua: gralhas que por ai grasnam, erros que por ai grassam. Disponível em http://tentolingua.wordpress.com/2010/08/16/logrolucro-lograrlucrar/#comment-134. Acessado em 16 de ago. de 2010.
  3. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução coordenada por L. Garmus. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. Velho Testamento. Isaías. c. 23. v. 17-18.
  4. BRASIL. Lei 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jan. 2002. p. 1.
  5. ALBUQUERQUE, Bruno Caraciolo Ferreira. Objetivo histórico das sociedades. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2759, 20 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18308>. Acesso em: 22 jan. 2011.
  6. BRASIL. Lei 4.591, de 12 de dez. de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 dez. 1964. p. 11.682.
  7. HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes. Patrimônio, patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo. In: FRANÇA, Erasmo Valadão Azevedo e Novaes (coord.). Direito Societário Contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. Pag. 263
  8. CUNHA, Paulo A. V. Estudo do direito privado: do patrimônio. Lisboa: Minerva, 1934.
  9. FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade tributária e societária para advogados. São Paulo: Atlas, 2008. p. 5.
  10. REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2. p. 252.
  11. SILVA, Américo Luís Martins da. Sociedades Empresariais. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2. p. 689-690.
  12. BRASIL. Lei n. 6.404,15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 dez. 1976. Seção 1, p. 21.
  13. LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Do direito do acionista ao dividendo. São Paulo: Obelisco, 1969, p. 84
  14. COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2. p. 337.
  15. SILVA, Américo Luís Martins da. Sociedades Empresariais. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 725. v. 2.
  16. REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253. v. 2.
  17. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações da Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 662. v. 3.
  18. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.
  19. BRASIL. Lei 11.101, de 09 de fev. de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 09 de fev. de 2005. p. 01.
  20. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Trata-se de considerações dos STIU-DF acerca do Parecer Jurídico elaborado pela PRJUR em 2006, que conclui a impossibilidade de pagamento da PLR 2005 aos empregados da CEB, prevista em Acordo Coletivo de Trabalho, em face de disposições da Lei 6.404/1976, Nota Técnica, CVM/SJU nº 034/95, de 28 de maio de 2008. Disponível em http://www.google.com.br/#hl=pt- BR&q=cvm%2C+CVM%2FSJU+n%C2%BA+034%2F95&aq=f&aqi=g10&aql=&oq=&gs_rfai=&fp=344d 3445d97f8bd8. Acessado em 19 de set. de 2010.
  21. BRASIL. Lei 10.101, de 19 de dez. de 2000. Dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 20 de dez. de 2000. p. 58.
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Sobre o autor
Bruno Caraciolo Ferreira Albuquerque

Graduado em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Bruno Caraciolo Ferreira. Lucro social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18450. Acesso em: 19 abr. 2024.

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