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Detalhes do julgamento sobre a recomposição pelo teto.

Para tentar entender melhor a decisão

21/02/2011 às 16:10
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1.Detalhes da tramitação processual

Ao chegar ao STF, em setembro de 2007, o RE 564.354 foi distribuído à relatoria do Ministro Menezes Direito. Submetido à decisão sobre a repercussão geral, foi esta reconhecida contra os votos dos Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso e Eros Grau, não tendo se manifestado a Ministra Cármen Lúcia (03/05/2008, DJe de 06/06/2008).

Em abril de 2009, a PGR deu seu Parecer pelo parcial conhecimento e pelo desprovimento na parte conhecida.

Com a morte do relator, foi o feito redistribuído à relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em setembro de 2009, e levado a julgamento, pelo Pleno, em 08/09/2010.

Em abril de 2010, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas fora admitida na condição de amicus curiae.

O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, conheceu do Recurso Extraordinário e negou-lhe provimento, contra o voto do Ministro Dias Toffoli. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Ausente, justificadamente, a Ministra Ellen Gracie. Eram, portanto, nove os ministros presentes.


2.A divergência

Na verdade, o Voto divergente não me parece que fosse contra a decisão em si (como veio a ser ementada), porquanto adstrita à questão de a concessão do benefício constituir uma espécie de novo contrato, que fixava uma Renda Mensal Inicial (RMI) a qual, a partir de então, seria reajustada apenas pelos índices aplicados aos benefícios previdenciários. O inteiro teor desse voto divergente está nos autos, p. 537 / 552, podendo ser lido no portal do STF (www.stf.jus.br), buscando em: Pesquisa de Jurisprudência / Inteiro Teor de Acórdãos / RE 564354.

Como se vê dos autos, a meu sentir, não era esse o pedido exato do Recorrente (INSS), data venia. E o que não está nos auto não está no mundo; julgam-se os autos e o que nele se contém.

Analisando-se mais detidamente a vexata quæstio, como o fez a relatora – e, antes, outros ministros que já haviam decidido questão igual (dentre estes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio) –, ela praticamente se resumia na alegada transgressão ao princípio do ato jurídico perfeito.

O INSS, em sua peça recursal, arguíra a aplicação do princípio do tempus regit actum, e questionara se uma lei posterior à data da concessão do benefício (que entendia ser um ato jurídico perfeito) – no caso, a EC 20, de 1998, e a EC 41, de 2003 – (sem, expressamente, prever a retroatividade do ali disposto)poderia alterar a renda mensal do benefício concedido.

Alegara mais que o INSS tinha o "direito adquirido de pagar o benefício com base nos valores estipulados na época de sua concessão".

Entendo que há uma contradição implícita, pois a RMI (ou RMB) vinha sendo reajustada anualmente. Isto é, não permanecera com o valor "estipulado na época de sua concessão".

Por sua vez, o Recorrido invocara, nas Contrarrazões, o princípio do equilíbrio atuarial do sistema e a aplicação de precedentes da Corte. Aduzira ainda que o legislador (Congresso Nacional em seu poder constituinte revisor ou derivado) decidira "pela majoração do percentual do teto dos benefícios" por entender que o orçamento comportaria o aumento, enquanto a majoração em período anterior à alteração legal (as Emendas Constitucionais 20 e 41) se mostrava impossível. Desde que possível a alteração do limite, "o constituinte revisor o fez, imbuído de sentimento de proteção social", reconhecendo que "em período anterior, conquanto ciente da necessidade, conhecia a insuficiência do orçamento previdenciário".


3.O julgamento

A Eminente Ministra-Relatora, antes da leitura de seu Voto, fez o que chamou de "observações iniciais":

1.Tratava-se, simplesmente, de saber se um teto limite fixado por uma Constituição "e que foi alterado" deflagrava "automático direito daqueles que recebiam a menos, porque o teto era menor, de também receber a diferença" que superava o teto anterior e que sofrera o chamado "corte" – limitado pelo teto.

2.As duas Emendas Constitucionais haviam fixado uma (ou seriam duas?) nova realidade, sem mudar o regime jurídico, disso não se cogitando.

3.Não havia, em qualquer momento, discussão sobre a fixação ou vinculação a salário mínimo.

4.Também não se tratava de "reajuste", discutindo-se apenas se "majorado o teto", aquela pessoa que tinha pago a mais poderia ter seu benefício elevado até aquele (novo) patamar máximo.

Adentrando ao Voto, afirmou que, naquele caso, a questão seria saber "se a alteração trazida pelo art. 14 da EC 20/1998 ao teto previdenciário aplicar-se-ia ou não imediatamente àqueles que já percebiam o benefício previdenciário anteriormente à edição da citada EC", considerados "os cálculos decorrentes do salário de contribuição".

Em seguida, ressaltando a jurisprudência consolidada da Corte quanto a não poder a lei retroagir, em face do ato jurídico perfeito, disse que a pretensão posta na lide era uma situação distinta (ou seja, apenas quanto à aplicação imediata ou não do novo teto, e não sua aplicação retroativa), não havendo que se falar em ofensa ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF/88) ou ao princípio da irretroatividade das leis.

Sua Excelência extraiu da leitura do art. 14 da EC 20/1998 "não ter ocorrido mero reajuste do teto previdenciário, mas majoração". Com isso, o recorrido naquele RE 564.354/SE postulava "manter seus reajustes de acordo com os índices oficiais, conforme determinado em lei" embora fosse possível que, "por força desses reajustes" fosse ultrapassado o antigo teto, "respeitando, por óbvio, o novo valor introduzido pela citada Emenda Constitucional" (evidentemente, o mesmo raciocínio deve ser aplicado no tocante à EC 40/2003, em seu art. 5º).

Fazendo menção ao Acórdão recorrido, da Turma Recursal (dos Juizados Especiais Federais) da Seção Judiciária de Sergipe, a Relatora endossou sua fundamentação, qual seja:

"O cálculo das prestações pecuniárias de trato continuado é efetivado, em regra, sobre o salário de benefício e tem como limite máximo o maior valor de salário de contribuição. Assim, após a definição do salário de benefício, calculado sobre o salário de contribuição, deve ser aplicado o limitador dos benefícios da previdência social, a fim de se obter a Renda Mensal do Benefício a que terá direito o segurado. (....). Dessa forma, a conclusão inarredável que se pode chegar é a de que, efetivamente, a aplicação do limitador (teto) para definição da RMB que perceberá o segurado deve ser realizada após a definição do salário de benefício, o qual se mantém inalterado, mesmo que o segurado perceba quantia inferior ao mesmo. Assim, uma vez alterado o valor limite dos benefícios da Previdência Social, o novo valor deverá ser aplicado sobre o mesmo salário de benefício calculado quando de sua concessão, com os devidos reajustes legais, as fim de se determinar a nova RMB que passará a perceber o segurado. Não se trata de reajustar e muito menos alterar o benefício. Trata-se, sim, de manter o mesmo salário de benefício calculado quando da concessão (...) só que agora lhe aplicando novo limitador dos benefícios do RGPS".

Prosseguindo em seu Voto, a Relatora citou precedentes da Corte, todos no mesmo sentido, a saber: RE 451.243 (DJ de 23/05/2005), Agravos Regimentais nos RE 458.891 (DJe de 23/05/2008), 499.091 (DJe de 1º/06/2007), 455.466 (DJe de 29/02/2008), RE 496.848 (DJe de 12/05/2008), RE 551.483 (DJe de 25/04/2008) e RE 531.440 (DJe de 30/07/2007).

A Ministra-Relatora afirmou expressamente: "Não foi concedido aumento ao Recorrido, mas reconhecido seu direito de ter o valor de seu beneficio calculado em limitador mais alto, fixado por norma constitucional emendada".

Em outras palavras, entenda-se que, se fora mais alto o teto, a RMB teria sido maior, observado o cálculo feito com base nosseus salários de contribuição.

E concluiu o Voto conhecendo do recurso e negando-lhe provimento "por correta a conclusão de ser possível a aplicação imediata doa RT. 14 da Emenda Constitucional n. 20/1998 e do art. 5º da Emenda Constitucional n. 41/2003 àqueles que percebem seus benefícios com base em limitador anterior, levando-se em conta os salários de contribuição que foram utilizados para os cálculos iniciais".


4.O debate

Na longa discussão que se seguiu, com o Voto divergente do Ministro Dias Toffoli, certa hora, assim interveio o Ministro Marco Aurélio: "A situação jurídica é outra. Não se muda a equação inicial. Ela permanece a mesma, apenas se altera o redutor, porque absorvido pela elevação do teto".

Pouco depois, o Ministro-Presidente assim se pronunciou: "quando foi feito o cálculo do reajuste, segundo o regime a que o interessado está sujeito, indaga-se: bate no teto ou não? Se bate no teto, não pode receber mais? Quando o teto for aumentado, tem direito à diferença? Tem".

Em nova intervenção, o Ministro Marco Aurélio disse mais: "Redutor é representado por algo que o servidor ou o beneficiário da previdência teria direito e apenas não auferiu. Por quê? Porque havia um teto e o valor a receber esbarrou nesse teto. Pois bem, alterado esse teto, não ocorre a diminuição do que equivale ao redutor? Claro que sim, é a ordem natural das coisas".

E disse ainda: "a equação primeira, verificada quando da aposentadoria, ficou inalterada. Na ação não se pretendeu a alteração dessa equação. O que se pretendeu – e viu-se reconhecido – foi afastar, ante um novo teto, o que ele estava perdendo, deixando de receber mês a mês em razão do teto. A relação jurídica é de débito continuado." E que o aposentado "recupera o que normalmente receberia se o teto à época fosse outro".

Por sua vez, o Ministro Ayres Britto afirmou: "Os já aposentados, segundo um teto vigente à época da aposentadoria são catapultados para o novo teto automaticamente". Mais adiante, ainda em seu Voto, acrescentou: "quando se fixa um novo teto, quem estava até então sob efeito de um redutor, até porque, de ordinário, o salário de contribuição é maior do que o salário de benefício, é catapultado, é ejetado – eu acho que sim – automaticamente. Salvo se a Emenda dissesse o contrário, e a Emenda não diz".

Já o Ministro Gilmar Mendes, de cuja lavra o Ministro Dias Toffoli citara Voto em sentido contrário em outro julgado (que, antes, o Ministro Gilmar esclarecera que a matéria em julgamento não tinha a ver com com aquela antes julgada pela Segunda Turma, RE 495.942), trouxe uma cronologia legislativa relativa ao tema central do RE, desde a Lei nº 8.213/1991 ("o benefício não poderá ser superior ao limite máximo do salário de contribuição") chegando às duas EC de 1998 e 2003. Para arrematar: "Os valores mencionados sofriam atualizações periódicas. Assim, por ocasião da superveniência da EC 20/98, o valor do limitador de benefícios previdenciários era de R$ 1.081,50 – valor estabelecido em junho de 1998; na superveniência da EC 41/2003, o valor correspondia a R$ 1.869,34 – valor fixado em junho de 2003. (....) pode-se concluir que as contribuições e os beneficios previdenciários encontravam-se sujeitos a dois limitadores distintos: a) limite máximo do salário de contribuição; b) teto máximo do salário de benefício." – grifos no original. E prosseguiu, após abordar que índices reajustaram, ao longo do tempo, os salários de contribuição e os limitadores dos benefícios: "no periodo de 12/1998 a 11/2003, o salário de contribuição recebeu uma atualização menetária acumulada de 98,43%. Nesse mesmo período, o limitador previdenciário sofreu uma atualização acumulada de somente 55,77%, ou seja, o segurado contribuiu dentro do limite legalmente permitido, e da atualização dos salários de contribuição (um índice especifico – maior) decorreu um salário de benefício que superou o teto em vigor na época da concessão, cujo valor é atualizado por outro (menor)", concluindo que "o salário de beneficio resulta da atualização dos salários de contribuição. A incidência do limitador previdenciário pressupõe a perfectibilização do direito, sendo-lhe, pois, posterior e incidindo como elemento redutor do valor final do benefício. Dessa forma, sempre que alterado o valor do limitador previdenciário, haverá possibilidade de o segurado adequar o valor de seu benefício ao novo teto constitucional, recuperando o valor perdido em virtude do limitador anterior" referindo-se a ensinamento doutrinário.

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Pela ordem, em seu Voto (antes, haviam sido apartes), disse o Ministro Marco Aurélio: "O que está em jogo é unicamente a absorção do valor resultante do redutor pelo novo teto criado. Não se altera salário de contribuição", completando com remissão a seu Voto no julgamento do Agravo Regimental no RE 499.091.

Finalmente, assim votou o Ministro-Presidente: "O problema não é de cálculo de reajuste da renda mensal o qual obedece ao regime a que está sujeito aposentado, segundo os índices legais, quer sua aposentadoria seja proporcional, quer seja integral. A questão é saber se se aplica, ou não, o redutor constitucional e, evidentemente, como ele o está pleiteando, é porque está sujeito ao redutor constitucional. Logo, se teria direito a algo além do redutor constitucional, tem direito à elevação desse valor, quando o redutor constitucional seja elevado e até esse limite. Noutras palavras, pegando esse exemplo aqui do próprio artigo 14, supondo-se que um aposentado recebesse, na data da Emenda 20, dois mil e quatrocentos reais, ele só poderia receber um mil e duzentos, porque estaria sujeito o redutor de um mil e duzentos. Mas veio a Emenda 41, o redutor subiu para dois mil e quatrocentos. Ele tem direito à diferença porque, segundo o cálculo do seu benfício, teria direito a isso, se o valor tivesse sido elevado" para finalizar "E o fato de elevar o redutor não significa que será reajustada a renda mensal".


5.A decisão

O Acórdão, publicado em 15/02/2011, ficou assim (lembrando que é ele que faz coisa julgada):

EMENTA:

DIREITOS CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ALTERAÇÃO NO TETO DOS BENEFÍCIOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA. REFLEXOS NOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS ANTES DA ALTERAÇÃO. EMENDAS CONSTITUCIONAIS N. 20/1998 E 41/2003. DIREITO INTERTEMPORAL: ATO JURÍDICO PERFEITO. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA LEI INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Há pelo menos duas situações jurídicas em que a atuação do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição da República demanda interpretação da legislação infraconstitucional: a primeira respeita ao exercício do controle de constitucionalidade das normas, pois não se declara a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei sem antes entendê-la; a segunda, que se dá na espécie, decorre da garantia constitucional da proteção ao ato jurídico perfeito contra lei superveniente, pois a solução de controvérsia sob essa perspectiva pressupõe sejam interpretadas as leis postas em conflito e determinados os seus alcances para se dizer da existência ou ausência da retroatividade constitucionalmente vedada.

2. Não ofende o ato jurídico perfeito a aplicação imediata do art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/1998 e do art. 5º da Emenda Constitucional n. 41/2003 aos benefícios previdenciários limitados a teto do regime geral de previdência estabelecido antes da vigência dessas normas, de modo a que passem a observar o novo teto constitucional.

3. Negado provimento ao recurso extraordinário.

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Detalhes do julgamento sobre a recomposição pelo teto.: Para tentar entender melhor a decisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2791, 21 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18547. Acesso em: 24 nov. 2024.

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