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A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance

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3 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA PERDA DE UMA CHANCE

3.1 ORIGEM

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França, na década de 60 do século passado. Foi desenvolvida pela doutrina daquele país para ser aplicada aquelas situações em que uma pessoa, por conseqüência de ato ilícito perpetrado por outra, se via privada da oportunidade de obter uma determinada vantagem futura, assemelhando-se assim, de início, ao instituto do lucro cessante.

A semelhança era apenas aparente, pois, conforme ensina Savi (2006, p. 3), "em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance".

Conforme se pode notar, os franceses desenvolveram uma teoria específica para a perda da chance, que defendia a concessão de indenização pela frustração da possibilidade de conseguir uma vantagem, e não pela perda da própria vantagem pretendida.

Em outras palavras, a doutrina francesa passou a fazer uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo, surgindo a partir daí a verdadeira idéia de responsabilidade civil por perda de uma chance.

3.2 CONCEITO

Perda, na língua vernácula, significa o ato ou efeito de perder, a privação de alguma coisa que se possuía, ausência, falta, desaparecimento, extravio, sumiço.

Chance, segundo Venosa (2007, p. 277), "é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou expectativa".

De acordo com o supracitado autor, "a oportunidade, como elemento indenizável, implica a perda ou frustração de uma expectativa ou probabilidade" (VENOSA, 2007, p. 278).

Para Cavalieri Filho (2008, p. 75), caracteriza-se a perda de uma chance quando:

Em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante.

Savi (2006, p.1), por sua vez, descreve o instituto como sendo a situação em que, "tendo em vista o ato ofensivo de uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo".

Desse modo, pode-se concluir que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é o instituto jurídico por meio do qual a vítima de uma conduta lesiva perpetrada por outrem, pode buscar o ressarcimento pela frustração de uma chance séria e real de obter uma situação futura mais favorável, da qual foi privada.

3.3 NATUREZA JURÍDICA DO DANO CAUSADO PELA PERDA DE UMA CHANCE

No que diz respeito à natureza jurídica do dano ocasionado pela perda de uma chance, a doutrina e a jurisprudência controvertem sobre o tema, entendendo alguns tratar-se de dano moral e outros de dano material, surgindo ainda, entre os que adotam o segundo entendimento, sérias dúvidas sobre enquadrá-la como dano emergente ou lucro cessante.

No entender de Silva (2007, p. 109), poder-se-ia até:

Imaginar um exemplo em que haveria danos presentes e futuros, sendo observados no momento da decisão jurisprudencial: se o médico fez o paciente perder as chances de evitar uma deformidade física permanente, têm-se as despesas com possíveis próteses que já tenham sido adquiridas e implantadas como danos presentes, enquanto a diminuição da capacidade laborativa que subsistirá por toda a vida da vítima seria uma espécie de dano futuro.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar recurso de apelação que versava sobre responsabilidade civil do advogado, aplicou a teoria da perda de uma chance, e concedeu a indenização dela decorrente a título de dano moral, senão vejamos:

Ementa:

MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES. A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrerem conseqüência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta Apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra a qual irresignou-se o mandante. Houve para a Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecidas a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

(TJRJ, Apelação Cível nº. 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento, julgado em 07/10/2003)

(grifos nosso).

No mesmo sentido foi o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos seguintes julgados:

Ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ENSINO PARTICULAR. DANO MORAL E MATERIAL. REPROVAÇÃO DE ALUNA. Comprovada a irregularidade na reprovação da aluna, à qual não foi oportunizada adequada recuperação terapêutica, com perda da chance de ser aprovada e rompimento de seu equilíbrio psicológico, impõe-se seja indenizado o dano moral sofrido. A frustração dos pais, porém, não constitui dor passível de reparação, nas circunstâncias. Dano material afastado. Apelo provido em parte.

(TJRS, Apelação Cível nº. 70007261795, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Leo Lima, julgado em 27/11/2003)

(grifos nosso).

Ementa:responsabilidade civil. informações desabonatórias sobre a conduta do autor. perda da chance. dano moral. CARACTERIZAÇÃO. manutenção do quantum indenizatório. dano material. NÃO COMPROVAÇÃO.I - Indubitável que a ré é responsável pelos atos de seu preposto que, por ordem ou não de seus superiores, forneceu informações inverídicas sobre a conduta do autor, informações estas, determinantes para a não contratação deste por outras empresas. II – Dano material afastado. Ausência de comprovação. III – Danos Morais. Manutenção do quantum. Apelos improvidos.

(TJRS, Apelação Cível nº. 70003568888, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 27/11/2002)

(grifos nosso).

Analisando o tema, Cavalieri Filho (2008, p. 77) registra a existência de "forte corrente doutrinária que coloca a perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante".

Para Savi (2006, p. 102), a perda de uma chance deve ser considerada como uma subespécie do dano emergente. O referido autor fundamenta o seu entendimento na seguinte premissa:

Ao inserir a perda de chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial). Ou seja, não estamos diante de uma hipótese de lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.

Conforme se pode observar, o supracitado autor considera a chance séria e real como um bem integrante do patrimônio da vítima, dotado de valor pecuniário próprio, distinto daquele atribuído ao resultado útil que se pretendia alcançar.

Nessa esteira de pensamento, ocorrendo à injusta frustração de uma chance, surge para o seu causador o dever de indenizar, não a perda da vantagem futura, mas sim a lesão a um patrimônio presente, materializado na possibilidade concreta de se alcançar uma situação futura mais benéfica.

Ressalta Savi (2006, p. 56), contudo, que:

Haverá casos em que a perda da chance, além de apresentar um dano material poderá, também, ser considerada um ‘agregador’ do dano moral. Por outro lado, haverá casos em que apesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente da perda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, será possível conceder uma indenização por danos morais em razão da frustrada expectativa.

O referido autor, de acordo com o entendimento acima esposado, não pretendeu enquadrar o dano decorrente da perda de uma chance no conceito de dano moral, mas apenas ressalvar a possibilidade de a chance frustrada funcionar como uma espécie de "agregador", de aditivo para a concessão da indenização por dano moral.

Dito de outro modo, a chance frustrada pode servir como um incentivador para que o magistrado conceda indenização por danos morais, não como forma de reparação da chance perdida, mas sim do sofrimento psicológico que se impõe a vítima, em sua decorrência.

Nesse sentido é o entendimento de Dias, citado por Silva (2007, p. 200), que ao analisar situação de advogado que perde o prazo para a interposição do recurso de apelação, cujo sucesso era improvável, ensina que:

O dano que se pode cogitar dessa "perda do direito de ver a causa julgada na instância superior", nesses casos de improbabilidade de sucesso do recurso, só pode ser pensado na esfera extrapatrimonial, do chamado dano moral. Isso, partindo do suposto de que o cliente não queria utilizar-se do recurso como forma de procrastinação do feito, mas que sinceramente encontrava-se inconformado com a decisão, de tal forma que o fato de não ver a causa reexaminada pela instância superior ter-lhe-ia causado um dano psicológico.

É importante ter em mente, contudo, que "o que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral" (SAVI, 2006, p. 56).

Desta forma, afastando-se do enquadramento da responsabilidade civil pela perda de uma chance como dano moral, por ser dentre todas as hipóteses a que mais se afasta das reais características do instituto, passa-se a analisar, dentre o dano emergente e o lucro cessante, aquele que melhor retrata a verdadeira essência da teoria em exame.

Para Cavalieri Filho (2008, p. 72), o dano emergente "importa efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima em razão do ato ilícito".

Já o lucro cessante, para o supracitado autor, consiste:

Na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 72).

No mesmo sentido é o entendimento de Rizzardo (2006, p. 17), ao ensinar que:

Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma diminuição do patrimônio, o dano denomina-se emergente damnum emergens; se a pessoa deixa de obter vantagens em conseqüência de certo fato, vindo a ser privada de um lucro, temos o lucro cessante lucrum cessans.

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O Código Civil brasileiro, em seu artigo 402, conceitua ambos os institutos jurídicos, ao dispor que "salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".

Conforme se depreende da própria narrativa legal, dano emergente é aquilo que a vítima efetivamente perdeu (atinge o patrimônio presente da vítima), enquanto que o lucro cessante qualifica-se como sendo aquilo que a mesma razoavelmente deixou de lucrar (atinge o patrimônio futuro, uma vantagem legitimamente esperada).

Analisando-se detidamente os institutos do dano emergente e do lucro cessante, verifica-se que teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance melhor se amolda à concepção do primeiro instituto.

Para a concessão de indenização por lucros cessantes, necessário se faz que a vítima demonstre, de forma inequívoca, que deixou de lucrar determinada quantia, em virtude de conduta lesiva perpetrada por outrem.

Esse é o grande empecilho para se enquadrar a responsabilidade civil por perda de uma chance como lucro cessante, visto que a prova do dano futuro, em alguns casos, é verdadeiramente diabólica, impossível de ser produzida, o que acaba por inviabilizar a aplicação do instituto.

Segundo os ensinamentos de Silva (2007, p. 137):

A responsabilidade pela perda de uma chance somente é utilizada porque a vítima está impossibilitada de provar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda definitiva da vantagem esperada. Por exemplo, o empresário não logra provar que o seu negócio não se realizou pela falha de seu contador, assim como o cliente não consegue provar o nexo causal entre a ação ou a omissão do seu advogado e improcedência da demanda. Resta para a vítima, portanto, a reparação pela perda de uma chance, já que poderá provar o nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas.

Ademais, cumpre ressaltar que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance foi criada pela doutrina francesa justamente para salvaguardar as pessoas que se encontravam nessa situação, ou seja, para garantir o direito de reparação àqueles que se viam lesados em uma pretensão futura, séria e real, mas que não conseguiam demonstrar, de forma inequívoca, que obteriam a vantagem pretendida caso o normal desenvolvimento dos fatos não tivesse sido interrompido pela conduta lesiva do ofensor.

É justamente por ter sido elaborada para acautelar tais situações que a teoria em exame visa indenizar a perda da chance de conseguir uma vantagem futura, apresentando-se a oportunidade frustrada como um bem presente e integrante do patrimônio da vítima, e não a própria vantagem perdida, sobre a qual não se pode ter certeza quanto à obtenção.

Enquadrar a reparação do dano causado pela perda de uma chance como espécie de lucro cessante é negar a utilidade e a relevância da própria teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, cuja utilização acarretaria, na prática, os mesmos efeitos que já podiam ser alcançados com a aplicação do instituto do lucro cessante.

Com base em tais considerações, percebe-se que o melhor entendimento quanto à natureza jurídica do dano causado pela perda de uma chance é o esposado por Savi (2006, p. 90), para quem:

O dano da perda de uma chance deve ser considerado uma subespécie de dano emergente e, como tal, encontra a sua previsão legal na primeira parte do art. 402, do Código Civil vigente. Ao dispor que as perdas e danos devidos ao credor abrangem o que ele efetivamente perdeu, o referido dispositivo legal está se referindo, conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, aos danos emergentes. Ora, se o dano da perda de uma chance se enquadra no conceito de dano emergente, não há como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nestes casos, desde que, conforme afirmado, as chances sejam sérias e reais.

Conforme ensina Silva (2007, p.11), é mister não olvidar que:

Atualmente, a utilização da perda de uma chance é observada tanto nos danos advindos do inadimplemento contratual, quanto naqueles gerados pelos ilícitos absolutos, assim como nas hipóteses regidas pela responsabilidade subjetiva e pela responsabilidade objetiva.

A teoria da perda de uma chance, portanto, tem aplicação ampla, incidindo tanto nos casos de responsabilidade civil extracontratual, objetiva ou subjetiva, quanto nas hipóteses de danos oriundos de relações contratuais.

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Sobre o autor
Otacilio Cassiano do Nascimento Neto

Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar, Advogado, Procurador-Geral do Município de São José do Campestre-RN, Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhaguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO NETO, Otacilio Cassiano. A responsabilidade civil decorrente da perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2821, 23 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18750. Acesso em: 23 abr. 2024.

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