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Relativização da coisa julgada

19/04/2011 às 15:36
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Sumário: 1 Introdução. 2 Garantia constitucional. 3 Justiça x segurança jurídica. 4 Coisa julgada e decisão injusta ou nula. 5 Conclusão.


1.Introdução

A relativização da coisa julgada é o tema da moda. São vários os conceitos dados pelos doutrinadores. Porém, pode-se dizer que coisa julgada material significa imutabilidade dos efeitos da sentença que recebeu ou rejeitou a demanda, em decorrência de esgotamento de recursos eventualmente cabíveis. A LICC a define como "decisão judicial de que não caiba recurso" [01].

Na prática, a relativização corresponde à ampliação do leque das hipóteses de ação rescisória além dos limites permitidos na lei processual. A demonstração de que a coisa julgada material não é absoluta está exatamente na possibilidade da ação rescisória na esfera do direito civil e na possibilidade de revisão criminal na esfera penal. Mas, ela não é absoluta apenas nesses dois aspectos.

Ouço falar em congressos e simpósios de direito em relativização da "coisa delgada" em alusão a um dos Ministros mais cultos e inteligentes que marcou passagem no Superior Tribunal de Justiça, o qual, havia passado por cima da "autoritas rei judicate" em um caso de expropriatória indireta em que o Estado-membro havia incorporado ao seu patrimônio um imóvel que já era de seu domínio.


2 Garantia constitucional

A coisa julgada material constitui uma garantia fundamental (art. 5º, XXXVI, da CF), protegida em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF) sendo elemento estrutural do princípio de acesso ao Judiciário para efetivação do direito (art. 5º, XXXV, da CF) que, por sua vez, é inerente ao Estado Democrático de Direito, nos termos proclamados no art. 1º da Constituição Federal.

Logo, somente mediante alteração constitucional, por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte (original) é que a coisa julgada pode ser relativizada. Exemplo disso é o art. 17 do ADCT da Constituição de 1988, que determinou a redução imediata dos vencimentos e proventos que estivessem sendo percebidos além do teto salarial introduzido pela nova ordem constitucional, passando por cima do direito adquirido, instituto que mereceu idêntica proteção constitucional da coisa julgada.

Entretanto, aquele art. 17 tinha caráter de norma de efeito concreto, incidindo sobre remunerações excedentes aos limites fixados originariamente no inciso XI, do art. 37, da Constituição de 1988. Desaparecido aquele teto remuneratório, por força de emendas posteriores, aquele art. 17 do ADCT perdeu a sua eficácia. Como norma de efeito concreto e transitório não tinha o poder de derrogar o princípio da irredutibilidade de vencimentos previsto no art. 37, XV da Constituição, em sua redação original e muito menos de invalidar a coisa julgada, mediante interpretação ampla daquele texto excepcional. Foi o que restou decidido no RE nº 146.331-7/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-3-98.


3 Justiça x segurança jurídica

Cada decisão judicial reflete a ordem jurídica então vigente, que nem sempre coincide com o ideal de justiça. Como próprio nome está a indicar o ideal é algo a ser perseguido eternamente. O ideal de justiça certamente é um valor de grande importância a ser buscado por vias legislativa e judicial. Porém, a segurança das relações jurídicas deve ser levada em conta, sob pena de desmoronamento da ordem jurídico-social gerando em caos na sociedade. Essa desordem do ordenamento jurídico, certamente, acabaria por afetar o ideal de justiça.

A realidade social é dinâmica. Mudam-se os valores, e alteram-se o conceito de justiça. Não é possível desconsiderar a coisa julgada a pretexto de que determinada decisão transitada em julgado não mais reflete a noção de justiça.


4 Coisa julgada e decisão injusta ou nula

Quando a decisão judicial transitada em julgado é injusta, e essa injustiça decorre da inaplicação do direito positivado, deve-se lançar mão de ação rescisória em tempo hábil.

Costuma-se argumentar muito com o exemplo da ação de investigação de paternidade em que foi negada ou reconhecida a paternidade em função da prova técnica então apresentada. Posteriormente, o exame do DNA demonstrou resultado contrário àquele acolhido pela sentença. O que fazer? Continuar sendo o pai da criança contra prova incontestável do ponto-de-vista científico?

Se na época, não existia esse exame sofisticado, fato que conduziu a uma decisão fora da realidade, é até possível sustentar a contagem do prazo para a rescisória, a partir do momento em que essa prova técnica passou a ser utilizada nos meios judiciários, com fundamento em documento novo, assim entendido o laudo médico elaborado com base em nova técnica de exame.

Passar por cima da autoridade da coisa julgada, no caso, em nome da justiça seria abrir um precedente perigosíssimo para a estabilidade das relações jurídicas, porque decisões de outra natureza, também, poderiam ser ignoradas em face dos incessantes avanços tecnológicos e rápida transformação da realidade social, tornando irreais as decisões proferidas no passado. Apenas para aguçar o pensamento dos leitores suponha-se um gol duvidoso reputado válido pelo árbitro. Com o exame quase imediato das imagens gravadas, tecnologia antes indisponível, nota-se perfeitamente que havia um impedimento. Pergunta-se, anula-se o gol, ou prevalece a decisão (injusta, no caso) já tomada?

É preciso não confundir, outrossim, o efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo para sustentar a vulneração da coisa julgada material caso não seja conferido efeito prospectivo à luz do art. 27 da Lei nº 9.868/99. A decisão da Corte Suprema, sabidamente, não retroage para atingir a coisa julgada. O que se pode sustentar, com razoável fundamento científico, é que a decisão declaratória de inconstitucionalidade reabre o prazo da ação rescisória, a contar da data da publicação do acórdão que declara a inconstitucionalidade a lei ou ato normativo em que se fundou a decisão rescindenda. Na hipótese de essa declaração ter sido pronunciada em grau de recurso extraordinário, esse prazo inicial, para quem não foi parte na ação, contar-se-ia da data de publicação da Resolução do Senado Federal, que suspendeu a aplicação da lei ou ato normativo declarado inconstitucional (art. 52, X da CF).

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Em outro artigo, "Repetição de indébitos de tributos declarados inconstitucionais", sustentamos que o prazo da ação de repetição de indébito não se conta a partir do pagamento do tributo (art. 168, I, do CTN), conforme atual orientação do STJ [02], mas da data da publicação do acórdão que declara a inconstitucionalidade da exação cobrada, porque a certeza de que o tributo era inconstitucional só surge com a decisão final do STF, pois toda lei nasce com presunção de constitucionalidade.

Se a Corte Suprema declara que o que foi pago não era tributo, parece óbvio que não se pode aplicar o inciso I, do art. 168, do CTN que alude à data da extinção do crédito tributário (pelo pagamento).

Contudo, quem tiver contra si decisão transitada em julgado, para propor a ação de repetição com fundamento na decisão da Corte Suprema, deverá promover prévia rescisão daquele julgado. Nada impede, evidentemente, de cumular o pedido de repetição na ação rescisória.

Outra coisa diversa, também, é a sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional, isto é, por ocasião da decisão proferida já existia a proclamação de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo aplicado. Nesse caso, esse título judicial não está dotado do requisito da exigibilidade podendo ser impugnado na fase de execução. É o que dispões o art. 475-L, inciso II e § 1º, do CPC. Idêntico dispositivo há em relação à execução contra a Fazenda Pública (art. 741, II do CPC). Decisão judicial transitado em julgado, mas sem citação regular do réu é outro caso de inexigibilidade do título judicial a ser argüido na fase de execução. Nesses casos, não cabe falar em relativização da coisa julgada.


5 Conclusão

Toda a discussão em torno da relativização de coisa julgada material está fundada na busca de plenitude da justiça que se contrapõe ao princípio da estabilidade das relações jurídicas. O princípio da segurança está previsto no art. 5º da CF e protegido por cláusula pétrea. Mas, como dizia Montesquieu a injustiça que se faz representa uma ameaça a todos.

Daí a dificuldade de opção entre justiça e segurança jurídica, deslocando o debate para o vasto campo filosófico. Cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra considerando as garantias fundamentais expressas no corpo da Constituição.


Notas

  1. § 3º, do art. 6º.
  2. Resp nº 1110578/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 21-5-2010; AgRg nº 958.908/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 24-2-2010; EResp nº 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, DJ 4-6-2007; AgRg no Ag. nº 803.662/SP, Rel. Min. Herman Benjamim, DJ de 19-12-2007.
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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Relativização da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2848, 19 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18940. Acesso em: 5 nov. 2024.

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