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A utilidade da arbitragem como forma jurisdicional de resolução dos conflitos

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4. A ARBITRAGEM E SUA FORMA JURISDICIONAL

Muito se tem dito sobre a natureza jurídica da arbitragem após o advento da Lei 9.307/96. Opiniões de peso, tais como Sérgio Benevudes, Vicente Greco e Alexandre Freitas Câmara afirmam que se trata de natureza jurídica contratual. Já Nelson Nery Júnior, Humberto Teodoro e Carlos Alberto Carmona, com igual autoridade, propugnam pelo caráter jurisdicional da arbitragem. Diferente desses entendimentos, ainda há aqueles que sustentam pela natureza jurídica mista, isto é, contratual e jurisdicional, defendida por Sérgio Pinto Martins.

Questão fundamental para se deferir se algum instituto é jurisdicional ou não, é se ter o exato conceito do que é jurisdição. Jurisdição é uma das formas de heterocomposição de litígios. A heterocomposição, por sua vez, acontece quando a solução é determinada por um terceiro alheio ao conflito.

A jurisdição caracteriza-se especialmente pela composição da lide através do Estado, que faz as vezes do terceiro alheio às partes. Este, através de pessoas especialmente autorizadas para agir em seu nome, diz qual é a solução mais adequada para a resolução do problema instaurado, sempre se pautando no seu próprio direito objetivo, visando manter a paz social, única capaz de assegurar sua existência e a convivência mutua dos seres humanos.

O surgimento da jurisdição foi uma necessidade. Antes do seu surgimento, uma disputa de interesses havida pelos homens resolvia-se, como explica TORNAGUI (1967:5), por uma solução puramente física ou caritativa (consiste na renuncia do próprio interesse), que, "nem sempre assegura a justiça" e somente induz ao caos social.

Por esse motivo, pelo seu senso natural de autopreservação, rapidamente, tendeu a procurar um modo mais utilitário de resolver seus conflitos.

A transação, em que há concessões recíprocas, assim como a mediação, "em que se usa a intermediação de um agente, não para dita e impor a solução autoritária do conflito, mas para conduzir negocialmente os litigantes e a reduzirem suas divergências e a encontrarem, por eles mesmos, um ponto de entendimento", como diz o mesmo autor, são líricas, anódinas, quando desrespeitadas, pois "a simples solução teórica dos antagonismos, ainda quando perfeitamente justa, será inócua se não for imposta coativamente. Por isso, o Estado fiador da segurança comum, chamou a si a função de declarar e impor o direito, isto é, a jurisdição".

Em principio, como se nota, a jurisdição foi concebida como monopólio do Estado, pois somente seus órgãos diretos a exerciam. Contudo, tempos houve em que este a concedeu a particulares ou as outras instituições, como era o caso da jurisdição feudal e da eclesiástica, vigente no Brasil durante o período monárquico, segundo preleciona José Afonso da Silva (1991:475).

AMARAL (1968:93/94) ressalta que:

"Entre os povos germânicos, ao conquistarem Roma e ainda por largo tempo, a jurisdição pertencia ao povo, que deliberava nas assembléias populares"; "que na Idade Média, dispunham de poder jurisdicional os senhores feudais".

E por fim, conclui:

Fragmentava-se a jurisdição em conseqüência das deformações da soberania, que não deixava, entretanto, de ser a força de que emanava.

Daqueles dias até hoje, muita coisa mudou. O mundo se globalizou e a organização do Estado evoluiu e se complicou. Diante da ineficiência pratica das diversas tentativas deste em manter a paz social e aplicar o direito objetivo, o Estado se viu obrigado a deixar de reconhecer a jurisdição exercida pelos particulares e pelas outras instituições, e chamou este encargo unicamente para si.

Dentre as varias maneiras teorizadas para, então cumprir as suas precípuas funções, afirma MORAES (1999:340), destacou-se o modelo da separação dos poderes concebido por Montesquieu, na obra "O espírito das Leis", "que consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusividade".

Com a instalação deste modelo de organização, o poder soberano estatal destina a função jurisdicional ao poder Judiciário; como é o caso do Brasil.

A Constituição atribui o "dizer o direito" unicamente a determinados órgãos pertencentes ao judiciário, cercando-os de varias garantias e, ao mesmo tempo, exigindo-lhes alguns comportamentos, tais como: imparcialidade, preparo técnico e exclusividade, para que realmente impere a vontade da lei, ultima expressão do próprio povo.

Entretanto, casos há em que o próprio poder soberano, pela Constituição, permite que outros poderes, também representantes do Estado, exerçam a função jurisdicional, ou mesmo que, o poder judiciário exerça, por exemplo, função legislativa.

São exemplos disto o julgamento pelo Senado dos crimes de responsabilidade do Presidente da Republica (art. 52, I, CF), a elaboração dos regimentos internos pelos próprios tribunais (art. 96, CF), dentre outros. É o que MORAES (1999:346) conceitua como função típica e atípica dos poderes.

Disto se conclui que, no modelo nacional, não há uma exclusividade absoluta do Poder Judiciário para o exercício da jurisdição, uma vez que foi o próprio legislativo constituinte que também a atribuiu a outros "órgãos" do Estado.

Somente após termos claras todas estas considerações de organização do Estado, poderemos focar a questão principal desta monografia, que é de comprovar que a arbitragem é uma forma jurisdicional de solução de conflitos.

Jurisdição, como já exposto, é a composição de um conflito através de um terceiro desinteressado; este necessariamente sendo representante do Estado e aplicando o ordenamento jurídico por ele criado.

No dizer sempre expressivo de NERY (2005:986):

A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existia entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial (CPC, 584, III), não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por titulo judicial, sendo passível de embargos do devedor com fundamento no CPC 741 (título judicial), segundo artigo 33, § 3° da lei n° 9.307/96.

A propósito, existe uma lei, regularmente criada, aprovada e emanada pelo poder soberano competente, a instituir a arbitragem.

Nestas condições, seguindo os exatos termos deste ordenamento jurídico, o arbitro escolhido pelas partes segundo as regras instituídas e que preenche os requisitos exigidos (art. 13 a 18) pode julgar, através de sentença (arts. 23 a 34), irrecorrível, o conflito de interesses lhe apresentado.

O árbitro está autorizado pelo Estado a julgar, através de uma Lei, manifestações perfeitas de sua vontade e que traduz também a vontade do seu povo.

A autorização deferida pelo Estado, quer dizer que houve um consentimento no sentido de reconhecer as decisões proferidas como justas e perfeitamente úteis ao desígnio maior de manter a paz social.

É certo que, a arbitragem, para ser reconhecida pelo estado, deve ser exatamente instaladas nas formas prescritas pela lei que a autorizou e pelas demais normas que compõem o ordenamento jurídico.

Assim, se o próprio Estado a reconhece e a autoriza, a função jurisdicional, que continua sendo monopólio seu, esta sendo exercida, pois há a participação de um terceiro, e que o próprio Estado, pôs o arbitro para atuar validamente, como exige a Lei de Arbitragem, tem que agir aplicando o mesmo ordenamento jurídico adotado e aceito pelo poder soberano (equidade, leis, convenções).

E nesse sentido, então, é que afirmamos, se há um terceiro a compor o conflito e este atua como se o Estado fosse, há jurisdição.

Por essas razoes, partindo do conceito primário de jurisdição, o árbitro quando resolve um conflito age jurisdicionalmente.

Poder-se-ia indagar ainda que a jurisdição é função soberana, a qual nenhuma Lei Ordinária poderia atribuir ou autorizar a outro, indo além daqueles expressamente definidos na Constituição Federal.

O Poder Judiciário é o que tipicamente foi investido da jurisdição pelo Poder Constituinte Originário e as exceções à esta regra foram claramente mencionadas na própria Carta Magna, das quais nenhuma é a arbitragem.

Todavia, há nesta afirmação certa impropriedade, pois no Preâmbulo da nossa Magna Carta está escrito:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacifica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil.

Quando o poder constituinte se reuniu para instituir a Constituição Federal em 1988, os nossos legisladores disseram, como vimos no preâmbulo citado, que a sociedade brasileira está comprometida interna e internacionalmente com a solução pacifica das controvérsias.

A arbitragem é uma solução pacifica das controvérsias.

Portanto, a utilização da arbitragem, tem o aval do Poder Constituinte Originário, suprema força de qualquer Estado, e atua em nome deste para resolver os conflitos a ela apresentada.

Como afirma VENOSA (2004:600):

O árbitro é juiz de fato – dada a natureza de sua investidura – e de direito, pois, neste caso, aplica as regras legais ao caso concreto. Nesse lanço, tanto os julgadores estatais, quanto os particulares, são investidos de suas funções pelo povo, indiretamente, no caso dos togados, e diretamente, no caso da arbitragem.

Se o cidadão opta pela jurisdição privada e nomeia árbitro para dirimir a pendência, o faz com autorização do Estado, que possibilita e Poe à disposição do interessado essa forma de solução do conflito, hodiernamente mais célere e simples.

Na convenção de arbitragem, uma vez firmada, e constituído o juízo arbitral, passa a deter o árbitro o poder de dizer o direito a ser aplicado à controvérsia, e a dirimir todas e quaisquer questões relacionadas ao caso em exame, ressalvadas, obviamente, as matérias de direito indisponível das partes, pois, neste caso, há interesse público em voga e, como tal, pelo Estado-juiz deve ser analisado.

A supressão da via judicial que se perfaz por acordo expresso das partes na convenção de arbitragem é realmente de natureza privada; todavia, os efeitos que dela se originam, e que se irradiam nos atos exercidos pelo árbitro, como conseqüência do pacto arbitral, são de caráter público.

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O árbitro é nomeado pelas partes, para pôr fim ao conflito, aplicando o direito ao caso concreto, conforme autoriza e assegura o Estado, através da lei n/ 9.307/96.

A lei da arbitragem, a nosso ver, tornou marcante o seu aspecto jurisdicional, como se denota de contorno jurídico conferido a esse instituto (art. 31 da lei) e o grau de liberdade e autoridade do árbitro perante as partes, e frente ao poder judiciário, cujas hipóteses de revisão de decisão final arbitral são remotas, e ainda menores, quando se trata de determinações cautelares ou coercitivas.

Nesses casos, o juiz togado é acionado para praticar, unicamente, ato de império, cabendo-lhe indeferir, apenas, em caso de violação da ordem publica ou por ausência de formalidade essencial.

Hoje, os grandes processualistas defendem uma visão mais moderna da jurisdição, que não mais seja restrita ao seu escopo jurídico, mas vista sob os ângulos social e político, numa visão ampla e teleológica, cujo denominador final e comum é a pacificação dos conflitos.

Por essas razões, a arbitragem instituída pela Lei n/ 9.307/96 constitui meio pacifico de solução de controvérsias que se situam entre a transação e a decisão judicial, contudo, com o advento da lei, adquiriu, em definitivo, o foro jurisdicional privado. Privado como a transação, porém o delegado a um terceiro que não é parte, o juízo arbitral passa a angular procedimentalmente o dialogo entre as partes conflitantes até proferir a decisão pela qual se obrigaram no compromisso.

Se a jurisdição pode ser considerada como poder no plano da soberania estatal; como função nos limites das atribuições que caracterizam o sistema orgânico do Estado; como atividade, no âmbito do processo, poder-se-ia dizer que a jurisdição arbitral é atribuída pela lei n° 9.307/96, como função a ser desenvolvida pelo árbitro, no exercício de seu poder, sem prejuízo da soberania do Estado na prestação da tutela jurídica processual de execução da sentença proferida por aquele.

É preciso, também entender, que em matéria de direitos patrimoniais disponíveis, a decisão arbitral produz os mesmos efeitos da tutela jurídica processual prestada pelo Estado através do poder judiciário, o que lhe atribuiu idêntica eficácia, assecuratória da certeza jurídica sobre a lide.

É relevante que lembremos a disposição legal do artigo 18 da Lei n° 9.307/96: "O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recursos ou à homologação pelo Poder Judiciário". Nesse sentido, sendo árbitro, ainda que despido de toga, juiz nos termos explícitos da lei, é conveniente concluir que o mesmo decide a dar certeza jurídica a lide, e sua decisão possuindo, inclusive, natureza de titulo executivo.


5. A UTILIDADE DA ARBITRAGEM

Dispõe o artigo 1° da Lei n° 9.307/96 que pelos compromissos, "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais".

Pensa-se que a arbitragem, que pode superar muitos dos entraves criados pelo estado na organização de sua máquina burocrática, seja a melhor opção em termos de rapidez na solução dos litígios, com a vantagem de não haver perda de qualidade.

Não se pode negar, em principio, que a arbitragem tem condições de superar o processo estatal em termos de rapidez, principalmente porque as partes podem escolher o procedimento a seguir e inclusive, se a decisão deve basear-se na lei ou nos princípios gerais do direito, por exemplo.

O espírito interpretativo da lei é, sem duvida, incentivar a utilização do instituto da arbitragem, com o objetivo de evitar o ajuizamento da ação perante o Poder Judiciário, haja vista, ser tal instituto timidamente usado no Direito atual.

A arbitragem se apresenta útil, pois tem grande aceitação, como vimos, no direito comparado e na esfera internacional.

Também, sobre a utilidade da arbitragem observamos feliz resumo de REALE (1996), à par da entrada em vigor da lei n° 9.307/96:

O habito da arbitragem pressupõe certo desenvolvimento econômico, e mais do que isso, a verificação de que a crescente necessidade de conhecimentos técnicos, envolvendo atualmente perícias altamente especializadas, torna cada vez mais inseguros os julgamentos proferidos por juizes togados, por mais que estes, com a maior responsabilidade ética e cultural, procurem se inteirar dos valores técnicos, em jogo. Além disso, questões há que, pela própria natureza, não comportam rígidas respostas positivas ou negativas, implicando largo campo de apreciação eqüitativa, ou, por outras palavras, de um eqüitativo balanceado de valores econômicos.

E na exposição do artigo, conclui:

Como se vê, vamos aos poucos, também no Brasil, superando o formalismo tradicional, uma das pesadas heranças da cultura portuguesa, o que vem ao encontro das novas doutrinas que pregam a aplicação do Direito em concreção ou como experiência concreta, o que se causa arrepios a certos magistrados, que qualificam tais imperativos como meros exercícios de retórica como, ainda recentemente, tive oportunidade de ler, perplexo.

O procedimento com a arbitragem sofre uma espécie de sumarização, com redução de prazos e especialmente com a eliminação de atos desnecessários.

Por outro lado, os árbitros terão mais tempo para decidir especificamente á questão posta sob sua análise.

Ainda mais, não sendo previsto recurso da decisão que põe fim a controvérsia, o procedimento encerrar-se-á com a decisão dos árbitros, não estando as partes sujeitas à espera decorrente dos procedimentos recursais, que geralmente suspendem os efeitos da decisão recorrida, pelo menos em nível de apelo, até julgamento pela instancia superior.

As audiências arbitrais apresentam-se de modo mais solene que aquelas que se processam perante os juizes estatais. Isto permite que as partes envolvidas dirijam-se sem intermediários ao árbitro, participando ativamente do processo.

A livre escolha da lei a ser aplicada no litígio, por sua vez, feita de comum acordo entre as partes, resolve muitas vezes, na arbitragem comercial internacional, o problema crucial da lei aplicável ao caso concreto.

Os árbitros escolhidos são neutros, de forma a garantir, sob o aspecto da imparcialidade, maior justiça na decisão.

Por fim, a liberdade das partes para escolher os árbitros que a nomeação recaia sobre pessoas dotadas de necessário conhecimento, o que lhes permitirá resolver os complexos problemas econômicos, jurídicos e técnicos trazidos pelos litigantes, pois não há dúvida que é sempre melhor designar sábios, que podem, mais, facilmente diluir a questão e encontrar quem realmente possui razão.

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Sobre o autor
Hebert Mendes de Araújo Schutz

Oficial de Justiça-Avaliador Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás/Especialista em Direito Processual Civil/Pós-graduado em Ciências Penais e Docência Universitária. Mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Professor do curso de Direito na Faculdade Objetivo em Rio Verde-GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHUTZ, Hebert Mendes Araújo. A utilidade da arbitragem como forma jurisdicional de resolução dos conflitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2908, 18 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19305. Acesso em: 19 abr. 2024.

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