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O direito social à saúde e atuação do Poder Judiciário no Brasil

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06/07/2011 às 13:55
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CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto sobre esse complicado tema, somos obrigados a reconhecer que, de fato, o que se apresenta é de difícil solução. Mas também devemos admitir que não se pode, simplesmente, ignorar o problema da eficácia dos direitos fundamentais.

Os direitos sociais, não só os relacionados à saúde, mas todos eles (educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, infância e a assistência aos desamparados), assim como todos os demais direitos fundamentais, possuem aplicabilidade imediata, graças ao que está expresso no artigo 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988. Tal artigo, como citado anteriormente, deve ser interpretado como um princípio, um mandado de otimização. Esse preceito deve ser respeitado para que não venha a se ferir nem o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, nem o mínimo existencial. O cerne do problema reside em como fazer isso.

Uma hipótese para se alcançar a supracitada efetivação se dá através da interferência do judiciário nos poderes responsáveis pelas elaborações de políticas públicas. Porém, tal atuação do Poder Judiciário encontra inúmeras críticas e barreiras, sendo esse um tema não pacífico na doutrina e jurisprudência. Essas barreiras, assim como possíveis idéias para neutralizá-las, foram discutidas ao longo desse trabalho.

Vimos que não há que se falar mais em separação absoluta de poderes como se fazia antigamente. Não impera mais, portanto, o falso reinado dessa separação. Esse princípio deve ser interpretado de uma maneira mais moderna, visto que existem exceções expressas na própria constituição.

O planejamento orçamentário, por sua vez, não pode mais servir de óbice para a implementação de políticas públicas, pois existem certas vinculações que devem ser observadas na elaboração do mesmo.

Por fim, a reserva do possível, necessariamente, só pode ser utilizada quando o binômio razoabilidade-falta de recursos se mostrar presente. Nessa seara, é ainda possível vislumbrar a hipótese do remanejamento de recursos de uma pasta para a outra, como no caso de se injetar dinheiro na saúde oriundo de outros gastos tidos como menos essenciais ao desenvolvimento do homem.

Diante de todo o exposto e estudado, podemos concluir esse trabalho com a defesa da interferência do Poder Judiciário no concernente às políticas públicas, com base no fato de que os argumentos normalmente utilizados para impedir essa atuação/intervenção judicial no que diz respeito a esse tema, não mais prosperam, visto que para todos eles, há uma saída possível, respeitadora do razoável. Deve-se, pelo contrário, fomentar essa idéia de interferência de um poder no outro, quando necessário, obviamente atentando-se para os limites que a realidade e o direito nos impõem, como no caso em que há uma real falta de recursos por parte de um Estado falido.

Portanto, essa interferência do Poder Judiciário, seja no Poder Legislativo ou no Executivo, é justa, legal e necessária se e somente se, esses restarem inertes ou ineficazes, o que ocorre muitas vezes, principalmente no que concerne aos direitos sociais, como a saúde.

Por fim, urge aos aplicadores e estudiosos do direito, no mínimo, incentivar discussões e acenar com possibilidades que irão ultrapassar as fronteiras supracitadas, contribuindo para uma melhor situação sócio-econômica de toda a sociedade brasileira, tornando os direitos fundamentais, de uma maneira geral, mais palpáveis para toda a população.


REFERÊNCIAS

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Notas

  1. Conforme disposto na Norma Operacional Básica – NOB 1/96 do Sistema Único de Saúde (SUS), em seu item 5 - Relações entre os sistemas municipais: "Os sistemas municipais de saúde apresentam níveis diferentes de complexidade, sendo comum estabelecimentos ou órgãos de saúde de um município atenderem usuários encaminhados por outro. Em vista disso, quando o serviço requerido para o atendimento da população estiver localizado em outro município, as negociações para tanto devem ser efetivadas exclusivamente entre os gestores municipais. (...)Em função dessas peculiaridades, o pagamento final a um estabelecimento pela prestação de serviços requeridos na localidade ou encaminhados de outro município é sempre feito pelo poder público do município sede do estabelecimento. (...)Os recursos destinados ao pagamento das diversas ações de atenção à saúde prestadas entre municípios são alocados, previamente, pelo gestor que demanda esses serviços, ao município sede do prestador."
  2. Ele começou a se destacar nos ordenamentos constitucionais após o fim da Segunda Guerra Mundial em uma reação às atrocidades ocorridas nessa época.
  3. Esse dispositivo contém o seguinte enunciado: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da pessoa humana."
  4. Por sua vez, a Constituição portuguesa faz menção ao tema da seguinte forma: "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.".
  5. Marcelo Novelino Camargo (2008) também destaca outra fonte, que é a filosofia kantiana. Kant, pioneiro na noção moderna de dignidade humana, desenvolve a "idéia de que todos os seres humanos, quaisquer que sejam, são igualmente dignos de respeito, sendo que o traço distintivo do homem, como ser racional, está no fato de existir como um fim em si mesmo. Por essa razão ele não pode ser usado como simples meio, o que limita, nessa medida, o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Para o filósofo de Königsberg, o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional está na autonomia da vontade."
  6. Marcelo Novelino Camargo (2008) enfatiza que ao menos três direitos básicos integram a composição do mínimo existencial, sendo eles: a saúde (sendo indispensável apenas o tratamento mínimo à sobrevivência do individuo), a educação fundamental (de acordo com o art. 208, I, CF/88) e a moradia (devendo o Estado oferecer aos indigentes ao menos um lugar no qual possam se recolher – não cabendo aqui moradias populares, por exemplo, visto que é um direito social, sujeito às limitações orçamentárias).
  7. Esse posicionamento é também compartilhado por BARROSO apud CAMARGO (2008).
  8. Apesar de ser difícil identificar características dos direitos fundamentais que sejam sempre válidas, é possível elencar algumas delas, além da supracitada historicidade. De acordo com José Afonso da Silva (2004) elas são: inalienabilidade (são intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis); imprescritibilidade (nunca deixam de serem exigíveis) e por fim, a irrenunciabilidade (não são passiveis de renúncia).
  9. Há quem adote a divisão dessas dimensões em quatro, como Paulo Bonavides, e há até mesmo quem defenda a existência de uma quinta dimensão.
  10. O artigo 5º, §1º, da Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil, consagra que: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata."
  11. As constituições da Alemanha, Espanha e Portugal compartilham desse entendimento.
  12. O artigo 32, da Constituição da República Italiana, de 1948, dispõe que: "La Repubblica tutela la salute come fondamentale diritto dell'individuo e interesse della collettività, e garantisce cure gratuite agli indigenti." (A República tutela a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da coletividade e garante cuidados gratuitos aos indigentes – Livre tradução).
  13. Está expresso nesse dispositivo que: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."
  14. Lei 10.741/2003, no seu artigo 9º: "É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade."
  15. Os outros incisos desse artigo são: I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde e II – a formulação de políticas de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no §1º do artigo 2º desta Lei.
  16. O artigo 77 do ADCT, incluído por essa mesma Emenda já define o percentual de 5% para a União, 12% para os estados e 15% para os municípios e para o Distrito Federal, até a promulgação da citada Lei Complementar.
  17. Ou, conforme BARCELLOS (2008, p. 138): "...compete à Administração Pública efetivar os comandos contidos na ordem jurídica e, para isso, cabe-lhe implementar ações e programas dos mais diferentes tipos, garantir a prestação de determinados serviços, etc. Esse conjunto de atividades pode ser identificado, de forma simplificada, como ‘políticas públicas’."
  18. Art. 5º, inciso XXXV, da CF/88: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."
  19. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(RE$.SCLA.%20E%20410715.NUME.)%20OU%20(RE.ACMS.%20ADJ2%20410715.ACMS.)&base=baseAcordaos
  20. Essas idéias se baseiam nos art. 165, §7º, 166, §4º e 167, §1º, da CF/88.
  21. Artigo 167, I, Constituição Federal.
  22. Artigo 167, II, Constituição Federal.
  23. Artigo 167, IV, Constituição Federal.
  24. Texto do artigo 2º, da CF/88: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".
  25. A CF/88 em seu artigo 60, §4º, inciso III, consagra que: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III – a separação de poderes".
  26. Há quem diga que sua origem mais remota é o magiai, funcionário real do antigo Egito, passando ainda pela Antiguidade, tanto na Grécia como em Roma.
  27. Isso é o que dispõem o artigo 127, caput e o artigo 129, incisos II e III, da CF/88.
  28. Lei 7.347/85, conforme disposto no artigo 5º, inciso I.
  29. Os Procedimentos Administrativos são atualmente chamados de Procedimentos Preparatórios, devido à Resolução Conjunta PGJ-CGMP, nº 3 de 14/12/2007.
  30. Nome genérico do medicamento usado para o tratamento da artrite reumatóide.
  31. Nome genérico do medicamento usado para tratamento do linfoma não-Hodgkins.
  32. Esse número engloba todos os atendimentos que a 20ª Promotoria prestou, mas a maior parte diz respeito à Saúde.
  33. Disponível em:

http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=482734&hash=5689d50904834cda132cfc16109760a9

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Sobre o autor
Artur Alves Pinho Vieira

Mestre em Direito pela UCP-RJ.<br>Pós graduado em Direito Público e Penal e Processo Penal.<br>Professor de graduação e pós-graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Artur Alves Pinho. O direito social à saúde e atuação do Poder Judiciário no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2926, 6 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19489. Acesso em: 20 abr. 2024.

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