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O novo panorama do divórcio no Brasil.

O fim da separação judicial (?)

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11/07/2011 às 19:31
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5.O NOVO DIVÓRCIO À LUZ DA EMENDA Nº 66/10

A Emenda Constitucional, em pouco tempo de publicação, tem suscitado intensos debates doutrinários relativos à sua interpretação e possíveis impactos no ordenamento civilista brasileiro, resultando no surgimento de três notórias correntes que se propuseram ao desafio.

Todavia, cumpre salientar, com a devida prudência, que a Emenda objeto desta monografia não é a primeira a tentar modificar o sistema brasileiro de dissolução do casamento. Há mais de um século, como se verá, surgiu a primeira proposta de alteração. Vejamos, portanto, uma síntese histórica da atuação do Poder Legislativo na árdua tentativa de flexibilizar a extinção do vínculo casamentário, sob o viés da adequação social.

5.1.UM ESCORÇO HISTÓRICO DA EMENDA

A tentativa de se criar o divórcio no Brasil remonta-se ao século retrasado, mais precisamente, a 1893. Sintetiza Paulo Nader, com a propriedade que lhe é peculiar, que

a primeira tentativa de criação do divórcio no Brasil foi em 1893, com a apresentação do Projeto Érico Coelho, no senado federal, rejeitado no plenário da Câmara dos Deputados. A este, seguiram-se os projetos de Martinho Garcez, em 1900 e o Projeto Alcindo Guanabara em 1910, ambos não aprovados pelo Senado. [26]

Conforme visto no capitulo anterior, um longo caminho foi trilhado para a criação do divórcio, que só se tornou um pedido juridicamente possível após publicação da L. 6.515/77, a qual instituiu a separação e o divórcio, sendo que este só admitia a modalidade indireta. A nova Carta de 1988, por sua vez, seguindo a linha do avanço histórico do tema, foi a responsável pela redução dos seus prazos e pela previsão do divórcio direto.

Sucede que em 1999, após mais de uma década de Constituição, surge a PEC 22/99, do então deputado Enio Bacci (PDT-RS), visando a equiparação dos requisitos temporais do divórcio direto (separação de fato) e do indireto (separação judicial), através da exigência de prazo único de 01 ano. Defendia o referido deputado – com razão – que inexistia justificativa para tal distinção.

Mais adiante, surgem duas novas propostas: a PEC 413/05 (do Deputado Antonio Biscaia) e a PEC 33/07 (do Deputado Sérgio Carneiro). Ambas possuíam o mesmo desiderato, qual seja, retirar do art. 226, §6º, da Constituição Federal a exigência de prazo para o divórcio, entendendo-las, com isso, expurgar do ordenamento infraconstitucional a separação judicial.

Com redações idênticas, afirmavam ambas: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei."

Em virtude da aproximação de seus temas, as três propostas supracitadas acabaram tramitando em conjunto, sendo todas aprovadas à unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça.

A PEC 22/99, por seu objeto menor, acabou sendo rejeitada e arquivada durante Comissão Especial. Esta mesma Comissão deliberou por alterar a redação das PEC´s 413/05 e 33/07, retirando os termos "judicial" e "litigioso", remetendo-as, em seguida, para aprovação em plenário. Justificava a citada Comissão que tais termos haviam de ser suprimidos para que apenas o legislador infraconstitucional os regulasse.

Ao examinar o texto aprovado pela Comissão Especial, o Plenário, em 1º turno, verificou, também, a necessidade da supressão da locução "nos termos da lei", por acreditar que tal expressão poderia provocar a independência do legislador ordinário, que poderia manter, ou, em pior e indesejada hipótese, ampliar os lapsos temporais que se pretendia abolir.

Desta forma, a bancada do PT apresentou requerimento de destaque para votação em separado da suscitada supressão textual. Definido o novo texto, a proposta foi enviada ao Senado Federal, que apenas aprovou, sem qualquer modificação, o texto final do que resultaria na Emenda Constitucional nº66 de 2010.

Por fim, em julho de 2010, com a promulgação da Emenda Constitucional Nº66/10, o art. 226, §6º da CF/88 passou a ter a seguinte redação: "o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio", suprimindo a redação anterior que dizia que "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

A implementação desta – aparentemente – sutil alteração textual promoveu, no ordenamento jurídico pátrio, discussões com conseqüências impactantes, que poderiam consagrar o fim do instituto da separação judicial [?], bem como dos prazos exigidos pela Lei Civil para a dissolução do vínculo matrimonial.

A verdade é que, com a aprovação da emenda, a possível concretização do fim da separação judicial e dos prazos exigidos pelo divórcio tem gerado grande divergência doutrinária em muito pouco tempo, provocando profunda reflexão acerca do assunto, uma vez que se exige, para a solução do impasse, um estudo interpretativo da Hermenêutica aplicada à Constituição, conjugado à análise histórica da (in) dissolubilidade do casamento na própria Carta Magna, Codificação Civil e Legislação Civil extravagante.

Destarte, diante do silêncio invocado pela nova norma Constitucional, inevitável seria o surgimento de uma série de correntes doutrinárias dispostas a enfrentar a árdua tarefa de interpretá-la, tendo em vista, além de tudo, a premente necessidade de sua imediata aplicação prática nos Tribunais, Cartórios e Varas de Família.

5.2.AS PRIMEIRAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS

Conforme ventilado, três foram as correntes que se propuseram interpretar o Novo Texto. Como se não bastasse, até mesmo dentro de cada corrente interpretativa, não há consenso doutrinário acerca dos efeitos jurídicos produzidos pelas suas premissas. Como conseqüência, cada corrente passa a gerar outras novas (na maior parte discutindo a nova sistemática da culpa), que não param de nascer, à medida que se conclui esta monografia.

Saliente-se que este trabalho não pretende aprofundar-se em tais subcorrentes – sob pena de ultrapassar os limites do seu objeto, qual seja, a análise das correntes interpretativas, para verificar, ou não, a manutenção da separação judicial – cingindo-se, apenas, a fazer breves comentários sobre elas.

A primeira corrente surgida – já apelidada, pela doutrina, de abolicionista [27]– é a que fomenta a posição majoritária dos juristas, defendendo que a nova redação constitucional, ao suprimir o prazo para o divórcio, extinguiu o instituto da separação. Dentro desta corrente, ainda há os que defendem que: a) a separação foi extinta juntamente com a possibilidade de análise da culpa; b) a separação foi extinta, mas a discussão da culpa transferiu-se para sede do divórcio e; c) a separação foi extinta, mas a discussão da culpa transferiu-se para sede da responsabilidade civil.

A segunda corrente, ora intitulada exegética-racionalista, por sua vez, vai totalmente de encontro à primeira, afirmando que não acabaram os prazos para o divórcio e nem foi extinta a separação, seja pelo fato de que a redação da Emenda é norma meramente declaratória; seja porque apenas desconstitucionalizou a matéria, mantendo-se os atuais prazos, procedimentos e requisitos previstos pelo Código Civil. Ou seja, nada foi alterado.

Por fim, a terceira corrente segue uma linha que poderíamos chamar de eclética. Para os adeptos desta tese, a Emenda teve o condão de não mais permitir que o legislador infraconstitucional imputasse prazos ou requisitos para divórcio, não tendo havido, entrementes, a supressão do instituto da separação. Dentro desta corrente, há os que entendem que: a) a separação permanece e a análise da culpa só pode ocorrer no bojo daquela; e b) a separação permanece e a análise da culpa pode ocorrer tanto em seu bojo quanto no bojo do divórcio; c) a separação permanece, porém a culpa só poderá ser tratada pela via da responsabilidade civil; e d) a separação permanece, porém a culpa não é mais discutida.

Nessa linha, há de se fazer o seguinte questionamento: Quais seriam, afinal, os efeitos jurídicos produzidos pela Emenda Constitucional nº66/10 sobre o atual sistema dualista de dissolução do casamento?

A tese ora defendida filia-se à corrente de que a nova Emenda produziu profundos efeitos jurídicos sobre o atual regramento do divórcio – no sentido de que não mais exige o requisito temporal para a sua decretação –, tendo, porém, sido completamente ineficaz no que diz respeito à extinção do instituto separação judicial.

Debrucemo-nos, então, sobre as principais teses suscitadas na recente doutrina, onde, ao fim, apresentaremos argumentos visando o acolhimento da tese ora adotada, mediante a árdua tarefa de interpretação da "Emenda do Amor".

5.2.1.PRIMEIRA CORRENTE: ABOLICIONISTA

A corrente abolicionista (versão moderna da clássica corrente divorcista) foi a que primeiro se manifestou acerca da nova Emenda, até porque, é a corrente adotada pelos membros diretores do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que foram os responsáveis pelo projeto levado adiante pelas PEC´s 33/07 e 413/05, que resultaram na EC nº 66.

Esta primeira posição foi a que tomou conta da maioria dos juristas brasileiros e até mesmo da mídia veiculada no país, fazendo-nos crer, através dos fundamentos tratados adiante, que a EC nº 66 possuiria imediata aplicação, eliminando, a um só tempo, os requisitos para divórcio e a própria separação judicial, que passariam a ser não-recepcionados pela nova ordem. Ademais, tinha como subcorrente majoritária, o entendimento de que a imputação de culpa pelo fim da relação também deixaria de existir.

Ou seja, para os referidos entusiastas, a nova emenda cria o divórcio sem requisitos não somente como nova forma, mas como única forma de dissolução do vínculo matrimonial. Assim, o procedimento de separação judicial estaria sendo extinto, juntamente com suas indesejáveis peculiaridades, tal qual a aferição da culpa pelo fim da relação conjugal.

A Emenda, na visão destes doutrinadores, estaria, destarte, eliminando do nosso ordenamento jurídico o vetusto e inútil sistema dualista de dissolução matrimonial. A tese abolicionista justifica-se, em linhas gerais, pela inutilidade e desvantagem da manutenção da separação judicial através da devida interpretação do texto da Emenda.

Quanto às desvantagens da separação judicial, não há como deixar de registrar que a nossa doutrina sempre esteve recheada de críticas vocacionadas ao fim do sistema dualista, pela sua completa inutilidade. Vejamos:

Os juristas de ponta do Brasil sempre criticaram a manutenção dessa via dupla para a obtenção do divórcio, com multiplicação de processos, de burocracia, de despesas, com a reiteração de angústias e desencontros, até que se chegasse ao fim do caminho. Era um verdadeiro calvário. [28]

Ante o exposto, para os abolicionistas, a Emenda Constitucional Nº66/10 sepulta de uma vez o tão criticado e repudiado sistema dualista de dissolução matrimonial, onde há muito já entendia a doutrina divorcista, não haver "justificação lógica em terminar e não dissolver um casamento. Escapa à razoabilidade e viola a própria operabilidade do sistema jurídico". [29]

Trata-se de completa quebra paradigmática, onde o Estado não mais intervém na autonomia privada dos consortes, tornando o divórcio simples exercício de direito potestativo, enfatizando, por fim, a proteção da dignidade da pessoa humana.

Vale dizer, o divórcio passou a se caracterizar, portanto, como um simples direito postestativo a ser exercido por qualquer dos cônjuges independentemente da fluência de prazo de separação de fato ou qualquer outra circunstância indicativa da falência da vida comum. [30]

Nessa compreensão, a extinção da separação judicial é, na visão dos autores retromencionados, medida das mais salutares, tendo em vista que o divórcio é extremamente mais vantajoso do que mera separação judicial. De acordo com os referidos autores a vantagem do divórcio sobre a separação pressupõe a análise do prisma jurídico, psicológico e econômico, nos seguintes termos:

Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas também o próprio vinculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico. Evita-se a duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, já que, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos. [31]

Arremata, na mesma linha, a doutrina do presidente nacional do IBDFAM:

constata-se que o instituto da separação judicial perdeu muito da sua relevância, pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio necessário para a sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto possível revela-se natural para os cônjuges desavindos, inclusive sob o aspecto econômico, na medida em que lhes resolve em definitivo a sociedade e o vínculo conjugal. [32]

Há quem entenda que a separação traz mais vantagem que o divórcio, à medida que admite a reconciliação do casal. Todavia, disso discorda a corrente abolicionista, vez que, na prática do dia a dia forense, raros são os casos de reconciliação. O mesmo já não se pode falar em relação à avalanche de conversões de separação em divórcio que assolam as Varas de Família.

Nesta linha, afirma Maria Berenice Dias que o benefício da separação é deveras insignificante, afirmando que, além das raras reconciliações das quais se tem notícia,há a necessidade de contratar advogado e, alem das delongas para o desarquivamento do processo, é indispensável a intervenção judicial. Tudo isso demanda tempo e dinheiro. Mais prático e mais barato – além de mais romântico – é celebrar novo casamento, que até gratuito é. [33]

Pois, bem. Apresentada a irresignação da corrente abolicionista para com a utilidade separação judicial, vejamos os fundamentos que a levaram a interpretar a Emenda, fazendo com que esta tivesse o poder de extinguir o referido instituto.

De fato, concordam os adeptos desta corrente que o novo texto Constitucional não possui, em princípio, capacidade explícita de expurgar a separação do ordenamento infraconstitucional. Todavia, a leitura do referido dispositivo não deve se ater à mera literalidade. Defende-se, portanto, o uso da ciência interpretativa (Hermenêutica) para que se compreenda o real alcance da Emenda.

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Entendem os abolicionistas que a Constituição, a despeito da sua supremacia, deve ser interpretada como uma lei maior, aplicando-se a ela os clássicos métodos interpretativos, desenvolvidos na Alemanha, por Savigny.

Alegam, com base no estudo clássico da hermenêutica, que a literalidade do dispositivo ora estudado é apenas o ponto de partida da interpretação, sendo necessário se realizar uma interpretação histórica e teleológica da norma. Nesse sentido:

É possível que haja resistência de alguns em entender que a separação judicial foi extinta de nossa organização jurídica. Mas, para estas possíveis resistências, basta lembrar os mais elementares preceitos que sustentam a ciência jurídica: a interpretação da norma deve estar contextualizada, inclusive historicamente. O argumento finalístico é que a Constituição da República extirpou totalmente de seu corpo normativo a única referência que se fazia à separação judicial. Portanto, ela não apenas retirou os prazos, mas também o requisito obrigatório ou voluntário da prévia separação judicial ao divórcio por conversão. [34]

Ademais, invocam, no bojo da interpretação histórica, aquela que atende a chamada vontade do legislador (mens legitoris). Este, aliás, é o principal argumento utilizado pelos abolicionistas, pois entendem que basta se analisar o conteúdo das justificativas das PEC´s 33/07 e 413/05 para chegarmos à conclusão de que o desejo do legislador foi abolir o instituto da separação. Convenhamos, é o argumento mais frágil, conforme analisado em capítulo próprio. De qualquer sorte, em sentido contrário, afirma um dos maiores defensores da tese:

Quis o legislador constitucional - e deliberadamente, confessadamente quis - que a dissolução da sociedade conjugal e a extinção do vínculo matrimonial ocorram pelo divórcio, que passou a ser, então, o instituto jurídico único e bastante para resolver as questões matrimoniais que levam ao fim do relacionamento do casal. [35]

Outro argumento comumente utilizado para os defensores desta tese é o de que o seu não acolhimento implicaria na negativa da aplicação do princípio da força normativa da Constituição, ou até mesmo do princípio da máxima efetividade. [36] Pelo primeiro, entende Canotilho que "na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia óptima da lei fundamental" [37]; pelo segundo, entende o referido mestre que "no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais" [38]

No tocante à nova ordem constitucional surgida com a Emenda, a corrente abolicionista adota o entendimento de que a separação e os requisitos para o divórcio estariam sendo revogados tacitamente. Entretanto, cabe aprofundar um pouco o tema em sede de controle de constitucionalidade, tendo em vista que o STF tem entendimento atual no sentido de que, em casos como este, estaríamos, em verdade, diante do fenômeno da não-recepção (o STF ainda não admite a teoria da inconstitucionalidade superveninente).

Isso se explica pelo simples fato de que a Constituição é composta, regra geral, de diretrizes e normas de conteúdo aberto e principiológicas, de modo que não possui – embora inegável a sua força normativa – a densidade normativa de uma lei, não podendo, dessa forma simplesmente revogá-la.

Em relação ao fenômeno da não-recepção, discordando da posição do STF, e alinhando-se à moderna jurisdição Constitucional do direito alienígena (que adota amplamente a teoria da inconstitucionalidade superveniente), explana a doutrina que:

[...] o juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade é um juízo acerca da validade de uma lei ou de um ato do poder público em face da Constituição que lhe serve de fundamento. Assim, se uma lei anterior, em face da nova Constituição, perde seu fundamento de validade, por não se compatibilizar materialmente com a nova ordem jurídico-constitucional, ela é inválida, ou seja, inconstitucional. [39]

A distinção é importante para os abolicionistas, pois como se trata de norma pré-constitucional, somente seria possível a realização do controle pela via da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito fundamental). Por outro lado, adotando o entendimento esposado pelo professor Dirley da Cunha Jr. – de que há inconstitucionalidade superveniente –, seria possível o controle pela via da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ferramenta muito mais vantajosa que a ADPF.

Feitas as devidas análises, nota-se que já há manifestação jurisprudencial adotando a corrente abolicionista. De acordo com acórdão extraído do sítio do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), a EC/66 resultou em grande transformação do direito de família, posicionando-se o órgão ad quem pelo fim da separação, reiterando os argumentos até aqui utilizados pela corrente ora estudada.

CIVIL. DIVÓRCIO LITIGIOSO. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTIGO 267, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. EC 66/2010. SUPRESSÃO DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. A aprovação da PEC 28 de 2009, que alterou a redação do artigo 226 da Constituição Federal, resultou em grande transformação no âmbito do direito de família ao extirpar do mundo jurídico a figura da separação judicial. A nova ordem constitucional introduzida pela EC 66/2010, além de suprimir o instituto da separação judicial, também eliminou a necessidade de se aguardar o decurso de prazo como requisito para a propositura de ação de divórcio. Tratando-se de norma constitucional de eficácia plena, as alterações introduzidas pela EC 66/2010 tem aplicação imediata, refletindo sobre os feitos de separação em curso. Apelo conhecido e provido. [40]

Em arremedo de conclusão, entendem os abolicionistas que, seja por conta da não-recepção (entendimento do STF) ou pela inconstitucionalidade superveniente, o novo regramento trazido pela Emenda do Divórcio extirpa do nosso ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, subsistindo tão-somente o divórcio como forma de romper o vínculo e a sociedade conjugal. Fundamentam-se, em síntese, na inutilidade e desuso do instituto, seja pela interpretação jurídica da Emenda (métodos interpretativos), seja pela aplicação dos princípios interpretativos da Constituição (Força normativa e máxima efetividade).

5.2.2.SEGUNDA CORRENTE: EXEGÉTICA - RACIONALISTA

A tese acolhida pela, ora chamada, corrente exegética-racionalista colide frontalmente com a defendida pela corrente abolicionista, à medida que nega as duas conclusões extraídas pela mesma, a partir da interpretação da EC nº66.

A título de elucidação, em apertada síntese, a escola exegética surgiu na França e tem como base interpretativa o uso racional da letra da lei como forma de aplicação do Direito.

Diante da interpretação do texto EC nº 66, entendem os racionalistas que a referida emenda não teve, na prática, o poder de extinguir os prazos para divórcio, muito menos de abolir a separação judicial. Essa visão se explica pelo fato do legislador ter retirado do texto Constitucional a expressão "após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".

Entendem alguns defensores desta tese, que esta ausência de conseqüências imediatas decorre da interpretação de que o texto emendado seria uma norma meramente declaratória [41]; outras vozes entendem, ainda, que tal ineficácia resulta, em verdade, do fenômeno da desconstitucionalização [42] da matéria dos prazos e da previsão da separação judicial.

Em qualquer caso, chegam à mesma conclusão: vale dizer, o legislador Constitucional estaria, de agora em diante, "dando as cartas" para que o legislador ordinário regulamentasse inteiramente a matéria – da forma que quisesse –, não havendo mais que observar a antiga redação que o limitava de atuar.

Para os partidários da tese exegética, a retirada de parâmetros constitucionais na matéria de Direito Civil não significa revogação, mas, sim, "desconstitucionalização, ou seja, ocorre a perda de hierarquia constitucional para que a matéria seja regulada em plano infraconstitucional" [43]. Dessa forma, a Emenda do Divórcio tem efetividade mediata, dependendo de uma mediação infraconstitucional que definirá e regulamentará a norma. Como a norma já existe (Código Civil e L.6.155/77), por enquanto, nada mudaria.

Nesse sentido, assevera-se que "uma primeira interpretação poderia considerar essa reforma ablativa como havida no sentido de ‘liberar’ o legislador ordinário para efetuar as mudanças relativas à matéria, podendo ele criar novos prazos, que até então se manteriam como estão". [44]

Nesta mesma linha, aponta o magistrado Gilberto Schäfer que "o fato de eliminar requisitos, portanto, não significa a revogação do direito infraconstitucional. Mais do que nunca, a EC n. 66 significa uma grande mudança: não há mais requisitos constitucionais para o divórcio, ou seja, há a liberdade de o legislador dispor sobre o assunto" [45]

Todavia, a liberdade que o legislador teria, na visão do autor supracitado, poderia vir a causar um indevido retrocesso social, onde

o legislador poderia colocar como parâmetro, por exemplo, cinco anos de separação de fato para o divórcio poder ser decretado. Realmente não há argumentos que possam ser construídos somente a partir do Texto da EC que possa impedir esta escolha do legislador. Entretanto, eu considero que algumas normas constitucionais certamente poderiam barrar esta interpretação, como, por exemplo: a) a razoabilidade das leis; b) a proporcionalidade; c) a proteção à família (leiam-se: famílias); d) a dignidade da pessoa humana; e) a vedação de retrocesso social. Deste modo, esta objeção pode ser eliminada, empregando-se uma interpretação sistemática. [46]

Adotando a mesma conclusão, porém, com fundamento diferente, há doutrinadores que entendem que analisar se a norma tem aplicabilidade imediata ou não, é uma discussão inócua, tendo em vista que a Emenda passou a ser norma meramente declaratória, logo, não teria o poder mandamental de uma regra, motivo pelo qual, continuaria a Emenda dependente de legislação ordinária.

Refutam, portanto, os argumentos dos abolicionistas, que diziam que a retirada do termo "na forma da lei", durante o processo legislativo, teria feito toda a diferença e garantido os efeitos imediatos do novo texto. Nesse sentido:

Não se trata de dizer que o parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal, com a redação que lhe conferiu a Emenda Constitucional n.º 66, tenha eficácia contida. O que ocorre, conforme já dito antes, é que consiste em norma meramente declaratória (...) Nessa linha de raciocínio, não faz diferença alguma o § 6º do art. 226 da Constituição Federal, em sua redação atual, não conter a expressão "na forma da lei", eis que tratar-se-ia de um ocioso apêndice. [47]

De qualquer sorte – seja por ser norma meramente declaratória, seja por ter desconstitucionalizado a matéria –, restaria aguardar a atividade do legislador ordinário, no sentido de efetuar as mudanças na legislação Civil em vigor – extinguindo a separação, reduzindo/eliminando prazos, etc. – desde que respeitando a previsão constitucional de que o casamento pode ser dissolúvel, ou seja, não criando normas que impeçam a dissolubilidade do vínculo.

Cumpre salientar que a corrente racionalista já encontra sólida posição jurisprudencial, de acordo com a doutrina de Luiz Felipe Brasil Santos, Desembargador do TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul). Na visão do magistrado (citando Pontes de Miranda na relatoria de uma apelação interposta no TJRS), um processo de desconstitucionalização parecido já ocorreu no Brasil, quando a Constituição de 1937 deixou de prever o desquite em seu texto:

é mesma situação que vivenciamos hoje e Pontes não deixou dúvida quanto às consequências: subsistência da legislação ordinária [...] Em dado momento da história, por motivos bem identificados, entendeu o legislador ser conveniente levar aqueles dispositivos para a Constituição, embora lá não necessitassem constar; ultrapassada aquela circunstância histórica, desconstitucionalizou-se o tema. E isto não significou, destaca, que tenha ficado revogado o direito correspondente, para usar a expressão de Pontes de Miranda. [48]

Independentemente do precedente supracitado, o ilustre Desembargador faz questão de distinguir normas formalmente constitucionais e materialmente constitucionais. Afirma que a norma presente no texto da Emenda é classificada pela doutrina como formalmente constitucional, posto que não possui a natureza de uma norma materialmente constitucional, que é aquela que define a organização dos poderes, estabelecem diretrizes estatais, etc.

Nesse sentido, assevera que as normas formalmente constitucionais "são regras que, por sua natureza, não precisariam constar da Constituição, mas lá são colocadas por razões de simples conveniência política. É como se fosse uma lei inserida no corpo da Constituição. Uma lei travestida de Constituição" [49]. Em arremedo de conclusão, explana que:

a eliminação da referência constitucional aos requisitos para a obtenção do divórcio não significa que aquelas condicionantes tenham sido automaticamente abolidas, mas apenas que, deixando de constar no texto da Constituição, e subsistindo exclusivamente na lei ordinária (Código Civil) - como permaneceram durante 40 anos, entre 1937 e 1977 -,está agora aberta a porta para que esta seja modificada. Tal modificação é imprescindível e, enquanto não ocorrer, o instituto da separação judicial continua existente, bem como os requisitos para a obtenção do divórcio. Tudo porque estão previstos em lei ordinária, que não deixou de ser constitucional. E isso basta! [50]

Conclui, nesse contexto, o douto magistrado, que se a Emenda fosse interpretada de modo a abolir a separação, "seríamos forçados a admitir que o próprio instituto do divórcio estaria extirpado do ordenamento jurídico, caso fosse suprimido o § 6º do art. 226 da CF! Não creio, porém, que semelhante heresia hermenêutica encontrasse eco em nosso meio!". [51]

Até onde se tem notícia, o Tribunal de justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) já se manifestou por algumas ocasiões, prevalecendo aplicação da corrente racionalista. Primeiramente, foi relatado acórdão pelo Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, em 29 de outubro de 2010. Meses após, em 13 de janeiro e em 07 de abril de 2011, a posição do Tribunal foi ratificada com a relatoria do já citado Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Vejamos que a simples leitura das ementas dos acórdãos já reflete a posição do Tribunal Gaúcho (desconstitucionalização da matéria tratada na EC nº66), sempre reconhecido por decisões importantes.

SEPARAÇÃO JUDICIAL. VIABILIDADE DO PEDIDO. NÃO OBRIGATORIEDADE DO DIVÓRCIO PARA EXTINGUIR A SOCIEDADE CONJUGAL. 1. A Emenda Constitucional nº 66 limitou-se a admitir a possibilidade de concessão de divórcio direto para dissolver o casamento, afastando a exigência, no plano constitucional, da prévia separação judicial e do requisito temporal de separação fática. 2. Essa disposição constitucional evidentemente não retirou do ordenamento jurídico a legislação infraconstitucional que continua regulando tanto a dissolução do casamento como da sociedade conjugal e estabelecendo limites e condições, permanecendo em vigor todas as disposições legais que regulamentam a separação judicial, como sendo a única modalidade legal de extinção da sociedade conjugal, que não afeta o vínculo matrimonial. 3. Somente com a modificação da legislação infraconstitucional é que a exigência relativa aos prazos legais poderá ser afastada. Recurso provido. [52]

APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE CONVERSÃO EM DIVORCIO. IMPOSSIBILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010. NOVA REDAÇÃO AO § 6º do art. 226 da Constituição Federal. vigência da LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL (ART. 1.580 DO CÓDIGO CIVIL). REQUISITOS PRESERVADOS, POR ORA. 1. A aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010, ao dar nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, efetivamente suprimiu, do texto constitucional, o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. 2. Não houve, porém, automática revogação da legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. Para que isso ocorra, indispensável seja modificado o Código Civil, que, por ora, preserva em pleno vigor os dispositivos atinentes à separação judicial e ao divórcio. Inteligência do art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657/42). [53]

Em síntese, finalizando a análise da tese exegética-racionalista, concluem seus defensores que a EC nº 66 não teve o poder de eliminar os prazos para divórcio, bem como de extinguir a separação judicial, fundamentando que o que houve, em verdade, foi uma mera desconstitucionalização da matéria tratada pela referida Emenda. Vale dizer, os prazos, bem como a separação, continuam existindo em nível infraconstitucional (Código Civil), até que lei os altere ou elimine.

5.2.3.TERCEIRA CORRENTE: MISTA OU ECLÉTICA

A última corrente a ser analisada parte do pressuposto de que as outras duas (abolicionista e exegética-racionalista) não lograram êxito em suas interpretações. Denomina-se eclética, pois não é tão impetuosa e passional como a primeira e nem tão rigorosa como a segunda.

Veja-se, portanto, que tal corrente diverge da abolicionista – no que concerne ao fim da separação; e da racionalista – no que concerne ao fim dos prazos para o divórcio.

Assim, para a corrente eclética, nas palavras de Mario Luiz Delgado "a reforma teria eliminado os prazos para o divórcio, mas não eliminado a separação judicial do sistema, que permaneceria inalterado, no mais. Não teria havido abrogação tácita do instituto da separação". [54]

Nesta linha, defende-se que não mais se exige, em patamar constitucional, qualquer requisito para o divórcio, o que impossibilita que lei infraconstitucional o exija. Logo, não há mais que se falar em divórcio direito ou indireto. O divórcio assume agora única modalidade, não mais submetendo a qualquer prazo ou condição.

O mesmo não se pode dizer em relação ao fim da separação de direito (judicial e extrajudicial), alegando os partidários desta corrente que o novo texto constitucional em nada conflita com a atual regulamentação infraconstitucional da separação. Citando Maria Helena Diniz, atestam que:

tal revogação tácita só se dará quando vislumbrarmos uma absoluta e intransponível incompatibilidade entre a novel disposição constitucional e o ordenamento infra constitucional vigente, tal como assevera o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), o que não ocorre com relação à referida Emenda Constitucional e o atual Código Civil. [55]

Na mesma linha, com a excelência de sempre, Donizetti (2011) afirma que, pela inteligência do art. 1.571 do CC/02, a separação é direito material (que dissolve a sociedade), sendo alternativa ao divórcio, (que rompe o vínculo), conferindo à parte opção entre esta ou aquela medida. Arremata, por fim, que "essa norma em nada se confronta com o texto constitucional emendado, que, nesse aspecto, somente autorizou a dissolução imediata do casamento pelo divórcio, sem a necessidade do preenchimento de condições prévias".

Entende, portanto, tal corrente doutrinária, que a CF/88 previa a separação judicial, não como o próprio instituto em si, mas somente como obstáculo para a decretação do divórcio. Dessa forma, a supressão da locução "após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos", teria apenas suprimido a condicionante outrora prevista, e não o instituto em si, que continua regulamentado pelo Código Civil, como opção de rompimento da sociedade marital, ainda que venha a perder, aos poucos, sua utilidade.

É como se o poder constituinte derivado (EC nº66) estivesse dispensando os serviços outrora designados à separação judicial e à separação de fato pelo poder originário (CF/88), vale dizer, retardar a dissolução do casamento. Isso não significa, porém, que a norma tenha tornado "inconstitucional" a Legislação Civil em vigor, mas apenas eliminando-a como prelúdio ao divórcio. Precisa a lição da doutrina:

A Constituição Federal não tratava da separação judicial, mas somente do divórcio. A separação judicial apenas foi elidida como exigência para o divórcio, mas permanece no sistema brasileiro, enquanto não revogado o Código Civil. (...) ora, a separação não dissolve casamento, mas sim a sociedade conjugal. Alguns asseveram que ela é inútil. Não é bem assim. Desde que não atrapalhe o divórcio, pode continuar no Código Civil. A verdade é que pode ser o único caminho para aqueles cuja religião não admite o divórcio. [56]

Ao contrário do que alega a corrente racionalista, a tese eclética não nega a força normativa da Constituição, tampouco a sua aplicação imediata, coadunando-se, em parte, com a corrente abolicionista. Sucede que a imediata aplicação da norma ficará restrita ao suprimento dos prazos antes exigidos – que passarão a ser não-recepcionados –, não havendo qualquer reflexo sobre o instituto da separação em si, o qual nunca esteve regulado pela Constituição. Nesta linha, não haveria como a Emenda suprimir algo que a Constituição não disciplinava.

Os ecléticos identificam, dessa forma, que o conflito entre a Constituição e a legislação ordinária cinge-se, apenas, aos requisitos prazais para a decretação do divórcio, "entretanto, o conflito acaba aí. Restringe-se a esse aspecto, não alcançando a própria existência de um procedimento autônomo para a dissolução da sociedade conjugal". [57]

Neste diapasão, conclui-se que diante do novo parâmetro Constitucional, apenas o conteúdo relativo à pré-requisitos para o divórcio restou não-recepcionado. Aplica-se, aqui, as mesmas lições relativas ao controle de constitucionalidade ventiladas no item 5.1 (corrente abolicionista).

Feitas estas considerações, entende a corrente eclética que, com o teor da Emenda, teria surgido no Brasil o sistema dualista optativo, em contraposição ao antigo dualismo obrigatório, prestigiando, enfim, o princípio da autonomia privada e da liberdade familiar:

O sistema dualista opcional, que emerge da EC 66, harmoniza-se com o princípio da liberdade familiar, de fundo constitucional, na medida em que possibilita aos cônjuges a escolha entre dissolver logo o casamento, ou dissolver apenas a sociedade conjugal, por razões de conveniência pessoal, aí incluídas as questões religiosas e outras de foro íntimo, nas quais o Direito não deve se imiscuir. [58]

Na mesma linha de entendimento, ecoa a sábia voz de Maria Helena Diniz, afirmando que a supressão textual do art. 266, §6º da CF/88

não implica dizer que o direito de separação judicial ou extrajudicial foi revogado do nosso ordenamento jurídico, muito pelo contrário, a exemplo de Portugal onde vigora o sistema dualista opcional, tal emenda constitucional trouxe aos cônjuges a faculdade de separar-se ou divorciar-se judicial ou extrajudicialmente, o que se coaduna perfeitamente com o princípio da liberdade familiar. [59]

Diante do todo exposto neste capítulo, percebe-se que a tese eclética possui sólidos argumentos, reforçados, inclusive, pela jurisprudência pátria. Bem aborda o tema o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, em dois acórdãos prolatados contra apelação, inclinou seu posicionamento para a corrente ora analisada. Os Desembargadores Maurício Barros e Wander Marotta deixaram claros seus entendimentos, conforme se extrai dos julgados abaixo:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA - AGRAVO RETIDO - SEPARAÇÃO BASEADA NA CULPA – POSSIBILIDADE [...] com todo respeito, com todas as vênias, entendo que, realmente, a separação judicial não desapareceu do ordenamento jurídico brasileiro. A Emenda Constitucional é silente a respeito e há autores de renome que defendem a posição de que a separação judicial não é incompatível com o divórcio. Isso é muito simples, a meu ver e, também entendimento do Desembargador Antônio Sérvulo. O que a Constituição fez foi, simplesmente, simplificar o caminho para o divórcio. Antigamente, exigia-se uma separação prévia, hoje, não é mais necessário. Também entendo que pode ser perfeitamente do interesse do casal, ao invés de se divorciar, se separar, deixando aberta a porta para o reatamento da sociedade conjugal, sem a formalidade de um novo casamento. [60]

EMENTA: SEPARAÇÃO CONSENSUAL - AJUIZAMENTO ANTERIOR À EC 66/2010 - ADAPTAÇÃO DO PEDIDO À NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL - POSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, ECONOMIA, CELERIDADE E EFETIVIDADE PROCESSUAIS - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO CPC. Neste sentido, embora a EC nº 66/2010 tenha conferido nova redação ao art. 226, § 6º, da CF, permitindo a dissolução do casamento a qualquer tempo, sem a exigência de prazo mínimo após a formalização do casamento, as regras contidas no artigo 40 da Lei 6.515/77 e no Código Civil continuam tendo aplicabilidade na parte em que não contradizem a nova ordem constitucional. As disposições infraconstitucionais referidas não foram revogadas pelo novo dispositivo constitucional. Assim, não há impossibilidade jurídica do pedido; a separação judicial continua tendo validade no ordenamento jurídico, não sendo facultado ao magistrado decidir a forma pela qual deve ser dissolvido o casamento. [...] não é permitido ao Judiciário interferir nessa escolha, desconsiderando a vontade do casal. Pelo menos assim o será até que legislação nova - de nível infraconstitucional, vier revogar a que hoje existe - e que permanece. [61]

Atente-se, ainda, que o IBDFAM, no Pedido de Providências instaurado em face do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), requereu alterações na Resolução nº 35/CNJ (separação e divórcio em cartório), no sentido de suprimir dos arts. 52 e 53, qualquer referencia à separação e aos prazos para o divórcio. Entretanto, em votação unânime, posicionou-se o CNJ contrário a teste abolicionista e a favor da corrente eclética, entendendo prudente somente a eliminação dos prazos, subsistindo a separação regulada pela legislação infraconstitucional.

EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 35 DO CNJ EM RAZÃO DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. SUPRESSÃO DAS EXPRESSÕES "SEPARAÇÃO CONSENSUAL" E "DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL". IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.A Emenda Constitucional n° 66, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, para suprimir o requisito de prévia separação judicial por mais de 01 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 02 (dois) anos. Divergem as interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto da separação judicial no Brasil. Há quem se manifeste no sentido de que o divórcio passa a ser o único meio de dissolução do vínculo e da sociedade conjugal, outros tantos, entendem que a nova disposição constitucional não revogou a possibilidade da separação, somente suprimiu o requisito temporal para o divórcio. Nesse passo, acatar a proposição feita, em sua integralidade, caracterizaria avanço maior que o recomendado, superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi definida.(...) [62]

Em síntese, de acordo com o explanado, entende a corrente eclética que é inegável o avanço trazido pela Emenda nº 66, uma vez que não mais exige os prazos para o divórcio. A mesma sorte, porém, não foi dada ao instituto da separação, uma vez que este não está – e nunca esteve – disciplinado no âmbito constitucional. Destarte, com exceção das disposições relativas a prazos, continuam recepcionadas as normas infraconstitucionais.

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Sobre o autor
Adalberto Lima Borges Filho

Advogado, Conciliador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, pós-graduando em Direito do Estado pelo JusPodivm, graduado em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), graduado em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Salvador (UNIFACS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES FILHO, Adalberto Lima. O novo panorama do divórcio no Brasil.: O fim da separação judicial (?). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2931, 11 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19528. Acesso em: 25 abr. 2024.

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