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A análise sistemática da sucessão do cônjuge e do companheiro na perspectiva civil-constitucional

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10.PROPOSTA DE REFORMA

Projeto de lei nº

Confere tratamento único na sucessão hereditária do cônjuge e do companheiro.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Esta lei regula a sucessão do cônjuge e do companheiro, alterando as disposições da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Art. 2º. O art. 1.829 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou o companheiro sobrevivente, salvo se existirem bens comuns entre qualquer destes e o falecido, decorrentes de comunhão ou condomínio;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou o companheiro sobrevivente;

III – ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente;

IV – aos colaterais".

Art. 3º. O art. 1.831 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único desta natureza a inventariar, quando houver bens imóveis comuns entre os consortes ou o sobrevivente for herdeiro; não havendo ditos bens comuns, ou não sendo o cônjuge ou o companheiro supérstites herdeiros, o direito real de habitação incidirá sobre o imóvel que era destinado à residência da família, independentemente do número de imóveis presentes no acervo hereditário."

Art. 4º. O artigo 1.832 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I) caberá ao cônjuge ou ao companheiro quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, sendo ou não ascendente de todos os herdeiros com que concorrer."

Art. 5º. O artigo 1.836 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes em concorrência com o cônjuge ou o companheiro sobrevivente."

Art. 6º. O artigo 1.837 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.837. Concorrendo com ambos os ascendentes em primeiro grau, ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, independentemente do grau, ou se concorrer com ascendentes em grau superior ao primeiro".

Art. 7º. O art. 1.838 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida sucessão por inteiro ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente".

Art. 8º. O artigo 1.845 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e o companheiro".

Art. 9º. O artigo 2003 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge ou companheiro sobreviventes, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados".

Art. 10º. Revoga-se o art. 1.790 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

Art. 11. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O presente Projeto de Lei tem por objetivo corrigir as referidas distorções no âmbito da sucessão legítima, de forma a harmonizar a tutela sucessória do cônjuge e do companheiro, consoante os valores propugnados pela Constituição da República Federativa do Brasil. E inicia essa correção estabelecendo uma ordem de vocação hereditária única para o cônjuge e o companheiro e revogando o artigo 1790 do CC.

Modifica o inciso I do artigo 1829, conferindo-lhe uma melhor redação ao estabelecer a sucessão do cônjuge ou companheiro em concorrência com os descendentes com base na existência ou não de bens comuns. Esse sistema resolveria, inclusive, uma questão pouco aventada, a saber, os casos em que os cônjuges não optam por regimes disciplinados na lei, valendo-se do princípio da liberdade de convenção para a celebração do pacto antenupcial (art. 1.639, caput, CC).

Além disso, trata-se de um sistema que pode ser aplicado com facilidade tanto na sucessão no casamento como naquela na união estável, já que tanto entre os cônjuges como entre os companheiros existem relações patrimoniais orientadas por regras semelhantes. Para os primeiros, há as normas pertinentes ao regime de bens adotado pelo casal, enquanto para os segundos incide uma presunção de patrimônio comum, que pode ser afastada por expressa manifestação de vontade ou por outros meios de prova.

Modifica o direito real de habitação previsto no artigo 1831 do CC de 2002 e passa a conferi-lo também ao companheiro, já que se trata de instrumento de proteção aos membros da família, não sendo justificável concedê-lo a uma forma de entidade familiar e não concedê-lo à outra.

Quanto aos requisitos para a concessão do referido direito, é importante ressalvar a pertinência de se exigir a existência de um único imóvel residencial no monte a inventariar quando o cônjuge ou o companheiro são herdeiros em propriedade plena, meeiros ou condomínios, uma vez que, nestes casos, havendo outros bens imóveis a inventariar, ao cônjuge ou ao companheiro caberá parte de ditos bens a título de herança, meação ou condomínio.

O mesmo não pode ser dito quanto às hipóteses em que o cônjuge ou o companheiro sobrevivente não é herdeiro, meeiro ou condômino. Nestes casos, não se pode condicionar o direito real de habitação à existência de um único imóvel residencial a ser inventariado, uma vez que o consorte supérstite não receberá nada a título de herança, meação ou condomínio. Por conseguinte, nestas hipóteses, o direito real de habitação deverá incidir independentemente do número de imóveis no monte a inventariar.

Por meio da modificação do artigo 1832 do CC de 2002, o projeto resolve o problema da filiação híbrida dos incisos I e II do artigo 1790 do CC e tutela o cônjuge e o companheiro de maneira igual quanto à quota de reserva ¼ da herança. O artigo do projeto concretiza o viés teleológico do legislador do CC de 2002 ao resguardar de uma maneira mais benéfica aqueles que contribuíram para a construção do patrimônio objeto da herança.

Ademais, o artigo proposto não faz distinção entre descendentes comuns e não comuns do autor da herança como faz o atual 1832 do CC de 2002, permitindo a reserva de ¼ quando o cônjuge ou companheiro concorre com qualquer dos dois tipos de descendentes. Esta nova regulamentação visa corrigir um tratamento diferenciado dado aos filhos _ tratamento inconstitucional (art. 227 §6º da CF). O fato é o mesmo (mais de três descendentes), não havendo motivos para tratamentos diferentes.

Os artigos 1836 e 1837 do CC, pela proposta de reforma, passaram a dispor da concorrência do companheiro com os ascendentes do de cujus, da mesma forma como dispõem sobre a do cônjuge, garantindo um tratamento isonômico.

O artigo 1838 passa a prever a figura do companheiro, ao lado da do cônjuge, na terceira ordem de vocação hereditária para que herde sozinho na ausência de descendentes e ascendentes, combatendo, assim, a velha polêmica do inciso III do artigo 1790 do CC que obrigava o companheiro a concorrer com os colaterais para apenas na ausência deles ter deferida a sucessão por inteiro. Consagra desta forma, a prevalência dos laços afetivos sobre os laços consangüíneos.

Com a reforma do artigo 1845 do CC de 2002 proposta por este projeto, tem-se por encerrada a discussão gerada pela literalidade do artigo, que não prevê a figura do companheiro como herdeiro necessário, afastando assim, qualquer possibilidade de exclusão do mesmo pelo autor da herança, através do testamento.

Diante das modificações acima indicadas, é preciso que os artigos 1829, 1831, 1832, 1.836, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 2.003 do Livro do Direito das Sucessões sejam alterados, para que conste em suas redações, de forma expressa, a extensão de seus comandos para os companheiros.


CONCLUSÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil concebeu a família de forma plural, prevendo outros modos de constituição da entidade familiar além do casamento. O Código Civil de 2002, ao revés, foi projetado prevendo tão-somente o matrimônio como único núcleo legitimador da comunidade familiar. Daí, ao ser incluída a união estável no Projeto do Código Civil de 2002, não houve uma real apreensão do instituto, com todas as suas peculiaridades e diferenciações em relação ao casamento.

Por conseguinte, encontram-se distorções quando são comparados os estatutos jurídicos da união estável e do casamento, havendo diferenciações que não encontram guarida na especial proteção dispensada pelo Estado à família (art. 226, caput, da CF/88) e que não se coadunam com o elemento principal que diferencia as referidas entidades familiares, a saber, a existência de um ato formal constitutivo, que confere publicidade ao casamento.

Ao abraçar mais de uma forma de constituição de família, a Carta Magna reconheceu que o desenvolvimento da pessoa também se dá em outras formações sociais em que predominam os vínculos de afetividade e solidariedade. Passou-se, portanto, da família instituição, protegida por si só, pelo simples fato de ter sido constituída através do casamento, para a família instrumento, entendida como formação social que tem em vista a pessoa de seus componentes. Sem dúvida, esta nova concepção da entidade familiar irradia-se para o Direito Sucessório, que deve, portanto, apreendê-la, em especial nas regras concernentes à sucessão legítima.

No ordenamento civil, informado pelos princípios constitucionais, não há lugar para regras diferenciadas quanto à sucessão hereditária no casamento e na união estável. A consideração de uma hierarquia axiológica entre as entidades familiares é inconstitucional, porque a dignidade da pessoa humana, alçada a fundamento da República no art. 1º, inciso III, da Carta Magna, confere conteúdo à proteção atribuída pelo Estado à família: "é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social" [12]. Ademais, todos os organismos sociais que constituem a família têm a mesma função, qual seja, promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros.

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Não se discute que cada entidade familiar estabelece uma situação diversa da outra: o casamento se diferencia da união estável, que por sua vez se diferencia da família monoparental, que é diversa do casamento. Tal fator diferenciador, porém, pode ensejar um tratamento diverso para essas comunidades familiares?

A resposta é sim, claro. A questão é saber qual é o fundamento (e a lógica) de tal diferenciação, analisando se o mesmo tem pertinência quanto aos valores constitucionais. Como afirmado, o fundamento para a referida diferenciação não pode estar assentado numa suposta superioridade do casamento.

Casamento e união estável diferenciam-se, em especial, na maneira de sua constituição. Enquanto o casamento é constituído a partir de um ato formal e solene, do qual derivam inúmeros efeitos, a união estável é uma situação de fato, verificada a posteriori. O ato formal do matrimônio gera uma maior segurança para as relações jurídicas na sociedade, tanto em relação aos partícipes da relação conjugal, quanto em relação aos terceiros que com eles venham a contratar. Isso porque estabelece a priori os seus efeitos, bastando que o ato seja celebrado: a partir desse momento estão definidas todas as relações entre os cônjuges e todos os atos que um cônjuge não poderá celebrar sem a autorização do outro.

As normas informadas pelos princípios relativos à solenidade do matrimônio, ou melhor, que decorrem do ato solene do casamento, não podem ser estendidas à união estável. Ao contrário, aquelas informadas por princípios próprios da convivência familiar, vinculada à solidariedade dos seus componentes, devem ser aplicadas à união estável, sob pena de ser contrariado o ditame constitucional de proteção a essa entidade familiar [13].

Por esse modo, pode-se dizer que as relações familiares geradas pelo casamento e pela união estável são idênticas em sua essência, baseadas em semelhantes vínculos de afeto, solidariedade e respeito. No entanto, são diversas quanto à sua constituição e, por esta razão, a regulamentação de cada uma deverá conter diferenciações.

Na orientação do dever de solidariedade entre os membros da família, estão as regras da sucessão legítima, especialmente aquelas que consagram a sucessão necessária, pois estabelecem uma possibilidade de distribuição de valores materiais entre os familiares e, dessa forma, um mecanismo em potencial de libertação das necessidades, como meio de concretização de uma vida digna. A forma de constituição da entidade familiar que fazia parte o de cujus é irrelevante para a sucessão legítima, pois esta só vai ter lugar uma vez constituída a família e, evidentemente, se até a abertura da sucessão permanecerem existentes aqueles vínculos familiares.

Pode-se dizer que as relações entre os cônjuges e aquelas entre os companheiros são idênticas em sua essência, baseadas em semelhantes vínculos de amor, solidariedade e respeito. Internamente, portanto, cônjuge e companheiro ocupam a mesma posição, estabelecendo uma relação de comunhão de vida e espírito, a partir da partilha de esforços, alegrias e sofrimentos na construção de uma vida em comum.

Assim, em que pese casamento e união estável constituírem situações diversas, este fato não é suficiente para que a tutela na sucessão hereditária seja discrepante, conferindo-se mais direitos sucessórios a uma ou outra entidade familiar, pois ambas constituem família, base da sociedade, com especial proteção do Estado (CF/88, art. 226, caput) e é a família o organismo social legitimador do chamamento de determinada pessoa à sucessão, em virtude do dever de solidariedade que informa as relações familiares. Conclui-se, portanto, que, o tratamento sucessório dado a ambos deve ser o mesmo.

O Projeto de Lei proposto nesta monografia leva em consideração as qualidades específicas do cônjuge e companheiro, bem como as relações dessas pessoas com o autor da herança no seio da convivência familiar, objetivando corrigir as referidas distorções no âmbito da sucessão legítima, de forma a harmonizar a tutela sucessória dada a ambos, consoante os valores propugnados pela Constituição da República Federativa do Brasil.

A equiparação de direitos, portanto, dá-se em virtude do princípio da igualdade substancial, cânone do sistema constitucional, cuja aplicação garante a atuação do princípio fundador do ordenamento jurídico brasileiro: a dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Karen Hellen Esteves de Avelar

Bacharel em Direito pela UFJF, Delegada de Polícia e pós-graduada em Direito Público Material pela Universidade Gama Filho/RJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AVELAR, Karen Hellen Esteves. A análise sistemática da sucessão do cônjuge e do companheiro na perspectiva civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2941, 21 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19594. Acesso em: 26 abr. 2024.

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