I – Introdução.
Comum é na jurisprudência e doutrina do Direito do Trabalho a utilização da expressão da idéia de que a "administração pública quando contrata pela CLT equipara-se ao empregador privado" que, por tão usual o sua utilização, passou-se a empregá-la como um "regra jurídica", um "axioma jurídico" que inibe aos mais novos operadores (entre os quais nos incluímos) do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo qualquer especulação acerca da necessidade de um maior aprofundamento nos estudos das implicações sobre a relação de emprego público das regras constitucionais e legais que regem a administração pública.
Buscaremos oferecer demonstrações de que a "expressão da idéia" que inaugura o título do presente artigo não tem a carga de juridicidade necessária para justificar seu emprego como síntese de metodologia ou de solução para a aplicação das regras e princípios do Direito do Trabalho no âmbito da administração pública e, consequentemente , defender o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para muitos das lides que, hoje, se processam perante a Justiça Comum, ainda que envolvam pretensões e resistências entre empregados públicos e a administração pública, consoante orientação jurisprudencial do STF.
II – A ORIGEM E ALCANCE JURÍDICO DA EXPRESSÃO " A ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA QUANDO CONTRATA PELA CLT EQUIPARA-SE AO EMPREGADOR PRIVADO".
Lopes Meirelles preleciona que "A administração pública pode praticar atos ou celebrar contratos em regime de Direito Privado ( civil, comercial), no desempenho normal de suas atividades. Em tais casos ela se nivela ao particular, abrindo mão de sua supremacia de poder desnecessária para aquele negócio jurídico."
O mesmo entendimento é compartilhado por Cretella Júnior ao transcrever a lição de LABAND: "a fim de atingir os fins a que se propõe, o Estado se utiliza , às vezes, de seu direito soberano sobre o país e os que nele habitam: exige certas prestações, ordena e limita, por meio de proibições , a liberdade de ação de seus súditos. Outras vezes, deixa de fazer vigor seu imperium, colocando-se no mesmo nível de outras pessoas jurídicas para celebrar contratos."
Importa, aqui, diante das citações de Meirelles e Cretella, a aplicação do correto sentido da idéia de equiparação da administração pública ao empregador privado, quando ela emprega mão de obra pela CLT, para afastar a errônea idéia que se possa formar sobre o empregador público deixar de ser administração pública, numa relação de trabalho regida pela CLT, para ser um empregador privado, POIS A EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE TRABALHO NÃO PODE DERROGAR TODA A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL E LEGAL ACERCA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, como, aliás, advertido por Lopes Meirelles, pois "mesmo nesses atos ou contratos o Poder Público não se libera das exigências administrativas que devem anteceder o negócio jurídico almejado", já que "administração pública tem o dever de somente celebrar contrato cujo fim imediato seja o interesse público. Ademais tem o dever de não dispor da coisa pública, que é indisponível. Portanto, não pode pactuar com autonomia de vontade".
Numa relação de contrato de trabalho regida pela CLT, a administração pública não deixa de se submeter à observância dos princípios e regras constitucionais e legais de regulam os poderes e deveres do Poder Público, sendo O RECONHECIMENTO DE NULIDADE DE CONTRATO DE TRABALHO FORMADO SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO (art. 37, II da CF), exemplo jurisprudencial trabalhista acerca do descumprimento pelo empregador público de regras constitucionais sobre a administração pública, já que a nulidade do contrato por ausência de concurso não decorre do contrato de trabalho em si, pois não diz respeito nem ao objeto ( art. 129, 130 e 145 do Cód. Civil), nem à capacidade das partes (145 do cód. Civil e art. 7.º, XXXIII da CF) e nem à forma (art. 442 da CLT, salvo exceções legais, quanto ao aspecto informal do contrato), mas decorre da desobediência pelo poder público de seu poder-dever de SÓ CONTRATAR EMPREGADOS MEDIANTE PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO, sendo exemplo a Orientação Jurisprudencial n.º 85 da SDI do Colendo TST.
III – O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS TRABALHISTA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
"O princípio da legalidade expressa a regra segundo a qual a administração deve agir de acordo com a lei".
A exteriorização da vontade da administração pública, ou seja, a realização daquilo que é conforme a lei previamente estabelecido como dever- poder de agir, desde de que tenha finalidade de criar reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir situações jurídicas, se denomina ato administrativo.
O princípio da legalidade não deixa de ser verificado, quando a administração pública age como empregador e promove admissão, demissão, concessão de férias, reajustes salariais, promoções e o mais que um típico empregador pode promover através de atos unilaterais e bilaterais numa relação de trabalho regida pela CLT, pois todo e qualquer ato administrativo que produza efeitos jurídicos numa relação de emprego deve obedecer, sob pena de ser anulado ( pela própria administração ou pelo Judiciário), aos comandos legais aplicáveis à administração e ao interesse público.
Pode parecer que numa relação de emprego público não há nada de diferente ou de especial no modo de sujeição do poder público aos ditames da legalidade, que possa diferenciá-la de um empregador comum, entretanto, tal aparência é apenas aparência, motivada, às vezes, pela confusão que se faz entre a aplicação do "princípio da legalidade" com fundamento no inciso II do art. 5.º da Constituição e a aplicação do "princípio da legalidade" com fundamento no art. 37, caput, também da Constituição Federal, já que o princípio da legalidade que está disposto no inciso II do art. 5.º, de modo geral, submete todos ( cidadãos e poderes estatais) à vontade da lei, estabelecendo uma relação entre a liberdade sobre tudo o que não é proibido e a legalidade da intervenção em tal liberdade de agir e, no outro lado e de modo especial, o princípio da legalidade com fundamento no art. 37,II caput, não consagra liberdade alguma à administração pública, já que ela "não tem fins próprios, mas há de buscá-los na lei, assim como, em regra, não desfruta de liberdade, escrava que é da ordem jurídica"19, pois "na administração pública, não há liberdade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na administração pública só permitido fazer o que a lei autoriza"6, arrematando Bandeira de Mello que "a legalidade na administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas supõe autorização dela, como condição de sua ação."
Podemos citar como exemplo de aplicação do princípio da legalidade baseada da no art. 37, caput da CF, a ilegalidade da administração pública, numa relação de emprego, de dispensar imotivadamente o empregado concursado e contratado pela CLT, ainda que a CLT apenas preveja a obrigação de dação aviso prévio em relação ao término da relação contratual por prazo indeterminado (art. 487 da CLT) , como, à exemplo, Bandeira de Mello comenta o ato de despedimento dos empregados das estatais ( empresa pública e empresas de economia mista) onde "não é livre o desligamento de seus empregados. Cumpre que haja razões prestantes e demonstráveis para efetuá-lo, já que seus administradores não gerem negócio particular, onde prepondera o princípio da autonomia de vontade, mas conduzem assunto de interesse de toda a coletividade, cuja gestão sempre reclama adstrição à finalidade legal estabelecida, exigindo, pois, transparência, respeito e fundamentação satisfatória."8
Seguindo o mesmo exemplo, podemos citar as análises feitas por Carlos Ari Tundfeld à decisão do STF proferida no RE n.º 130.206 –DF, onde foi consagrado que "é requisito de validade do ato de despedida de empregado público a existência de interesse público que o legitime".9
A própria jurisprudência dos Tribunais do Trabalho já vem colecionando julgados que expressam o entendimento de que "o administrador público, ao demitir o empregado público, deve observar os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade que protegem o ente público, a fim de evitar o nepotismo, o arbítrio e a satisfação de interesses pessoais (TRT – 6.ª R. – Ac. Unâ. Da 1.ª T. publ. No D.J. de 20.06.95 – R. O. - 10628/94 – Jaboatão dos Guarpes/PE – Rel Juiz Joaquim da Costa Filho.)"10
Os exemplos citados trazem à luz a certeza de que existem atos praticados pela administração pública na constância da relação contratual de emprego ( sem excluir atos anteriores a contratação – concurso p. ex. – e atos posteriores ao fim do contrato – concessão de complemento de aposentadoria p. ex.), que são típicos atos administrativos cuja validade se resolve pela aplicação dos princípios e regras do Direito Administrativo, ainda que os efeitos da verificação de tais atos administrativos atinjam, alterando , modificando ou extinguindo o contrato de trabalho ( No mesmo sentido o Professor e Procurador Luiz R. Nuñes Padilla19
Em outras palavras, existem atos do empregador público cujos efeitos recaem sobre o contrato de emprego ( patrimônio do empregado) que não têm sua validade e efeitos apreciados sob os princípios ( norma mais benéfica, condição mais favorável, contrato realidade, continuidade da relação de emprego, por exemplo) e regras do Direto do Trabalho, são, ao invés, apreciados sob a luz das regras e princípios da administração pública, como, à exemplo já encontramos na jurisprudência dos Tribunais do Trabalho, onde o princípio da legalidade ( art. 37 da CF) precede a aplicação dos princípios de Direito de Trabalho: "Vinculo de emprego – cessão de funcionário público – não há transformação do vínculo pela consolidação por decurso de tempo, se há regular cessão do servidor a outro órgão. A norma constitucional se sobrepõe ao princípio da primazia da realidade, preservando-se a coisa pública" (TRT 9.ª reg.; 4.ª T.; rec. Ord. N.º 0084/94, acórdão n.º 015589/98 – PR; Rel. Juiz Luiz Celso Napp, j. 17.06.1998, V. U. – ementa)"
Até aqui, cremos que a repetida "equiparação" da administração pública ao empregador privado ou a "abdicação do status de administração pública"11 nas relações de emprego público é, certamente, muito relativa, pois no contrato de emprego público é possível detectar dois campos de incidência de normas, um de Direito do Trabalho e outro de Direito Administrativo, como identificado pelo Professor e Juiz do Trabalho ao afirmar que " ...o servidor público celetista subordina-se a dois sistemas, integrados e dependentes: 1.º - ao sistema da administração pública; 2.º - ao sistema funcional trabalhista. O 1.º impõe suas regras da impessoalidade do administrador, da publicidade, da legalidade, da moralidade administrativa, da oportunidade, bem como motivação do ato administrativo; 2.º traça simplesmente os contornos dos direitos e deveres mútuos na execução do contrato do contrato e dos efeitos da extinção do mesmo."20
Os dois campos de normas, o administrativo e o trabalhista, que incidem no contrato de emprego público, coexistem de modo a impedir, limitar ou ampliar a aplicação de preceitos de um campo no outro sobre o mesmo contrato de trabalho. Para exemplificar, anotamos:
a)O art. 1.º, I do Decreto-Lei 779, que dá validade relativa à quitação e pedidos de demissão de empregados da administração pública que específica e exclui expressamente os preceitos do art. 477 da CLT, constantes dos parágrafos que indica.
Na norma indicada está um claro exemplo de acolhimento pelo legislador da presunção de legitimidade dos atos de rescisão e quitação feitos pela administração pública, como decorrência natural do princípio da legalidade;
b)Os artigos 169, par. Único, I e II e o artigo 61, par. 1.º, II, "a", ambos da CF, que tratam do orçamento público e da reserva de iniciativa legislativa acerca do pessoal da administração pública, impedem que se estabeleça novas disposições sobre salários e outras condições de trabalho por acordo coletivo, convenção ou sentença Normativa, "quer dizer, a sistemática dos servidores públicos, regime jurídico, vencimentos e remuneração, assentam-se na lei, mesmo porque a legalidade constitui princípio a que a administração deve obediência rigorosa ( CF, art. 37)."12
Não é difícil concluir que na formação, condução e até o término da relação contratual de emprego público os atos do empregado que produzam efeitos jurídicos no contrato serão apreciados, em regra, COMO ATO DE VONTADE, segundo o regramento jurídico privado acerca dos atos jurídicos lícitos e ilícitos e seus vícios, por outro lado, os atos da administração pública que produzam efeitos jurídicos no contrato serão apreciados COMO REGRA JURÍDICA, segundo o regramento do direito público que é regido pelo princípio da legalidade ( aferição da pertinência do ato com as regras de direito público) e, neste caso, o resultado de tal aferição poderá concluir por uma conseqüência de direito público apenas e ou uma direito comum ou trabalhista.
Exemplo de disciplina legal, que serve de forma para a conclusão anterior está na Lei Federal 9.962/2000 que trata do emprego público no âmbito da administração pública Federal (direta, autárquica e fundacional), ou seja, lei típica de direito público que se dirige ao administrador público ( não é norma de direito do Trabalho), estabelecendo hipóteses de dispensa do empregado que não previstas na CLT e nem em conduta do empregado, mas se funda em hipóteses de regras impostas à própria administração pública, como é o caso de dispensa na constatação acumulação ilegal de cargos ( art. 3.º, II), ou seja, uma aferição da contratação sob o princípio da legalidade - constatação da infringência do art. 37,XVI da CF - tendo como conseqüência a nulidade de tal contratação ( conseqüência de direito público) e a conseqüente rescisão contratual ( conseqüência de direito trabalhista). Observa-se que a mesma dinâmica de raciocínio pode ser verificada nas rescisões de contratos de emprego público que não foram precedidos de concurso público, como comumente têm julgado os Tribunais do Trabalho.
IV - A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA TODA E QUALQUER AÇÃO DO EMPREGADO PÚBLICO, REGIDO PELA CLT MAS QUE NÃO DEIXA DE SER, EM GÊNERO, SERVIDOR PÚBLICO.
Há algum tempo, o Supremo Tribunal Federal já tem sedimentado o entendimento de que a contratação pela administração pública "com base na relação contratual de emprego" é suficiente para determinar a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar as pretensões de empregado público contratado frente ao seu empregador, a administração pública, mesmo que ao direitos buscados sejam oriundos de Leis aplicáveis ao funcionalismo estatutário, como ilustramos:
"Exceção de incompetência. Servidor Público estadual contratado sob o regime da CLT. Postulação, com base na relação empregatícia, de vantagens atribuídas a funcionários estatutários. Competência da Justiça do Trabalho, em face do disposto na parte inicial do artigo 114, "caput", da atual Constituição.
A competência da Justiça Trabalhista decorre da existência da relação de trabalho em que se funda a pretensão, ainda que diga esta respeito a vantagens oriundas da leis estaduais aplicáveis a funcionários estatutários, porquanto só a Justiça do Trabalho é que caberá julgar da pertinência, ou não, da postulação dessas vantagens com base no contrato de trabalho, para dar pela procedências, ou não, da reclamação trabalhista.
Recurso extraordinário conhecido e provido."
(Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, no julgamento do RE nº 130.325, Rel.: Min. MOREIRA ALVES (RTJ 139/960. No mesmo sentido, o RE nº 136.193, Rel.: Min. OCTAVIO GALLOTTI, in RTJ 145/625)
Importa para o objeto de nosso estudo a fixação do alcance jurídico das expressões seguintes, contidas no texto do julgado cotejado:
a)"A competência da Justiça do Trabalho decorre da existência da relação de trabalho em que se funda a pretensão,...";b)"...ainda que diga esta respeito a vantagens oriundas da leis estaduais aplicáveis a funcionários estatutários..."
Na primeira frase é clara a referência da competência material da Justiça do Trabalho, segundo a lide nascida dentro de uma relação jurídica, a relação de trabalho, que é fundamento jurídico da pretensão posta em juízo, que se encontra na causa de pedir prevista no art. 282,III do CPC.16
O art. 114 da CF, caput, é claro ao dispor que a relação de trabalho que importa para a competência da Justiça do Trabalho é aquela regida pela CLT, ou seja, sob o vínculo de emprego ( art. 2.º e 3.º da CLT).
Vale relembrar que a distribuição do exercício da jurisdição, através das "competências" definidas na Constituição e na Lei "como quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído à cada órgão ou grupo de órgãos (Liebman)" impede que existam mais de um órgão ou grupo de órgãos jurisdicionais com a mesma competência, 13 já que é pela Constituição ou pela Lei que a atribuição de competência define, previamente, o campo de atuação de cada órgão ou grupo de órgãos jurisdicionais, estabelecendo qual deles é competente para determinada lide com exclusão dos demais.
A determinação de competência se dá por critérios estabelecidos na própria lei, como condição das pessoas, local dos fatos que originaram lide, valor, entre outros, do quais destacamos o critério de determinação da competência pela "natureza da relação jurídica controvertida, ou seja, pelo fundamento jurídico material da demanda", 14 ou seja, a competência é fixada "à vista da natureza da relação jurídica de direito material subjacente ao conflito de interesses".15
Na segunda frase destacada para análise, a conclusão do julgado da Corte Constitucional evidencia, também, que o texto do art. 114 da CF, deve ser interpretado para o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho, apenas sob a identificação da relação jurídica de emprego, desprezando-se qualquer incursão sobre a origem dos direitos aplicáveis ao contrato de emprego público, ou seja, não importa para a competência da Justiça do Trabalho se os direitos que compõe a pretensão são direitos previstos na CLT ou em leis que dispunham sobre servidores públicos estatutários, desde que o vínculo jurídico que une as partes da lide seja um vínculo de contrato de trabalho regido pela CLT, que "corresponde ao trabalho subordinado, contrapondo-se, de um lado, à relação civil do trabalhador autônomo e, de outro, à relação pública do regime estatutário, ou seja a característica do funcionário público".17
Parece, até aqui, ser irrefutável a conclusão de que a Justiça do Trabalho é competente, em razão da matéria, para processar e julgar dissídios acerca da aplicação de direitos previstos no conjunto de normas e princípios do Direito administrativo que envolvam o empregado e o ente público, o seu empregador.
V - SERÁ QUE O MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO ABUSIVO E ILEGAL DO EMPREGADOR PÚBLICO CABERIA NO GÊNERO DA EXPRESSÃO "DISSÍDIOS" EMPREGADO NO ARTIGO 652 DA CLT?
Sabemos que a expressão "dissídios" empregada nos incisos do art. 652 da CLT que dispõe sobre a competência das Juntas de Conciliação e Julgamento ( atualmente Vara da Justiça do Trabalho, com Juiz singular e vitalício), não tem seu significado restrito à hipótese das "reclamações trabalhistas", já que essas são espécies daquela e "dissídios" envolvem, também, como gênero, as ações de consignação, cautelares, anulatórias, ações civis públicas, execução de "Termos de Conciliação" surgidos nas Comissões Prévias de Conciliação e os "Termos de Ajuste de Conduta" firmados perante o Ministério Público do Trabalho ( art. 876 da CLT, com redação dada pela Lei 9.958/00).
Tudo indica que a Justiça do Trabalho, em princípio tem plena competência para processar e julgar mandados de segurança contra atos abusivos e ilegais de autoridades públicas praticados contra empregado público, dentro da relação de trabalho, ante as seguintes constatações que, resumidamente, destacamos:
1.º - Após a Emenda Constitucional n.º 24 deixou de existir os problemas relativos ao julgamento de Juizes leigos na Justiça do Trabalho, daí estarem afastadas as discussões e problemas que poderiam surgir com as indagações sobre a conhecimento técnico jurídico, concessão de liminar em Mandado de segurança, seu processamento, sentença mandamental e o mais que poderia existir como crítica fundamentada na forma de composição colegiada dos órgãos jurisdicionais trabalhistas;
2.º - A competência originária do TRT para o mandado de Segurança ( art. 678, I, "b", 3 da CLT), diz respeito, apenas aos mandados de segurança impetrados contra as autoridades judiciárias;
3.º - A súmula 195 do extinto TFR que preconizava ser o mandado de segurança instrumento inadequado para a solução dos conflitos trabalhista, somente tem sua razão ser em se tratando de ação ou omissão do empregador público em relação, exclusiva, ao cumprimento de suas obrigações dispostas no regime da CLT. Diz-se "exclusiva" pois o simples descumprimento de obrigação trabalhista numa relação contratual de emprego não se traduz em ato de autoridade para os fins da utilização do remédio heróico, nesse mesmo sentido a Súmula 269 do STF que informa que "o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança." ;
4.º - O direito constitucional ao mandado de segurança, nos termos do art. 5.º, LXIX da CF e nos termos da Lei 1.533/51, como qualquer outro direito de ação, obedece, no seu exercício, as fontes legais e constitucionais de regulamentação de competências jurisdicionais, além de sua razão de ser um instrumento de garantia dos cidadãos, inseridos em qualquer relação jurídica com os Poderes do Estado, contra ATO ILEGAL OU DE ABUSO DE PODER. Deve ser observado, como observa Celso Agrícola Barbi18, que para caracterizar o cabimento do mandado de segurança NÃO IMPORTA O DIREITO LESADO OU AMEAÇADO SER PÚBLICO OU PRIVADO ( onde se inclui o direito trabalhista), sendo necessário, entretanto, que o ato lesivo ou ameaçador seja praticado pelo Estado como Poder público e praticar atos como PODER PÚBLICO NADA MAIS É DO QUE AGIR COM FUNDAMENTO NAS NORMAS ADMINSITRATIVAS CRIADORAS E REGRADORAS DO SEUS PODERES E PRERROGATIVAS QUE PERMITEM OU OBRIGAM A ADMINSITRAÇÃO À AGIR DESSA OU DAQUELA FORMA, MESMO NUMA RELAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO (ver os termos e a natureza administrativa da Lei Federal9.962/2000, por exemplo).
5.º - Havendo posicionamento do STF acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações do empregado público em face da administração pública seu empregador, É CABÍVEL O ENTENDIMENTO DE SER ADMITIDO NA JUSTIÇA DO TRABALHO O MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE AUTORIDADE PARATICADO COM ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER QUE ACARRETE PREJUÍZO AOCONJUNTO DE DIREITOS CELETISTAS DO EMPREGADO, dado que o ato reputado de ilegal e abusivo para efeito do Mandado de Segurança não é o prejuízo de cunho trabalhista, mas a desobediência pela autoridade impetrada de eventual regra de direito público que não legitimou seu ato que redundou em prejuízo para um empregado.
Para encerrar o presente trabalho, com a crença de que ele possa representar um contribuição para o alargamento dos horizontes da competência da Justiça Obreira, oportuna é a elaboração do seguinte exemplo, para melhor demonstração do que foi dito até aqui, como hipótese de mandado de segurança na justiça do trabalho:
- Um empregado de Autarquia Federal, contratado pela CLT, nos termos da Lei 9.962/2000 é dispensado sumariamente sem justo motivo.
O fato exemplificado nos oferece uma clara demonstração de ato abusivo e ilegal da administração autárquica federal, já que não agiu nos limites das hipóteses legais de dispensa prevista na Lei 9.962/2000 ( art. 3.º) e o direito líquido e certo está em exigir a anulação do ato abusivo ( conseqüência administrativa) o restabelecimento do vínculo contratual com a reintegração e o mais ( conseqüência trabalhista). Aqui é cabível o mandado de segurança, sendo adequada a adoção da orientação da STF para reconhecer-se a competência da Justiça do Trabalho em semelhantes mandados de segurança.
NOTAS
1.Hely Lopes Meirelles, ,"Direito Administrativo Brasileiro", Pág. 139, 22.ª ed., 1990, Malheiros, SP;
2.José Cretella Júnior, "Tratado de Direito Administrativo", pág. 181, vol., X, 1.ª ed., 1972, Forense, RJ.
3.Hely Lopes meirelles, obra e pág. citadas;
4.Lúcia Valle Figueiredo, "Contratos Administrativos", na obra "Direito Administrativo na Constituição de 1988", coordenada por Celso Antônio Bandeira de Mello, pág. 139, RT, 1991, SP;
5.José Cretella Júnior, obra citada, pág. 38;.19 Celso Ribeiro Bastos, "Comentários à Constituição do Brasil", pág. 27, 3.º vol. Tomo III, ed. Saraiva, 1992, SP;
6 Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 1964, p.56, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, na obra "Curso de Direito Administrativo, pág. 25, 4.ª edição, Malheiros Editores, 1993. SP;
7 Antônio Bandeira de Mello, obra e página citadas na nota anterior;
8 Idem, páginas 135/136;
9 "Não é livre a demissão sem justa causa se servidor celetista", artigo publicado no Boletim de Direito Administrativo – Julho/95, pág. 395/397.
10 ADCOAS 8148820;
19 Luiz R. Nuñes Padilla, Porf. Da UFRS e Procurador do RGS, no artigo "O novo Direito Público do Trabalho", Bol. LTr n.º09/94, pág. 57/58;
11 Francisco Antônio de Oliveira, "Direito do Trabalho em sintonia com a nova Constituição", pág. 19, editora RT. 1993 , SP;
20 Francisco Meton Marques de Lima, Professor da UFPI e Juiz do Trabalho, no artigo "Porque o empregador público da administração direta e indireta não pode praticar a denúncia vazia dos contratos de trabalho", Bol. Ltr 142/90, pág.677/680;
12 Trecho do voto do Sr. Ministro Carlos Velloso, no julgamento da Adin 492-1 DF i Tribunal Pleno – STF (D.J. 12.03.1993) – Lex – JSTF – 175/49;
16 Moacyr Amaral Santos, "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil" , pág. 160, 1.º vol., 15.ª ed., Saraiva, 1992, SP;
13 Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, "Teoria Geral do Processo", pág. 194, 9.ª ed., Malheiros, 1999, SP;
14 Idem ao anterior, pág. 201;
15 João Oreste Dalazen, "Competência Material Trabalhista", pág. 36, editora Ltr, 1994, SP.
17 Comentário n.º 3 ao texto do art. 643 da CLT, por Valentim Carrion, "Comentários à CLT, pág. 476/477, 22.ª ed. , Saraiva, 1997, SP;
18 Celso Agrícola Barbi, "Do Mandado de Segurança", pág. 92, 6.ª ed. , Editora Forense, 1993, RJ.