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A inconstitucionalidade das leis de pequeno valor na execução contra a Fazenda Pública

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19/09/2011 às 10:33
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4. CONCLUSÃO

De todo o exposto, podemos dizer, conclusivamente, que a autorização constitucional para os Estados e Municípios editar normas definidoras dos tetos para expedição de Requisição de Pequeno Valor não é licença para ampla discricionariedade das entidades federativas no exercício do seu poder de legislar. Ao contrário, a competência legislativa que lhes foi delegada está condicionada à estrita observância dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, no entendimento do que seja a capacidade econômica a que a lei deve atrelar-se.

Constatamos também que as discrepâncias verificadas nas situações paradigmáticas aqui relatadas, em que se averigua a inconstitucionalidade, decorrem, em grande parte, da própria imprecisão do texto constitucional que menciona "capacidade econômica", mas não indica critérios objetivos para que tal capacidade seja aferida pelo legislador infraconstitucional. Tal indefinição permitiu que muitos Municípios ignorassem oportunistamente o comando da carta magna e editassem normas em conformidade com os interesses imediatos da gestão.

Ademais, o legislador constitucional derivado perdeu grande oportunidade, com o advento da Emenda Constitucional 62/2009, de resolver a lacuna. O piso estabelecido pela emenda, vinculado ao maior benefício pago pela previdência, apenas parcialmente atinge as distorções na limitação dos valores das RPV, uma vez que somente evita a fixação de quantias ínfimas, mas não socorre a razoabilidade nem a proporcionalidade em se tratando de Estados e Municípios mais capazes economicamente, como já não socorriam, nessa hipótese, os parâmetros transitórios do art. 87 do ADCT.

Seria previsível se o piso estabelecido pela EC 62/2009 produzisse o efeito não desejado pelo legislador de motivar uma profusão de normas que façam coincidir seu máximo "pequeno valor" com o maior benefício previdenciário. Movimento este, aliás, semelhante ao que ocorreu quando a EC 37/2002 acrescentou os valores provisórios de 30 e 40 salários mínimos no art. 87 da ADCT, e um número significativo de municípios apressou-se em editar leis que indicassem valores menores, e muitas vezes irrisórios mesmo, para a dispensa de precatório.

Por outro lado, muito embora o STF tenha declarado mais de uma vez o entendimento de que a atuação legislativa dos Estados e Municípios não pode dissociar-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a nossa Corte Suprema, como atestou Renato Luis Dresch, tem sido bastante benevolente em recorrentes casos, ao considerar razoáveis e proporcionais valores que lhe parecem ínfimos. (2010, p.7) Isto sem mencionar que não para de crescer o número de demandas que se acumulam no judiciário questionando a constitucionalidade das leis de "pequeno valor", mormente as advindas de Municípios, em razão de estarem em desacordo com os mencionados princípios constitucionais.

É urgente que haja nova intervenção do legislador constitucional, para balizar a edição das normas em comento por critérios objetivos que indiquem a situação econômica do ente federativo. Assim como se estabeleceu o parâmetro mínimo pela vinculação ao benefício previdenciário, podem-se aproveitar os dados econômicos de cada Estado ou Município medidos pelo IBGE, como aqueles utilizados aqui, para aferir a simetria entre o teto das obrigações e dívidas de pequeno valor e a capacidade econômica de cada ente federativo.

Não vislumbramos alternativa que não seja alterar o comando constitucional, no sentido de impor novos parâmetros à delegação expressa aos Estados e Municípios para editarem leis regulamentando, em seu âmbito, os limites dos débitos de pequeno valor, ou continuaremos a atestar a inconstitucionalidade das normas por violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. E mais, é forçoso que os entes públicos, para o bem da segurança jurídica, sejam os primeiros a cumprir os seus mandamentos. Lembremos a célebre advertência de Hans Kelsen quando asseverou que "[...] se o Estado não estiver obrigado a submeter-se às leis que ele próprio cria, não haverá estado de direito e, nesse caso, o cidadão também estará dispensado de obedecer [...]" (1985, p. 327, apud. DANTAS, 2010, p.359)


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 8 ed. São Paulo: Dialética, 2010.

DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Execução contra a fazenda pública – regime de precatório. 2 ed. São Paulo: Método, 2010.

DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: execução. Salvador: JusPodivm, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, v. 4, 2004.

DRESCH, Renato Luís. Requisitório de pequeno valor: direito intertemporal, inconstitucionalidade na inobservância ao princípio da proporcionalidade. Disponível em <https://revistajurisprudencia.tjmg.jus.br/volumes/180.pdf >. Acesso em: 20 out. 2010.

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LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 23ª Edição, 2ª tiragem, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; CERQUEIRA, Társis Silva de. A execução contra a fazenda pública na Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, Porto Velho, v.6, n.1, p.35-99, jan./jun. 2010.

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THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código de Processo Civil. v. IV .2. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2003.


Notas

  1. "O precatório, para ser pago durante dez anos ou depois de dez anos que a ação, em média, passa pelo processo de conhecimento de execução é alongamento do conflito." DELGADO, José Augusto. Precatório judicial e evolução histórica. Advocacia administrativa na execução contra a fazenda pública. Impenhorabilidade dos bens públicos. Continuidade do serviço público. Disponível em: <www.cjf.gov.br/revista/seriecadernos/vol23/artigo05.pdf.>. Acesso em: 6 jan. 2010, p. 126. (apud. PAMPLONA FILHO & CERQUEIRA, 2010 , p.38).
  2. Transcrevemos aqui o texto constitucional, para efeito didático, sem as alterações introduzidas pela EC 62/2009, que será objeto de abordagem em tópico específico.
  3. Grifo nosso.
  4. Tanto o § 5º do art. 100 como o art. 87 do ADCT são claros ao determinar que os valores de quarenta salários mínimos para os Estados federados e trinta salários para os Municípios seriam transitórios, enquanto não houvesse a superveniência de norma local estabelecendo, no âmbito de sua competência, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito púbico, os valores diversos considerados como dívidas de pequeno valor. (DRESCH, 2010)
  5. Reclamação-MC nº 4.987-PE, rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 07.03.07, Informativo do STF, nº 458.
  6. "Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 5.250/2002 do Estado do Piauí. Precatórios. Obrigações de Pequeno Valor. CF, art. 100, § 3º. ADCT, art. 87. Possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional 37/2002. Ação direta julgada improcedente." (Acórdão não unânime do Pleno do STF, ADI 2.868/PI, rel. Min. Carlos Britto, rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, j. 2/6/2004, DJ de 12/11/2004, p. 5)
  7. Fonte: Lei 401/2006 do Município de Amélia Rodrigues, Lei 021/2002 do Município de Anguera, Lei 58/2002 do Município de Antônio Cardoso, Lei 2697/2006 do Município de Feira de Santana, Lei 138/2004 do Município de Ipecaetá, Lei 292 /2002 do Município de Ipirá, Lei 257/2006 do Município de Lamarão, Lei 090/2007 do Município de Rafael Jambeiro, Lei 191/2007 do Município de Santo Estêvão, Lei 579 /2006 do Município de São Gonçalo dos Campos, Lei 276 /2005 do Município de Serra Preta.
  8. Fonte: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat>. Acesso em: 3 de out. de 2010.
  9. Grifo nosso
  10. Na verdade, o valor atual do maior benefício da previdência social foi trazido ao ordenamento pela Medida Provisória 475, em 23 de dezembro de 2009, a qual foi convertida na Lei 1.254 em 15 de junho de 2010.
  11. Conheci o professor Leonardo José Carneiro da Cunha no X Fórum Brasil de Direito, realizado em Salvador nos dias 21 e 22 de maio de 2010, evento em que o mesmo proferiu a bela conferência intitulada A execução contra a Fazenda Pública e o novo regime de precatórios produzidos pela EC 62/2009. Instado por mim a manifestar-se sobre a alteração do § 4º do art. 100, o que não havia feito na obra A Fazenda Pública em Juízo, 8 Ed., Dialética, São Paulo:2010, o mesmo, generosamente, me encaminhou por e-mail o texto que provavelmente introduziria o tema na próxima edição, do qual citei o excerto transcrito.
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ROSA, Nelio. A inconstitucionalidade das leis de pequeno valor na execução contra a Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3001, 19 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19933. Acesso em: 5 mai. 2024.

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