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Remição: aspectos práticos da Lei nº 12.433/2011

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A remição da pena através do estudo do apenado já era admitida pela jurisprudência, mas os novos dispositivos regulamentam a matéria e ampliam sua aplicação.

A Lei 12433/2011 trouxe em seu bojo disposições consolidadoras e também inovadoras.

Com relação ao primeiro tipo, podemos verificar a positivação da remição da pena através do estudo do apenado. Tal possibilidade já era admitida pela Jurisprudência, tendo culminado com a edição do verbete nº 341 da Súmula da Jurisprudência Dominante no Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, os novos dispositivos regulamentam a matéria e ampliam sua aplicação.

Primeiramente entendeu por bem a lei em fixar o número de horas exigidas para a remição pelo estudo, de um dia da pena a casa doze horas de estudo.

Segundo, permitiu remição concomitante pelo trabalho e pelo estudo, conforme parágrafo terceiro do artigo 126, ou seja, "Para fins de cumulação dos casos de remição", as horas deverão "se compatibilizarem". O apenado poderá laborar durante o dia, em um mínimo de 06 horas, e estudar 04 à noite, v.g., sendo que a cada três dias neste ritmo remirá dois dias de sua pena.

Terceiro, o parágrafo quinto no mesmo dispositivo cria um mecanismo multiplicador da remição pelo estudo como forma de premiar o apenado que perseverar na instrução, determinando a Lei que se acrescente 1/3 do tempo de remição em caso de conclusão do curso "ensino fundamental, médio ou superior". Note-se que neste ponto a Lei não repete os termos "inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional". Contudo, por uma questão de proporcionalidade deve-se estender o acréscimo ao ensino médio profissionalizante e ao curso de reaqualificação, por terem nítido caráter ressocializante, preparando o apenado para o ingresso no mercado de trabalho, tanto durante a execução da pena, quanto quando obtiver a liberdade.

O parágrafo sexto ao mesmo tempo em que traz uma questão inovadora e ampliativa em favor do apenado, a nosso ver, agrava uma discussão anterior. Vejamos.

O cunho ampliativo relaciona-se com a possibilidade de remição pelo estudo do apenado que estiver em regime aberto e em livramento condicional (a menção da lei ao semiaberto é despicienda, visto que já contida no caput do artigo). A disposição cita que "poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional", mandando observar "o disposto no inciso I do § 1º deste artigo". Entendemos que esta última referência, deve ser interpretada não só como relacionada ao cálculo das horas, mas também com as modalidades de cursos, abarcando assim todos aqueles mencionados no inciso I do parágrafo primeiro.

Por outro lado, entendemos que a possibilidade do apenado em regime aberto e em gozo de livramento condicional remirem sua pena pelo estudo, tendo a lei silenciado quando à remição, nas mesmas condições, pelo trabalho, fere os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Pode-se exemplificar a situação do apenado que está em regime aberto, estudando, e que a cada 12 horas terá um dia de pena remido, enquanto seu companheiro de cela, que está laborando entre 18 e 24 horas por dia, nada remirá. E mais, este sentenciado que labora ouvirá dizer que seu antigo parceiro de cela, que logrou a obtenção de livramento condicional, também remirá sua pena pelo estudo, sendo que sua condição de liberdade lhe propicia inúmeras facilidades para obtenção de vagas nos diversos cursos.

Pode-se aventar que o "espírito da Lei" é prestigiar o estudo em detrimento ao trabalho, mas tal argumento não convence, primeiro por não se encontrarmos fundamento para embasar-lhe, segundo que tal fato não leva em conta situações individuais concretas e, por fim, o escasso oferecimento de vagas para estudo, muito inferior às vagas de trabalho (interno ou externo), criando uma "seleção" indesejável, em detrimento do apenado que não conseguiu vaga para estudo nos moldes preconizados pela Lei.

Diante de tal panorama se vê que a nova Lei perdeu a oportunidade de resolver questão tortuosa que a muito tempo de discute. E mais, s.m.j., agravou, segundo uma interpretação gramatical, a situação.

Assim, não resta outra opção senão uma interpretação lógica do sistema para ampliar a possibilidade de remição para que o apenado em regime aberto, trabalhando, possa remir sua pena. [01]

De outra banda, questão importantíssima relaciona-se com a nova disciplina da declaração de perda dos dias remidos.

A Lei de Execução Penal mencionava em seu artigo 127 que "O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar.".

Sobre tal dispositivo muito se debateram a doutrina e a Jurisprudência, uns alegando direito adquirido e coisa julgada com relação às remições já declaradas, e outros dizendo que sobrevindo falta grave, a qualquer tempo, a remição poderia ser retirada pois não se agregaria definitivamente ao patrimônio jurídico do apenado.

Adotando esta última corrente, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 9, dizendo que "O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.".

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Nas discussões do referido verbete ficou consignado que não seria obrigatória a declaração de perda de todos os dias remidos, mas sim que a perda é constitucional, tendo, inclusive, a mesma Corte decidido que é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade [02] para determinar a perda parcial.

Ocorre que a Lei 12.433 alterou a redação do artigo 127 da LEP, nos seguintes termos: "Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar."

Agora, foi estipulado um limitador para a perda dos dias remidos, ou seja, até 1/3 dos dias remidos, não podendo o restante ser revogado pelo Magistrado ao declarar a prática de falta grave, agregam-se definitivamente ao patrimônio jurídico do apenado.

Tal inovação é mais benéfica ao preso, visto que a remição de pena, como já se entendia majoritariamente e hoje vem disciplinado pelo artigo 128 da LEP [03], é tempo de pena cumprida. Mas não é só, o percentual de 2/3 causa verdadeira extinção de pena, visto que não pode ser retirado judicialmente por decisão posterior à concessão.

Dois terços de todo o tempo remido, com ou sem falta grave, é extinção irreversível da pena.

A norma em questão tem cunho eminentemente penal/material, visto que limita o jus puniendi estatal.

A doutrina já tem se manifestado pela retroatividade em favor do apenado.

Assim, para Luiz Flávio Gomes e Áurea Maria Ferraz de Sousa [04]: " "Trata-se de superveniência de norma mais benéfica que, obrigatoriamente, deverá retroagir para beneficiar os sancionados nestas condições.", e também Renato Marcão: "As modificações determinadas pelo novo artigo 127 da LEP têm aplicação retroativa, alcançando os fatos ocorridos antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF, na Súmula 611 do STF e no art. 66, I, da LEP, do que decorre a necessidade de revisão ex officio das decisões que determinaram perda de dias remidos em razão de falta grave, visto que, no máximo, será caso de decotar 1/3 (um terço) dos dias remidos, o que implicará na imediata devolução a estes executados de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos dias que haviam perdido." [05]

Esse entendimento já vem sendo aplicado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul [06] e também do Superior Tribunal de Justiça [07].

Ainda com relação à devolução dos dias remidos e cassados por anteriores decisões judiciais, há de se verificar a data em que os mesmos foram suprimidos, pois se antes da data-base atual para progressão de regime a incidência no recálculo da pena será de forma indireta: se ao apenado, quando da data-base, tinha um saldo de pena de 06 anos, alcançaria o requisito objetivo de 1/6 em um ano (v.g. 30/09/2011), sendo devolvidos dias remidos cassados em decisão anterior, será tidos como pena cumprida antes da data-base, ou seja, terá um saldo de pena a cumprir de 05 anos e 06 meses, caso devolvidos 180 dias, fazendo com que a fração de 1/6 seja calculada em 11 meses, aproximadamente. Já se a mesma devolução se der após a data-base, a remição devolvida será considerada como pena cumprida após a data-base, ou de forma direta, diminuindo, no caso hipotético, 180 dias para a progressão de regime. No primeiro caso o lapso de 1/6 será alterado para 31/08/2011, já no segundo caso, para 24/04/2010, estimativamente. Com relação ao fim da pena, livramento condicional, indulto e comutação, não haverá diferença, atuando sempre de forma direta, visto que tais benefícios são considerados a partir do início da pena.

Convém assinalar ainda que a parte final do artigo 127 dispunha que "começando o novo período a partir da data da infração disciplinar", constando agora que "recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar". De uma análise preliminar e simplista poderíamos entender que houve somente uma mudança de termos. Tal não ocorre. Como a nova redação do artigo estabelece um limitador para a perda dos dias remidos a "nova contagem" refere-se tanto a novas remições quanto a nova perda.

Exemplificativamente podemos citar o caso do apenado que tenha 120 dias de remição, sendo que pelo cometimento de falta grave perde 40. A partir da data da falta continua trabalhando auferindo mais 60 dias de remição. Havendo cometimento de nova falta, eventual decretação de nova perda dar-se sobre os últimos 60 dias remidos, visto que os 80 dias remição que ficaram resguardados da falta anterior, não podem ser modificados, pois se referem a período anterior [08].


Notas

  1. AGRAVO EM PROCESSO DE EXECUÇÃO CRIMINAL. TRABALHO REALIZADO POR APENADO DO REGIME ABERTO. REMIÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL EXPRESSA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. Com fulcro no princípio constitucional da isonomia, a distinção da remição no aberto com os demais regimes seria uma afronta direta ao Estado Democrático de direito. Ademais, não pode ser vedado ao reeducando em regime aberto a o benefício da remição, pois inexisti vedação expressa à remição, pelo trabalho exercido, mesmo no regime aberto. Além disso, a entrada em vigor da nova lei modificou a redação do art. 126 da LEP, junto com o seu §6º, traz a possibilidade cristalina da remição por estudo no aberto, e assim, de acordo com o princípio da igualdade, não pode ser feita qualquer discriminação entre o estudo e trabalho realizado pelos reeducando, pois ambas as formas são de suma importância para a ressocialização do apenado, ficando a critério do mesmo escolher a melhor para praticar. DECISÃO UNÂNIME. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. (Agravo Nº 70044152973, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 25/08/2011)
  2. HC 94701/RS, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 5.8.2008, entendeu que a perda dos dias remidos deve se dar de forma proporcional à falta cometida.
  3. Art. 128.  O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
  4. Remição de pena pelo estudo , disponível em http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=2433, acessado em 05/07/2011, às 21h.
  5. MARCÃO, Renato. Lei nº 12.433/2011: remição de pena pelo estudo. Cômputo e perda dos dias remidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2925, 5 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19480>. Acesso em: 5 jul. 2011.
  6. Exemplificativamente: Execução penal. Falta grave. PAD. Art. 22, III, do RDP: dispensada a instauração do procedimento administrativo disciplinar, desde que a falta seja apurada em audiência de justificação nos termos do art. 118, § 2º, da LEP. Fuga. Proporcionalidade: regressão de regime carcerário afastada. Data-base: somente a superveniência de condenação criminal transitada em julgado, por fato praticado após o início do cumprimento da pena, tem o condão de alterar a data-base. Perda dos dias remidos: ante a vigência da Lei n.º 12.433/11, cuja aplicação retroativa é obrigatória - arts. 5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP -, cabe ao julgador definir o lapso de remição cuja perda será decretada, atentando à proporcionalidade entre a sanção e a falta cometida. Agravo defensivo parcialmente provido (unânime). (Agravo Nº 70043630979, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 10/08/2011)
  7. NOVA LEI. PERDA. DIAS REMIDOS. PRINCÍPIO. RETROATIVIDADE. A Turma concedeu habeas corpus de ofício para, reformando o acórdão e a decisão de primeiro grau, na parte referente à perda total dos dias remidos, determinar o retorno dos autos ao juízo de execuções, para que se complete o julgamento, aferindo o novo patamar da penalidade à luz da superveniente disciplina do art. 127 da LEP. Os ministros entenderam que, a partir da vigência da Lei n. 12.433/2011, que alterou a redação do art. 127 da LEP, a penalidade consistente na perda de dias remidos pelo cometimento de falta grave passa a ter nova disciplina, não mais incide sobre a totalidade do tempo remido, mas apenas até o limite de 1/3 desse montante, cabendo ao juízo das execuções, com certa margem de discricionariedade, aferir o quantum ao levar em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, consoante o disposto no art. 57 da LEP. Por se tratar de norma penal mais benéfica, deve a nova regra incidir retroativamente, em obediência ao art. 5º, XL, da CF/1988. HC 200.046-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 18/8/2011.
  8. Nesse sentido: EMBARGOS INFRINGENTES. REMIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 09 DO STF. PERDA DE PARTE DOS DIAS REMIDOS. RETROATIVIDADE DA LEI 12.433, DE 29.06.2011 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 127 DA LEP. 1. A lei mais favorável aplica-se, inclusive, aos processos com trânsito em julgado, ou aos de execução penal, pois a potestade punitiva atinge, inclusive, o cumprimento total da sanção penal, constituindo-se, a aplicação da lei mais benigna, em um efeito limitador (arts. 5º, XXXIX, XL, da CF, 1º e 2º do CP). 2. A Súmula Vinculante n. 09, segundo entendimento do STF, comporta aplicação integral, contrariamente ao sustentado no voto vencido. Porém, adveio a Lei 12.433/2011, modificando a aplicação da Súmula Vinculante 09, situação a ser enfrentada pelo juízo a quo . 3. A Lei 12. 433, de 29.06. 2011 alterou o art. 127 da Lei 7.210/84 e, consequentemente, a Súmula Vinculante nº 9 do STF, a qual determinava a integral perda dos dias remidos. O juiz poderá revogar até 1/3 dos dias remidos, tomando por base o art. 57 da LEP (natureza, motivos, consequências e circunstâncias do fato, pessoa do faltoso e o tempo de prisão). O montante não revogado não poderá ser incluído em nova declaração de perda, na medida em que recomeça a contagem, para efeitos de remição, a partir da data da infração preliminar (art. 127 da LEP). Ademais, o tempo remido será computado como se de pena cumprida fosse, para todos os efeitos. EMBARGOS REJEITADOS HABEAS CORPUS DE OFÍCIO (Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 70039864509, Segundo Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 12/08/2011)
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Sobre o autor
Eugenio Pedro Gomes de Oliveira Junior

Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul com atribuição na 1ª, 2ª e 3ª Vara Cíveis,Juizado da Infância e da Juventude.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JUNIOR, Eugenio Pedro Gomes. Remição: aspectos práticos da Lei nº 12.433/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3008, 26 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20045. Acesso em: 17 abr. 2024.

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