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Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável

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01/10/2011 às 09:21
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CAPÍTULO III – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE USO SUSTENTÁVEL E A IMPORTÂNCIA DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS NA PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE

3.1 Conflito entre espaço público e espaço comunitário

Como revela DIEGUES (2008, p. 67), a criação de áreas naturais protegidas em territórios ocupados por sociedades pré-industriais ou tradicionais é vista por essas populações como uma usurpação de seus direitos sagrados à terra onde viveram seus antepassados.

O autor ressalta que essa usurpação é ainda mais grave quando a "operacionalização de um neomito" (áreas naturais protegidas sem população) se faz com a justificativa da necessidade de criação de espaços públicos, em benefício da "nação", na verdade, das populações urbano-industriais.

Existe, nesse caso, um conflito entre espaço público e espaço comunitário: de um lado o Estado, representando interesses das populações urbano-industriais, e do outro as sociedades tradicionais. Para DIEGUES (2008, p. 68),

Na verdade, o que está implícito é que a estas deveriam "sacrificar-se" para dotar as populações urbano-industriais de espaços naturais, de lazer e "contato com a natureza selvagem". Ou ainda, segundo uma versão mais moderna dos objetivos das áreas naturais protegidas de uso restrito - proteger a biodiversidade.

Esse modelo de unidades de conservação de uso restrito, segundo ARRUDA (2. ed. p.279 e 280), baseia-se em três premissas: na dicotomia conflitante entre ser humano e natureza; na incapacidade das comunidades locais de desenvolver um manejo mais sábio dos recursos naturais e na perpetuidade destas áreas num estado de natural equilíbrio. Afirma o autor que, embora ele possa ser relativamente adequado aos Estados Unidos da América, dada a existência de grandes áreas desabitadas, sua transposição para o terceiro mundo mostra-se problemática, pois mesmo as áreas consideradas isoladas abrigam selvagens ou abrigam populações humanas.

Como consequências indesejáveis da aplicação desse modelo nos países de terceiro mundo, ARRUDA (2. ed. p. 280 e 281) destaca:

- agravamento das condições de vida em muitas comunidades humanas;

- expulsão as populações tradicionais para as periferias das cidades, engrossando as multidões em situação de miséria e a proliferação de favelas;

- elevação do nível de destruição florestal, à medida que a população expulsa passa a ocupar e derrubar novas áreas para moradia.

- crescimento do conflito rural.

ARRUDA (2. ed. p. 281) reconhece que no Brasil há aberturas nesse modelo. No entanto, afirma que ele ainda tem a hegemonia na política conservacionista nacional. O autor ressalta que:

Essa abertura corporificada na criação de reservas extrativistas, no reconhecimento de terras de quilombo e nas propostas de criação de modalidades de áreas de conservação de múltiplos usos (a serem definidos em "mosaico" nos planos de manejo), é fruto justamente da auto-organização das populações tradicionais e de propostas que delas emanam, recebendo apoio de outros atores e setores sociais. Porém, é ainda uma abertura tímida que encontra pouca sustentação ou apoio das autoridades responsáveis pela política ambiental. (grifo nosso)

Parece que essas populações são invisíveis (além de indesejáveis) para o poder público que, preso a concepções ambientais tecnicistas e inadequadas, não veem outra saída fora do padrão vigente.

Diante desse contexto, ARRUDA(2. ed. p. 283) faz diversas indagações:

Será essa situação inerente a qualquer política de preservação dos recursos naturais? Será que podemos imputar a responsabilidade dos conflitos e da dilapidação dos recursos naturais, como costuma ocorrer, inteiramente a pretensas características destrutivas do ser humano?

Não é paradoxal que as populações tradicionais sejam postas como antagônicas às necessidades de proteção dos recursos naturais em áreas e conservação?

Normalmente não são estas as populações humanas que têm há décadas, às vezes séculos e até milênios, promovido o manejo sustentável de áreas naturais? Não é a sua presença permanente que tem preservado tais áreas do modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela destruição crescente do meio ambiente? Enfim, não são elas as responsáveis até o presente pela conservação das áreas que até agora tentamos pôr sob nossa proteção legal?

Após essas perguntas provocativas, ARRUDA (2. ed. p. 283) propõe, como questão de fundo, a reflexão sobre um artigo de Gomez-Pompa o qual mostra que a noção da natureza selvagem como um lugar "onde o ser humano é apenas um visitante" contém algumas implicações básicas e equivocadas.

Uma é a de que estas áreas são ou deverão ser ambientes originais, tal como os que teriam existido antes da interferência humana, em perfeito e delicado equilíbrio ecossistêmico, que devem ser preservados para recreação e uso de nossa e das futuras gerações. A natureza selvagem é valorizada pelo seu valor intrínseco, como lugar de reverência, essencialmente sagrado para a preservação da imagem da natureza selvagem.

Outra é a de que nós, como membros desta civilização industrial, assumimos que temos a visão mais correta, baseada no pensamento racional e na análise científica. Até mesmo visualizamos a preservação da natureza selvagem como parte da solução para o futuro da espaçonave Terra. Em suma temos a presunção de saber o que deve ser preservado e de como isso deve ser feito. (grifo nosso)

3.2 Culturas tradicionais

DIEGUES (2008, p. 65 e 66), apoiado nos ensinamentos de Goldelier, demonstra a importância de se analisar o sistema de representações que indivíduos e grupos fazem de seu ambiente, pois é com base nelas que esses indivíduos agem sobre o ambiente, influenciando-o.

A título de exemplo, o autor mostra a diferença de comportamento entre tribos indígenas e colonos do sul em relação à natureza:

Enquanto a floresta tropical amazônica representa para as tribos indígenas o seu habitat conhecido e acolhedor, morada dos antepassados, para o colono vindo do sul do Brasil, ela representa um obstáculo a ser vencido para se implantar a agricultura e a pecuária moderna, fonte potencial de lucro.

Na realidade eles participam de sistemas econômicos diferentes e cada um desses sistemas determina um modo específico de exploração dos recursos naturais e do uso do trabalho humano, assim como o "bom" e o "mau uso" dos recursos naturais, segundo uma racionalidade intencional específica.

Conclui o autor que não é simplesmente a natureza, as limitações geográfico-ambientais, que motivam um tipo específico de exploração dos recursos naturais da floresta, mas sim as formas com que se configuram as relações sociais, suas racionalidades intencionais, seus objetivos de produção material e social (lucro versus autossubsistência, por exemplo).

Dentro dessa visão, DIEGUES (2008, p. 89) define culturas tradicionais como padrões de comportamento transmitidos socialmente, modelos mentais usados para perceber, relatar e interpretar o mundo, símbolos e significados socialmente compartilhados, além de seus produtos materiais, próprios do modo de produção mercantil. Segundo o autor:

Comunidades tradicionais estão relacionadas com um tipo de organização econômica e social com reduzida acumulação de capital, não usando força de trabalho assalariado. Nela produtores independentes estão envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como agricultura e pesca, coleta e artesanato. Economicamente, portanto, essas comunidades se baseiam no uso de recursos naturais renováveis. Uma característica importante desse modo de produção mercantil (petty mode of production) é o conhecimento que os produtores têm dos recursos naturais, seus ciclos biológicos, habitats alimentares, etc. Esse ‘know-how’ tradicional, passado de geração em geração, é um instrumento importante para a conservação. Como essas populações em geral não têm outra fonte de renda, o uso sustentado de recursos naturais é de fundamental importância. Seus padrões de consumo, baixa densidade populacional e limitado desenvolvimento tecnológico fazem com que sua interferência no meio ambiente seja pequena. Outras características importantes de muitas sociedades tradicionais são: a combinação de várias atividades econômicas (dentro de um complexo calendário), a reutilização dos dejetos e o relativamente baixo nível de poluição. A conservação dos recursos naturais é parte integrante de sua cultura, uma ideia expressa no Brasil pela palavra ‘respeito’ que se aplica não somente à natureza com também aos outros membros da comunidade. (DIEGUES, apud Diegues, 1992, p. 142)

De forma mais didática, DIEGUES (2008, p. 89 e 90) apresenta as características das culturas e sociedades tradicionais:

- dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos culturais e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constrói um modo de vida;

- conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido de geração em geração pela oralidade;

- noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;

- moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados;

- importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado;

- reduzida acumulação de capital;

- importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

- importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas;

- a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre meio ambiente. Há reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final;

- fraco poder político, que, em geral, reside com os grupos de poder dos centros urbanos;

- autoidentificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras.

Para o autor, um dos critérios mais importantes para definição de culturas ou populações tradicionais, além do modo de vida, é, sem dúvida, o reconhecer-se como pertencente àquele grupo social particular (identidade).

Todas essas características, conforme destaca DIEGUES (2 ed. p. 30), evidenciam que as populações tradicionais, com suas culturas e conhecimentos podem contribuir para a manutenção da biodiversidade dos ecossistemas. Para ele (DIEGUES, 2 ed. p. 31):

Uma importante diferença, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista necessariamente como selvagem em sua totalidade; ela foi, e é, domesticada, manipulada. Uma outra diferença é que essa diversidade da vida não é vista como "recurso natural", mas sim como um conjunto de seres vivos que tem um valor de uso e um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia.

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Segundo o autor (DIEGUES, 2. ed. p. 35), um dos argumentos dos preservacionistas contra a existência das populações tradicionais em áreas naturais protegidas é a pretensa incompatibilidade entre a presença dessas populações e a proteção da biodiversidade. No entanto, ele ressalta que o estabelecimento de áreas protegidas para a conservação da biodiversidade é um objetivo relativamente recente, já que os parques foram criados para recreação das populações urbanas, educação ambiental, pesquisa.

Aliado a isso, DIEGUES (2. ed. p. 36) apresenta os estudos de Balée e Gómez-Pompa, que afirmam que a manutenção, e mesmo o aumento, da biodiversidade biológica nas florestas tropicais, está relacionado intimamente com as práticas tradicionais da agricultura itinerante dos povos primitivos. A regeneração da floresta úmida parece ser, em parte, consequência das atividades do homem primitivo. Nesse sentido:

O uso de pequenas áreas de terra para a agricultura e seu abandono após o decréscimo da produção agrícola (shifting agriculture) é semelhante à produzida pela destruição ocasional das florestas por causas naturais.

Brown, K. & Brown, G. (1992), também citados por DIEGUES (2 ed. p. 39), defendem o importante papel das comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade na floresta tropical brasileira, ameaçada pela destruição gerada pela ação dos grandes fazendeiros e grupos econômicos. Os autores afirmam que o modelo de uso dos recursos naturais de baixa intensidade, desenvolvido pelas populações extrativistas e indígenas, frequentemente resulta num mínimo de erosão genética e num máximo de conservação. Assim, concluem que as populações urbanas têm muito que aprender com as tradicionais que vivem em maior harmonia com a natureza.

3.3 O ecologismo dos movimentos sociais ou socioambientalismo

A insatisfação com o modelo de desenvolvimento econômico e a consequente destruição da floresta amazônica deu origem ao chamado ecologismo social. Esse movimento, conforme afirma DIEGUES (2. ed. p. 21), é caracterizado pela luta para manutenção do acesso aos recursos naturais, valorização do extrativismo e dos sistemas de produção baseados em tecnologias alternativas.

O socioambientalismo brasileiro, segundo SANTILLI (p. 01), nasceu na segunda metade dos anos 80, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista. Seu surgimento identifica-se com o processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e a realização de eleições presidenciais diretas, em 1989.

De acordo com a autora, o restabelecimento da democrática no país propiciou à sociedade civil um amplo espaço de mobilização e articulação, que resultou em alianças políticas estratégicas entre o movimento social e ambientalista. Na Amazônia brasileira, a articulação entre povos indígenas e populações tradicionais, com o apoio de aliados nacionais e internacionais, levou ao surgimento da "Aliança dos Povos da Floresta": um dos marcos do socioambientalismo.

A "Aliança dos Povos da Floresta" defendia o modo de vida das populações tradicionais amazônicas, cuja continuidade dependia da conservação da floresta, e estava ameaçada pelo desmatamento e a exploração predatória de seus recursos naturais, impulsionada principalmente pela abertura de grandes rodovias (Belém-Brasília, Transamazônica, Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, Cuiabá-Santarém) e pela abertura de pastagens destinadas às grandes fazendas de agropecuária, e a consequente migração de milhares de colonos e agricultores para a região amazônica. (SANTILLI, p. 1 e 2)

Nesse contexto de degradação ambiental e cultural, o socioambientalismo propõe, como uma de suas ideias, a inclusão e envolvimento das comunidades tradicionais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental, nas políticas públicas ambientais. SATILLI (p.4) destaca, ainda, que:

[...] em um país pobre e com tantas desigualdades sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não só a sustentabilidade estritamente ambiental – ou seja, a sustentabilidade de espécies, ecossistemas e processos ecológicos – como também a sustentabilidade social – ou seja, deve contribuir também para a redução da pobreza e das desigualdades sociais e promover valores como justiça social e equidade. Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental.

Como registra SANTILLI (p. 8), o socioambientalismo passou, então, a representar uma alternativa ao conservacionismo/preservacionismo ou movimento ambientalista tradicional, mais distante dos movimentos sociais e das lutas políticas por justiça social e cético quanto à possibilidade de envolvimento das populações tradicionais na conservação da biodiversidade.

Como resultado dessa luta, surge a proposta de criação de reservas extrativistas – desenvolvida pelo movimento social dos seringueiros visando promover o casamento entre conservação ambiental e reforma agrária – que passou a ser considerada por cientistas e formuladores de políticas públicas como uma via de desenvolvimento sustentável e socialmente equitativo para a Amazônia.

Uma ideia-chave na proposta de criação de reservas extrativistas é a titularidade coletiva e compartilhada sobre os direitos de uso dos recursos naturais nelas existentes. Inspirada no modelo das terras indígenas, as reservas extrativistas se baseiam no conceito de que são bens de domínio da União (de forma a evitar a sua venda, e dar-lhe as garantias de que só gozam os bens públicos), e de que a transferência do usufruto para os moradores da reserva extrativista se faria pelo contrato de concessão de direito real de uso às entidades representativas de moradores da reserva. (SANTILLI, p. 3)

3.4 Criação de áreas protegidas para o uso sustentável de populações tradicionais

A partir da leitura dos capítulos anteriores, constata-se que a categoria "Unidades de Conservação de Uso Sustentável" é fruto de uma transformação social e ambiental, constituindo, hoje, instrumento que permite, dentro dos limites estabelecidos em lei, a utilização direta dos recursos naturais. Conforme prevê a Lei do SNUC, em seu art. 7º, §2º, seu objetivo é, justamente, compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais.

Nessa categoria de UC enquadram-se: a Reserva Extrativista - Resex, a Reserva de Fauna - RF, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável - RDS e a Reserva do Patrimônio Particular Natural - RPPN a Área de Proteção Ambiental - APA, a Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE, a Floresta Nacional - FLONA.

De acordo com dados [06] fornecidos pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, órgão responsável pela gestão das unidades de conservação, criado pela Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, atualmente existem 304 unidades de conservação no Brasil, sendo que 173 são UCs de Uso Sustentável, perfazendo um total de 38.835.516,35 ha e 131 são UCs de Proteção Integral, que somadas representam um total de 35.656.870,61 ha.

Unidades de Conservação Federais do Brasil

Unidades de:

Categoria – Quantidade

Total em hectares

Proteção Integral: PI

Esec - Estação Ecológica – 31

6.869.411,18

MN - Monumento Natural – 2

44.179,73

Parna - Parque Nacional – 64

24.705.236,36

Rebio - Reserva Biológica – 29

3.868.939,47

Revis - Refúgio de Vida Silvestre – 5

169.103,88

PI Total: 131

35.656.870,61

Uso Sustentável: US

APA - Área de Proteção Ambiental – 31

9.899.433,67

Arie - Área de Relevante Interesse Ecológico - 17

44.621,47

Flona - Floresta Nacional – 65

16.556.903,48

RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável - 1

64.441,29

Resex - Reserva Extrativista – 59

12.270.116,44

US Total: 173

38.835.516,35

Total geral: 304

* Área Georreferenciada total

74.492.386,96

Área conservada sem as sobreposições

73.987.193,58

Com se vê, em termos quantitativos, há pouca diferença entre UCs de uso sustentável e UCs de proteção integral. No entanto, em termos de demandas pela execução de políticas públicas existe um grande abismo entre essas categorias, já que além da preocupação com a proteção da natureza, as UCs de uso sustentável têm o desafio de executar políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e articular políticas socioeconômicas para as populações tradicionais que nelas residem.

Para cumprir essa missão desafiadora, que é a gestão de unidades de conservação de uso sustentável, é preciso, no mínimo, de recursos humanos e financeiro, sem os quais é impossível atingir os objetivos do SNUC. Nesse aspecto, justifica-se a importância do debate ora suscitado: recursos provenientes da compensação ambiental.

Diante de todo o histórico de surgimento das áreas de proteção da natureza, ficou evidente que as áreas de proteção integral sempre dominaram o cenário político e científico ambiental. No entanto, essa condição de supremacia, em razão das especificidades do Brasil e das necessidades das populações tradicionais, vem sendo questionada por pesquisadores e, principalmente, pelos mais afetados por essa concepção, que são obrigados a deixar o território que lhes pertencia.

A previsão legal contida no art. 36, caput, da Lei do SNUC, que determina o pagamento da compensação ambiental, é um dos aspectos que exterioriza essa hegemonia das unidades de proteção integral, uma vez que são agraciadas com todos os recursos quando o empreendimento de significativo impacto ambiental não afetar uma unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento.

Ressalte-se, ainda, que o §3º, do mesmo artigo, seguindo a tendência discriminatória do caput, prevê que quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, ela, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação ambiental, ou seja, mais uma vez abre-se a possibilidade de contemplar uma UCs de proteção integral, o que é um absurdo.

Assim, por questão de justiça e de reconhecimento do papel das populações tradicionais na conservação da biodiversidade, é imprescindível que haja equanimidade na distribuição dos recursos provenientes da compensação ambiental, contemplando-se, dessa forma, as unidades de conservação de uso sustentável.

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Sobre a autora
Roberta Leocádio Dias

Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Roberta Leocádio. Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3013, 1 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20126. Acesso em: 19 abr. 2024.

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