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Afinal, o que define uma união estável: o sexo dos envolvidos ou a existência de relações afetivas?

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4.As novas organizações familiares

Uma demonstração do processo de mudança por que passa a sociedade é justamente a resposta de se o que define uma relação estável é o sexo dos envolvidos ou a existência de relações afetivas, pergunta título do presente artigo.

Para melhor responder a essa pergunta se faz necessária uma abordagem sobre o que venha a ser uma união estável. De acordo com o art. 226, §3º da Constituição e com o art. 1.723 do Código Civil de 2002:

"Art. 226, §3°: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."9

"Art. 1.723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família"10

Observando-se os artigos supracitados, percebe-se que o legislador concordou que o fator que define tais relações é o sexo dos envolvidos, uma vez que o tipo de união que se pretendeu proteger foi a que formaria uma família tradicional constituída por um homem e uma mulher, com provável intuito de gerar filhos. No entanto, com o processo de mudança da sociedade alterou-se também a formação das organizações familiares, surgindo assim uma série de novos arranjos.

Entre os fatores causadores desses rearranjos familiares estão as

"modificações nas condições de procriação: embriões congelados, procriação artificial, barriga de aluguel, doador de esperma anônimo; mudanças nas formas de filiação e criação dos filhos: famílias recompostas, famílias expandidas, alterações no sistema de atribuição do sobrenome, pais adotivos, monopaternidade, homopaternidade."(CECCARELLI, 2006)11

Além desses motivos, ainda existe a opção feita por muitos de não possuir filhos. Diante desse quadro, ficou difícil estabelecer uma significação precisa acerca do que expresse família, que é condição para a existência de união estável.

Apesar de ser difícil dar uma significação precisa ao que denote a palavra família nos dias atuais, fácil é perceber a necessidade da existência de laços afetivos fortes entre os seus integrantes.

É nesse contexto que se faz perceber que a resposta dada à pergunta problema desse artigo não mais pode ser dada em torno da distinção do sexo dos envolvidos, mas sim com base na existência de tais relações afetivas serem presentes e fortes.

Foi esse o entendimento do Supremo ao julgar os casos ADI 4277 e ADPF 132. Ao expandir-se a interpretação dos artigos para reconhecerem a possibilidade da união estável homoafetiva, o que se fez foi consagrar uma instituição já existente, a da família inicialmente composta por um casal do mesmo sexo. Ao tutelar essa nova organização familiar o Direito passa a ter que cumprir o disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal:

"Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (EC nº66/2010)"

Para os casais formados por pessoas do mesmo sexo essa proteção especial oferecida pelo Estado significa a possibilidade de se lutar por direitos – que mesmo ainda não garantidos por lei – podem ser requeridos pelo precedente aberto pelo STF. Alguns desses direitos antes só concedidos a casais heterossexuais são expressos na lei nº 9278, de 10 de maio de 1996. Entre esses direitos encontram-se o do requerimento da conversão da união estável em casamento, a possibilidade de requerer-se pensão alimentícia, a possibilidade de divisão parcial de bens, além de outras possibilidades como a adoção.


5.Conclusão:

Ao longo do presente artigo tentamos discutir como a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em reconhecer as uniões entre indivíduos do mesmo sexo pôde interferir nos conceitos vigentes de união estável e família no âmbito judiciário brasileiro, tendo como base a teoria de Niklas Luhmann.

Tendo como ponto chave de nosso trabalho a definição de união estável, percebe-se que as idéias de Luhmann encaixam-se perfeitamente para explicar as mudanças no Direito de modo a tornar as duas respostas para a proposição inicial válidas, embora em momentos distintos.

Luhmann trabalha com a proposta de não existir apenas uma resposta correta para a solução de um determinado problema, ao mesmo tempo em que aponta a evolução como um dos fatores que propiciam tal caráter multiforme. O que possibilita a evolução é a multiplicidade de problemas a serem resolvidos no convívio social e as diversas possibilidades de resolvê-los.

Havia um problema a ser resolvido, que era a determinação da união estável. Na época em que a primeira resposta foi concebida, o sistema e o ambiente social atuaram de forma a fazer com que o direito vigente concebesse como resposta o não reconhecimento das uniões homoafetivas, estabelecendo como uniões estáveis apenas aquelas constituídas por indivíduos de sexos distintos.

Entretanto, o ambiente muda. A sociedade muda e, conseqüentemente, o direito também sofre mudanças no sentido de sua evolução. Nesse aspecto, Luhmann é categórico ao afirmar que realmente o que distingue o direito em temporalidades distintas não é o próprio fator tempo, mas, o grau de seu desenvolvimento, o qual pode ser mensurado através de sua respectiva produção de normas, abstração e processo nele envolvidos. Em outras palavras, a possibilidade de aumento das complexidades do direito é o fator determinante que condiciona o seu próprio desenvolvimento.

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Dessa forma, pode-se analisar a decisão atual do Supremo Tribunal Federal pelo reconhecimento da união estável sendo decorrente de relações afetivas como um reflexo do relativo grau de complexidade e evolução não apenas do Direito, mas principalmente da sociedade e do ambiente. Com isso, destaca-se também que o Direito, por meio do processo de elaboração de respostas, não garante efetivamente um entendimento, uma resposta a ser aceita dogmaticamente sem qualquer possibilidade de alteração e contestações, mas, apenas apresenta uma nova forma de se ver o problema de modo consoante às próprias mudanças ocorridas.


Referências

3-REDAÇÃO. Supremo reconhece união homoafetiva. Notícias STF, Brasília, 05 de maio de 2011. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931> Acesso em 01 de julho de 2011.

4-COUTO, Rodrigo. Há 20 anos, a OMS tirou a homossexualidade da relação de doenças mentais. Correio Brasiliense, Brasília, 16 de maio de 2010. Disponível em <http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2010/05/16/interna_brasil,192631/index.shtml> Acesso em 02 de julho de 2011.

5-BONADIO, Luciana. ATIVISTAS GAYS COMEMORAM DECISÃO QUE PERMITE ADOÇÃO DE CRIANÇAS. G1.Globo, São Paulo, 23 de novembro de 2006. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA1361499-5598,00- ATIVISTAS+GAYS+COMEMORAM+DECISAO+QUE+PERMITE+ADOCAO+DE+CRIANCAS.html> Acesso em 02 de julho de 2011.

6-NEVES, Maria. Confira os países que reconhecem a união homoafetiva. Agência Câmara de Notícias. Brasília, 05 de agosto de 2010. Disponível em < http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/DIREITOS-HUMANOS/149958-CONFIRA-OS-PAISES-QUE-RECONHECEM-A-UNIAO-HOMOAFETIVA.html> Acesso em 03 de julho de 2011.

7-LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.

8-MELLO, Marcelo Pereira de. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e Teubner. Tempo Social, revista de sociologia da USP. São Paulo, SP, v.18, n.1. jun. 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ts/v18n1/30021.pdf > Acesso em 01 jul. 2011.

9-BRASIL. Constituição (1988). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: promulgada em 05 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 67/2010 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2011. 103 p.

10-EDITORA SARAIVA. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo: Editora Saraiva, 10 ed. 2010.

11-CECCARELLI, Paulo Roberto. As repercussões das novas organizações familiares nas relações de gênero. Cronos, Natal, v. 7, n. 2, p. 321-326, jul./dez. 2006.

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Sobre os autores
Jeferson Luiz Lima

Funcionário Público do Estado do Maranhão (professor de Biologia). Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piaui. Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Piaui

Wilmar Barros Veloso

graduando do curso de Direito da UFPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Jeferson Luiz ; VELOSO, Wilmar Barros. Afinal, o que define uma união estável: o sexo dos envolvidos ou a existência de relações afetivas?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3016, 4 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20131. Acesso em: 6 mai. 2024.

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