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Testes psicológicos nos concursos públicos.

Dilemas e reflexões entre Direito e Psicologia

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31/01/2012 às 07:39
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5. Os testes psicológicos devem levar em conta os resultados das provas aplicadas nos concursos públicos quando existirem coincidência de aptidões a serem mensuradas.

Iniciamos este tópico fazendo distinção na utilização de testes psicológicos no âmbito da iniciativa privada e dentro da Administração Pública. É que mesmo se utilizando de um teste homologado pelo Conselho Federal de Psicologia - CFP na iniciativa privada, realmente se pretende aferir a inteligência, memória, atenção etc., através do próprio teste psicológico, ainda que faça entrevista posterior para confirmar a aptidão do pretendente ao emprego.

Na esfera privada é sabido que certas empresas por vezes se utilizam de testes psicológicos duvidosos, que perguntam os maiores impropérios (v.g. "avaliação 360º"), tudo para sabatinar e oprimir abusivamente os pretendentes à vaga, e testar até que ponto estão dispostos a "doar-se" em prol da corporação. [18]

De fato, muito se tem discutido acerca da abusividade de tais testes, especialmente porque pretendem escolher perfil mais "pró-ativo" dos candidatos, em franca desvantagens dos mais tímidos, mas igualmente valorosos e estudiosos. Aliás, é sabido que na iniciativa privada até quesitos como altura e beleza contam no ingresso para o novo cargo.

Na Administração Pública, não apenas os expansivos têm vez. Os tímidos (mas estudiosos); os introvertidos (mas persistentes); os feios (mas inteligentes); desde que suplantem os falastrões em estudo, conhecimento e mérito, sagrar-se-ão vencedores.

Além de todo o núcleo principiológico decorrente do regime jurídico administrativo, na Administração Pública a seleção do candidato é realizada através das provas de conhecimento objetiva ou subjetiva, justamente para aferir sua inteligência, memória, atenção etc. no conteúdo específico para o cargo que deseja ocupar, sendo claro que tais quesitos por vezes se confundem com as aptidões que os testes psicológicos pretendem mensurar.

Desse modo, como dizer que um engenheiro que tirou excepcional nota em matemática ou física nas provas realizadas no concurso, possa ser reprovado nos testes psicológicos por, supostamente, não atender aos quesitos de "raciocínio abstrato"? É evidente que em tais casos há coincidência de aptidões que os testes não podem mensurar com exclusividade, devendo ser considerado o resultado das provas de conhecimento que demonstraram a qualificação dos candidatos.

Porventura alguém em "sã consciência" há de concordar que os melhores classificados em concurso público são os menos aptos; que tenham o QI mais baixo; que sejam menos estudiosos e capacitados que os demais; ou mesmo que estejam tais indivíduos abaixo da média intelectual das pessoas numa sociedade? Certamente que não!

Não se ignora que alguém possa ser muito inteligente, detendo enorme conhecimento em sua área do saber, mas não portar as condições psíquicas mínimas para acessar a cargo ou emprego público. Mas isto é problema que, em nosso entender e na linha dos administrativistas supracitados, está mais relacionado à sanidade física e mental dos exames admissionais, do que propriamente à eliminação de concurso público, cuja finalidade precípua é escolher os mais aptos para contribuírem com a Administração Pública, sem qualquer espécie de discriminação.

Destarte, o concurso público serve precipuamente para escolher-se os mais qualificados, sem apadrinhamentos, sem desvios de finalidade, sendo por isso mesmo o melhor método de seleção atualmente concebido, mormente para o quadro permanente da Administração, como assevera Romeu Felipe BACELLAR FILHO:

"Se o concurso público não é, segundo alguns pensam, a melhor forma de recrutamento de pessoal para a Administração Pública, representa, seguramente, a melhor opção até agora concebida, possibilitando, seu democrático procedimento, a todos que reúnam as condições exigidas ampla participação na competição." [19]

Diante destas considerações, é patente que a realização das provas do concurso público anteriores à testagem psicológica, pode cumprir o papel de aferir os quesitos envolvendo raciocínio abstrato, inteligência e mesmo raciocínio verbal, de modo que os testes psicológicos deveriam cotejar o desempenho do candidato nas provas que o antecederam porque já mensuradas, ainda que parcialmente, tais habilidades, sendo inadmissível que certas habilidades sejam julgadas exclusivamente com base nos testes psicológicos.


6. A realização de testes psicológicos nos concursos deve considerar o tipo de função a ser desenvolvida não sendo razoável a invasão da esfera psíquica e dos direitos da personalidade nas atividades que não sejam periculosas ou que intrinsecamente não exijam tais testes.

Há certo consenso que para determinadas funções os testes psicológicos adquirem especial relevância dado o grau de periculosidade que envolverá a futura atividade. Exemplo disso é a categoria dos policiais que terão porte de arma e enfrentarão nossos elevados índices de violência, bem como a dos motoristas que irão dirigir nas tensas e difíceis estradas brasileiras, ou mesmo em relação aos controladores de vôo, que tais atividades sejam avaliadas, à luz dos testes psicológicos.

Então pergunta-se: Será que é toda e qualquer atividade que exige tamanha invasão da esfera psíquica? Será que há sentido em realizar uma prova psicológica de cunho eliminatório funções como administrador, contador e advogado? Pensamos que não. Neste caso há clara violação do princípio da proporcionalidade em seu trinômio, i) adequação, ii) necessidade e iii) proporcionalidade em sentido estrito. [20]

As funções que demandam rigorosa testagem psicológica são aquelas que colocam em risco a sociedade ou a vida, como destaca Francisco Lobello de Oliveira ROCHA:

"Além disso, é preciso muita cautela na escolha de critérios eliminatórios. Só podem ter caráter eliminatório as características ou traços psicológicos absolutamente incompatíveis com o exercício do cargo, pois a exigência de qualquer requisito desnecessário viola o princípio da razoabilidade. Exemplo clássico é o nível acentuado de agressividade, impulsividade ou instabilidade emocional vedadas nas carreiras policiais. Tais características, considerando-se as atribuições e instrumentos utilizados pelos policiais poderiam colocar em risco a sociedade e a vida de cidadãos inocentes" [21]

O magistério de Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO ao aduzir que apenas certas funções é que admitiriam a incidência de testes psicológicos endossa a tese, exemplificando:

"Compreende-se, por exemplo, que um teor muito alto de agressividade não se coadunaria com os encargos próprios de quem deva tratar ou cuidar de crianças em creches ou escolas maternais." [22]

Ora, se para os policiais faz-se necessário perquirir os níveis de agressão, dominância, exibição, ordem, etc., porque o seria para cargos como de administrador ou contador? Porventura tais funções colocam a sociedade em risco? Acaso colocará em risco a vida de inocentes sentado em seu gabinete de trabalho e tratando do dia-a-dia da Administração? Absolutamente, não!

Acerca do ponto, calham as observações de Luciano Augusto de Toledo COELHO:

"(...) Ao especificar a forma de violação do direito à reserva do direito à vida privada, [Monta Pinto] traz menção de que questionários e testes relativos a aspectos incluídos na vida privada do trabalhador devem ser limitados aos casos em que seja necessária a proteção de segurança de terceiros o do próprio trabalhador, ou de outro interesse público relevante.

Levando-se em conta essa última observação, estabelece-se um permissivo para a aplicação dos testes, cria, ao mesmo tempo, um limite ao empregador, assim, em tese, poderia haver justificativa para a aplicação de um teste específico de personalidade em candidatos para determinadas funções que pudessem oferecer perigo, como, por exemplo, motoristas (um motorista agressivo demais, por exemplo, poderia ser recusado...) Já no caso de contratação de uma secretária, de uma auxiliar administrativo, de um advogado... a questão da personalidade não tem relevância a ponto de justificar a invasão da esfera psíquica, além dos aspectos profissiográficos específicos do cargo ou de uma eventual situação específica da contratante.

(...)

(...) Parece-nos fora de dúvida que testes de personalidade ou projetivos invadem a esfera psíquica do indivíduo e que, se existe um direito psíquico derivado da personalidade, que é irrenunciável não se justifica, juridicamente, hoje, em todas as situações, a aplicação de testes aos candidatos a emprego, mesmo que por profissional qualificado." [23](grifo nosso)

Diante destas considerações, indevida a utilização de testes psicológicos para cargos como de administrador, contador, advogado, engenheiro, etc., eis que desnecessários tendo em conta a função a ser exercida, pois não estão em risco nem a sociedade nem a vida daqueles submetidos a atuação deste tipo de profissional, o que nos leva a conclusão que mesmo que o edital exija teste psicológico para certos cargos ou empregos, isto não quer dizer que seja proporcional e razoável tal exigência editalícia. Tudo dependerá o exame concreto da função a ser exercida.


7. A exigência de perfil profissiográfico nos editais de concursos. Considerações sobre o Decreto Federal n° 6.944/2009 e as alterações promovidas pelo Decreto n° 7.308/2010

Considerando os aspectos traçados no item anterior, importante ainda traçarmos algumas observações acerca da exigência dos editais do chamado perfil profissiográfico, em especial quando direcionados a selecionar dentre os candidatos àqueles cuja personalidade esteja mais "afinada" aos duvidosos padrões de personalidade exigidos a qualquer cargo ou emprego público.

O perfil profissiográfico nada mais é do que uma forma pomposa de designar o perfil profissional e aspectos da personalidade desejadas do candidato para o cargo ou emprego que almeja. Sua elaboração ou exigência comporta duas questões relevantes:

inexistência do perfil nos editais, o que em ultima análise invalida o teste porque não esclarecido qual o perfil procurado pela Administração e

saber até que ponto é constitucional alijar candidatos que não estejam adequados aos padrões de personalidade eleitos para certos cargos.

Quanto ao primeiro aspecto, o que está em questão é saber se o edital minudenciou o perfil profissiográfico aplicado ao candidato, pois se não o fez, relega a critérios desconhecidos e obscuros a fixação a posteriori destes critérios o que impossibilita a utilização do teste para eliminar o candidato por ausência de critérios objetivos previamente conhecidos.

O segundo aspecto tira parte da importância do primeiro, pois se reconhecermos que o edital não pode exigir o perfil profissiográfico - tendo em conta que a Constituição não exige tal requisito para o acesso a cargo ou emprego públicos - não seria possível a declaração de aptidão ou inaptidão do candidato com base nos nestes perfis.

A questão dimana certa reflexão, pois como visto no item anterior é certo que determinados cargos ou funções públicas não exigem (e mesmo repudiam) qualquer seleção profissiográfica, visto que a Administração não pode exigir certos padrões de personalidade de candidatos em relação ao futuro desempenho de função pública.

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Doutra banda, parece-nos correto que certas atividades demandam maior atenção quanto aos traços da sua personalidade que eventualmente inviabilizem o exercício da função (ex: policiais, motoristas, controladores de tráfego aéreo etc.) e, para ser coerente com o aqui postulado, que tal perfil seja apurado após o concurso e antes da nomeação do candidato, portanto, nos exames médicos que antecedem o provimento.

Importante aqui não confundir exigência de perfil profissiográfico que tenha por finalidade apurar os candidatos manifestamente inaptos para o exercício da função, com outros perfis ditos "profissiográficos", mas que em verdade pretendam fazer uma seleção de personalidade exigindo critérios que não afetem nem inviabilizem o exercício de cargo ou emprego público.

Nessa linha, importante o julgado do TRF da 1ª Região, Rel. Maria Isabel GALLOTTI:

EMENTA:CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. LEGALIDADE.

Segundo o enunciado 239 da Súmula do TFR "é legítima a exigência de exame psicotécnico em concurso público para ingresso na Academia Nacional de Polícia", em razão de expressa previsão constitucional e legal (Lei nº. 4.878/65 e Decreto-Lei nº. 2.320/87).

Viola, contudo, a Constituição a realização de psicotécnico cujo escopo não é apenas aferir a existência de traço de personalidade que prejudique o regular exercício do cargo, mas a adequação do candidato a "perfil profissiográfico" considerado ideal pela Administração, mas não previsto em lei.

Agravo de instrumento a que se dá provimento. (TRF1, AG 200701000340107/DF, MARIA ISABEL GALLOTTI RODRIGUES, Sexta Turma, DJ de 01/09/2008)

Ainda sobre a questão do perfil profissiográfico, importante tratarmos brevemente do Decreto Federal n° 6.944/2009.

É que acertadamente o artigo 14 do Decreto n° 6.944/2009 limitava tanto o exame psicotécnico à detecção de problemas psicológicos que comprometessem as atividades do cargo ou emprego, como vedava a realização de exame psicológico para aferição de perfil profissiográfico, avaliação vocacional ou avaliação de quociente de inteligência, a saber:

"Art. 14. A realização de exame psicotécnico está condicionada à existência de previsão legal expressa específica e deverá estar prevista no edital.

§1o O exame psicotécnico limitar-se-á à detecção de problemas psicológicos que possam vir a comprometer o exercício das atividades inerentes ao cargo ou emprego disputado no concurso. 

§2o É vedada a realização de exame psicotécnico em concurso público para aferição de perfil profissiográfico, avaliação vocacional ou avaliação de quociente de inteligência."

Inobstante o acerto do Decreto n° 6.944/99, começaram a pulular em todo o País inúmeras decisões judiciais que invalidavam concursos que exigiam perfil profissiográfico, justamente com base no aludido Decreto, o que certamente deve ter motivado o Governo Federal a editar o Decreto n° 7.308/2010 [24] que eliminou a redação anterior, trazendo uma série de novas normas a respeito dos testes psicológicos no âmbito da União.

A nova redação ainda que tenha apontado importantes requisitos quanto à publicidade de critérios de seleção por teste psicológico, incorre em graves problemas, em especial:

não especifica como deverá a Administração motivar, através de estudos científicos, quais as habilidades e características pessoais necessárias para o cargo (admitindo perfil profissiográfico), inclusive para fins de questionamento do edital do concurso (art. 14, § 3°);

apesar de exigir que o edital explicite os requisitos psicológicos a serem avaliados (art. 14, § 5°), não exige que o edital esclareça como tais requisitos serão utilizados para correção dos testes (v.g. notas e percentis de corte dos candidatos);

não limita os testes psicológicos aos problemas que comprometam as atividades inerentes ao cargo ou emprego;

Apesar disso, é evidente que o novo regramento da matéria pela via infra legal (afinal, o referido Decreto não pode ocupar o espaço de Lei formal para regrar testes psicológicos em concursos públicos) não invalida todo o avanço jurisprudencial e doutrinário acerca do tema, porquanto é claro que a Administração não pode estabelecer perfil profissiográfico para todo e qualquer cargo ou emprego, à exceção de certas atividades cujos traços da personalidade sejam absolutamente incompatíveis com o exercício da função pública; tampouco pode omitir quais os critérios e notas de corte de candidatos nos testes psicológicos e mais do que simplesmente estabelecer o perfil profissiográfico é fundamental motivar porque tal cargo ou emprego exige certo perfil profissional e de personalidade.

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Sobre o autor
Rodrigo Valgas dos Santos

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Presidente do Instituto de Direito Direto administrativo de Santa Catarina IDASC (2005/2010) e seu atual Diretor Acadêmico. Professor de Direito Administrativo de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Florianópolis/SC (CESUSC) e da extensão da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina – ESMESC. Conselheiro do Instituto de Brasileiro de Direito Administrativo - IBDA, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da OAB/SC (gestão 2010/2013). Advogado e Consultor Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Valgas. Testes psicológicos nos concursos públicos.: Dilemas e reflexões entre Direito e Psicologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3135, 31 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20984. Acesso em: 25 abr. 2024.

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