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Redução da maioridade penal: uma afronta à Convenção sobre os Direitos das Crianças

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22/02/2012 às 09:03
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5. SE REDUZIRMOS A MAIORIDADE PENAL, DIMINUIRÁ A VIOLÊNCIA?

Do rio que tudo arrasa, diz-se violento. Ninguém chama violentas as margens que o comprimem”. (Bertold Brecht)

A redução da maioridade penal no Brasil, pode contribuir para a diminuição dos atos infracionais (“delitos”) praticados pelos adolescentes (de 12 a 17 anos) com menos de 18 anos?

Pensamos que não. A redução da maioridade penal no Brasil em nada contribuirá para a diminuição da prática de atos infracionais (“crimes”) por parte dos adolescentes inimputáveis pelo critério etário já que isso não está relacionado com sua situação jurídica de inimputável, mas sim de uma política de negação de direitos, a saúde, educação, lazer, trabalho etc. Falha a sociedade o estado e falhamos nós a família. Com essa ausência/omissão surge o problema da “criminalidade” juvenil.

Em suma, são as principais causas motivadoras da prática de atos infracionais (crimes) por parte dos adolescentes de 12 a 17 anos: suas precárias condições sociais, econômicas, culturais, lares desestruturados, pais (quando convivem com eles) violentos, mães descuidadas, ambiente familiar inóspito, carências educacionais, enfim, ausência de oportunidade aos jovens, além da falta de políticas públicas estatais de amparo aos adolescentes para facilitar sua inclusão social, como por exemplo, a sua profissionalização, bem assim, a retomada aos estudos programas de apoio dos familiares, e outros.

E qual é o perfil do adolescente em conflito com a Lei? 90% não completaram a 8ª Série e eram do sexo masculino. 51% sequer frequentaram a escola. 76% tinham entre 16 e 18 anos. 60% eram negros. 86% eram usuários de drogas e com renda de até dois salários mínimos. Observa-se que falamos de Família desestruturada (sem pai, ou com pai violento, ou com mãe descuidada), educação e trabalho.

Onde está o Estado? Já dissemos: Ausente e omisso. Aí temos a principal causa da questão envolvendo adolescentes em conflito com a Lei. Ausência de políticas públicas de inserção do jovem em todos os campos.

Bertold Brecht, em seu Poema “Aos que virão depois de nós”, enfatizou: “Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia. Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça”. Assim segue a sina das crianças pelo mundo. Em tempos sombrios. É o que se vê nas fotografias acostadas ao presente estudo.

E como pensam alguns de nossos principais doutrinadores/pensadores sobre este tema?

Para Luiz Otávio Amaral[3], “A redução da maioridade, em primeiro lugar, fere princípio consagrado no direito brasileiro (e em países civilizados) de que o jovem é um ser em formação, diverso, pois, do adulto”.

Damásio de Jesus[4] enuncia que o Código Penal Brasileiro “adotou o sistema biológico em relação aos “menores” (exceção a regra). O Código prevê presunção absoluta de inimputabilidade. A menoridade (fator biológico) já é suficiente para criar a inimputabilidade”.

Luiz Flávio Gomes[5], “A tese da redução da maioridade penal (hoje fixada em dezoito anos) é incorreta, insensata e inconsequente, não obstante, tenha forte apoio popular, a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos ou menos, deve ser refutada, em razão sobre tudo, de sua ineficácia e insensibilidade”.

Fernando Capez[6] enfatiza que “Os “menores” de 18 anos, apesar de não sofrerem sanção penal pela prática de ato ilícito penal, em decorrência da ausência de culpabilidade, estão sujeitos ao procedimento e as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescentes (Lei 8.069/90), em virtude da conduta descrita como crime ou contravenção penal ser considerada ato infracional”.

Francisco de Assis Toledo[7] nos demonstra que nosso Código Penal não cuida dos “imaturos (menores de dezoito anos), a não ser, para declarar-los total e irrestritamente fora do direito penal (artigo 27), sujeitos apenas a pedagogia corretiva da legislação especial [...]salta aos olhos que o “menor” deve realmente ter tratamento especial, mediante legislação especial. Se essa legislação estiver desatualizada ou apresentar deficiências, a questão será de aprimorar-la e não, como por vezes se proclama, diminuir os limites para uma simplista extensão de reconhecimento da falha do sistema penitenciário que aí está, aos que ainda se encontram na puberdade”.

Mário Volpi[8] diz que “a aprovação da baixa da maioridade penal por alguns da população brasileira não está respaldada em dados, estudos e pesquisas que permitam efetuar uma análise da situação do adolescente em conflito com a Lei”.

Na exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal Brasileiro, Ibrahim Abi-Ackel[9] nos fala que o Código mantém o projeto da inimputabilidade ao adolescente com menos de 18 anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de política criminal. Os que preconizam a redução do limite com base na justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de crianças, não consideram a circunstância de que o adolescente é ainda, ser incompleto, e naturalmente anti-social, na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do seu processo de formação do seu caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores editada, dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, de instrumentos necessários ao isolamento do jovem infrator, con menos de 18 anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento de delinquente adulto, expondo-los à contaminação dos cárceres.

Outra indagação que nos permitimos fazer: O encarceramento em massa de jovens pobres com 14, 15 16 ou 17 anos será eficaz no combate ao crime? Por óbvio que não. Todos nós sabemos, a pena de prisão está falida.

Alerte-se: Colocar jovens adolescentes (rotulados como aprendizes do crime nas unidades de internação), junto com presos adultos, é matriculá-los nas faculdades do crime, de onde sairão pós-graduados.


6. PROJETOS DE EMENDAS À CF PARA REDUZIR A MAIORIDADE PENAL

Seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo e em nome de todos. É mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros. Que, em princípio, ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas”. (Michel Foucault- Vigiar e punir)

Atualmente no Brasil há cerca de 30 (trinta) PECs, em especial na Câmara dos Deputados, sobre a questão da redução da maioridade penal. Todas para diminuir a maioridade penal, a partir de 13 ou 14 anos, ou, na sua grande maioria, para 16 anos.

As propostas visam alterar o art. 228, da CF. Como dissemos, a maioria reduz a idade penal para 16 anos. Eis os principais “argumentos” que “embasam” essas PECs, todos tênues e sem qualquer substância convincente:

“Existe diferença entre idade cronológica e a idade mental. O jovem de 1940 (data do CPB) é diferente do de hoje, pois os de hoje vivem na era da informação e da globalização. O jovem com 16 anos possui discernimento, podem até votar (voto facultativo). Adultos utilizam os menores p/ cometer e assumir crimes em seus lugares como tráfico de Drogas. Objetiva-se impedir a carreira do crime, que ameaça iniciar ou continuar. A Ineficácia do ECA, que causa sensação de impunidade.A redução da maioridade penal vai diminuir a violência e a criminalidade”.

Diante dos “argumentos” acima transcritos, pedimos licença para invocar Milton Nascimento e Chico Buarque, que na magistral canção “ Cálice”, nos ensinam que essa verbalização discursiva não passa de: “Tanta mentira tanta força bruta...Pai, afasta de mim este cálice”.

A PEC menos insana é a do Senado Federal, que embora reduza a maioridade para 16 (dezesseis anos), o faz somente para crimes hediondos, devendo haver um Laudo Pericial para aferir o discernimento da pessoa, com sua reclusão sendo distinta dos adultos.


7. PROPOSTAS/ALTERNATIVAS PARA MINIMIZAR O PROBLEMA

No inferno, há um lugar especialmente reservado àqueles que se omitiram em tempos difíceis (Dante - A divina comédia)

Seria fácil e cômodo calar-se e dizer que tudo relacionado ao assunto em exame anda as mil maravilhas. Porém, como adverte Diante das linhas acima, ouso me manifestar, me prevenindo para não fazer parte desta “reserva especial”, embora tenha uma linha mais kardecista, não crendo em céu, inferno, paraíso e purgatório.

Reafirmando nosso posicionamento CONTRA a redução da maioridade penal, até porque ela, em nossa ótica, ofende letalmente a Convenção sobre os Direitos da Criança, temos a seguinte e singela proposta para tentar amenizar o problema da redução da maioridade penal e a prática de atos infracionais por adolescentes em conflito com a Lei:

Alteração do artigo 2º e seu Parágrafo único (limite 21 anos de internação), e do artigo 112, §§ 3º. 4º e 5º, ambos do ECA, que cuidam do prazo máximo para internação de 03 (três) anos, passando a constar, em breve síntese, que:

A medida privativa de liberdade (internação) será aplicada quando o adolescente tiver praticado algum ato infracional definido como crime hediondo, a exemplo de um homicídio qualificado, estupro, latrocínio, etc. (Lei nº 8.072/90). Nos demais casos, caberão as outras medidas socioeducativas, à exceção da internação (obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, advertência, etc.)

O adolescente poderá ser internado, por até 04 (quatro) anos, devendo ser liberado compulsoriamente, aos 22 anos. Com essa medida, desconstruímos o MITO da IMPUNIDADE. O raciocínio é simples. Um adulto que pratique um homicídio qualificado (crime hediondo) terá, em média, sua pena aplicada em 20 (vinte) anos de prisão. Com as benesses da Lei (progressão após cumprir 2/5 da pena), ficará preso, efetivamente, somente por 04 (quatro) anos. A mesma “pena” não?

Antes e durante, sua internação, será efetivado um em Laudo Pericial fundamentado, por ordem judicial, renovável de seis em seis meses. Deve o adolescente em conflito com a lei receber tratamento individual, especializado e multidisciplinar, composto por equipes de médicos, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, além de outros profissionais que se fizerem necessários, para aferir sua condição durante o período citado, a fim de revogação (ou não) da medida imposta, ou colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

Será obrigatório o oferecimento de ensino técnico profissionalizante (se maior que 14 anos) e educacional ao adolescente durante este período de internação. Após a desinternação (alta) do adolescente, ele fará jus a um acompanhamento por uma equipe multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais, etc.), de modo a facilitar sua interação social, isto no âmbito familiar, escolar e se for o caso, laboral (a partir de 14 anos - quando já poderá ser aprendiz).

O Marquês de Beccaria[0] já nos advertia: “prevenir os delitos é mais fácil que puni-los”. Em síntese, uma leve reforma no ECA, nos parece mais razoável no momento.

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Pensamos que apenas medidas normativas, como PECs, não servem para erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sócias, construir escolas, equipar hospitais, enfim não combatem a causa do problema ora enfrentado.

A mera questão numérica (17, 16 ou 15 anos) não resolve o problema, sendo um equívoco do discurso repressivo-punitivo. Se assim fosse, os MAIORES de 18 anos não cometeriam tantos crimes (mais de 90% do total). Como sabemos, nenhuma punição, por mais rigorosa que seja, vai intimidar o criminoso, que na maioria das vezes, só vem a conhecê-la depois de preso.

O que pensa nossa sociedade? O que pensam nossos políticos, nossos legisladores, sobre a redução da maioridade penal? Com certeza aprovam a redução da maioridade penal. Uma pesquisa da Folha de São Paulo, em 2004, aferiu que 84% da população era favorável à redução da maioridade penal.

Porém, em nossa visão, esse caminho é errado. Por que nossos governantes não pensam em dar escola aos meninos de rua? Por que querem mantê-los miseráveis como fala Carnelutti[1]. Por que não arranjam um modo de fornecer meios para que esses miseráveis que moram embaixo de viadutos possam se alimentar? Parece muito simples (mas é bom lembrar, pessoa com menos de 16 anos no Brasil não vota). Em nossa ótica a família e a escola devem educar e instruir e o Estado não se omitir (sob pena de haver a co-culpabilidade, dita pelo Dr. Eugenio R. Zaffaroni).


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por ter eu promessas a cumprir, e quilômetros a andar antes de dormir(Robert Frost – A saga dos Kennedy)

“A redução da maioridade penal perverte a racionalidade e principiologia constitucional, na medida em que abole o tratamento constitucional especial conferido aos adolescentes, inspirada na ótica exclusivamente repressiva, que esvazia de sentido a ótica da responsabilidade, fundada nas medidas socioeducativas. Com isto, a perspectiva sociojurídica de exclusão (repressiva e punitiva, de isolamento) vem a aniquilar a perspectiva de inclusão (protetiva e socioeducativa) de reinserção social”. (Flávia Piovesan – A redução da maioridade penal)

Finalizando, nossa resposta é SIM. A redução da maioridade penal afronta visceralmente os dispositivos da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, como exposto linhas atrás.

É falso o raciocínio de que o jovem adolescente é um problema afeto à segurança pública e ao Direito Penal, e deve ser reprimido e controlado. Essas políticas repressivo-punitivas estão falidas. Vejam-se as nossas prisões, verdadeiros depósitos de gente que se aperfeiçoa no aprendizado de praticar crimes. A esperança para eles é zero. Inexiste.

Não se deve substituir o Estado do Bem Estar Social pelo Estado do Direito Penal. Ferrajoli[2] já nos disse: “Os direitos e as garantias são a Lei do mais fraco”. Definitivamente Maquiavel[3] estava errado. Em regra, os fins jamais justificam os meios.

O agravamento de uma situação que claramente constitui em um problema social, com penas mais duras, não vai solucionar o problema da criminalidade. Desde quando o Direito Penal serviu para isso? Pretender ressocializar um adolescente que nunca foi socializado?

Não nos esqueçamos nunca o que fala a canção para uma criança na rua: “É honra dos homens proteger o que cresce”.


Notas

[1] CIRUZZI, María Susana. El delito de desaparición forzada de personas. Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido, 2005. p. 445

[2] PIOVESAN, Flávia. "A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal". Disponível em <http://www.ibccrim.org.br>.04.07.2001

[3] AMARAL, Luiz Otávio. A redução da imputabilidade penal. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, 2004

[4] JESUS, Damásio Evangelhista. Direito penal. 1 º vol. parte geral. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

[5] GOMES, Luiz Flávio. Redução da maioridade penal. Jus navegandi, nº. 1338. São Paulo, 2010

[6] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2005

[7] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994

[8] VOLPI, Mário. O adolescente e o ato infracional. 8ª Ed. São Paulo: Cortez, 2010

[9] ABI-ACKEL, Ibrahim. Exposição de motivos da nova parte geral. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005.

[10] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999

[11] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Bookseller, 2008

[12] FERRAJOLI, Luigi Derechos y Garantías. La Ley del más débil. 2ª Ed. Madrid: Editora Trotta, 2001

[13] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003

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Sobre o autor
Marcos José Pinto

Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Mestrando em Direito Processual e Cidadania pela Unipar. Especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto Nacional de Pós-Graduação e em Direito Penal e Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes. Professor de Direito Processual Penal I e II, na UFMS, em 2004, e de Direito Penal Militar-Parte Geral, na então Escola de Administração do Exército (EsAEx), em 2006. Membro da Coordenação do Núcleo Estadual (pelo MPM/MS) e do Banco de Docentes da Escola Superior do Ministério Público da União-ESMPU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Marcos José. Redução da maioridade penal: uma afronta à Convenção sobre os Direitos das Crianças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3157, 22 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21112. Acesso em: 18 abr. 2024.

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