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Limitações à aplicação do princípio da proteção no direito do trabalho

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elaborado em dezembro de 2000

1 Introdução

Os princípios são as fontes basilares para qualquer ramo do direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação. Em relação ao Direito do Trabalho não poderia ser diferente, já que os princípios estão presentes naqueles dois instantes, em sua formação e na aplicação de suas normas. Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na existência de princípios(1).

Em face disso, através das peculiaridades dos princípios inerentes a cada ramo do direito e da importância de sua influência, é que se torna extremamente necessário o estudo de tais princípios.

1.1 Princípios de direito. Conceito

De início, a fim de desenvolver um estudo mais completo, torna-se necessário averiguar qual o significado do vocábulo princípios dentro do ordenamento jurídico.

Para Miguel Reale, os princípios são certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber(2).

Em sua lição, De Plácido e Silva, estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que os princípios são o conjunto de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica(3).

Segundo Clóvis Beviláqua, os princípios são elementos fundamentais da cultura jurídica humana. Para Coviello, os princípios são os pressupostos lógicos e necessários das diversas normas legislativas(4).

A título de ilustração, expõe-se o comentário formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello acerca dos princípios em geral:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo(5).

Resta, assim, revelada a gigantesca importância dos princípios no sistema jurídico, de maneira que, insofismaticamente, pode-se concluir que, ao se ferir uma norma, diretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele sistema, eis que tal norma, direta ou indiretamente, está embutida em sua essência.

Por fim, ressaltando a importância dos princípios, Plá Rodriguez afirma que são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos(6).

Portanto, através das definições acima trazidas, pode-se concluir que os princípios constituem o fundamento maior de uma ciência jurídica, possuindo fundamental importância dentro de um ramo do direito, seja na elaboração da norma legal ou na aplicação em face dos casos concretos.

Após verificada a importância dos princípios dentro do ordenamento jurídico, passa-se doravante a analisar um dos mais importantes princípios peculiares do Direito do Trabalho, qual seja, o princípio da proteção.

1.2 Funções

Segundo a lição de Federico de Castro, os princípios constituem-se nas idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica, possuindo as seguintes funções: a) informadora, tendo em vista que, de forma direta ou indireta, inspiram o legislador, servindo-lhe como fundamento do ordenamento jurídico; b) normativa, dado o fato de atuarem de forma supletiva, no caso de ausência de lei, ou seja, funcionam como elemento de integração da norma jurídica; e, c) interpretadora, eis que funcionam como um critério de orientação do juiz ou do intérprete da lei(7).

Percebe-se, pois, que os princípios possuem tríplice função dentro da ciência jurídica, possuindo o condão de informar o legislador na época da elaboração da norma jurídica, bem como servir de critério para a integração e aplicação da lei aos casos concretos.


2 Princípios de Direito do Trabalho

2.1 Denominação

No que tange aos princípios vigentes no âmbito do Direito do Trabalho, a doutrina, em geral, atribui várias denominações diferentes umas das outras. A título de exemplo, Plá Rodriguez denomina-os de princípios de direito do trabalho; Cesarino Júnior denomina-os de princípios fundamentais da consolidação das leis do trabalho; Alfredo Ruprecht denomina-os de princípios normativos do direito do trabalho; e, Pedreira da Silva atribui a denominação de princípios específicos de direito do trabalho(8).

Porém, independentemente da forma de denominá-los, devem ser entendidos como o elemento de fundamental importância na elaboração e aplicação da norma jurídica. Entretanto, para fins meramente didáticos, serão denominados de princípios de direito do trabalho.

2.2 Aplicação

A própria legislação admite a incidência dos princípios gerais ou fundamentais de direito do trabalho como fonte formal de aplicação do Direito do Trabalho, conforme se constata da disposição contida no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho(9).

Para Valentin Carrion, os princípios fundamentais de Direito do Trabalho são os que norteiam e propiciam a sua existência, tendo como pressuposto a constatação da desigualdade das partes, no momento do contrato de trabalho e durante seu desenvolvimento(10).

Note-se, portanto, que o ordenamento jurídico trabalhista brasileiro admite, de forma expressa, a existência dos princípios de direito do trabalho, e, ainda, a sua existência como fonte formal deste ramo de direito e método de aplicação e integração da norma jurídica.

2.3. Enumeração

Em geral, costuma-se apontar vários princípios que são peculiares ao Direito do Trabalho, dentre os quais, pode-se indicar o princípio da proteção (‘in dubio pro operario’, norma mais favorável e condição mais benéfica), da primazia da realidade, da irrenunciabilidade, da continuidade, da boa-fé, da autodeterminação coletiva dentre outros apontados pela doutrina.

Entretanto, a análise de todos os princípios peculiares ao Direito do Trabalho, em sede de artigo, torna-se praticamente impossível o aprofundamento necessário para justificar a sua publicação, razão pela qual delimita-se o objeto do estudo, apontando com objetivo principal a abordagem do princípio da proteção e as regras que dele se extrai.


3 Princípio da proteção

Ao contrário do que ocorre no Direito Comum, onde se busca a todo custo a igualdade das partes, o legislador trabalhista teve grande preocupação em estabelecer maior amparo a uma das partes, ou seja, objetivou a proteção do trabalhador(11). Entretanto, essa aparente desigualdade tem por finalidade igualar as partes no âmbito do Direito do Trabalho.

Nas relações trabalhistas facilmente se percebe a desigualdade das partes, especialmente aquela de cunho econômico. O empregador possui o poder de dirigir o seu empreendimento e, não se pode negar que, em tempos de altos níveis de desemprego, o empregado não se sinta temeroso ante o risco de ser despojado de seu emprego. Assim, como poderia o direito tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais?

Justamente com a finalidade de igualar os desiguais foi que surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho. Pode-se afirmar, sem medo de errar. que este princípio trata-se de reflexo da igualdade substancial das partes, preconizada no âmbito do direito material comum e direito processual.

Essa referida igualdade substancial tem a finalidade de equiparar as partes desiguais, já que dar tratamento isonômico às partes, significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades(12).

Exatamente neste sentido, CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO afirmam que:

a absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial(13).

A aplicação do princípio da proteção no âmbito do Direito do trabalho, não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduz-se, em perfeita aplicação da igualdade substancial das partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes, seja nas relações de direito material seja nas relações de direito processual(14).

Verificado que o fundamento da existência do princípio da proteção é a efetiva igualdade das partes, ainda que para isso seja necessária a criação de normas protetivas a uma das partes, torna-se necessário verificar a forma de aplicação prática de tal princípio. O referido princípio desdobra-se em três regras: a) in dubio pro operario; b) norma mais favorável; e, c) condição mais benéfica.

3.1 In dubio pro operario

A regra do in dubio pro operario foi transportada do in dubio pro reo, vigente no Direito Penal, bem como o favor debitoris existente no Direito Civil, onde o devedor deverá ser protegido contra o credor. Tal regra possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Diante disso, deverá ser aplicado de forma inversa o princípio vigente no direito comum(15).

Essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória(16).

Enfatizando a concepção segundo a qual o legislador deve estabelecer um favorecimento àquele que visa proteger, Cesarino Júnior afirmou que:

Sendo o direito social, em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador(17).

Entretanto, a aplicação de tal regra suscita algumas dificuldades, haja vista não ser possível a sua aplicação de forma generalizada e incontida. Para que seja possível a aplicação do in dubio pro operario, torna-se necessária a observância de certas condições.

Em sua obra, Plá Rodriguez faz expressa menção aos ensinamentos de Deveali, no sentido da existência de duas condições para a aplicação da regra in dubio pro operario, a saber: a) somente quando exista dúvida sobre o alcance da norma legal; e b) sempre que não esteja em desacordo com a vontade do legislador(18).

Neste sentido, não pode o intérprete estabelecer intepretação extensiva onde essa não é cabível, nem pode procurar interpretações que fujam da sistemática da norma, já que somente poderá ser aplicada a regra in dubio pro operario, quando efetivamente existir uma dúvida acerca do alcance da norma legal e, ainda assim, sempre em consonância com a mens legislatoris.

Em sua lição, Ludovico Barassi faz um alerta para que se recorra ao in dubio pro operario somente quando existir uma dúvida efetiva em relação ao alcance da norma positivada:

Não se deve pensar que, em homenagem ao espírito dos tempos, se possa exceder, não apenas os limites da forma literal, mas também os do espírito da lei, tal como resulta objetivamente do conjunto das normas /.../ Não se deve crer que se possa sempre integrar a fórmula legislativa em homenagem ao fim protetor a que se propõe a lei. Há silêncios e reticências legislativas não fortuitas, mas provavelmente meditadas, de modo que em tal hipótese é preciso agarrar-se ao critério – por si tão mecânico e talvez falaz – oposto ao da analogia, e que é o de ‘ubi lex voluit dixit’ /.../ Com efeito, em leis como estas em que a finalidade protetora leva o legislador a estender o mais possível a regulamentação tutelar com fórmulas habitualmente meditadas e amplas, é necessário entender, melhor ainda, que se a interpretação duvidosa de uma fórmula deve ser conciliada com o fim e a economia geral da lei, uma lacuna ou um silêncio não deverão ser integrados às pressas, naquele sentido unilateral, porque não se pode excluir a possibilidade de que a lacuna desejada represente uma homenagem ao equilíbrio entre os contratantes(19).

Ao menos de forma absoluta, não se pode afirmar que o empregado sempre será a parte hipossuficiente da relação jurídica, eis que, em certos casos, o empregador poderá ser tão, ou mais, frágil que o próprio empregado.

Neste sentido, exemplificando, Francisco Meton Marques de Lima menciona caso concreto ocorrido na Vara do Trabalho de Quixadá (CE), conforme ora se aduz:

Diante do pretório, o empregado e o patrão, ambos com sintoma de infinita pobreza; o primeiro reclama soma elevada de diferença salarial, 13º, férias, horas extras, salário-família, indenização de antigüidade, anotações de CTPS; o reclamado não sabe sequer se manifestar em contestação, limita-se a dizer que não tem condição financeira para pagar qualquer indenização, mesmo com prejuízo do sustento próprio e da família (claro que expresso em linguagem coloquial); o Juiz-Presidente propõe a conciliação e para a surpresa de todos, o reclamado oferece a bodega ao reclamante na condição de este o empregar com carteira assinada e salário-mínimo. O reclamante rejeitou a proposta, dizendo que a bodega (contra a qual reclamava) não suportava tal encargo(20).

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Neste caso, não se pode afirmar de forma absoluta que o empregado seja a parte hipossuficiente da relação jurídica, razão pela qual, em determinadas situações, a aplicação do princípio deve ser mitigada, tendo em vista o fato de que a hipossuficiência é recíproca.

Aliás, reconhecendo que, em determinadas ocasiões, o hipossuficiente da relação nem sempre é o empregado, basta lembrar que a subordinação que se exige como requisito para a caracterização da relação de emprego não é econômica, mas jurídica. Não é difícil encontrar situações em que o empregado, por diversas razões (outra fonte de renda, economias, herança etc.), possui condições econômicas melhores que o seu empregador.

Também, há de se mencionar que existe grande divergência doutrinária acerca da possibilidade de aplicação da regra do in dubio pro operario no âmbito processual, sobretudo em se tratando de matéria probatória. A doutrina divide-se, basicamente, em duas correntes.

Com a finalidade de justificar a adoção do referido princípio, inclusive em matéria probatória, Cesarino Júnior afirma que:

Na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não satisfazer ambições, mas a prover às necessidades imediatas da vida. Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou contra a lei /.../ assim, o elemento ético-social, concretizado na tutela razoável do trabalhador, contribui para uma solução humana e justa(21).

No mesmo sentido, Mozart Victor Russomano entende que se deve decidir em favor do empregado sempre que o juiz estiver, com fundados motivos, hesitante entre duas soluções opostas. E quer essa dúvida resulte da ‘interpretação da lei’, quer resulte da ‘avaliação crítica da prova’, a conclusão do magistrado deve ser a mesma(22).

Para Santiago Rubinstein, a dúvida do legislador pode ocorrer tanto no momento de interpretação da lei ou da aplicação in concreto da norma jurídica, bem como na valoração das provas produzidas pelas partes no processo, sendo que, em todas essas hipóteses, pode haver a incidência da regra do in dubio pro operario(23).

Em contrapartida, a doutrina mais tradicional sustenta que a questão deve ser analisada sob o prisma do onus probandi, e não pela aplicação da regra do in dubio pro operario, sendo certo que somente poderá o magistrado afastar-se desse critério, nos casos em que o legislador estabeleceu determinadas presunções, permitindo-se, pois, a inversão do ônus da prova(24).

Como exemplo típico disso, pode-se mencionar o caso em que o empregado, com a finalidade de comprovar a jornada de trabalho laborada, requer ao juiz determine ao empregador para proceder à juntada de cartões de ponto, sob as penas do art. 359 do Código de Processo Civil. No caso de o empregador ignorar a determinação judicial, haverá uma presunção de veracidade das alegações do empregado, por força da disposição constante no art. 359 do CPCivil e Enunciado nº 338 da Súmula de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho(25).

Entretanto, o caso acima mencionado reflete perfeitamente uma incidência do princípio da proteção, mas não da regra do in dubio pro operario. O exemplo demonstra perfeitamente a aplicação das normas processuais atinentes ao ônus da prova, sendo certo que a presunção de veracidade das alegações do empregado, não demonstram aplicação da in dubio pro operario, mas apenas conseqüência por não ter o empregador se desincumbido do seu onus probandi.

Neste sentido, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região decidiu da seguinte forma:

Prova dividida ou inconclusiva - decisão judicial.

O princípio do ‘in dubio pro operario’ é de natureza exclusivamente hermenêutica, quando o julgador, ao deparar-se com um dispositivo legal de sentido dúbio, adotará a interpretação que for mais benéfica ao trabalhador, considerando-se que as leis trabalhistas, por princípio, são protetivas do hipossuficiente. A interpretação de provas, entretanto, é de natureza processual e neste campo não existe proteção ao trabalhador, buscando-se, ao contrário, a igualdade entre os litigantes, motivo pelo qual a dubiedade ou inconclusão de provas levará o julgador a decidir contra a parte que detenha o ônus probatório, inimportando se este é o empregado ou o empregador.

(TRT24ªR - RO nº 4.310/93 - Rel. Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior - DJMS 28.03.94)(26).

Para Manoel Antônio Teixeira Filho, não haverá incidência da regra do in dubio pro operario em matéria probatória, tendo em vista que ou a prova existe ou não se prova. A insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado seja ele o empregado. Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, nunca pendendo-se pela utilização da in dubio pro operario, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma(27).

Afirma Benito Pérez que a in dubio pro operario se aplica para a interpretação, ou seja, a verificação do sentido da norma jurídica, tendo em vista que é a forma de atuar conforma o espírito da lei. Porém, não será possível a sua utilização em matéria probatória, já que os fatos devem chegar ao juiz exatamente como eles ocorreram, sendo vedada a utilização dessa regra para suprir deficiências probatórias(28).

A decisão em benefício do empregado, pelo simples fato de ser empregado, não é decisão que se coaduna com as normas jurídicas positivadas, mas, ao contrário disso, reflete atitude piedosa, de favor, que se ressente de qualquer lastro de juridicidade. Torna a sentença frágil, suscetível de virtual reforma pelo grau de jurisdição superior. A desigualdade real entre as partes, entretanto, há de ser outorgada por leis processuais adequadas e não pela pessoa do julgador, a poder de certos critérios subjetivos e casuísticos(29).

Assim, a aplicação a regra do in dubio pro operario não pode ser aplicada de forma absoluta, sendo que a sua aplicação requer discernimento e ponderação do magistrado diante das situações concretas, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada.

3.2 Norma mais favorável

A regra da aplicação da norma mais favorável se constitui mais uma das vertentes do princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho.

Segundo Alonso García existem duas formas de se entender essa regra: sentido próprio e impróprio. No sentido impróprio, não se trata de verificar, dentre várias normas aplicáveis, a que se mostra mais benéfica ao empregado, mas, mostra-se no sentido de verificar, dentre as várias formas de interpretar a lei, qual a interpretação mais favorável. Entretanto, neste sentido, essa regra se confunde com a in dubio pro operario. Em seu sentido próprio, a regra se mostra efetiva quando existem várias normas aplicáveis à mesma situação jurídica(30). Eis aí a verdadeira mostra da regra.

A regra da aplicação da norma mais favorável resume-se em que havendo uma pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho, há de se optar pela que seja mais favorável ao trabalhador(31). Neste sentido, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador(32).

Em tese, não deveria existir o problema para o julgador de verificar qual seria a norma mais favorável para a sua aplicação in concreto, ante à existência de hierarquia de leis, já que bastaria a aplicação da norma hierarquicamente de grau superior. Entretanto, em face da existência dessa regra, pode-se dizer que formalmente não existe uma hierarquia das leis, já que no âmbito do Direito do Trabalho as normas jurídicas conferem um mínimo ao empregado, sendo que será perfeitamente lícito às partes pactuarem cláusulas mais benéficas ao empregado, serão essas, pois, as normas aplicáveis à relação de emprego.

Com muita maestria, Amauri Mascaro Nascimento expõe a ratificação da idéia acima descrita:

Ao contrário do direito comum, em nosso direito entre várias normas sobre a mesma matéria, a pirâmide que entre elas se constitui terá no vértice, não a Constituição Federal, ou a lei federal, ou as convenções coletivas, ou o regulamento de empresa, de modo invariável e fixo. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais favorável ao trabalhador dentre as diferentes em vigor(33).

É importante ressaltar que existe um limite para a aplicação da norma mais favorável ao empregado, já que o intérprete ou aplicador da lei não deve ter em vista o empregado considerado isoladamente, mas, deve buscar a preservação do interesse coletivo. Urge, ainda, mencionar que, sobrepondo-se ao interesse da coletividade, não poderá haver afronta ao interesse público. Assim, a norma mais favorável ao empregado, isoladamente considerado, não pode ser desfavorável para a sua categoria profissional(34).

Contudo, a maior dificuldade na aplicação da regra da norma mais favorável está em identificar tal norma, dentre as várias normas aplicáveis ao caso concreto, dada a pluralidade de fontes formais do Direito do Trabalho, tais como as leis, as convenções e acordos coletivos, sentenças normativas, regulamentos de empresa, etc.. Surge, pois, a grande pergunta: como se identifica a norma mais favorável a ser aplicada à relação de emprego?

Segundo Paul Durand, existem alguns critérios para que o intérprete ou aplicador da lei identifique a norma mais favorável, consubstanciando-se nos princípios orientadores:

1. a verificação deverá se dar considerando-se o conteúdo das normas, sem levar em consideração, entretanto, as conseqüências econômicas que poderão ser ocasionadas posteriormente;

2. a busca da norma mais favorável deverá levar em consideração a coletividade trabalhadora, não considerando, pois, isoladamente, o trabalhador. A cláusula contida em convenção coletiva de trabalho que fosse prejudicial à coletividade seria nula, ainda que trouxesse benefícios a um trabalhador, isoladamente considerado;

3. a apreciação da norma mais favorável não depende de avaliação subjetiva dos interessados, mas de forma objetiva, em função das razões que tenham inspirado as normas;

4. a comparação entre duas normas aplicáveis deverá ser feito de forma concreta, verificando se a regra inferior é, no caso, mais ou menos favorável aos trabalhadores(35);

5. como a possibilidade de melhorar a condição dos trabalhadores constitui uma exceção ao princípio da intangibilidade da regra imperativa hierarquicamente superior, não se pode admitir a eficácia de uma disposição inferior, embora se possa duvidar de que seja efetivamente mais favorável aos trabalhadores(36).

Conforme a lição do mestre francês, o intérprete ou aplicador da lei deve pautar-se por esses princípios orientadores para a verificação da norma mais favorável ao empregado com o fito de aplicá-la in concreto. Após essa verificação, indaga-se: como se estabelece a comparação? Devem ser comparadas as duas normas em seu conjunto ou tomada de cada norma a parte que seja mais favorável ao trabalhador?(37)

Basicamente, existem duas teorias acerca da aplicação da norma mais favorável: teoria do incindibilidade ou conglobamento, teoria da acumulação ou atomista.

A teoria incindibilidade ou conglobamento preconiza que as normas devem ser consideradas em seu conjunto, sendo certo que não deve haver a cisão do instrumento que contém as normas aplicáveis. Deverá, portanto, segundo essa teoria, haver a consideração global ou do conjunto das normas aplicáveis(38).

A teoria da acumulação ou atomista consubstancia-se na possibilidade de extração de cada norma as disposições mais favoráveis ao trabalhador, ou seja, haveria uma soma das vantagens extraídas de diferentes normas. Denomina-se atomista, pelo fato de que não toma o todo como um conjunto, mas a cada uma de suas partes como coisas separáveis(39).

Entretanto, embora sejam essas as duas posições mais tradicionais, é de fundamental importância mencionar as idéias de Aldo Cessari, dada a possibilidade de ampliação das alternativas tradicionais. O ilustre autor, além daquelas duas teorias já apresentadas, aponta a teoria da incindibilidade dos institutos e a teoria da incindibilidade das cláusulas.

Não se pode negar que a teoria da acumulação e a teoria do conglobamento analisam de forma radical a norma mais favorável aplicável à relação de emprego. As teorias indicadas pelo autor italiano constitui, sem sombra de dúvida, uma posição intermediária para a busca da norma aplicável. Entretanto, não se pensa em comparação de cláusulas nem em cisão de cláusulas, eis que normalmente seria muito difícil fazê-lo, já que estas encerram em si a vontade das partes na negociação coletiva. Parece adequado se falar em incindibilidade de institutos, eis que a sua comparação mostra-se mais racional, pressupondo, necessariamente, uma unidade conceitual e orgânica(40).

Neste sentido, Plá Rodriguez entende que a posição mais razoável, seria aquela segundo a qual o conjunto que se leva em conta para estabelecer a comparação é o integrado pelas normas referentes à mesma matéria, que não se pode dissociar sem perda de sua harmonia interior(41).

Em que pese seja passível de muito respeito a tese apresentada, a verdade é que, neste tema, doutrina e a jurisprudência titubeiam, havendo uma certa preponderância da teoria do conglobamento, já que esta visivelmente prestigia outro princípio de Direito do Trabalho, qual seja, o princípio da autodeterminação coletiva.

Aliás, é importante mencionar que, no âmbito do Direito do Trabalho na Espanha, tanto na doutrina como na jurisprudência, a regra é conhecida como princípio da norma mais benéfica em seu conjunto(42).

Neste sentido, acolhendo a teoria do conglobamento, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho proferiu a seguinte decisão:

Horas in itinere - Princípio do conglobamento x princípio da norma mais favorável - Teto máximo para sua concessão fixado em convenção coletiva.

Sendo a convenção coletiva firmada mediante transação entre as partes, há que se ter em mente o princípio do conglobamento onde a classe trabalhadora, para obter certas vantagens, negocia em relação a outras. Isso de modo algum afeta o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, uma vez que a norma coletiva deve ser analisada sistemicamente e não particularmente, sob pena de sua descaracterização. Assim, é válida a fixação de teto máximo para a concessão de horas in itinere em convenção coletiva.

(TST - RR nº 214.745 - 5ª T - Ac. nº 903/97 - Rel. Min. Armando de Brito - DJU 18.04.97)(43).

Também assim, prestigiando a regra em questão, decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região:

Norma coletiva – norma mais favorável.

De acordo com a teoria do conglobamento, é da interpretação do conjunto das cláusulas normativas instituídas pelos respectivos instrumentos que se extrai o conceito da norma mais favorável.

(TRT - 5ª R. - RO 008.95.1827-50 - Ac. 1ª T. 1.893/97 - Rel. Juiz Roberto Pessoa - DJBA 20/03/97) (44).

Conforme já mencionado, resta evidente que a jurisprudência e a doutrina tem dado guarida ao princípio da autodeterminação coletiva(45), já que a própria Constituição Federal foi bastante rica nesta questão, permitindo a redução de salários, a compensação da jornada de trabalho, inclusive no que tange ao trabalho em turno ininterrupto de revezamento e, por fim, a reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, sempre mediante a negociação coletiva com a participação da entidade sindical(46).

A negociação coletiva deve ser instrumento de melhoria das condições de trabalho e, também, das condições de vida dos trabalhadores, razão pela qual deve ser atribuída prevalência das normas coletivas sobre as normas individuais, inclusive no que tange à identificação da norma mais favorável aplicável à determinada relação de emprego.

Neste sentido, prestigiando a autodeterminação coletiva, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região proferiu a seguinte decisão:

Horas in itinere - Pré-fixação por intermédio de norma coletiva - Possibilidade.

A pré-fixação de horas "in itinere" mediante negociação coletiva se toma perfeitamente possível, em virtude da aplicação do princípio do conglobamento, segundo o qual podem ser pactuadas em convenções e acordos coletivos de trabalho, cláusulas aparentemente desfavoráveis aos trabalhadores, ao lado de outras que estipulem benefícios nem sempre protegidos pelas normas positivas, sem que o resultado global da avença coletiva seja considerado necessariamente prejudicial, afastando-se assim a ocorrência de qualquer nulidade.

(TRT - 15ªR - RO nº 20.906/96-0 - 5ª T - Ac. 010760/98 - Rel. Juiz Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva - DOE 05.05.98)(47).

De igual forma, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região decidiu a matéria da seguinte forma:

Acordo coletivo de trabalho - Transação - Validade.

A autonomia dos sindicatos na negociação dos interesses e direitos da categoria representada encontra especial relevo na atual Constituição da República - artigos 8º, incisos I, III e VI, e 7º XXVI -, não havendo como se questionar a validade de cláusulas de instrumento coletivo, livremente pactuadas, mormente se os representados se beneficiaram de outras vantagens do ajuste entabulado, pressupondo-se a intenção de concessões recíprocas. Deve a norma coletiva ser interpretada levando-se em conta a Teoria do Conglobamento ou da Incindibilidade, a qual não admite a invocação de prejuízo como objeção a uma cláusula, abstraindo-a do conjunto que compõe a totalidade da negociação coletiva. Recurso a que se nega provimento.

(TRT - 10ªR - RO nº 924/97 - Ac. 2ª T - Rel. Juíza Heloísa Pinto Marques - J. 10.03.98 - DJ. 27.03.98)(48).

Em recente decisão, a mais alta Corte Trabalhista decidiu no sentido de dar prevalência à autodeterminação coletiva em detrimento de interesse de trabalhador individualmente considerado, tendo em vista que as partes, por meio de convenção ou acordo coletivo, livremente pactuaram as condições de trabalho e, sendo assim, devem ser cumpridas. Confira-se:

Horas in itinere – Existência de horas excedentes à prevista na norma coletiva.

Havendo cláusula normativa dispondo que serão consideradas horas ‘in itinere’ apenas uma hora diária, independentemente de comprovação, impossível a desconsideração do pactuado, tendo em vista o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, decorrentes de determinação constitucional, conforme exegese do art. 7º, XXVI, da atual Carta Política. Recurso Provido.

(TST – RR nº 348.875/97.2 – Ac. 1ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula – j. 15.12.99)(49).

É possível, portanto, extrair que a verificação da norma mais favorável não poderá ser apurada pela acumulação de todas as normas favoráveis ao empregado, senão ser feita a partir de um conjunto de normas. A adoção da teoria da acumulação fere o poder de disposição das partes em negociação coletiva, e, sobretudo, vulnera o princípio da autodeterminação coletiva, tendo em vista que, em certas ocasiões, a categoria profissional negocia em relação a determinadas matérias, justamente com o fito de obter vantagens em outra. Assim, a adoção da teoria da acumulação, geraria um desequilíbrio entre as partes, estabelecendo vantagens indevidas a uma delas e, além disso, poderia prejudicar sobremaneira o que arduamente se busca – negociação coletiva para o estabelecimento das condições de trabalho.

3.3 Condição mais benéfica

A regra da condição mais benéfica consubstancia-se em mais uma das ramificações do princípio da proteção, instituído com o fito de igualar as partes desiguais no âmbito do Direito do Trabalho.

Essa regra determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis(50).

Para Odonel Urbano Gonçales, a regra da condição mais benéfica possui a sua base no direito adquirido, garantia insculpida no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal(51). Conforme o entendimento do autor, a lei não pode tirar do trabalhador condições e benefícios já concedidos e adquiridos, exatamente por ser o trabalhador a parte hipossuficiente da relação de trabalho. Do contrário, o trabalhador não teria nenhuma segurança em sua vida quotidiana(52).

Segundo Plá Rodrigues, a regra da condição mais benéfica pressupõe a existência de uma situação concreta, anteriormente reconhecida, e determina que ela deve ser respeitada, na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável(53).

Conforme já mencionado, a aplicação da regra exige como pressuposto a existência de uma situação concreta, sendo que essa situação pode ser resultar de lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa, contrato individual de trabalho e, até mesmo, regulamento de empresa. Basta o reconhecimento de uma situação concreta mais benéfica ao empregado.

Em sua lição, Francisco Meton Marques de Lima entende que a regra da condição mais benéfica repousa, basicamente, sobre dois fundamentos: a) a modificação das normas trabalhistas não pode operar ‘in pejus’; e b) o rebaixamento fere o direito adquirido, constitucionalmente protegido(54).

Efetivamente, a alteração das normas trabalhistas (lato sensu) não pode gerar uma modificação para piorar as condições de trabalho do empregado. Pode-se dizer que esse fundamento encontra guarida no direito positivo, evidenciado pela disposição segundo a qual as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes(55).

Ratificando o posicionamento do legislador, nesse sentido, o Enunciado nº 51 da Súmula de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho dispõe que as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.

Complementando o fundamento já exposto, o segundo fundamento apontado pelo legislador também demonstra situação de afronta à regra da condição mais benéfica, eis que não só o rebaixamento do empregado, mas qualquer alteração que seja prejudicial ao empregado poderá ser declarada nula.

Neste sentido, também é possível encontrar norma positivada que reflete clara influência da regra ora tratada, sendo possível a sua identificação com a disposição segundo a qual só é lícita a alteração das respectivas condições (de trabalho) por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia(56).

Segundo Alonso García, da aplicação da regra da condição mais benéfica surgem duas conseqüências:

1.quando se estabelecer uma regulamentação ou disposição de caráter geral, aplicável a todo o conjunto de situações trabalhistas, estas ficarão alteradas em suas condições anteriores, desde que não sejam mais benéficas ao trabalhador do que as recentemente estabelecidas; e

2. salvo disposição expressa em contrário, a nova regulamentação deverá respeitar, como situações concretas reconhecidas em favor do trabalhador, ou trabalhadores interessados, as condições que lhes resultem mais benéficas do que as estabelecidas para a matéria ou matéria tratadas – ou em seu conjunto – pela nova regulamentação(57).

A aplicação da regra da condição mais benéfica pode operar de forma restritiva ou extensiva. Opera de forma restritiva, quando obriga o empregador a manter as condições que já asseguram situação mais vantajosa ao empregado, em face da nova regulamentação que supriria essa vantagem. Opera de forma extensiva, quando for possível às partes, ainda que de forma indireta, pactuarem condições mais benéficas ao trabalhador, superiores àquelas garantias mínimas legalmente fixadas(58).

Embora sempre se fale acerca da condição mais benéfica, resta indagar sobre quais seriam as condições mais benéficas que devem ser respeitadas.

Para De La Lama Rivera, somente podem ser invocadas aquelas condições mais benéficas que tenham sido instituídas de forma definitiva, sendo que aquelas vantagens outorgadas, de forma tácita ou expressa, em caráter provisório, não podem ser invocadas para a aplicação da regra da condição mais benéfica(59). Assim, segundo o entendimento do mestre espanhol, aquela condição de caráter mais benéfico instituída provisoriamente, em face de determinada situação, cessará tão logo se extinga a sua causa, sem que se incorpore aquelas vantagens ao contrato de trabalho do empregado.

Exemplo típico da situação acima descrita reside no caso de um empregado substituir, em caráter interino, outro empregado, ocasião em que perceberia igual salário, mas, tão-logo retornasse à ocupação anterior, voltaria a receber o antigo salário, sem que a vantagem provisoriamente instituída se incorporasse ao seu contrato de trabalho. Aliás, neste sentido, o art. 450 da CLT dispõe que ao empregado chamado a ocupar, em comissão, interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.

De igual sorte, há de se mencionar que não há condição mais benéfica decorrente de condições de trabalho adversas, ainda que tais situações gerem uma remuneração maior ao trabalhador. Por exemplo, embora o empregado receba adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, adicional noturno e horas extras, estas não se tratam de condições mais benéficas e, a eliminação da insalubridade, periculosidade, trabalho noturno e extraordinário, com a conseqüente exclusão do pagamento, não se trata de supressão de condição mais benéfica ao empregado(60).

Prosseguindo, segundo a concepção de De La Lama Rivera, existem dois inconvenientes para a aplicação da regra da condição mais benéfica, consubstanciando-se em inconveniente econômico e psicológico. O inconveniente econômico traduz-se em elevados encargos para a empresa, que ocasionalmente pode não ter condições para suportá-los, determinando, pois, o seu fracasso e ruína, juntamente com todas as demais conseqüências. O inconveniente psicológico mostra-se em face de que tal regra pode ser inibidora à outorga de vantagens ou benefícios ao trabalhador, ainda que de forma transitória, diante do risco de tornar-se inalterável(61).

Em face desses inconvenientes, o mestre espanhol entende que existem duas espécies de condições favoráveis: 1) aquelas que produzem efeitos legais, sendo juridicamente exigível seu cumprimento, por serem fonte de direitos subjetivos; 2) a de cumprimento inexigível por estarem baseadas unicamente na liberalidade do empresário, sem criar direito subjetivo algum, por não ser essa a vontade do mesmo. Costumam também estar ligadas a fatos ou atos determinados. São anuláveis a qualquer momento(62).

Com muita propriedade, Plá Rodriguez tece crítica ao entendimento do mestre espanhol, já que não há que se falar em duas espécies de condições benéficas. Uma coisa é o estabelecimento de condições benéficas oferecidas provisoriamente, em virtude da ocupação de um determinado cargo, o que será revertido posteriormente e, outra coisa, é a manutenção das condições mais benéficas oferecidas espontaneamente pelo empregador. Não há que se falar em desrespeito a tal regra, pelo simples fato de determinada condição ter sido instituída pelo empregador(63).

Concluindo, qualquer modificação das condições de trabalho importará em afronta à regra da condição mais benéfica, já que tal postulado repousa sobre a garantia constitucional de respeito ao direito adquirido, salvo em se tratando de condições benéficas estabelecidas provisoriamente, as quais poderão ser suprimidas e, ainda, aquelas modificações que não importam em alteração de condição mais benéfica, tais como a supressão de labor em ambiente insalubre ou perigoso, trabalho noturno e extraordinário.

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Sobre o autor
Júlio Ricardo de Paula Amaral

juiz do trabalho em Londrina e doutorando em Direito Social pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Júlio Ricardo Paula. Limitações à aplicação do princípio da proteção no direito do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2137. Acesso em: 23 dez. 2024.

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