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Aspectos trabalhistas na educação a distância

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03/05/2012 às 10:25
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6 FIGURA DO TUTOR NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

O tutor é o profissional que irá acompanhar o aluno no decorrer do curso. É ele quem tira as dúvidas dos discentes, corrige os exercícios e as avaliações, inclusive aquelas presenciais. Enfim, ele é o elo entre os alunos e a instituição de ensino.

Há várias discussões para saber se a tutoria, como atividade profissional seria uma atividade docente ou uma atividade meramente administrativa.

Observa-se que haverá grande diferença para questões trabalhistas caso o tutor seja definido como uma espécie de professor ou se ele é um empregado administrativo da instituição de ensino. Já que o professor tem carga horária de trabalho, licenças por gala ou luto, período de férias e vários outros aspectos diferenciados.

Algumas instituições de ensino pretendem conceituar o tutor como um empregado administrativo sujeito a oito horas de trabalho diárias. Tal não seria permitido se o tutor for considerado uma espécie de professor.

Na prática, percebe-se que o tutor, apesar de não ministrar aulas, tem como sua atividade básica as mesmas atividades de um professor comum: corrige provas e exercícios, esclarece dúvidas de alunos e os orienta. A dessas atividades, inerentes às de um professor possui o ônus de ter de esclarecer os alunos em questões administrativas, ou seja, como os alunos não vão presencialmente todos os dias à instituição de ensino, a solução de pendências financeiras e administrativas compete ao tutor. Este terá o ônus de repassá-las à secretaria. Ou seja, além das atividades docentes possui atividades administrativas também, o que não tem o condão de ofuscar suas atividades preponderantes de professor.

De acordo com Iranita Sá[24] a tutoria como método nasceu no século XV no ambiente universitário. Era usada como orientação de caráter religioso aos estudantes, com o objetivo de infundir a fé e a conduta moral. Posteriormente, no século XX, o tutor assumiu o papel de orientador e acompanhante dos trabalhos acadêmicos. É com este mesmo sentido que esta figura incorporou-se aos atuais programas de educação a distância.

Para Edith Litwin[25], na perspectiva tradicional da educação a distância, era comum sustentar a ideia de que o tutor dirigia, orientava, apoiava a aprendizagem dos alunos, mas não ensinava. Assumiu-se a noção de que eram os materiais que ensinavam e o lugar do tutor passou a ser o de um “acompanhante” funcional para o sistema. O lugar do ensino assim definido ficava a cargo dos materiais, “pacotes” autossuficientes sequenciados e pautados, que finalizavam com uma avaliação semelhante em sua concepção de ensino.

De maneira geral, os conhecimentos necessários ao tutor não são diferentes dos que precisa ter um bom docente. Este necessita entender a estrutura do assunto que ensina, os princípios da sua organização conceitual e os princípios das novas ideias produtoras de conhecimento na área. Sua formação teórica sobre o âmbito pedagógico-didático deverá ser atualizada com a formação na prática dos espaços tutoriais. Shulman[26] sustenta que o saber básico de um tutor inclui pelo menos:

·                     conhecimento do conteúdo;

·                     conhecimento pedagógico de tipo real, especialmente no que diz respeito às estratégias e à organização da classe;

·                     conhecimento curricular;

·                     conhecimento pedagógico acerca do conteúdo;

·                     conhecimento sobre os contextos educacionais; e

·                     conhecimento das finalidades, dos propósitos e dos valores educativos e de suas raízes históricas e filosóficas.

Para Márcio Silveira Lemgruber[27], a legislação é clara no sentido de que tutor é professor. Sua mediação é uma função docente, tanto na tutoria específica de uma disciplina, quanto na tutoria, em geral presencial, como um orientador de estudo. O autor é um dos que criticam a utilização do termo tutor, ao invés de professor. Em seu artigo: “Criar e professorar um curso online: relato de experiência”, escreve que preferiu recorrer ao verbo professorar no título de seu trabalho, visando a “garantir o papel do professor no ambiente online, reagindo assim à equivocada supressão do seu lugar em nome do ‘tutor’ ou da ‘tutoria.”

Segundo Liliana Dias Machado[28], o ensino a distância difere completamente, em sua organização e desenvolvimento, do mesmo tipo de curso oferecido de forma presencial. No ensino a distância, a tecnologia está sempre presente e exigindo uma nova postura de professores e alunos.

Para o exercício competente destas funções, mister se faz formação especializada. Hoje, a ideia da formação permanente vigora para todas as profissões, mas especialmente para os profissionais da educação. Para Edith Litwin[29]: “O tutor se encontra diante de uma tarefa desafiadora e complexa, o bom desempenho desses profissionais repousa sobre a crença de que ‘só ensina quem aprende’, o alicerce do construtivismo pedagógico.

Iranita Sá[30] afirma que: “exige-se mais do tutor de que de cem professores convencionais”, pois este necessita ter uma excelente formação acadêmica e pessoal. Na formação acadêmica, pressupõem-se capacidade intelectual e domínio da matéria, destacando-se as técnicas metodológicas e didáticas. Além disso, deve conhecer com profundidade os assuntos relacionados com a matéria e área profissional em foco. A habilidade para planejar, acompanhar e avaliar atividades, bem como motivar o aluno para o estudo, também são relevantes. Na formação pessoal, deve ser capaz de lidar com o heterogêneo quadro de alunos e ser possuidor de atributos psicológicos e éticos: maturidade emocional, empatia com os alunos, habilidade de mediar questões, liderança, cordialidade e, especialmente, a capacidade de ouvir.

O tutor em educação a distância exerce duas funções importantes - a informativa, provocada pelo esclarecimento das dúvidas levantadas pelos alunos, e a orientadora, que se expressa ajudando nas dificuldades e na promoção do estudo e aprendizagem autônoma.

Para Iranita Sá[31], “no ensino a distância o trabalho do tutor fica de certo modo diminuído considerando-se o clima de aprendizagem autônoma pelos alunos”, pois muito da orientação necessária já se encontra no próprio material didático, sob a forma de questionário, recomendação de atividades ou de leituras complementares.

Constata-se que a função do tutor deve ir além da orientação. O tutor esclarece dúvidas de seus alunos, acompanha-lhes a aprendizagem, corrige trabalhos e disponibiliza as informações necessárias, terminando por avaliar-lhes o desempenho.

Liliana Dias Machado[32] considera que

“A tutoria é o método mais utilizado para efetivar a interação pedagógica, e é de grande importância na avaliação do sistema de ensino a distância. Os tutores comunicam-se com seus alunos por meio de encontros programados durante o planejamento do curso. O contato com o aluno começa pelo conhecimento da estrutura do curso, e é preciso que seja realizado com freqüência, de forma rápida e eficaz. A eficiência de suas orientações pode resolver o problema de evasão no decorrer do processo. Existem significativas diferenças entre o professor-autor e o professor-tutor, embora ambos sejam profissionais virtuais. O professor-autor desenvolve o teor do curso, escreve e produz o conteúdo e atua na organização dos textos e na estruturação do material. É preciso que ele conheça as possibilidades e ferramentas do ambiente, pois deverá interagir com a equipe de desenvolvimento para entender a potencialidade dos recursos a serem utilizados e elaborar o desenho de texto e do conteúdo do curso, de forma a contemplar todas essas potencialidades (Maia, 2002). Após a conclusão do conteúdo pelo professor-autor, entra em ação o professor-tutor cujo papel é o de promover a interação e o relacionamento dos participantes. A tutoria é necessária para orientar, dirigir e supervisionar o ensino-aprendizagem. Ao estabelecer o contato com o aluno, o tutor complementa sua tarefa docente transmitida através do material didático, dos grupos de discussão, listas, correio-eletrônico, chats e de outros mecanismos de comunicação. Assim, torna-se possível traçar um perfil completo do aluno: por via do trabalho que ele desenvolve, do seu interesse pelo curso e da aplicação do conhecimento pós-curso. O apoio tutorial realiza, portanto, a intercomunicação dos elementos (professor-tutor-aluno) que intervêm no sistema e os reúne em uma função tríplice: orientação, docência e avaliação.”

 O trabalho docente, neste contexto de educação a distância, caracteriza-se pela parceria que vai desenvolver com o estudante, com o tutor tornando-se parte de uma equipe de aprendizes, com novos desafios, cujos novos limites e responsabilidades se constroem coletivamente.

Na realidade, nem a legislação, nem a doutrina brasileira definiram ou conceituaram esses vocábulos, e não delimitaram com rigor suas abrangências. Dado o caráter relativamente recente de ampliação do Ensino a Distância tampouco a jurisprudência chegou a apreciar as questões polêmicas pertinentes.

Falta regulamentar os horários e as cargas horárias de trabalho, entre outros aspectos, pois são preocupantes no trabalho de docência questões como: condições de trabalho, remuneração, quantidade de alunos por docente, falta de proteção trabalhista e atenção pedagógica.

Daniel Mill[33] destaca tais problemas trabalhistas a seguir explicitados:

“Exemplo desse quadro encontra-se no relato de uma professora da área da saúde que afirmou ter assumido três turmas (60 alunos por turma) de forma induzida, sendo remunerada no valor equivalente a uma hora/aula semanal para cada 60 alunos. A participante comentou que isso era insuficiente para atender a todas as demandas dos alunos e também que não encontra possibilidades de não aceitar esta tarefa. Uma professora universitária diz que, na instituição em que trabalha, os professores, tutores ou plantonistas são jogados nas disciplinas com muitos alunos. Argumenta que isso ocorre porque a preocupação pedagógica com a formação é mínima. Um coordenador de uma faculdade privada afirmou em seu relato que a maioria dos “pressupostos” de educação a distância insistem em transferir o modelo presencial para educação a distância. Segundo ele, isso parece um pecado do ponto de vista trabalhista.”[34]

 Muitos desses profissionais segundo Daniel Mill[35] são obrigados a ministrar alguma disciplina na modalidade de educação a distância sem nenhum preparo ou qualificação específica e, ainda, com um número elevado de alunos. Trata-se de uma realidade vivenciada por muitos docentes do ensino superior, já que tanto os professores como os tutores ou os plantonistas, são lançados nas disciplinas com muitos alunos.

O aspecto mais enfatizado é a flexibilização do trabalho, que remete a outras questões relativas ao tempo e espaço de trabalho, que nem sempre significa conquista, mas na maioria das vezes precarização ainda maior da atividade, uma vez que o sujeito deixa de ter um espaço definido de trabalho, realizando as atividades no espaço doméstico.

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Inajara Viana de Salles Neves[36] enfatiza as condições de trabalho na educação a distância dizendo que:

“o professor na atividade pedagógica virtual significa muitas vezes preparar o material didático para que o tutor execute as aulas. A idéia inicial parece indicar que ser tutor é menor que ser professor, entretanto é importante salientar que tanto o tutor como o professor exercem atividades docentes. Dito de outra forma, a tutoria parece ser uma função menos séria e importante em relação ao trabalho do professor, pois ela “não toma muito tempo”, é pior remunerada e ainda há menor cobrança por não exigir a presença do aluno. Entretanto, o discurso da flexibilidade, da autonomia e do trabalho fácil é, muitas vezes, enganoso e evidencia-se como sobrecarga de trabalho, com número elevado de alunos e demandas por conhecimentos/competências que ele ainda não domina. Há ainda a questão (da possibilidade) de controle excessivo do processo de produção e execução do trabalho. Tal realidade aponta a necessidade de reflexão sobre as condições de trabalho desses profissionais docentes na sociedade contemporânea. Nos últimos anos, o emprego das novas tecnologias e de novas formas organizacionais promove mudanças nas condições de trabalho com implicações para o ritmo, a responsabilidade, a quantidade de tarefas, a reorganização dos tempos, a exigência de maior atenção às operações mentais e físicas, o esforço físico, a segurança a limpeza, o barulho e o relacionamento interpessoal. As condições sociais de trabalho referem-se aos direitos e deveres expressos na legislação trabalhista que vêm passando por diversas modificações nos últimos anos em função do aumento da precarização das condições de trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira assinada e do trabalho independente.”[37]

Dessa forma, a inexistência de ordenamentos jurídicos claros que regulem a atividade do docente virtual remete a se pensar em que medida as questões relativas aos direitos e deveres desse profissional podem se consolidar. Pois, na legislação não há alusão sobre a regulamentação da profissão tutor. Portanto, não há garantias no que se refere ao processo de profissionalização dessa espécie sui generis de docente.

Muitas das vezes há um consenso geral de que o trabalho do docente virtual é uma atividade fácil de ser desenvolvida uma vez que pode ser realizada em qualquer espaço. Sabe-se que tal premissa não é verdadeira, pois nem sempre são oferecidas ao trabalhador as ferramentas tecnológicas para desenvolvimento do trabalho. Portanto, muitas vezes esse sujeito realiza o trabalho em casa, utilizando o computador e a internet própria, pois a instituição empregadora não oferece tais recursos adequadamente. E, quando oferece, muitas das vezes os recursos não estão disponíveis ou em boas condições de uso.

Segundo Mill[38], dito de outra forma, a tutoria parece ser uma função menos séria e importante em relação ao trabalho do professor, pois ela “não toma muito tempo”, é mal remunerada e ainda há menor cobrança por não exigir a presença do aluno.

Entretanto, o discurso da flexibilidade, da autonomia e do trabalho fácil é, por certo enganoso e se evidencia como sobrecarga de trabalho, com número elevado de alunos e demandas por conhecimentos/competências que ele ainda não domina.

Para Rodriguez[39], há ainda a questão de controle excessivo do processo de produção e execução do trabalho. No conjunto dessas questões, pergunta-se como fica a formação desses profissionais. No âmbito da educação a distância, é necessário que as instituições formadoras ofereçam equipes interdisciplinares e multidisciplinares e seja possível que os profissionais trabalhem de forma coletiva, com possibilidades de diferentes linguagens e mídias.

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Sobre a autora
Debora Tiemi Scottini

Possui graduação em Turismo - Ênfase em Planejamento em Áreas Naturais pela Universidade Federal do Paraná (2005) , graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010) e graduação em Administração pela Universidade Federal do Paraná (2010) . Atualmente é servidor público efetivo do Ministério Público Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCOTTINI, Debora Tiemi. Aspectos trabalhistas na educação a distância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21664. Acesso em: 24 abr. 2024.

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