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Aspectos trabalhistas na educação a distância

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03/05/2012 às 10:25
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10. SUGESTÕES JURÍDICAS E PEDAGÓGICAS PARA MITIGAR A NATUREZA EXPLORATÓRIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NO ENSINO A DISTÂNCIA

Diante de todas as reflexões até aqui expendidas, mister se faz meditar em que medida é interessante ao capital manter essa forma de organização. Ou seja, quais as estratégias de exploração que estão se configurando nesse tipo de atividade profissional.

Nesse quadro, faz-se necessário um reporte aos aspectos legais, principalmente à Lei 9.394/96 que orienta a valorização dos profissionais da educação no seu artigo 67 e que nem sempre é reconhecida pelas instituições privadas de ensino, que legitimam apenas os aspectos pontuais do artigo 13.

Para Inajara Neves[53] no conjunto dessa realidade, entende-se que o assunto aqui proposto apresenta-se como um campo ainda pouco explorado, principalmente em se tratando da modalidade de educação a distância.

Outrossim, Lemgruber[54] aponta que a luta por uma educação a distância de qualidade deve contemplar, além da qualificação docente dos tutores e dos professores, suas condições de trabalho. É fundamental que se avance no estabelecimento de parâmetros quanto ao número de alunos atendidos.

O Decreto 5.622/2005 aborda diversos aspectos que os projetos pedagógicos para os cursos e programas devem contemplar, mas não menciona a relação tutoria e número de alunos. Muitas instituições abusam nessa relação expondo seus profissionais à situação de significativa exploração.

Lemgruber[55] indica alguns pontos, dentre outros, que uma instituição de ensino deve atender:

• Estabelecer uma proporção professor/alunos que garanta boas possibilidades de comunicação e acompanhamento.

• Quantificar o número de professores/hora disponíveis para os atendimentos requeridos pelos alunos.

• Garantir que os estudantes tenham sua evolução e dificuldades regularmente monitoradas e que recebam respostas rápidas a suas perguntas bem como incentivos e orientação quanto ao progresso nos estudos.

O autor salienta que:

“também aqui percebemos que se evita a definição de um número que traduza tal garantia de “boas possibilidades de comunicação e acompanhamento”. Qual seria ele? Podemos tomar alguns exemplos como base. No projeto Veredas, formação a distância em nível superior de professores das redes públicas de Minas Gerais, a Universidade Federal de Juiz de Fora, como uma das agências formadoras, tinha uma relação de um tutor para cerca de 30 cursistas. Na Universidade Aberta do Brasil, o MEC indica um tutor presencial para 25 alunos. Julgo que tais proporções atendem aos requisitos de qualidade propostos.”[56]

E ainda:

 “estão longe de expressarem a média existente no Brasil. Em 2006, em pesquisa feita para a ABRAED (2007), abrangendo 125 instituições, foi constatada a média de um profissional docente para 51 alunos. Diga-se que representou uma melhora em comparação com 2005, quando foi de um para 73 alunos. Vale mencionar que boa parte dos que ganham com o “inchamento” do número de alunos, perdem por terem uma evasão muito alta. “Enquanto as instituições com baixa evasão têm uma média de 32,7 alunos por profissional, nas escolas com mais de 30% de evasão essa média triplica, indo a 92,8 alunos por profissional” (ABRAeducação a distância, 2007, p. 96). Afinal, basta um clique de mouse para o aluno evadir.”[57]

Neste sentido, a função de tutoria ainda não recebeu o pleno reconhecimento como lugar essencial de mediação pedagógica nos cursos não presenciais. Infelizmente, também pelo próprio Ministério da Educação, através da Universidade Aberta do Brasil que remunera esta função como bolsa de pouco mais que um salário mínimo, sem direitos trabalhistas ou previdenciários.

É de se frisar que apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), que permitiu significativos avanços no conceito de educação a distância em todos os níveis; do Decreto 5.622, de 19/12/2005, regulamentador da educação a distância no Brasil e do Decreto 5.000, de 8/06/2006, que instituiu o Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, a legislação trabalhista ainda deixa muito a desejar no que tange aos direitos dos docentes.

 Nenhum dos diplomas legais ateve-se à essência de uma educação de qualidade, que diz respeito a conferir condições de trabalhos condignas aos profissionais imersos no processo.

Nestas circunstâncias, ao intérprete do Direito resta enfrentar a infinidade de problemas jurídicos resultantes decorrentes deste vácuo legislativo com a adoção das regras celetistas que salvaguardam os direitos dos professores em geral e a aplicação analógica de regras legais aplicáveis a outros trabalhadores a distância. Também a utilização dos princípios gerais do Direito em geral e do Direito do Trabalho em particular auxiliam em muito o operador do Direito.

Espera-se ainda que as entidades sindicais patronais e de empregados envolvidos no processo da educação a distância cheguem ao consenso em relação às condições básicas de trabalho dos profissionais representados, inserindo cláusulas nos instrumentos normativos que supram a lacuna legislativa existente.

Iniciativa pioneira neste sentido tiveram o SINPES – Sindicato dos Professores do Ensino Superior de Curitiba e da Região Metropolitana e o SINEPE – Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Paraná, ao patrocinarem simpósio no ano de 2009, voltado para discutir temas trabalhistas relacionados com este assunto. Até agora, entretanto, a aproximação não rendeu frutos concretos, não constando das convenções coletivas posteriormente pactuadas, nenhuma cláusula a respeito do tema.


 11 CONCLUSÃO

Observa-se que a educação a distância tem promovido uma crescente precarização no trabalho docente tendo em vista a sobrecarga de atividades que ela traz ao professor, associada à falta de regulamentação das relações trabalhistas em ambientes virtuais.

O objetivo deste trabalho foi problematizar a situação da educação a distância no Brasil, o papel dos professores e tutores que atuam nesta modalidade de ensino, bem como abordar os aspectos trabalhistas relacionados à figura do tutor e do professor.

Como já demonstrado, não há legislação trabalhista específica que proteja a figura do tutor, gerando como consequência desta deficiência legislativa inúmeros debates acerca de sua classificação como de efetivo professor ou como mero empregado administrativo?

Algumas instituições de ensino claramente defendem a ideia de que o tutor é um empregado administrativo e que como qualquer outro empregado deve trabalhar oito horas diárias, enquadrando-se na regra geral da jornada de trabalho e não na norma especial destinada aos professores.

Por sua vez, os sindicatos dos professores têm atuado na defesa de que o tutor é uma espécie de docente, visto que além de ministrar aulas, realiza todas as outras atividades inerentes à docência, as quais possuem especificidades típicas desta profissão, tais como a correção de exercícios e de provas, o esclarecimento de dúvidas dos alunos, a motivação dos mesmos ao estudo, papéis inerentes ao aprendizado regular. Neste sentido, devem ser aplicadas ao tutor as leis protetivas dos professores.

No caso da educação a distância, a figura do tutor, apesar de ser o elo entre a instituição de ensino e os alunos, como se percebe, é pouco valorizada, devido ao desconhecimento da importância do mesmo no processo do aprendizado.

O tutor, na grande maioria dos cursos, é o único contato humano pessoal com o aluno durante o ensino. Ele é o profissional que incentiva e orienta o aluno no aprendizado e a continuar no curso.

Em muitos casos, é por causa do tutor que o aluno se motivará a continuar os estudos, pois como antes descrito, é necessário maior responsabilidade, organização, força de vontade e determinação muito maior por parte do aluno de ensino a distância em relação ao aluno de um curso presencial tradicional.

Por certo uma das razões da evasão de alunos nos cursos de educação a distância diz respeito à problemática da tutoria: os tutores ao serem pouco valorizados e mal-remunerados, não exercem com desempenho as atividades exigidas por este profissional. Acrescenta-se a isto, a rotatividade dos tutores em razão das más condições de trabalho e de nenhuma legislação protetiva trabalhistas para estes profissionais.

São preocupantes no trabalho docente na educação a distância questões como: condições de trabalho, remuneração, quantidade de alunos por docente, falta de proteção trabalhista e atenção pedagógica.

No que concerne ao aspecto regulamentar, observa-se que não há precarização apenas na área trabalhista, mas também em aspectos pedagógicos, pois muitos tutores são trabalhadores em outras atividades e utilizam o horário de trabalho para acompanhar os seus alunos da educação a distância, consequência também da ausência de uma efetiva regulamentação no que concerne aos horários e às cargas horárias de trabalho, entre outros aspectos.

Além disto, na área pedagógica observa-se a falta de liberdade do tutor na questão da correção das avaliações e exercícios, os quais, em muitos cursos, devem estar adstritos ao que o professor impôs. Observa-se que o tutor, além de ser mal-remunerado, pouco valorizado devido ao desconhecimento geral de seu papel no ensino a distância também possui restrições ao exercício de suas funções, não possuindo a liberdade de atuação necessária, já que, por exemplo, nas correções das avaliações, está adstrito a um gabarito imposto pelo professor da disciplina.

Com relação aos professores, apesar de serem mais valorizados, ainda surgem outras questões, principalmente no que se refere aos direitos autorais. O professor, em muitos casos, é quem elabora o material didático do curso, não recebendo nenhum valor remuneratório por isto. Além disso, há certas instituições que exigem inclusive que o professor disponibilize os materiais didáticos para a instituição de ensino, a qual permanece utilizando-os mesmo depois de rompido o contrato de trabalho. Tal conduta representa verdadeira expropriação por parte das instituições de ensino conforme já demonstrado anteriormente.

Ainda relativamente às condições colocadas às equipes e docentes vinculados a programas de educação a distância, impõem-se a necessidade de produção de recursos e materiais didáticos. Em outras palavras, a produção de materiais didáticos para cursos e programas em educação a distância não pode ocorrer de forma improvisada e aligeirada, sob pena de comprometer-se a qualidade do ensino. Imperioso que as instituições e equipes que implementam programas e cursos em educação a distância, façam a previsão e o planejamento desta etapa de trabalho, o que implica na mobilização de tempos, espaços e recursos (materiais e financeiros) adequados ao bom desenvolvimento dessa atividade.

Neste sentido é que a educação a distância exige a previsão de novos tempos, espaços e recursos para o desempenho do trabalho docente, os quais não podem depender exclusivamente dos seus esforços individuais.

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Além desses aspectos, há também questões relacionadas ao oferecimento cotidiano do curso. Aliás, é no trabalho de acompanhamento dos estudantes pela internet que mais se evidenciam implicações ao trabalhador docente.

Embora a educação a distância esteja regulamentada num plano mais geral, ela carece de regulamentação em termos trabalhistas. Os sindicatos ainda se posicionam de forma vacilante no que tange à defesa dos direitos trabalhistas dos profissionais envolvidos neste processo.

É necessária a difusão dos problemas trabalhistas que os profissionais que atuam na educação a distância têm sofrido para conhecimento de toda a sociedade. É necessário também a regulamentação dessa nova modalidade de trabalho, de forma que não cause malefícios para os envolvidos na educação a distância, assegurando condições mínimas de trabalho que levem em conta um dos princípios fundamentais da Constituição Federal do Brasil, qual seja o que preceitua o prestígio à dignidade da pessoa humana.

Buscou-se com este trabalho, salientar também que a melhoria nas condições de trabalho dos profissionais de educação a distância repercute indiretamente na qualidade de ensino dos cursos que proliferam Brasil afora.

O objetivo deste trabalho não foi apenas abordar aspectos críticos suscitados pela análise mais profunda deste sistema educacional. Pretendeu-se, outrossim, salientar que melhoras na condições de trabalho dos profissionais envolvidos com esta empreitada certamente refletirão numa melhor qualidade no ensino praticado.

E esta melhora por certo repercutirá em benefícios, inclusive para o empregador, já que com melhor qualidade de ensino, há mais possibilidade de procura por parte dos alunos dos cursos a distância, bem como menor evasão daqueles já matriculados.


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Sobre a autora
Debora Tiemi Scottini

Possui graduação em Turismo - Ênfase em Planejamento em Áreas Naturais pela Universidade Federal do Paraná (2005) , graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2010) e graduação em Administração pela Universidade Federal do Paraná (2010) . Atualmente é servidor público efetivo do Ministério Público Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCOTTINI, Debora Tiemi. Aspectos trabalhistas na educação a distância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21664. Acesso em: 19 abr. 2024.

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