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Visão multidisciplinar acerca do casamento, da união estável e da adoção por par homoafetivo, com enfoque psicanalítico

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19/06/2012 às 19:03
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4 – O COMPLEXO DE ÉDIPO

4.1 – Noções gerais

O pai da Psicanálise valera-se de um mito para explicar a sexualidade em uma das fases de seu transcurso nas crianças[3], denominando-o “complexo de Édipo”, uma vez que o mesmo deflagra na chamada fase fálica – quando da descoberta pelo infante de seus órgãos genitais.

Sendo assim, deve-se transcrever o referido mito, onde se vale do texto de João Neto (2010), conforme se segue:

O termo Édipo utilizado por Freud vem da mitologia grega e, de alguma forma, já traduzia uma ideia presente no imaginário humano.

 Édipo, filho de Laio e de Jocasta, herdeiro da maldição que assolava os Labdácias, foi abandonado ao nascer no Monte Citerão, já que Apolo havia predito a seu pai que se ele gerasse um filho, este o mataria. O criado, encarregado de executar essa missão, perfurou-lhe os pés com um gancho de forma a poder suspender o menino numa árvore. Isso explica o fato pelo qual, ao ser encontrado por alguns pastores, foi chamado Édipo, que em grego significa “pés inchados”. Foi levado ao rei de Corinto, Pólibo, que, por não ter filhos, embora fosse casado com a rainha Peribéia, o adotou. Em certa ocasião, o jovem participava de um banquete, quando um coríntio referiu-se indiscretamente ao jovem como filho postiço. Intrigado, Édipo resolveu consultar o oráculo de Delfos para saber sua real origem. Além de não obter uma resposta precisa, o jovem se defrontou com uma revelação aterrorizante.

A resposta que Édipo recebeu é que, não somente mataria seu pai, mas desposaria sua própria mãe, gerando uma raça maldita. No intuito de evitar uma tragédia, desesperado, resolveu fugir de Corinto, deixando para trás Pólibo e Peribéia, quem de fato acreditava serem seus pais verdadeiros. A caminho da Fócida, onde as estradas de Cáulis e Tebas se bifurcam, o pobre rapaz se deparou com Laio e sua escolta, composta por quatro pessoas além do rei: o arauto, um cocheiro e mais dois escravos. Laio, cheio de empáfia, ordenou-lhe que desse passagem ao rei de Tebas. Como Édipo se recusasse sequer a alterar o passo, teve um de seus cavalos executados pelo rei. Ignorando a verdadeira identidade do rei, Édipo o atacou com grande violência, utilizando o cajado que trazia consigo, acabando por matá-lo.

Chegando à Tebas, deparou com a Esfinge, monstro com cabeça e busto de mulher, patas de leão, corpo de cão, cauda de dragão e asas como as das Harpias.

 Instalada à entrada da cidade, mais precisamente no Monte Ficeu, propunha aos forasteiros que ali chegavam um enigma de grande complexidade e de difícil resolução. Os que não fossem capazes de decifrá-lo eram sumariamente eliminados, pois a criatura além de matar, devorava sua vítima. O monstro já havia feito muitas vítimas e os habitantes estavam alarmados quando Édipo, buscando exílio, chegou a Tebas. Ao enfrentá-la, foi recebido com a seguinte pergunta: ‘Qual é o animal que pela manhã tem quatro pés, ao meio dia dois e à tarde três?’ Édipo sem dificuldade respondeu que este animal era o homem, que na infância engatinha, depois passa a caminhar com os dois pés e na velhice, com o peso dos anos, necessita de uma bengala, ou seja, de uma terceira perna para se sustentar. Como já estava previsto pelo destino que no dia que alguém lograsse decifrar seu enigma a Esfinge morreria, ela precipitou-se do alto de um precipício e morreu espatifada contra os rochedos.

Aclamado pela população agradecida, tornou-se rei, e, por conseguinte, recebeu também a mão da rainha Jocasta em casamento. Em outras palavras, Édipo cumpriu a segunda e última parte da profecia, pois ao casar-se com a rainha, desposava na verdade, sua própria mãe. Quatro filhos foram gerados desta união: Etéocles, Polinice, Antígona e Ismena. O rei de Tebas reinou durante anos tranqüilamente até o dia em que a população local começou a ser assolada por uma peste. O oráculo, novamente consultado, declarou que para cessar a epidemia, se fazia necessário encontrar o assassino de Laio e bani-lo definitivamente de Tebas. Tirésias, o grande vidente cego, trazido até a corte revelou a verdade sobre o crime e esclareceu a identidade e a história de Édipo. Jocasta, humilhada e sem poder suportar a vergonha, suicidou-se. Édipo, ao lado do corpo de sua mãe, vazou seus olhos.

Nota-se, então, que por trás desse mito tem-se a barreira do incesto, a figura simbólica da castração (o gancho nos pés de Édipo), a curiosidade como estímulo para manter desejos proibidos (filho postiço) e, por fim, uma grande culpa quando se realiza às claras a incestuosidade (Édipo vazara seus olhos).

O sexo, como representação, denota uma ambiguidade entre o permitido e o interditado e, exatamente por causa dele, poderá advir neuroses, psicoses, perversões e sintomas psicossomáticos, como no-lo ensina João Ferreira (2008)[4].

Derradeiramente, de modo muito simplista, pode-se dizer que o complexo de Édipo seria uma ligação erótica entre a criança e o seu cuidador do sexo oposto.

4.2 – Visão estática – Freud

Freud, tanto na análise de seus pacientes quanto em sua própria autoanálise, percebeu que havia uma ligação estreita – de cunho erótico – entre a mãe e seu filho e a filha e seu pai, de jeito que este liame adviria da libido. 

A tal processo nomeou, valendo-se da cultura grega do complexo de Édipo – dado que, ao perceber a questão trinária do aparelho psíquico, ancorou-se na filosofia platônica (FREUD, 1923).

Prosseguindo, é de bom alvitre lançar mão do gizado por Neto (2010) ao afirmar o seguinte:

O complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai, mas esta ideia permanece, apenas, porque o mundo infantil resume-se a estas figuras parentais ou aos representantes delas.

O autor ainda exemplifica as interdições que geram o complexo em análise, aduzindo:

A criança não pode mais fazer certas coisas porque já está ‘grandinha’, não pode mais passar a noite inteira na cama dos pais, andar pelado pela casa ou na praia, é incentivada a sentar de forma correta e controlar o esfíncter, além de outras cobranças. Neste momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa renunciar à sua ilusão de proteção e amor total. (grifo do autor)

Sintetizando, a visão freudiana do complexo de Édipo é limitadora, dir-se-ia estanque, porque dá-se a idéia de um conflito de sentimentos ambíguos (amor versus ódio), entre o infante e o pai – cuidador – do sexo oposto, porém na verdade não é de sentimento que se trata, mas sim de uma questão puramente sexual – corpos que desejam tocar-se profundamente (NÁSIO, 2007).

4.3 – Objeto parcial e complexo de Édipo - Melanie Klein

O seio da mãe representa para o bebê, ora um objeto bom – quando o sacia e ora um objeto mal, quando ausenta-se. Sendo assim, a criança, na mais tenra idade, tem o desejo quando possui o seio em sua boca de introjetá-lo em si mesma, aparecendo uma cena de destruição do objeto parcial. Sequencialmente, na ausência dele, projeta a sua existência, o que se denominaria de um momento esquizoparanóide.

A posição subseqüente, Melanie Klein denomina de depressiva, onde surge sentimentos de amorosidade e, neste passo, advém, a seu ver, o complexo de Édipo como enfatiza Oliveira e Amaral (2009). A explicação desta transição é singela, pois os atos que marcam a posição esquizoparanóide são destruidores/persecutórios e na escala depressiva surge o desejo da criança reparar tais cometimentos, agradando seus genitores. Sem a presença do Édipo, evidentemente, não se transporia da posição esquizoparanóide para a depressiva. Daí porque Klein (1921-1945) relata o fato de “O superego se desenvolve a partir dessas figuras introje­tadas – as identificações da criança – influen­ciando, por sua vez, a relação com os pais e todo o desenvolvimento sexual.”

4.4 – Prisma lacaniano

Para Lacan, no complexo edípico, existem três tempos, a saber:

1º tempo: a criança em tal momento possui um desejo, consistente em satisfazer o desejo da mãe, “to be or not to be” o objeto de desejo da mãe, ou seja, em se excitando apresenta-se à genitora. A mãe, neste instante, é o espelho do desejo do filho e é satisfazê-la que ele deseja, surgindo a etapa fálica primitiva consistente numa relação de identificação, que se houver extrapolação poderá resultar na perversão.

2º tempo: aqui surge a figura do pai, que corta o profundo liame entre o filho e a mãe, representando aquele a lei. O caráter decisivo do Édipo deve ser isolado como relação, não com o pai, mas com a palavra do pai. O pai onipotente é aquele que priva a mãe, no segundo tempo. Desvio nesta etapa fará advir psicose.

João Neto (2010) esclarece sobre

as ameaças verbais que visam proibir à criança suas práticas auto-eróticas e obrigá-la a renunciar a suas fantasias incestuosas. Mas no fundo, o verdadeiro desejo que se vê restringido é o de possuir a mãe e de tomar o lugar do pai, do que a criança abre mão pelo medo de ver perder seu pênis, já que existem outros que supostamente o perderam.

3º tempo: o pai pode dar a mãe o que ela deseja, porque o possui – o falo. Aqui intervém a potência no sentido genital da palavra. A identificação que pode ser feita com a instância paterna realiza-se, portanto, nesses três tempos.

Pondo luz sobre o assunto, registra Elisa Alvarenga[5]: “Na mulher, a terceira etapa é diferente. Ela não tem que fazer esta identificação viril. A mulher sabe onde ele está, onde deve ir buscá-lo, do lado do pai, e vai em direção àquele que tem.”

4.5 – Contribuição ampliativa – Karen Horney

A autora, pelo que se percebe, dá muito mais ênfase à questão educacional e sociocultural da criança na fase edípica, do que à uma biologização fenomenológica, isto é, uma dimensão libidinal.

Sendo assim, argumenta que

O complexo de Édipo tal como se revela no consultório psicanalítico não é gerado por fatores inscritos na natureza humana e no desenvolvimento da libido, mas por determinadas condições culturais[6]: desarmonia do casal devido às relações conflitivas entre os sexos, poder autoritário ilimitado por parte dos pais; tabus em todo e qualquer meio de expressão sexual da criança; tendência para conservar o filho em estágio infantil e emocionalmente dependente dos pais. Em vez de ser causa da neurose, o complexo é uma formação neurótica cuja causa está nos fatores culturais. (HORNEY, 1972).

Prosseguindo, a autora em foco traz mais dois elementos que compõem a estrutura do complexo de Édipo, quais sejam:

a) excesso de estímulo dos pais em relação às zonas erógenas da criança ou, ainda, um ambiente por demais sexualizado;

b) angústia avassaladora no infante, decorrente do desrespeito dos pais para com ele e, igualmente, eventual sensação de isolamento que o atravesse.

Por conta disso, Karen Horney (1972), elucida:

Uma das maneiras de acalmar esta angústia é apegar-se a um deles, a fim de receber o afeto tranquilizador de que necessita. O quadro que resulta disso tudo pode parecer exatamente com o que Freud descreveu como sendo o Complexo de Édipo. Mas no apego provocado principalmente pela angústia, o elemento sexual não seria o essencial. Na ligação afetiva incestuosa a finalidade é o amor, ao passo que na ligação afetiva condicionada pela angústia a meta é a segurança.

4.6 – Aspecto espiritual e matrilinear – Malinowski

O etnólogo Malinowski pesquisou junto a ilhéus de Trobriand o papel da cultura na formação do complexo edípico, uma vez que na sociedade trobriandese a família era matrilinear e a sexualidade não sofria qualquer interdição.

Tanto assim o é que

As crianças são inseridas no útero materno como minúsculos espíritos, geralmente pela ação do espírito de uma parenta morta da mãe. O marido desta tem de proteger e cuidar das crianças, recebê-las em seus braços quando nascem, mas não são dele, no sentido de que ele tenha contribuído de alguma forma na sua procriação. O pai é assim um amigo amado, benevolente, mas não é reconhecido como parente dos filhos. O parentesco real, isto é a identidade da substância, o mesmo corpo, só existe através da mãe. (MALINOWSKI, 1973) (grifo do autor)

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No que tange a inexistência de repressão com relação à sexualidade da criança, no-lo diz Malinowski (1973):

[...] a sexualidade infantil segue canais institucionalizados dentro dos quais ela pode se expressar livremente, sem nenhum tipo de controle ou censura. A partir do momento em que o menino ou a menina fazem quatro ou cinco anos, já há uma expectativa generalizada de que ela se interessará pelos prazeres genitais e que os exercerá, em forma de brincadeira, com as crianças do outro sexo. Esse deslocamento da sexualidade infantil objetos alternativos seria um dos fatores que fazem com ‘que todo o desejo infantil pela mãe se extinga gradualmente de maneira natural e espontânea’.

Como se vê, na sociedade trobriandese, o complexo de Édipo se diluiria porque não haveria a figura paterna como a impositora de uma ordem autoritária, uma fez que era o tio, irmão da mãe, que cuidava do menino a partir  de seis anos, fazendo com que ele, ao trabalhar na terra deste seu parente, sentisse que ela era sua aldeia e não aquela que pertencia ao seu pai e onde ele até então vivia, de modo que era esse tio quem “representa e encarna o princípio da disciplina e do poder executivo.”, como bem enfatiza Josefina Pimenta Lobato (1999).

4.7 – Caracterização sob o ponto de vista de Násio

Násio (2007), por sua vez, visualiza no complexo de Édipo uma questão que nada tem de sentimento, mas sim de sexo em sua acepção pura.

Tanto assim o é, que para ele

o complexo de Édipo não é uma história de amor e ódio entre pais e filhos, é uma história de sexo, isto é, uma história de corpos que sentem prazer em se acariciar, se beijar e se morder, em se exibir e se olhar, em suma, corpos que sentem tanto prazer em se tocar quanto em se fazer mal.

Em outras palavras, a criança edípica apenas imita os gestos sexuais de seus pais, fazendo isso movida por fantasias como objeto de desejo. Logo, no Édipo, que se dá por volta dos quatro anos de idade, a criança se vê tolhida dos desejos sexuais em relação aos seus genitores (ocorre uma transição “de um desejo selvagem para um desejo socializado”). A próxima erupção dele manifesta-se na puberdade e, também, na vida adulta, em havendo conflito na área da afetividade poderão reaparecer as fantasias encobertas como comportamentos neuróticos (fobia, histeria e obsessão).

4.8 – Dimensão contemporânea – João Neto

Anota o psicanalista em pauta, na pegada de seus antecedentes, que no complexo de Édipo existe uma clara ambigüidade entre a criança e o genitor do sexo oposto, pois lhe dirige sentimentos hostis e ao mesmo tempo o ama. Porém, tem ele uma contribuição notável, abrangendo um viés mais espiritualizado do Édipo, ao averbar: “Com o aparecimento do complexo de Édipo, a criança sai do reinado exclusivo dos instintos e passa para um plano mais racional.” (NETO, 2010).

O estudioso em comento ressalta algo de grande relevo:

Mas a forma original, conforme Freud a notou, é apenas uma simplificação ou esquematização relativamente à complexidade da experiência, porque o menino não vai ter apenas a possibilidade de uma escolha objetal terna dirigida à mãe, mas, ao mesmo tempo, pode ter uma atitude ambivalente comportando-se como uma menina, demonstrando uma atitude feminina terna em relação ao pai e a atitude correspondente de hostilidade ciumenta em relação à mãe.

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. Visão multidisciplinar acerca do casamento, da união estável e da adoção por par homoafetivo, com enfoque psicanalítico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3275, 19 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22049. Acesso em: 2 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado, com alterações posteriores, na Rede Internacional de Ensino Livre, como requisito para obtenção de título de mestre na disciplina Psicanálise, com menção de destaque ao autor.

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