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A informação como direito fundamental do consumidor

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01/10/2001 às 00:00

Resumo:


  • O direito à informação é um direito fundamental do consumidor, inserido nas constituições modernas e em legislações específicas, visando proteger o consumidor e garantir sua autonomia e liberdade de escolha no mercado.

  • A informação publicitária lícita vincula o fornecedor e integra o contrato, não podendo ser revogada ou alterada unilateralmente sob alegação de erro, e a informação insuficiente obriga o fornecedor, mesmo que não explicitada.

  • A cognoscibilidade é um critério que visa assegurar que o consumidor possa conhecer e compreender as informações relevantes sobre produtos e serviços, sendo um elemento essencial para a eficácia dos contratos de consumo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

8. Requisitos do dever de informar

Cumpre-se o dever de informar quando a informação recebida pelo consumidor típico preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Os requisitos devem estar interligados. A ausência de qualquer deles importa descumprimento do dever de informar.

A adequação diz com os meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinados e o consumidor destinatário típico. Os signos empregados (imagens, palavras, sons) devem ser claros e precisos, estimulantes do conhecimento e da compreensão. No caso de produtos, a informação deve referir à composição, aos riscos, à periculosidade.

Maior cautela deve haver quando o dever de informar veicula-se por meio da informação publicitária, que é de natureza diversa, como adiante se dirá. Tome-se o exemplo do medicamento. A informação da composição e dos riscos pode estar neutralizada pela informação publicitária contida na embalagem ou na bula impressa interna. Nessa hipótese, a informação não será adequada, cabendo ao fornecedor provar o contrário.

A legislação de proteção do consumidor destina à linguagem empregada na informação especial cuidado. Em primeiro lugar, o idioma será o vernáculo. Em segundo lugar, os termos empregados hão de ser compatíveis com o consumidor típico destinatário. Em terceiro lugar, toda a informação necessária que envolva riscos ou ônus que devem ser suportados pelo consumidor será destacada, de modo a que "saltem aos olhos". Alguns termos em língua estrangeira podem ser empregados, sem risco de infração ao dever de informar, quando já tenham ingressado no uso corrente, desde que o consumidor típico com eles esteja familiarizado. No campo da informática, por exemplo, há universalização de alguns termos em inglês, cujas traduções são pouco expressivas, a exemplo do aparelho denominado mouse.

A suficiência relaciona-se com a completude e integralidade da informação. Antes do advento do direito do consumidor era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço. A ausência de informação sobre prazo de validade de um produto alimentício, por exemplo, gera confiança no consumidor de que possa ainda ser consumido, enquanto que a informação suficiente permite-lhe escolher aquele que seja de fabricação mais recente. Situação amplamente divulgada pela imprensa mundial foi a das indústrias de tabaco que sonegaram informação, de seu domínio, acerca dos danos à saúde dos consumidores.

Insuficiente é, também, a informação que reduz, de modo proposital, as conseqüências danosas pelo uso do produto, em virtude do estágio ainda incerto do conhecimento científico ou tecnológico.

Problema mais delicado diz respeito ao chamado risco do desenvolvimento. Considera-se assim o lançamento do produto ou do serviço, que posteriormente vêm a ser demonstrados inadequados ou inseguros em virtude do desenvolvimento científico ou tecnológico posterior. No momento em que foram concebidos ou desenvolvidos mostravam-se compatíveis com o nível do conhecimento existente. Há forte controvérsia na doutrina. No Brasil, a tendência é desconsiderar o risco do desenvolvimento como excludente de responsabilidade, enquadrando-o nos riscos da atividade do fornecedor. Pessoalmente, conforme escrevi alhures15, entendo que, no geral o risco de desenvolvimento deve ser considerado como exoneratório de responsabilidade. Todavia, a falta de informação suficiente, acerca do estágio do conhecimento científico e tecnológico sobre a matéria, infringe o dever de informar, pois sonega dados necessários à escolha do consumidor.

Todo produto ou serviço lançado no mercado, em conformidade com os dados de ciência e tecnologia atualmente irrefutáveis, considera-se adequado e seguro ao consumo. Porém, o progressivo desenvolvimento científico e tecnológico poderá alcançar estágios de aperfeiçoamento e qualificação dos mesmos produtos e serviços que tornem os anteriores inadequados ao uso.

É de se ter como unívocos os significados de state of the art (o produto está de acordo com os padrões correntes na data de seu lançamento) e risco de desenvolvimento (o produto não alcançou o nível de qualidade e segurança que seria lícito esperar, na data de seu lançamento), que a doutrina estrangeira busca distinguir16 Exemplifica-se a primeira hipótese com o cinto de segurança nos automóveis que não se tinha como necessário décadas atrás; a segunda, com a inadequação do produto por excessiva toxidade, apenas mais tarde reconhecida.

A legislação mais recente encaminha-se a considerar exonerativa de responsabilidade o chamado risco de desenvolvimento (incluindo o state of the art), especialmente as que perfilharam a Diretiva da Comunidade Européia de 1985, acerca da responsabilidade do fornecedor. A Diretiva permitiu que se excluísse o risco do desenvolvimento quando se provar que o estado do conhecimento científico e tecnológico não permitia a descoberta da existência do defeito.

O Código do Consumidor brasileiro foi omisso a respeito, o que levou parte da doutrina a sustentar a impossibilidade da exoneração da responsabilidade por tal motivo, permanecendo imputável o fornecedor. O principal argumento é que a lei brasileira adota a responsabilidade objetiva, mercê do risco criado pela atividade econômica, não possuindo os consumidores meios de conhecerem os riscos que determinado produto encerra.

A veracidade é o terceiro dos mais importantes requisitos do dever de informar. Considera-se veraz a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. A publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa e o direito do consumidor destina especial atenção a suas conseqüências.

O artigo l º do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária estabelece que todo anúncio deve ser "honesto e verdadeiro".


9. Efeitos jurídicos da informação publicitária

Meio século atrás, Jean Carbonnier levantara a necessidade da análise jurídica da publicidade, ao afirmar que "o estudo do contrato na nossa época não se deveria separar de um estudo da publicidade"17.

Para o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, publicidade é "toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e idéias"18. Para atingir suas finalidades, a publicidade deve observar os princípios básicos de liberdade, identificação, veracidade, lealdade e ordem pública. Porém, há uma distinção qualitativa com a informação em sentido estrito. A publicidade tem por fito atrair e estimular o consumo, enquanto s informação visa a dotar o consumidor de elementos objetivos de realidade que lhe permitam conhecer os produtos e serviços e exercer suas escolhas. Sem embargo da distinção, ambas são espécies do gênero informação, incidindo o dever de informar.

Afirmou-se, acima, que a informação obriga. Esclareça-se que obriga o fornecedor, pois o dever de informar de modo adequado, suficiente e veraz decorre da atividade que exerce. Essa obrigação desponta com especial força na publicidade dos produtos e serviços lançados no mercado de consumo, modificando substancialmente os valores jurídicos. A publicidade utiliza principalmente os meios de comunicação social, mas pode estar contida em mensagens dirigidas diretamente ao consumidor, seja por mala direta seja pela Internet, e nos próprios produtos.

Até o advento e consolidação do direito do consumidor, a publicidade não gerava conseqüências jurídicas a quem dela se utilizasse ou mesmo abusasse. Entendia-se que era o preço a pagar ou a ser suportado pela sociedade, para o desenvolvimento das atividades econômicas, em favor do irrestrito princípio da livre iniciativa. Afirmava-se que era um "dolus bonus", tolerado ou desconsiderado pelo direito, pois sua função era apenas a de estimular e atrair ao consumo. Mas, já se disse que "a evolução contemporânea do direito positivo, caracterizado pela proteção e informação dos consumidores, a regulamentação da publicidade, a força obrigatória dos documentos publicitários e o desenvolvimento da obrigação de informar, parece deixar um lugar muito reduzido ao ‘dolus bonus’"19. Ao meu sentir não há mais lugar algum ao "dolus bonus".

Para realizar o direito fundamental à informação, o direito do consumidor toma a publicidade sob dois aspectos: no primeiro, a publicidade preenche os requisitos de adequação, suficiência e veracidade, considerando-a lícita; no segundo, a publicidade ultrapassa limites positivos e negativos estabelecidos na lei, para defesa do consumidor, tornando-a ilícita. A publicidade ilícita é enganosa quando divulga o que não corresponde ao produto ou serviço, induzindo em erro; é abusiva quando discrimina pessoas e grupos sociais ou agride outros valores morais. A publicidade ilícita não produz efeitos em face do consumidor, que pode resolver o contrato por esse fundamento.

A Constituição portuguesa (art. 60º) proibe todas as formas de publicidade oculta ou indireta. Do mesmo modo, a Lei de Defesa dos Consumidores portuguesa rejeita a publicidade que não seja inequivocamente identificada e desrespeite a verdade e os direitos dos consumidores. O sentido de "inequivocamente identificada" resulta em tornar ilícito o merchandising, a meu ver corretamente. Considera-se merchandising a aparição ou inserção camuflada de produtos em programas de televisão, rádio, em filmes, em espetáculos teatrais, sem indicação da natureza de mensagem publicitária. No direito brasileiro não é clara a proibição, havendo entendimento doutrinário de sua possível admissibilidade, desde que seja adaptada ao princípio da identificação20. Penso, ao contrário, que não preenche o requisito de adequação do dever informar, porque não utiliza a transparência na publicidade, alcançando o consumidor de surpresa e de modo subliminar.

Para os propósitos deste estudo, interessam os efeitos jurídicos obrigacionais da publicidade lícita, nas relações de consumo. Teriam eles natureza de oferta?


10. Informação: oferta ou integração ao contrato?

É sabido que a oferta, seja ela individual ou ao público, classifica-se como negócio jurídico unilateral, para cuja existência e eficácia vinculante basta a única manifestação de vontade do ofertante ou proponente. Produz, portanto, efeitos jurídicos próprios, antes da aceitação e de sua consumação no contrato. A oferta, como qualquer outro negócio jurídico unilateral, pode ser revogada, nos limites que a lei admita, extinguindo o vínculo obrigacional, além de estar sujeita às vicissitudes dos vícios subjetivos de vontade, em especial do erro.

A informação nas relações de consumo, e particularmente a publicidade lícita (adequada, suficiente e veraz), integra-se aos contratos de modo objetivo e inevitável, desde quando concretizados. Não pode ser objeto de retratação ou de escusa da obrigação, sob alegação de erro. A lei portuguesa de defesa dos consumidores, de 1996, é clara, a respeito (art. 7º, 5): "As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário". Do mesmo modo, o Código do Consumidor brasileiro (art. 36) determina que toda informação ou publicidade suficientemente precisa "obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dele se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".

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Trata-se, pois, de obrigação decorrente de lei, de integração contratual compulsória, não se enquadrando, por inteiro, na teoria do negócio jurídico. Essa teoria, melhor dizendo teorias, aprofundam, no plano conceitual, o princípio da autonomia da vontade, pouco importando que arranquem da vontade em si ou da declaração, pois os efeitos negociais queridos são reconhecidos e validados pela lei, nos seus limites. Todavia, a mensagem ou oferta publicitária não é recebida pelo direito com os efeitos queridos pelo fornecedor (atrair ao consumo), mas com efeitos jurídicos obrigacionais definidos pela lei, a saber, vinculando objetivamente o conteúdo da informação, no interesse dos consumidores.

Se de negócio jurídico unilateral se tratasse, então poderia o erro ser oponível ao vínculo obrigacional dela decorrente. E assim, o fornecedor estaria escusado de celebrar o contrato com o consumidor atraído pela mensagem publicitária, alegando que teria havido erro. As conseqüências do erro são a ele imputáveis, que, se for o caso, terá pretensão e ação contra o publicitário. O erro, por exemplo quanto ao preço anunciado, integra-se no risco de sua atividade, não podendo ser oposto aos consumidores, que estariam mais vulneráveis a tais práticas, quase sempre intencionais de atração enganosa. A jurisprudência dos tribunais brasileiros, sem embargo de vacilações naturais ante modelos que escapam do sistema tradicional dos contratos, tem rejeitado o argumento escusativo de erro da mensagem publicitária. A firme orientação nesse sentido previne a solução de conflitos evitáveis e favorece o cumprimento da proteção constitucional do consumidor. Esse efeito preventivo e benéfico tem sido traduzido na prática de muitas empresas em definirem, na publicidade, o número exato de unidades dos produtos à venda e melhor precisão no preço e nas condições de pagamento.

Assim, não se pode considerar a publicidade como oferta, no sentido tradicional do termo, melhor se concebendo como modo de integração compulsória aos contratos de consumo.


11. Vinculação da informação não explícita

A informação insuficiente ou deficiente (informação não explícita) não pode ser óbice à vinculação obrigacional do fornecedor, em benefício do consumidor. Em outras palavras, a informação obriga, ainda que não esteja explicitada, pouco importando que essa omissão seja intencional ou involuntária.

A informação não explícita, que vincula, é toda aquela necessária ao conhecimento e compreensão do consumidor típico, e no seu interesse, emergente da natureza do produto ou do serviço. Nesse sentido, também integra o contrato de consumo. As regras técnicas aplicáveis à segurança de determinado produto, por exemplo, integram a informação como nelas estivessem. Do mesmo modo, as características de qualidade utilizadas em produtos e serviços similares, pelos demais fornecedores.

Se assim não fosse, estar-se-ia a admitir, por via transversa, conduta fundada em venire contra factum proprium. A falta do dever de informar constitui não apenas violação ao direito do consumidor à informação mas ao direito-dever de concorrência, pois estaria em indevida posição de vantagem, que a ordem econômica constitucional rejeita (artigo 170, IV, da Constituição brasileira).

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2216. Acesso em: 5 dez. 2025.

Mais informações

Conferência proferida na Cerimônia de abertura do 3º Curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor do Centro do Direito do Consumo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no dia 10.11.2000

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