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Súmula vinculante

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03/08/2012 às 18:30
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Críticas á Súmula Vinculante

Conforme foi possível observar, a Súmula Vinculante possui o claro objetivo de conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, no entanto, o instituto ainda recebe inúmeras críticas.

As críticas mais graves apontam pela inconstitucionalidade da súmula vinculante por ferir os princípios da separação dos poderes, por conceder ao Poder Judiciário o poder de legislar, além de ferir o princípio do duplo grau de jurisdição, e impedir que os juízes julguem de acordo com o seu livre convencimento.

Neste ponto, de fato deve-se preservar a harmonia e a independência entre os poderes, lembrando, contudo que ao editar a norma que instituiu a Súmula vinculante, o Poder Executivo e o Poder Legislativo, autorizaram o Judiciário à elaboração das decisões vinculantes.

A súmula vinculante inegavelmente confere rápida prestação jurisdicional, pois apoiada em anteriores e reiteradas decisões, no entanto, não está longe de resolver de forma instantânea todos os problemas que assolam o Poder Judiciário.

Muito mais acertado seria o Estado, cliente maior do Poder Judiciário deixar de recorrer às instâncias excepcionais assoberbando os Tribunais com temas pacificados pelos Tribunais Superiores, com a cassação de privilégios do recurso de ofício e dos prazos ampliados à Fazenda Pública.

Alexandre de Moraes20 ressalta a importância da independência dos poderes para garantia do Estado Democrático de Direito:

“Não existirá, pois, um estado democrático de direito, sem que haja Poderes de Estado e Instituições, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de direitos fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos”.

Portanto, embora reste claro que a lei não é o único instrumento para regulação social, ela permanece insubstituível como expressão do princípio democrático21.

Ainda mais se considerarmos que a legislação, em países de Direito escrito e de Constituição rígida, é a mais importante das fontes formais22.

Outro ponto que deve ser ressalvado é a possibilidade de tratamento isonômico de casos não exatamente idênticos, com a aplicação do conteúdo da Súmula vinculante em caso em que não deveria ser aplicado, neste sentido, importante lição de Humberto Theodoro Junior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia23.

“Assim, preserva-se a igualdade quando, diante de situações idênticas, há decisões idênticas. Entretanto, viola-se o mesmo princípio quando em hipóteses de situações ‘semelhantes’, aplica-se sem mais, uma ‘tese’ anteriormente definida (sem considerações quanto às questões próprias do caso a ser decidido e o paradigma, cf. infra): ai há também violação á igualdade, nesse segundo sentido, como direito constitucional à diferença e à singularidade”.

Como vimos as características dos casos julgados não tem sido sempre analisadas pelo STF, o que leva a uma generalização imprópria dos precedentes, dês, desprovida da contextualização que é necessária para identificar a existência de reiteradas decisões sobre questão idêntica24.

Não bastasse, o julgamento automático baseado em Súmula Vinculante pode ferir também o direito à tutela jurisdicional, pois o cidadão procura a prestação jurisdicional para que tenha seu direito, em particular, analisado e julgado e espera poder esgotar todas as suas possibilidades de avaliação, revisão e julgamento.

Neste sentido esclarece novamente Nelson Nery Junior25, vejamos:

“Pelo princípio constitucional do direito de ação, além do direito ao processo justo, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio.”

Ora, a Súmula vinculante pode subtrair do Juiz a sua capacidade de entendimento e a sua livre convicção, ou seja, a sua independência para julgar.

Por isso, muito oportunamente ensina Marco Antonio Duarte de Azevedo2627 que a aplicação do entendimento sumulado deve ser justificado a partir da demonstração das bases fáticas que assemelham o caso que tem em mãos autorizadoras da aplicação da súmula:

“Quando entender aplicável ao caso concreto o entendimento sumulado, terá que demonstrar quais as bases fáticas que assemelham o caso que tem em mãos autorizadoras da aplicação da súmula, da mesma forma que hoje o juiz precisa explicitar o motivo pelo qual os fatos de subsumem à lei”.

Nelson Nery28 Junior também pondera a respeito da importância do convencimento do juiz e sobre a necessidade de fundamentação da decisão, vejamos:

“Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão.”

A garantia da ampla defesa só se operará se o órgão jurisdicional competente estiver obrigado a demonstrar que as partes foram atendidas em seus respectivos pleitos e que a sua decisão foi adequada às considerações feitas sobre as manifestações processuais29.

Em decorrência das críticas levantadas, temos também como consequência, a restrição do desenvolvimento e oxigenação do direito pela jurisprudência.

Assim, ao se exigir que os demais membros do Poder Judiciário permaneçam vinculados ao entendimento consolidado nos tribunais superiores, inevitavelmente haveria o engessamento do direito e consequente estagnação30.

Mas não é só, outra crítica está no fato de todos estarão de certa forma reféns do julgamento de processos anteriores, reféns de lides que sequer integraram, e onde não lhes foi permitida a produção de provas e efetiva defesa dos seus interesses.

Neste sentido, muito antes da adoção do modelo da Súmula vinculante, coerentemente alertava Miguel Reale31 em relação à adoção de Súmulas:

“À medida que nossos tribunais recorrerem à formulação de Súmulas crescerá a responsabilidade dos juristas e advogados no sentido de que elas não se convertam em modelos rígidos nem em sucedâneos de normas legais. A súmula- poder-se-ia dizer numa linguagem figurada – marca o horizonte da compreensão do direito, em determinado momento da experiência jurídica, mas, como toda linha do horizonte, ela deve se alterar a medida que avançam as conquistas da doutrina, graças à sua interpretação construtiva e renovada dos textos legais, cujo entendimento teórico-prático na Súmula se compreendia”.

O entendimento sumulado pode, portanto, impedir a oxigenação dos julgamentos e as revisões constantes de posicionamentos, não existira no país o debate e a exposição de opiniões diversas acerca do tema sumulado.

Conclui-se, portanto, que os recursos e os processos entulham as salas dos Tribunais, inclusive considerável parcela referentes à matéria inúmeras vezes julgada, no entanto, não é acertado diminuir a quantidade de processos simplesmente acelerando o seu julgamento aplicando um enredo já definido, impedindo que os magistrados produzam decisões inteligentemente justificadas.

Em um Estado Democrático de Direito, as decisões governamentais, sejam elas quais forem, precisam ser transparentes, justificadas ao povo (quando impossível discuti-las previamente), esclarecidas com eticidade, sem subterfúgios, argumentos falaciosos nem meias verdades32.

Note-se, mais uma vez, que a Súmula vinculante está longe de resolver o problema existente no Poder Judiciário resultante de uma sociedade moderna e pujante, que pugna pelo investimento em novos magistrados e servidores, pela desburocratização e informatização dos atos processuais, incentivo de resolução extrajudicial de pequenos conflitos, e adoção da tutela coletiva.

Neste sentido, Francisco Gerson Marques Lima33muito bem sintetiza a necessidade do Supremo Tribunal Federal na atualidade:

É necessário um poder judiciário – e, sobretudo, um STF – ativamente mais democrático e, neste sentido, mais social e político (no sentido de promover o bem estar, aprimorar valores e assegura-los em benefício da sociedade), a alcançar a participação popular, já que o povo não participa de outras etapas da composição e funcionamento do órgão. Afinal, mais do que jurídico, a legitimidade é tema sociológico político.

Sem dúvida, toda população é prejudicada com o travamento do Poder Judiciário, contudo, como muito bem ponderado por Boaventura de Sousa Santos34, os reflexos da lentidão são essencialmente mais devastadores às classes menos favorecidas, vejamos:

“Estes estudos revelam que a justiça civil é cara os cidadãos em geral, mas revelam, sobretudo que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os cidadãos economicamente mais débeis. É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas acções de menor valor e é nessas acções que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno da dupla vitimização das classes populares face à administração da justiça.

De facto, verificou-se que essa vitimização é tripla na medida em que um dos outros obstáculos investigados, a lentidão dos processos, pode ser facilmente convertido nun custo econômico adicional e este é proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos.

Precisamos tematizar a crise institucional brasileira sob pena de continuarmos a tratar das consequências e não das causas dos déficits de funcionalidade sistêmica sem possibilidade de levar a sério os direitos fundamentais e uma política de democratização desses direitos35.·.

Por todas as razões expostas, pode-se concluir que o caminho a seguir é longo, a Súmula Vinculante é forma de tratamento da consequência do assoberbamento do Poder Judiciário, e não ataca diretamente a causa, mantendo o Poder Judiciário refém de um modelo burocrático e atrasado, que afasta a celeridade e efetividade das decisões judiciais, com evidente prejuízo da população em geral, em especial dos menos favorecidos e, portanto, vulneráveis a toda sorte de injustiças.


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Sobre a autora
Marina Martins

Advogada, pós graduada em direito processual civil pela PUC -SP e mestranda em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Marina. Súmula vinculante . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3320, 3 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22228. Acesso em: 19 abr. 2024.

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