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Direitos do nascituro: uma breve análise da teoria concepcionista à luz da Lei nº 11.804/2008 (Lei de Alimentos Gravídicos)

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08/08/2012 às 09:25
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7 - ALIMENTOS: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Os alimentos são essenciais para o perfeito desenvolvimento do nascituro, assegurando seu nascimento com vida.

Funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. (RIZZARDO, 2009, p.725).

Consagrado no principio da dignidade humana exposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988, o direito aos alimentos deve ser considerado como concretização do direito a vida e a saúde, sendo uma decorrência lógica destes, pois sem a alimentação necessária ao seu completo desenvolvimento, o ser humano estará fadado a doenças crônicas, desnutrição e morte.

A seguir, Arnaldo Rizzardo explica as principais características da obrigação alimentar:

“Merecem os alimentos um tratamento especial, pois dizem respeito a própria vida humana. Sobressaem as seguintes características: a) Direito Personalíssimo, por ser inerente a pessoa; b) Indisponibilidade e irrenunciabilidade, o que significa que não é suscetível de renúncia ou cessão; c) Intransmissibilidade, ou seja, não se transmitem alimentos, sendo que com a morte, extingue-se a obrigação, sem qualquer direito aos sucessores; d) Irrestituibilidade, o que significa que não pode o alimentante pretender a restituição da pensão, em face de vir a ser julgada improcedente a ação, na qual pagava alimentos provisórios; e) Imprescritibilidade, que permite a todo tempo que o necessitado está autorizado a pedir alimentos; f) Não-incidência da impenhorabilidade nos créditos de alimentos, ou seja, o devedor não tem a seu favor a proteção da Lei nº. 8009/90, de modo a liberar ou eximir seus bens da constrição promovida para a execução ou cobrança de alimentos.” (RIZZARDO, 2008, p.728).

A mãe é beneficiária indireta numa ação de alimentos, uma vez que o nascituro é o receptor final do benefício – alimentos.

É defeso à mãe praticar qualquer ato ou conduta de modo a prejudicar a saúde do nascituro, não podendo renunciar aos alimentos gravídicos, por interferir diretamente na saúde e no desenvolvimento do nascituro.

Quanto à obrigação alimentar do pai, mister se faz ressaltar que é a única exceção de possibilidade que pode causar a prisão civil por dívida, conforme reza o artigo 5º, LXVII, CF/ 88:

“Art. 5º, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.” (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

Nesse diapasão, pertinente se faz o princípio codificado por Justiniano, através da opinião de Ulpiano:

“Não duvidamos que o pretor tenha que prestar ajuda também ao concebido, bem mais porque a sua causa deve ser mais favorecida do que aquela do menino: porquanto o concebido é protegido para que venha à luz, o menino para que seja introduzido na família; pois este concebido tem que ser nutrido, porque nasce não somente para o pai, mas também para a república”. (CATALANO, Pierángelo, apud SEMIÃO, Sérgio Abdalla, 2000, p.40). grifo nosso.


8 - A LEI DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS E A TEORIA CONCEPCIONISTA

Com a introdução da lei de alimentos gravídicos (Lei nº 11.804, de 05 de novembro de 2008) no ordenamento jurídico brasileiro, colocou-se, mais uma vez em discussão, o tema sobre o início da personalidade jurídica.

Para os doutrinadores concepcionistas, essa lei foi a mais precisa confirmação da existência e do direito à vida antes do nascimento.  Afirmam não ser outro o significado da lei, a não ser acabar com as dúvidas concernentes ao início da aquisição do direito da personalidade humana.

O artigo 227, CF/88, elenca em seu rol de itens essenciais à vida, dentre outros importantíssimos, os alimentos, de modo que sejam assegurados para a manutenção da vida humana com dignidade. Vejamos:

Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

Além do mais, tem-se como tese confirmativa, a introdução dos alimentos, através da EC nº 64 de 2010, alterando o artigo 6º da CF/88, que trata dos direitos sociais essenciais ao ser humano:

Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

Quanto à proteção da criança em âmbito internacional, foram firmados vários tratados visando à tutela de seus direitos e garantias, tanto antes quanto depois do nascimento.

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) – ONU, em seu preâmbulo, reza o seguinte:

“Tendo em mente que, como indicado na Declaração sobre os Direitos da Criança, a criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada, antes e depois do nascimento.”

Pacto de São José da Costa Rica (1969), Direito à vida:

Artigo 4º. Nº 1: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

Vê-se que a vida tem proteção de alcance inimaginável. Não é à toa, pois se trata do começo da existência humana e sem tal proteção seguramente muitos de nós não estaríamos aqui.

Os alimentos, em interpretação feita à lei, são devidos ao nascituro de forma indireta, pois a gestante é quem os recebe em seu nome. Por mais que a mãe os aproveite em função de seu estado gravídico, o maior beneficiário é o nascituro. A grávida permanece, durante todo o período gestacional, em estado especial, pois passa a necessitar de alimentação diferenciada, conta com uma rotina de visitas médico psicológicas, se submetendo a exames e medicamentos em função do bem estar da mãe e a sobrevivência do nascituro.

O artigo 2º da Lei de Alimentos Gravídicos nos esclarece sobre a abrangência da palavra alimentos e sobre o estado especial da gestante:

“Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.” (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).

Para Rizzardo, “o rol de alimentos não é taxativo, podendo o Juiz considerar outras despesas se achar pertinente”. (RIZZARDO, 2009, p. 276).

Diante de todo esse questionamento sobre os alimentos gravídicos, cabe esclarecer quais são os responsáveis por fornecê-lo.

Os alimentos serão fixados em conformidade com o binômio necessidade/capacidade, contando com a colaboração e participação do orçamento tanto do pai quanto da mãe. Assim diz o parágrafo único do supracitado artigo:

Parágrafo único. “Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos”. (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).

Quanto aos indícios de paternidade, cabe à gestante provar a presunção de veracidade. De acordo com Arnaldo Rizzardo, “são elementos de prova que evidenciam a paternidade: fotos, endereços comuns, aquisições, e-mails, pagamentos de despesas, declarações de pessoas sobre o convívio ou namoro. Estes podem ser anexados na inicial de modo a gerar uma convicção suficiente de certeza ou de alta probabilidade de que o requerido é o pai”. (RIZZARDO, 2009, p. 276). Observemos o artigo 6º, da Lei:

Art. 6º “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”. (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).

Os alimentos concedidos pelo juiz são de natureza provisional. Caso haja o nascimento com vida, eles serão convertidos em pensão alimentícia. Assim nos diz o artigo 6º em seu parágrafo único:

Parágrafo único. “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”. (BRASIL. Lei nº 11.804 de 05 de novembro de 2008 – Alimentos Gravídicos).

Quanto ao momento inicial da fixação dos alimentos, ensina Rizzardo que o Projeto de Lei previa em seu artigo 9º, que inclusive foi vetado, que os alimentos seriam devidos a partir da citação do alimentante. Ocorre que esse artigo dava margem à escusa do réu quanto à citação, podendo esta, inclusive, ocorrer após o nascimento da criança, fazendo com que a lei perdesse a sua finalidade. Colidia o artigo 9ª também com o art. 2º da Lei 5.478/ 68 (Lei de Alimentos), que determina ao Juiz, quando despachar à inicial, fixar, desde logo, os alimentos provisórios.

A jurisprudência dominante nos Tribunais de Justiça determina a fixação de alimentos provisórios no momento em que o Juiz profere o despacho da petição inicial, conforme decisões abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. DESPESAS COM NASCITURO. As despesas pré-natais com o nascituro podem sustentar a fixação de alimentos provisórios. PROVA DOS AUTOS. A prova dos autos, em seu conjunto, afirmam a certeza do despacho judicial, não só quanto a condenação como ao valor fixado. Agravo improvido. (Agravo de Instrumento Nº 596067629, Câmara de Férias Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Julgado em 17/07/1996).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS EM FAVOR DE NASCITURO. Havendo indícios de paternidade, não negando o agravante contatos sexuais à época da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas necessidades e também as do infante que acaba de nascer. Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos. Agravo desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70018406652, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007).

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Tecnicamente, quanto à corrente natalista, não resta dúvida que a mesma fora afastada de modo a não deixar nenhum resquício sequer de sua hermenêutica. Afinal, a discussão não é se o nascituro é ser humano, mas se ele é Pessoa, o que restou devidamente comprovado, pois, se a pessoa é capaz de direitos e deveres, logo é dotada de personalidade.

Do mesmo modo, não se pode considerar a teoria da Personalidade Condicional que, embora reconheça a personalidade do nascituro, a condiciona ao nascimento com vida. Alguns direitos não dependem do nascimento com vida como, por exemplo, o direito à curatela. Nesse caso, nomeia-se curador para resguardar a herança do nascituro e proteger também outros direitos que possam ser custeados com o montante herdado, como por exemplo, alimentos, possibilitando a nutrição e, consequentemente, o desenvolvimento pleno da criança concebida. (CHINELATO, 2000).

Assim, pode-se afirmar que, ao reproduzir a Lei de Alimentos Gravídicos, o ordenamento jurídico brasileiro consolidou a teoria concepcionista não deixando margem de dúvidas quanto à interpretação do artigo 2º do Código Civil Brasileiro.

Dessa forma, a lei confirmou, em consonância com a doutrina concepcionista, a proteção da personalidade do nascituro desde a concepção, resguardando todos os seus direitos.

Logo, é viável considerar a teoria concepcionista, pois somente assim se explicam os inúmeros dispositivos legais referentes à proteção do ser humano ainda enquanto pessoa intra-uterina.


9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo não tem o condão de esgotar o tema aqui tratado, mas apenas apresentar subsídios para novos estudos e reflexões acerca do início da personalidade jurídica do ser humano, com enfoque na garantia dos direitos patrimoniais e extrapatrimoniais do nascituro.

Conforme exposto no corpo do texto, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de forma confusa e contraditória sobre o instituto da personalidade jurídica do ser humano, especialmente quanto ao seu marco inicial.

Os direitos do nascituro são assegurados pelas principais correntes civilistas, porém há divergências profundas quanto ao seu alcance, ou seja, para a teoria natalista, o nascituro só adquire personalidade jurídica quando ocorre o nascimento com vida; para a teoria da personalidade condicional os direitos do nascituro ficam condicionados ao nascimento com vida para que se efetivem; já na corrente concepcionista, o nascituro adquire personalidade jurídica desde a concepção, sendo detentor de direitos e obrigações.

Os defensores da corrente concepcionista explicam que o nascituro, desde o momento da concepção, possui aptidão para titularidade de direitos, sendo absolutamente inadmissível considerar o nascituro como ente atípico.

Essa teoria encontra guarida na doutrina e amparo na legislação pátria, abarcando princípios norteadores da Constituição de 1988.

A introdução da Lei de Alimentos gravídicos nada mais foi que a confirmação quanto à corrente adotada pelo nosso ordenamento jurídico pátrio, qual seja a concepcionista. Possibilitou a interpretação lógica do artigo 2º do CC, de modo a não deixar dúvidas diante dos questionamentos dos juristas e doutrinadores estudiosos  do início da personalidade do nascituro

Dessa forma, face à proteção resguardada ao nascituro pelos vários ramos do direito, em especial Direito Civil e Direito Penal, resta mais que claramente que se trata de pessoa portadora de personalidade jurídica e não meras expectativas de direito.

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Sobre a autora
Dhanilla Henrique Gontijo

Estudante de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONTIJO, Dhanilla Henrique. Direitos do nascituro: uma breve análise da teoria concepcionista à luz da Lei nº 11.804/2008 (Lei de Alimentos Gravídicos). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3325, 8 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22274. Acesso em: 2 mai. 2024.

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