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Os alimentos gravídicos e a possibilidade de indenização ao suposto pai quando da não confirmação da paternidade

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02/08/2012 às 11:10
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5 A INSEGURANÇA TRAZIDA AO SUPOSTO PAI

Anterior a Lei 11.804/2008, havia o projeto de Lei nº 7.376, de 28 de julho de 2006[79], ao qual constavam doze artigos que protegiam processualmente o suposto pai, ocorreu, porém, que metade desses artigos foram vetados, nascendo assim o questionamento de como ficaria a defesa do suposto pai.

Acerca do assunto dispõe Rafael Pontes Vital:

[...] esta lei não permitiu que fossem realizados exames de DNA para atestar a paternidade do filho indigitado, o que faz com que os juízes, para aplicarem a lei, fixem os alimentos embasados em apenas indícios da paternidade. Este fato faz com que, somente após o nascimento da criança, sejam realizadas as análises laboratoriais para se confirmar quem é o genitor. O problema é que isso pode trazer prejuízos para o indivíduo que é apontado como pai, eis que, se após o exame for descoberto que o pai é outra pessoa, ele terá auxiliado uma gravidez de um filho que não era seu, sofrendo, com isso, danos patrimoniais e morais, o que pode ensejar um dever de responsabilidade da gestante.”[80]

 A contestação da paternidade é extremamente frágil, exceto se o suposto pai apresentar laudos médicos ou documentos que comprovem vasectomia, impotência sexual grave ou esterilidade.

Acerca do assunto discorre Douglas Phillips Freitas:

Mesmo sem o exame de DNA, algumas provas podem ser produzidas pelo suposto pai, como a de ter realizado vasectomia, por exemplo. Os artigos 1.597 a 1.602 do Código Civil elencam as possibilidades de presunção ou não de paternidade, de acordo com casos de vasectomia, impotência sexual, novas núpcias, entre outras. Embora tais regras refiram-se aos casos de casamento, não há óbice para serem interpretadas extensivamente no tocante às hipóteses de união estável.[81]

É possível que seja provado que a gestante no período da concepção manteve relações sexuais com outro homem, defesa esta que favoreceria o réu, pois geraria dúvidas ao magistrado quanto à questão de quem seria o pai biológico do nascituro, podendo tornar-se improcedente a ação e assim, a paternidade seria comprovada somente após o nascimento através de exame de DNA. Outro modo de defesa seria a alegação de que a relação sexual ocorreu em período anterior ao da concepção.

Restando comprovada a paternidade, estaria firmado o vínculo de filiação e fixada a obrigação alimentar, porém se após o nascimento da criança ficar comprovado por exame pericial a negativa de paternidade, poderá o réu ingressar com uma ação indenizatória em face da genitora por danos morais, caso a repercussão da suposta paternidade tenha atingido de maneira negativa sua vida familiar, social e profissional.

Pela lógica, ocorre que, na maioria das vezes, a genitora ingressara em juízo para obter ajuda por não possuir condições financeiras de arcar com a gestação, então como poderia o suposto pai ingressar com ação indenizatória contra a genitora, se esta não possuía condições financeiras nem mesmo para arcar com a gestação?  Sendo assim, há uma grande contradição quanto a essa indenização.

Como obrigar alguém no dever de pagar, se esta mesma pessoa busca em juízo uma resposta à sua deficiência financeira?

Diante do exposto, é notório que a lei 11.804/2008[82] é demasiadamente subjetiva em se tratando de favorecer a gestante e o nascituro, impondo uma obrigação que ao final poderá ser descaracterizada, e ocorrendo esta, restará ao suposto pai apenas danos irreparáveis a sua moral.

O dispositivo legal trazia em seu teor norma que viabilizava o direito do indigno genitor requerer a indenização devida na mesma ação, o que facilitava a propositura da ação indenizatória, mas tal norma foi vetada por ser considerada intimidadora.  

Essa questão leva à reflexão sobre a equidade na prestação jurisdicional da referida lei, visto que em um ordenamento jurídico baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da legalidade é incompreensível que uma lei possa beneficiar o direito de um em detrimento dos prejuízos que possa vir a causar a outrem.

Rafael Pontes Vital dispõe:

O pedido de alimentos ao indivíduo errado certamente causa prejuízos irreversíveis, pois, como se sabe, os alimentos são irrepetíveis. Haverá então um conflito de direitos, de um lado a dignidade e vida do nascituro e do outro a propriedade do devedor que foi indevidamente diminuída.[83]

Tal questão demonstra a insegurança trazida ao suposto pai. Restando claramente a necessidade de uma investigação mais precisa, sem esquecer que o nascituro tem o direito de requerer os alimentos e recebê-los, mas cabe também a gestante não agir com dolo e má-fé, para que assim o réu não seja prejudicado.

5.1 Da Possibilidade de indenização ao suposto pai em caso de negativa de paternidade

Caso não seja o pai da criança, poderá o suposto pai ajuizar ação de indenização por danos morais ou requerer a repetição dos valores pagos?

É claramente visível, que a Lei 11.804/08[84] prestigiou a gestante e o nascituro, ao dispor a possibilidade da prestação de alimentos sem a inegável comprovação da paternidade, pois o juiz fixará os alimentos baseando-se em indícios de paternidade, dando ao magistrado a possibilidade de conceder o subsídio paterno mesmo sem a ocorrência do exame de DNA, que é a maneira mais segura para comprovar a paternidade.

Em regra, os alimentos não são passíveis de restituição, pois visam à sobrevivência da pessoa, conforme o princípio do irrepetibilidade. De acordo com a Lei 11.804/08, o réu que prestou alimentos indevidamente está desamparado, pois o artigo 10º que previa a responsabilidade da gestante foi vetado, por se tratar de norma intimidadora. O referido artigo vetado mencionava que em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor da ação de alimentos gravídicos responderia objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu e ainda, que a indenização será liquidada nos próprios autos. [85]

Devido ao fato de impor responsabilidade objetiva à autora da ação de alimentos gravídicos, houve o veto, pois o simples fato da autora ingressar com a ação pressupõe que se possa causar dano a terceiros, impondo a esta o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, o que atenta contra o livre exercício do direito de ação.

Ocorre que mesmo com o veto do artigo que tratava da responsabilidade objetiva da autora, ainda persiste a responsabilidade subjetiva, em que há necessidade de se demonstrar a culpa do agente para a caracterização da responsabilidade.[86]

Acerca do assunto Regina Beatriz Tavares da Silva dispõe:

No entanto, a solução existe, já que o veto ao artigo 10 foi realizado porque o artigo estabelecia a responsabilidade objetiva da autora da ação, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa e atentaria contra o livre exercício do direito de ação, mas permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação.[87]

Flávio Monteiro de Barros concorda em partes com a autora, dispondo que:

A meu ver, somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização.[88]

A primeira corrente mostra-se mais prudente, visto que a conduta culposa também deverá ser coibida pelos magistrados. Interessante se faz saber a conceituação de imprudência, uma das modalidades culposas do autor:

Age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem prejuízo para qualquer um; age, assim, além da justa medida de prudência que o momento requer, excede os limites do bom senso e da justeza dos seus próprios atos.[89]

Assim, a autora deverá ser responsabilizada subjetivamente tanto em sua conduta culposa quanto em sua conduta dolosa, pois configura abuso de direito, ou seja, é o exercício irregular de um direito, que diante do artigo 927 do Código Civil se equipara ao ato ilícito, tornando-se fundamento para a responsabilidade civil.

A comprovação dos danos materiais sofridos será feita através de demonstrativos da quantia gasta indevidamente, valendo-se de descontos em folha, bloqueios judiciais, ou qualquer outro documento que ateste o quantum pago em alimentos gravídicos impostos de forma irregular, sendo possível também a cumulação com pedido de indenização por danos morais, uma vez que a condenação daquele que não era pai, além gerar o encargo financeiro, indubitavelmente acarreta grande abalo ao psicológico ao réu.

A jurisprudência é pacífica quanto à condenação em danos morais por ato ilícito, independentemente de o pleito ter sido exclusivamente em relação aos danos psíquicos ou cumulados com qualquer outro:

Ementa: Dano moral puro. Caracterização. Sobrevindo em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos entendimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização. (STJ, Min. Barros Monteiro, T. 04, REsp 0008768, decisão 18/02/92, DJ 06/04/1998, p. 04499).[90]  

Os pedidos de indenização por dano moral e material encontram-se nos artigos 186 e 187, ambos do Código Civil e dispõem que:

Artigo 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.[91]

A possibilidade de indenização por dano moral e material encontra-se presente também no ordenamento jurídico de forma expressa na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso V e X, que prescrevem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.[92]

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O artigo 927 do Código Civil dispõe sobre o dever de indenizar daqueles que cometem ato ilícito:

Art. 927 do CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.[93]

A jurisprudência tem se manifestado favorável a concessão de indenização para aqueles que foram lesados moralmente pela falsa imputação de paternidade:

A atitude da ré, sem dúvida alguma, constitui uma agressão à dignidade pessoal do autor, ofensa que constitui dano moral, que exige a compensação indenizatória pelo gravame sofrido. De fato, dano moral, como é sabido, é todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos da personalidade, cujo conteúdo é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa.Não se pode negar que a atitude da ré que difundiu, por motivos escusos, um estado de gravidez inexistente, provocou um agravo moral que requer reparação, com perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos do autor, alcançando, desta forma, os direitos da personalidade agasalhados nos inc. V e X do art. 5° da CF.( 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, apel. 272.221-112, 10.10.1996). (grifo nosso)

Como foi bem reconhecido na sentença, grande foi o sofrimento do autor em se ver apontado como o pai do filho da ré. Não tivesse bastado o vexame decorrente do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, o autor ainda foi recolhido ao cárcere por não ter pago as prestações alimentícias que a ré sabia, ou deveria presumir, que não eram por ele devidas (fls. 63 e verso). E é público e notório o caráter vergonhoso que isso tem, principalmente numa cidade pequena como aquela em que se deu o triste episódio. Assim, é evidente que o equivalente a dois salários mínimos não constitui suficiente para o justo ressarcimento do enorme dano causado ao autor.(Tribunal de Justiça. Sétima Câmara de Direito Privado. Apelação 252.862-1/0. Relator: Desembargador Sousa Lima. Julgado 22/maio/1996).[94]

Além de indenização por dano moral e material, alguns autores entendem ser possível o pedido por litigância de má-fé, conforme dispõe Douglas Phillips Freitas:

Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Porém, se confirmada, posteriormente, a negativa da paternidade, não se afasta esta possibilidade em determinados casos. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.[95]

A irrepetibilidade dos alimentos é uma construção conceitual feita pelos autores que discorrem sobre os alimentos, entretanto, nota-se que tal entendimento se derivou exclusivamente de situações genéricas inseridas na realidade da obrigação de alimentos parentais, disciplinados pela lei 5.478/68, que se trata de destinatário já nascido, porém alguns doutrinadores a exemplo de Yussef Said Cahali admitem a relativização da irrepetibilidade dos alimentos.[96]

Quanto à restituição dos alimentos Arnold Wald sustenta:

Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.[97]

De acordo com esse entendimento, utiliza-se para reaver a quantia paga a ação de repetição do indébito, que deve ser dirigida contra quem de direito deveria pagar, qual seja, o verdadeiro pai. Todavia a própria gestante, tendo condições necessárias, poderá ser acionada para restituir os valores, assim as ações de alimentos gravídicos seriam ajuizadas de modo mais responsável e cauteloso.

Por tanto, o suposto pai que foi lesado por realizar o pagamento dos alimentos gravídicos sem ser o verdadeiro pai, de todo não fica desamparado, podendo pleitear a restituição dos valores em face daquele que realmente os deve.

Já existe entendimento jurisprudencial manifesto pela procedência da repetição do indébito em casos de alimentos comuns, lei 5.478/68[98], devendo servir de parâmetro para futuras decisões acerca da restituição nos alimentos gravídicos:

ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los. (SÃO PAULO, TJ, Apelação  248/25 Luiz Antonio de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado. 24/01/207).[99]

Por tanto, ainda que o legislador tenha excluído a responsabilidade objetiva da gestante, ainda persiste contra ela a responsabilidade subjetiva por danos morais e materiais na forma dos artigos 186, 187 e 927, todos do Código Civil, restando ainda para aquele que prestou os alimentos gravídicos e não os devia, outras maneiras de ser reparado nos danos sofridos, quais sejam, através da ação de repetição de indébito e litigância de má-fé.

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Sobre a autora
Géssica Amorim Dona

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo - ES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DONA, Géssica Amorim. Os alimentos gravídicos e a possibilidade de indenização ao suposto pai quando da não confirmação da paternidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22333. Acesso em: 25 abr. 2024.

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