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The West Wing e os justices da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Uma brevíssima análise sobre como um seriado de TV enxerga a nomeação dos juízes americanos e um pretexto para analisarmos a magistratura brasileira e as funções essenciais à Justiça

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3 A ESCOLHA DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: OS MANDAMENTOS NORMATIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

3.1 O modelo judicial brasileiro

O modelo judicial brasileiro está desenhado no texto constitucional (arts. 92 a 126, CF atualizada até a EC 70/2012) e principia pelo escalonamento normativo dos órgãos componentes do Poder Judiciário: Supremo Tribunal Federal (STF); Conselho Nacional de Justiça (CNJ); Superior Tribunal de Justiça (STJ); Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Juízes Federais; Tribunais e Juízes do Trabalho; Tribunais e Juízes Eleitorais; Tribunais e Juízes Militares; e Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

No Brasil, em “imitação” aos EUA, o Poder Judiciário está dividido em Poder Judiciário da União e Poder Judiciário dos Estados. Mas lá a competência decorre sobretudo do parâmetro normativo. Ou seja, o direito estadual é julgado pela justiça estadual, enquanto que o direito federal é julgado pela justiça federal. Aqui o funcionamento é distinto. Não é pelo direito em si, mas ou pelas partes ou pela matéria, independentemente da origem do parâmetro normativo empolgado. No modelo brasileiro, a justiça estadual é residual. Ela julga as causas não apreciadas ou pela justiça federal ou pela justiça do trabalho ou pela justiça eleitoral ou pela justiça militar. O que não for dessas específicas justiças, é da justiça estadual. [26]

O texto constitucional estabelece que o STF, CNJ e Tribunais Superiores têm sede em Brasília, capital federal. Também estabelece o texto que esses aludidos órgãos têm competência jurisdicional em todo o território nacional.

Dispõe a Constituição que lei complementar[27] deve dispor sobre o Estatuto da Magistratura e enuncia princípios que devem ser observados na regulamentação da magistratura, como a necessidade de concurso público de provas e de provas e títulos para o ingresso no cargo inicial de juiz substituto, sendo necessário do candidato pelo menos 3 anos de atividade privativa de bacharel em Direito. O texto cuida das promoções e da evolução na carreira, das remunerações[28], de aposentadoria, remoção e disponibilidade, do dever de publicidade e de fundamentação de todas as decisões, sejam as judiciais ou as administrativas, das prerrogativas da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídios, bem como das vedações como a atividade político-partidária, do exercício de qualquer outro cargo ou profissão, exceto a do magistério, dentre outras.

Nesses referidos dispositivos constitucionais, a Constituição, de modo analítico, esmiúça o regramento normativo que regula a magistratura brasileira, deixando pouco espaço normativo para as leis e para os demais atos infraconstitucionais.

Mas, vamos direto ao ponto que nos interessa: os critérios de acesso aos cargos da magistratura. Enfatizo que a magistratura é uma coroa, é um prêmio. A magistratura do STF é a coroação maior na carreira de qualquer profissional do Direito. Começarei da primeira instância para a última (o STF).

Nos EUA, como assinalamos, os juízes federais são nomeados pelo Presidente da República. Os juízes estaduais são ou nomeados pelos Governadores dos Estados ou eleitos pelo povo. Aqui, felizmente não é assim. No Brasil há concurso para os seguintes cargos iniciais (juiz substituto) da magistratura: juiz federal, juiz do trabalho, juiz militar e juiz de direito. Não há concurso para juiz eleitoral.

O postulante ao cargo de juiz substituto deve ter pelo menos 3 anos de atividade privativa de bacharel em Direito. Penso que essa exigência ainda não seja suficiente. Tenho que se deve exigir do candidato à magistratura pelo menos 10 anos de experiência em atividade jurídica. Direito é uma experiência. O exercício da magistratura também requer experiência. Não basta o conhecimento “científico” dos textos normativos. O juiz deve possuir experiência de vida e consciência moral para adequadamente julgar as condutas e os comportamentos de seus semelhantes. A magistratura requer sabedoria, e a sabedoria é fincada nesse tripé: ciência, consciência e experiência. Portanto, somente poderia iniciar a carreira de magistrado quem tivesse pelo menos 10 de experiência jurídica. Haveria a cobrança de sua ciência (conhecimento) via provas e títulos. E a consciência? Como aquilatar? Pelo passado desse candidato e pelo seu comportamento ao longo de sua vida.

E para os Tribunais? Como deveria ser o processo de recrutamento? Para os tribunais de segundo grau (TJs, TRFs, TRTs...) deveria ser proibida a promoção por merecimento. Deveria ser apenas por antiguidade. Justifico essa mudança tendo em vista que o merecimento força o candidato interessado a “bajular” os Desembargadores[29], os políticos influentes, os amigos dos poderosos e ao “detentor” da caneta de sua nomeação. O candidato que não seguir o roteiro de busca de apoios não consegue ser nomeado. Candidato sem apoio é candidato “morto”. Ou seja, a justa e legítima expectativa de ascender na magistratura fica condicionada aos conchavos políticos. Isso é inaceitável. Isso lança uma jaça sobre o futuro magistrado do Tribunal. Isso deve ser combatido e até mesmo proibido. Há quem interessa um magistrado devedor de favores? Um magistrado devedor de favores tem a indispensável imparcialidade para julgar as causas? Um magistrado devedor de favores age com desassombro e julga os poderosos do mesmo jeito que julga os não-poderosos? Não necessito de responder.

Nessa linha, para ascender ao Tribunal de “apelação” (segundo grau), o magistrado deve ter pelo menos 10 anos de experiência judicial. Logo, o futuro desembargador deve ter pelo menos 20 anos de experiência jurídica. Esta exigência deveria se aplicar ao quinto constitucional. Ou seja, o advogado ou promotor (procurador) que for nomeado magistrado de tribunal deveria ter pelo menos 20 anos de experiência jurídica e não apenas os 10 anos atualmente exigidos. Qualquer “menino” se forma com 21 ou 22 anos. Se for amigo das pessoas certas será desembargador por volta dos 30 anos de idade. Isso é um acinte. Cadê a experiência? Magistratura é experiência. É consciência. Tribunal é coroação de uma carreira. [30]

Nessa trilha chego nos Tribunais superiores. Para os futuros ministros[31] há de se exigir pelo menos 20 anos de experiência judicial, se for magistrado de carreira, ou 30 anos de experiência jurídica se advier do terço/quinto constitucional reservado para a advocacia e ministério público. Insisto em uma espécie de gerontocracia na magistratura. Justifico na tese de que a sabedoria pressupõe ciência, experiência e consciência. Os ministros devem ser julgadores sábios.

Por fim, chego ao Supremo Tribunal Federal.[32] Aqui o postulante, aquele que receberá a suprema coroa da magistratura e das carreiras jurídicas, deve ser uma pessoa sábia (ciência, experiência e consciência). Deve ser alguém admirável. Alguém cujo nome se pronuncia com reverência e que se ouve com respeito. O nome de um ministro do STF deve ser um verdadeiro “adjetivo”, como é o nome dos advogados “Rui Barbosa”, “Pontes de Miranda”, “Miguel Reale”, “Sobral Pinto”, ou dos ministros  “Pedro Lessa”, “Aliomar Baleeiro”, “Victor Nunes Leal”, “Piza e Almeida”, “Nelson Hungria”, “Evandro Lins” e tantos outros gigantes do Direito nacional. A magistratura do Supremo é para quem realmente tenha feito por merecer e que seja respeitado pela comunidade jurídica e pela sociedade como um todo.

Um critério que ajudaria nessa salutar escolha estaria no processo de aprovação do nome pelo Senado Federal. Em vez de ser por maioria absoluta, o indicado deveria ser aprovado por 2/3 dos Senadores. Também deveriam ser colhidos pareceres do Conselho da República, da PGR e da OAB acerca da indicação do nome de magistrados para os Tribunais do Poder Judiciário da União (STF, STJ, TST, TSE, STM, TRFs, TRTs, TREs). Isso exigiria um nome de forte impacto e de grande respeitabilidade no cenário jurídico e político. A Presidência da República não indicaria alguém apenas de sua confiança, mas alguém de confiança da sociedade. Alguém que tenha um passado grandioso, um presente respeitado e um futuro luminoso, como já assinalei.

Também defendo um mandato de 8 anos[33], sem direito a nova recondução, para o ministro do STF. Creio que nesse período o magistrado terá condições de produzir boas decisões e de deixar o seu nome timbrado na história jurídica nacional, mas desde que o Tribunal se transforme em verdadeira “Corte Constitucional” e deixe de lado as atribuições “ordinárias”.[34] É preciso acreditar mais na sentença do juiz do que na força do acórdão colegiado.[35]

Mas quem seria esse indicado? Alguém que apresente textos jurídicos de boa qualidade. Se for um prático (magistrado, advogado, promotor etc.), apresentará suas melhores peças jurídicas (votos, decisões, pareceres, petições, memoriais etc.). Se for um catedrático (professor, pesquisador, consultor etc.), apresentará as suas melhores produções acadêmicas (teses, artigos, livros etc.). Mas deverá apresentar o que foi realmente escrito e produzido por si mesmo. Não vale o que foi escrito pelos assessores ou demais “ghost writers”. Ou seja, tem de ser produção de próprio “punho”. O trabalho de um magistrado consiste em produzir manifestações judiciais (jurídicas), logo é imperioso verificar o que ele já produziu, o seu entendimento pessoal.[36]

Tenho absoluta certeza de que há no cenário jurídico nacional homens e mulheres que preencham plenamente esses requisitos constitucionais, basta o gabinete presidencial buscar os nomes apropriados para essa alta função da República e que o Presidente tenha compromissos apenas com o bem do Brasil, e não use o STF para premiar a amigos ou para favorecer a aliados, mas, se for de escolher entre os seus amigos e aliados, que escolha quem preencha os aludidos requisitos do notável saber jurídico e da reputação ilibada.[37] Isso já seria um bálsamo.

Entretanto, mais do que mudar o texto constitucional, é preciso respeitar o que já manda a Constituição: notável saber jurídico e reputação ilibada. Acima indiquei como isso pode ser aquilatado. Espera-se da pessoa ocupante da elevada função de Presidente da República que cumpra com o seu dever constitucional e escolha alguém à altura da suprema magistratura.[38] Espera-se que o Senado Federal cumpra com a sua missão constitucional e sabatine o postulante. E que nós, povo e sociedade, participemos do processo com a nossa vigilância e cobrança, por meio das nossas instituições (OAB, associações, sindicatos, partidos políticos, igrejas etc.). Nós somos os verdadeiros guardiães e defensores da Constituição. Não devemos delegar isso para ninguém nem para qualquer instituição.

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É indispensável que nas próximas nomeações, tanto para os tribunais de segundo grau, quanto para os superiores ou para o STF, os mandamentos constitucionais sejam levados a sério. A sociedade brasileira agradeceria penhoradamente. A rigor, o governante, se não for vigiado e constrangido, tende a abusar do poder que possui. É da natureza do poder o seu abuso. É preciso constituir estruturas que evitem esses abusos. Mas, insisto nessa cantilena, é necessário um povo vigilante.[39]

Mas, para finalizar este tópico, creio que a principal causa da crise do Judiciário brasileiro não está na sua cúpula, mas na base. Digo melhor. Está na falta de executoriedade imediata das sentenças judiciais. Se, neste País, sentença exarada, em conformidade com os ditames do ordenamento jurídico, fosse sentença cumprida, a magistratura gozaria de enorme respeitabilidade e a cultura dos profissionais do Direito seria outra, pois em vez de aguardar o trânsito em julgado para cumprir a ordem judicial, as partes e os seus representantes processuais, principalmente, mudariam a sua atuação junto à primeira instância. E os juízes e tribunais de instância ordinária, que hoje servem apenas como “órgão de passagem”, seriam mais cuidadosos com as suas sentenças, pois o seu erro poderia causar um grande prejuízo. É um risco que se corre. Penso que esse preço deva ser pago.

3.2 As Funções Essenciais à Justiça

A Constituição estabelece como Funções Essenciais à Justiça o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e a Advocacia (arts. 126 a 135, CF atualizada até a EC 70/2012). O Poder Judiciário é o realizador da Justiça. Essas mencionadas Funções não são a Justiça, mas essenciais à ela. Seriam as Funções Essenciais um 4º Poder? A resposta é negativa. Três são os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Nesse quadro, onde estariam enquadrados essas Funções Essenciais? A advocacia estaria enquadrada em algum dos Poderes? Não. A advocacia não é atividade que se exerce em nome do Estado, nem é praticada por agentes remunerados pelo Estado. É uma profissão livre.

E o Ministério Público seria um 4º Poder? Não. É órgão estatal pois age em nome do Estado e é financiada pelos cofres do Estado. Estaria no Poder Legislativo? Não, pois não legisla nem é órgão auxiliar do Parlamento. Estaria no Poder Judiciário? Não, pois não julga nem decide questão alguma e não é órgão auxiliar da Magistratura. Logo, estaria dentro da alçada do Poder Executivo, pois suas funções são eminentemente executivas, visto que age de ofício e age provocando os outros órgãos públicos e demais instituições sociais. Cuide-se que o Ministério Público tem autonomia financeira, administrativa e funcional.

E a Advocacia Pública? Assim como o Ministério Público é instituição que age em nome do Estado e é por ele financiada, não estando na órbita nem do Legislativo nem do Judiciário. Resta-lhe apenas o Executivo. O mesmo sucede com a Defensoria Pública.

Mas qual a diferença entre essas Funções Essenciais? Ontologicamente não há diferença entre essas Funções Essenciais, pois todas agem provocando o Judiciário. O Ministério Público provoca em defesa da sociedade. A Advocacia Pública provoca em defesa do Estado e do Governo. A Defensoria Pública provoca em defesa dos mais carentes e necessitados. A Advocacia tem atribuição residual: provoca em defesa de todos que não sejam alcançados pelo Ministério Público ou pela Advocacia Pública ou pela Defensoria Pública.

Não há diferença ontológica entre as instituições estatais componentes das Funções Essenciais à Justiça. Tanto o membro do Ministério Público quanto o membro da Advocacia Pública ou o membro da Defensoria Pública postula (requer ou opina) perante membro do Poder Judiciário (magistrado ou tribunal). Portanto, quem postula está no mesmo plano de quem postula. Quem decide está no mesmo plano de quem decide. Agora quem postula não está no mesmo plano de quem decide. Postular é uma faculdade. Decidir é um poder. Uma postulação não cria direitos nem deveres vinculantes e obrigatórios. Uma decisão cria direitos e deveres vinculantes e obrigatórios. Não há crime de desobediência à postulação (ou petição) de promotor, de advogado ou de defensor, mas há crime de desobediência à decisão (ordem) judicial.

Daí porque, a despeito de o texto constitucional aproximar o regime jurídico dos membros do Ministério Público com o regime jurídico dos membros do Poder Judiciário, essa “similitude” não é a mais acertada. O regime jurídico dos membros do MP deve ser similar ao dos membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública.

Seguindo o traçado constitucional, o Ministério Público é dividido em duas espécies: o da União e o dos Estados. O da União é subdividido em Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios. A Constituição de 1988 fortaleceu o papel social do Ministério Público. A sociedade brasileira espera dos membros dessa importante instituição o rigoroso cumprimento de suas obrigações normativas: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição deu aos membros do Parquet uma estrutura normativa que lhes permitir agir com desassombro e combatividade.

Falo sobre a Advocacia Pública, que é a instituição que defende o Estado e o Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e auxilia juridicamente o administrador público no exercício de suas atribuições. Há advocacia pública (melhor seria estatal) de âmbito federal, de âmbito estadual, de âmbito distrital e de âmbito municipal. No caso da advocacia pública federal esta nasceu de uma “costela” do Ministério Público Federal, acrescida da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das procuradorias jurídicas das autarquias e fundações públicas federais. AGU e MPF são “irmãos siameses”. Por isso defendo que o regime jurídico dos membros das carreiras da AGU deve ser similar ao dos membros do Ministério Público.

Nos últimos 20 anos os membros da advocacia-geral da União têm conseguido granjear considerável avanço institucional, mas ainda é profundo o fosso que separa os advogados públicos federais dos membros do MPF. E esse fosso não é só de caráter remuneratório. É de auto-estima e de auto-respeito. Também carecem os advogados públicos federais de autonomia funcional, dentro de suas faculdades e atribuições, para que possam agir em obediência somente às Leis e à Constituição.[40]

Mas não devemos perder as esperanças nem baixar a guarda na luta pelas prerrogativas em defesa de uma instituição fundamental para consolidar o caráter legítimo e lícito do Estado brasileiro. Sem advocacia pública forte o administrador público é tentado ao cometimento de abusos governamentais. O advogado público é o primeiro “dique” de contenção contra os eventuais desvios do poder público.

Passo a falar da Defensoria Pública, que é o órgão estatal incumbido da assistência jurídica aos necessitados e carentes (hipossuficientes econômicos), que não podem contratar advogados nem são assistidos pelos membros do Ministério Público. É instituição reveladora da face humanística e da bondade constitucional. Os defensores públicos têm a difícil missão de, na seara criminal, defender os réus pobres. Normalmente esses réus, os pobres, que não podem contratar advogados particulares, ficam na dependência da intimorata atuação dos defensores. Sucede, todavia, que os investimentos públicos na Defensoria não têm sido suficientes para que esse órgão consiga alcançar e defender os miseráveis do Brasil, que ainda são vergonhosamente muitos. A Defensoria Pública é dividida em Federal e Estadual, assim como o Ministério Público.

Como dito, neste país as desigualdades sociais e econômicas são obscenas. Neste país, desgraçadamente, a pobreza é acintosa e pornográfica. É uma triste chaga que ainda possuímos. Apesar de todos os avanços econômicos e sociais obtidos nos últimos 20 anos, há um contingente de pessoas desumanizadas, que nada têm e possuem, e que são tratadas sem qualquer consideração e respeito. É uma dos mandamentos normativos constitucionais: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF). Não é favor nem benesse governamental. É dever jurídico e moral. É tarefa não só do Estado, mas de toda a coletividade. É uma obrigação ética, daquele que pode ajudar, ajudar a quem precisa. Mas promessas jurídico-constitucionais não reduzem pobreza.[41] Pobreza se acaba com desenvolvimento econômico e investimentos sociais. [42] E, reitero, uma das colunas de viabilização do desenvolvimento econômico está na seriedade dos magistrados. Magistrados sérios, Instituições respeitáveis, ordenamento jurídico confiável. Sem isso, o desenvolvimento econômico e as melhorias das condições sociais ficam frágeis.

Retomo a questão da paridade constitucional entre as Funções Essenciais à Justiça. Conquanto o texto constitucional tenha aproximado juridicamente o membro do Ministério Público com o membro da magistratura, entendo que essa não seja a melhor solução, pois são suas funções ontologicamente distintas, como assinalei. No entanto, reconheço que graças a esse regime jurídico-constitucional similar, os membros do Ministério Público conquistaram importantes prerrogativas e vitórias corporativistas.

Nessa toada, penso que o regime jurídico dos membros do Ministério Público deve ser estendido aos membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública, pelas razões já alinhavadas. Mas, é preciso ser coerente. Se os membros da advocacia pública querem direitos similares, também devem ter obrigações similares aos dos membros do Parquet. Esse é um tema que merece ser objeto de reflexão: quem quer os mesmos direitos deve ter os mesmos deveres e responsabilidades.

Por fim, resta a advocacia. Em verdade, no cenário jurídico ou se “pede” ou se “decide”. Todo aquele que pede/postula/opina/requer/suplica exerce a advocacia. Quem “decide” exerce a judicatura. Em suma, ou se é advogado ou se é magistrado. Assim, como aludimos, o promotor é um advogado (da sociedade). O defensor é um advogado (dos carentes). O advogado público é, por óbvio, um advogado, só que tem como “cliente” o Estado/Governo. Todos eles pedem, postulam, requerem, opinam, mas nenhum decide. Quem decide é juiz ou tribunal. Quem manda prender ou soltar é juiz ou tribunal. Promotor pede (ou opina) para prender ou soltar. Defensor, em rigor, pede para soltar. Advogado também. Mas quem decide, insisto, é o juiz/tribunal. Por isso, reitero que não há paridade ontológica entre os que “postulam” e os que “decidem”, mas há paridade ontológica entre todos aqueles que “postulam”.

A advocacia é atividade profissional que orienta ou defende os interesses e os direitos das pessoas (físicas ou jurídicas). O advogado tem compromisso sagrado com o seu cliente. Ao aceitar o patrocínio de uma causa, o advogado se torna escravo de suas promessas.

A história da advocacia brasileira é das mais ricas e cheia de grandes profissionais que se destacaram na luta intimorata em defesa dos seus clientes, a despeito das pressões econômicas, sociais e políticas. Basta recordar os nomes dos gigantes Rui Barbosa e Sobral Pinto. Dois monstros sagrados da advocacia brasileira.

Nessa luta, especialmente nos momentos de castração das franquias políticas, surgia a força da instituição da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. A OAB, além de ser uma entidade corporativa, é uma instituição social em defesa da democracia e da ordem jurídica. A OAB é mais do que uma entidade de classe. Ela é uma importante “coluna” social em defesa dos interesses públicos do povo brasileiro e tem sido fundamental na consolidação da democracia brasileira.

Apesar disso, a OAB tem uma jaça em sua estrutura. O Presidente do Conselho Federal da OAB é “biônico”. Ele não é eleito diretamente pelos advogados brasileiros, mas indiretamente por um colégio eleitoral composto pelos Conselheiros Federais. Essa ausência de eleição direta enfraquece politicamente o Presidente do Conselho Federal, pois ele carece do necessário coeficiente de legitimidade representativa. Os advogados brasileiros olham para o Presidente do Conselho Federal não enxergam o seu legítimo representante, pois não participaram do processo de escolha dele. Não votaram nele. É preciso mudar essa estrutura. A OAB deve ser aberta e democrática. Não são convincentes as razões expostas em sentido contrário. Creio que todo advogado que tenha pelo menos 25 anos de experiência advocatícia poderia postular a candidatura ao cargo de Presidente da OAB. Sou um gerontocrata. Para mim, experiência de vida é indispensável para quem deseja ocupar funções sociais relevantes.

Mas quem é o advogado? É aquele que não sendo defensor, promotor, procurador público, ou seja, alguém que não tenha vínculo algum com o Estado, orienta ou defende quem lhe contrate.

Para finalizar este tópico. As Funções Essenciais à Justiça mereceram do constituinte um destaque normativo privilegiado. Há um motivo para isso. É que sem essas funções a Justiça ficaria “capenga” e dificilmente seria realizada. Mas, insisto, por melhor que seja o “advogado” (promotor, defensor, procurador público, consultor...) de nada adiantarão os seus esforços se os magistrados não forem honrados e corajosos. Os membros das Funções Essenciais à Justiça têm o sagrado direito de influir com suas peças, mas quem efetivamente tem o poder da decisão são os membros do Poder Judiciário (juízes e tribunais).

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. The West Wing e os justices da Suprema Corte dos Estados Unidos.: Uma brevíssima análise sobre como um seriado de TV enxerga a nomeação dos juízes americanos e um pretexto para analisarmos a magistratura brasileira e as funções essenciais à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22350. Acesso em: 3 mai. 2024.

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