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O Direito da internet: o nascimento de um novo ramo jurídico

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01/10/2001 às 00:00
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Resumo: O presente artigo examina os reflexos da rede Internet nas relações jurídicas e a importância de se estabelecer um novo ramo na Ciência do Direito – o Direito da Internet - com diretrizes próprias, a fim de se produzir reflexões jurídicas abrangentes e sistemáticas, tencionando-se esclarecer as novas práticas geradas com advento da rede, legitimando-as e conduzindo-as gradativamente a uma possível regulamentação.

Sumário: 1. O Direito como Ciência e suas Divisões – 2. O Direito da Internet como Nova Disciplina Auxiliar – 3. Origem Histórica – 4. A Informática Jurídica e o Direito da Informática – 5. O Direito da Internet – 5.1. Criação – 5.2. Nomenclatura – 5.3. Fontes – 5.4. Autonomia – 6. Conclusão.


1. O Direito como Ciência e suas Divisões

Como nos lembra Reale, a Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico em todas as suas manifestações e momentos, não se restringindo somente à experiência já aperfeiçoada e formalizada em leis, mas também, analisando seu desenvolvimento contínuo na sociedade e consequentemente nas relações de convivência.

Tomando-se a idéia do Direito como ciência, e considerando que para bem estudá-la, assim como para estudar qualquer outra ciência, necessária se faz uma divisão que discrimine de maneira bastante clara suas funções, destacar-se-á a seguir a primeira divisão, herança dos antigos romanos, a qual distinguia o direito público do privado.

Como nos lembra Marky de maneira bastante simplista, o direito público regula a atividade do Estado e suas relações com particulares e outros Estados, enquanto o direito privado trata das relações entre particulares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem pertinet .

A partir desta primeira divisão, muitas subdivisões se sucederam com o passar do tempo para melhor esclarecer os segmentos engendrados dentro dos pólos público e privado.

Tomando-se a divisão clássica e olvidando as controvérsias doutrinárias que não se fazem relevantes no presente estudo, poder-se-ia citar no campo do direito público as seguintes disciplinas: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual, Direito Penal, Direito Internacional Público, Direito Tributário e Direito das Finanças Públicas. No campo privado: Direito Civil e o Direito Comercial ou Mercantil, sendo que os demais direitos se situariam numa esfera ainda nebulosa, de difícil classificação, como o Direito do Trabalho, Direito Agrário, Econômico, Urbano, Empresarial, Florestal, Internacional Privado etc.

Vale ressaltar ainda que cada um desses ramos não existe de forma absolutamente independente, muito pelo contrário, há um liame entre cada um deles para que juntos constituam a unidade, o todo que é o Direito.

Como mencionado alhures, sendo o direito extremamente dinâmico na medida em que caminha pari passu com a sociedade, ou melhor dizendo, com o progresso social, as novas realizações no plano tecnológico – as novas situações fáticas e os novos valores, para parafrasear uma vez mais o mestre Reale -, acabam por incitar o aparecimento de novos corpos ou sistemas de normas, destinados a disciplinar de maneira própria, determinadas situações jurídicas.

Destarte, ao lado dos já tradicionais ramos do direito (as disciplinas fundamentais), surgem ramificações que visam à especialização, buscando sempre melhor atender às lacunas que vão sendo criadas pelas novas relações jurídicas. São as disciplinas complementares ou auxiliares, geralmente mescladas com outras ciências, cuja importância evidencia-se no enriquecimento do saber jurídico, trazendo-lhe novos horizontes e contribuições originais.


2.O Direito da Internet como Nova Disciplina

As disciplinas jurídicas complementares são inumeráveis, sendo tantas quantas forem as possibilidades de outras ciências trazerem a sua contribuição ao estudo do direito.

Em consonância a essa linha de raciocínio, resgatamos o tema do desenvolvimento tecnológico das redes digitais e da sociedade de informação, inserindo-os mais propriamente no universo disciplinar da Informática Jurídica – "uma espécie de matriz originária do atual direito da Internet", a fim de propugnar no sentido de elevar as relações entre o Direito e a Informática - de maneira particular as relações entre Direito e Internet -, a um patamar de disciplina auxiliar ou complementar às disciplinas fundamentais.


3. Origem Histórica

É próprio da humanidade conceber a técnica como um ator autônomo, separado da sociedade e da cultura.

Em contraposição a essa postura prosaica, o filósofo Pierre Lévy defende a técnica como um ângulo de análise dos sistemas sócio-técnicos globais, um ponto de vista que enfatiza a parte material e artificial dos fenômenos humanos, e não uma entidade real existente independentemente do resto, agindo por vontade própria.

Haja vista a impossibilidade de separar-se o ser humano daquilo que inventa, produz e utiliza, a tecnologia assume uma feição de produto de uma sociedade e de uma cultura, refletindo portanto nas mais diversos campos científicos.

Um dos primeiros cientistas a considerar essa interação no ramo do direito foi Norbert Wiener, aclamado como "o Pai da Cibernética". Junto de outros cientistas, afirmou na década de 40 que "o conjunto de problemas centrados no controle e na comunicação, tanto no tecido vivo quanto na máquina, apresentavam uma unidade essencial."

Dentre suas reflexões acerca da possibilidade de aplicação da Cibernética ao Direito, coloca os problemas da lei como problemas de controle sistemático e reiterável de certas situações críticas, conceituando-a como:

« o controle ético aplicado à comunicação e à linguagem enquanto forma de comunicação, especialmente quando tal aspecto normativo esteja sob o mando de alguma autoridade suficientemente poderosa para dar às suas decisões o caráter de sanção social efetiva. »

Outra figura importante a ser lembrada como pioneiro na doutrina que exsurge é a do advogado Lee Loevinger. Seu objetivo foi criar uma disciplina jurídica nova, de caráter empírico, cujo propósito seria a racionalização do Direito mediante a aplicação dos métodos quantitativos de automação à experiência jurídica. A essa disciplina chamou-se Jurimetria.

Posteriormente, Hans W. Baade concluiu as idéias de Loevinger, atestando que a Jurimetria visava de maneira individual três setores fundamentais de pesquisa: o processamento eletrônico de dados jurídicos, o uso da Lógica no campo do Direito e a análise das decisões judiciais.

Mais recentemente, o jurista Mário Losano afasta a Jurimetria de Loevinger e a Cibernética de Wiener, situando-as num plano histórico e reciclando o objeto dessas duas ciências através da criação da Juscibernética.

Como coloca De Lucca, são quatro as possíveis abordagens da Juscibernética ao Direito para esse jurista italiano:

1. O mundo do Direito, na sua totalidade, é considerado como um subsistema em relação ao sistema social e são estudadas as inter-relações entre os dois, conforme um modelo cibernético.

2. O mundo do Direito é estudado como um sistema normativo, dinâmico e auto-regulador. O Direito é concebido como um todo do qual são estudadas as relações externas, mais as reações internas, isto é, aquelas que ligam entre si as várias partes do sistema.

3. Os modelos cibernéticos, em geral, deveriam ser idealizados tendo em vista a sua utilização em máquinas cibernéticas. Esta passagem para o computador pressupõe, porém, uma formalização da linguagem jurídica.

4. Os aspectos do Direito e das normas que podem tornar acessíveis aos computadores eletrônicos determinados fenômenos jurídicos.

Baseando-se em sua estrutura hierárquica da Juscibernética, Losano acentua uma divisão entre as abordagens teóricas e as empíricas, classificando as primeiras dentro do modelo de Juscibernética e deixando as segundas ao que viria a ser chamado de Informática Jurídica.


4. Informática Jurídica e Direito da Informática

Em sucinta definição, o professor Losano conceitua a informática jurídica como "um estudo das aplicações dos computadores eletrônicos ao direito, unida aos pressupostos e conseqüências desta aplicação".

Bipartindo a acepção do termo informática jurídica, o ilustre mestre o designa, no primeiro sentido, como a criação de um banco de dados jurídicos, enquanto no segundo sentido, o coloca como qualquer forma de automação da Administração Pública ou dos procedimentos regulados pelo direito.

Destarte, a informática jurídica se restringia bastante a um universo operacional do direito, não abarcando as futuras relações jurídico-sociais que pudessem advir do desenvolvimento da informática.

Todavia, como bem lembra o próprio Losano, já na década de setenta existia uma preocupação dos doutrinadores em relação a esta questão, levando-os a pleitear uma regulamentação para as potenciais relações jurídicas que se instaurariam. Essas normas constituiriam o que se poderia chamar de Direito da Informática.

Vejamos o que afirma Losano quanto ao desenvolvimento desta disciplina:

"Era um dos casos típicos no qual a doutrina jurídica executava a função de estimular o legislador. Porém, o direito da informática começou a tomar corpo com uma certa lentidão porque, por um lado, os cultores da informática jurídica ainda estavam fascinados com pela técnica, e, por outro, era freqüente que as aplicações dessa técnica estivessem ainda no início e, por isso, envolvessem um número limitado de pessoas."

Tal colocação demonstra claramente uma certa precocidade da doutrina em relação às necessidades da sociedade daquela época, preocupada com os problemas meramente técnicos.

Atualmente, o Direito da Informática tomou forma e autonomia em relação à informática jurídica, ganhando uma acepção própria. Entretanto, a doutrina é ainda bastante divergente no que se refere a essa independência.

As diferenças começam no que se refere ao objeto de cada disciplina. A informática jurídica tem como objeto o direito. O direito da informática tem como objeto a informática, entendendo-a lato sensu, ou seja, no âmbito das conseqüências decorrentes de sua utilização pelo homem.

Seguindo esta linha, o professor Veiga distingue a Informática Jurídica do Direito da Informática da seguinte forma:

"A informática jurídica afeta o direito de duas maneiras, que podem ser conceituadas como informática jurídica e direito da Informática. Como ferramenta possibilita maior eficiência e eficácia no exercício do nobre ofício, por todos os operadores jurídicos, constituindo a informática jurídica. O direito, regulando a vida em sociedade, é chamado a normatizar as mudanças ocorridas, para que se verifiquem e se situem dentro dos parâmetros desejáveis para uma sociedade sadia e justa. É o direito da informática."

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A acepção de Direito da Informática dada por Veiga, tem-se confirmado no Direito Comparado:

"(...) el vínculo entre informática jurídica y derecho informático es claro: ambos temas giran en torno a las computadoras. Pero su diferencia es aún más clara: el primero averigua las necesidades del derecho para satisfacerlas desde la informática, en tanto el segundo recibe las inquietudes generadas por la informática y trata de satisfacerlas desde el derecho. Los objetos son cruzados entre sí, los métodos son distintos y el marco en que cada disciplina se inscribe no podría ser más divergente."

"La interazione fra informatica e diritto come si è venuta delineando nel tempo, è caratterizzada da due opproci: l’informatica giuridica che riguarda l’applicazione dei metodi e delle tecniche dell’informatica all’elaborazione dei datti giuridici o di interesse giuridico e el diritto dell’informatica che concerne l’elaborazione e lo studio delle norme che regolano l’uso dell’indormatica nella società e le relative conseguenze."


5. O Direito da Internet

A criação de uma nova disciplina é sempre uma tarefa árdua, uma vez que, como bem pontua De Lucca, o jurista foi sempre um ser inteiramente refratário às inovações. Para citar ainda o eminente jurista Fábio Konder Comparato: "a tradição misoneísta dos nossos jurisconsultos continua a condenar às trevas exteriores toda e qualquer manifestação jurídica que não se enquadre no seu sistema".

Por conseguinte, há um evidente repúdio quanto ao desenvolvimento de novos campos dentro do direito por parte de muitos juristas.

Silva Neto nos lembra que quando foi introduzido o telégrafo no convívio humano, não houve necessidade do estabelecimento de qualquer direito telegráfico, razão pela qual as relações jurídicas na tecnologia da informação não necessitariam de qualquer ramo específico do direito.

Ora, a assertiva é eminentemente esdrúxula, não há comparar-se uma invenção de ordem prática realizada pelo homem, cuja importância se restringiu a uma área específica de utilização, com a Internet, verdadeiro paradigma emergente nas relações sociais e que vem remodelando diversas conjunturas em suas mais variadas searas.

Dentro do mesmo raciocínio De Silva Netto, Poletti chama atenção para o longo caminho percorrido pelas disciplinas jurídicas para adquirirem autonomia científica e curricular, acreditando que com a incrível velocidade nas alterações conjunturais, há certa precipitação no batismo de novas disciplinas, o que decorreria, por sua vez, de uma especialização desmedida e fragmentária.

Caminhamos no sentido contrário a tal opinião, já que, apesar do direito ser algo uno, faz-se necessário sua fragmentação a título de estudo e melhor aplicação. A grandeza do direito não nos permite conhecer todo o seu universo, o que praticamente obriga o jurista a especializar-se em determinada área e desenvolver novas disciplinas a medida que o direito compreende novas situações, o que não implica necessariamente na alienação frente às demais áreas.

Destarte, instituir-se o ramo Direito da Internet é um avanço jurídico rumo às novas demandas por regulamentação de uma mátéria ainda incipiente, pois a partir do momento que se circunscreve a matéria a um âmbito de estudo específico, surgem diversas soluções doutrinárias que tendem a confluir para uma uniformização, pré-requisito para uma possível organização de leis específicas.

5.1 Criação

Não obstante a inegável saliência de nossa proposta, não há falar-se em pioneirismo do tema, mas sim ressaltar-se o importante papel do professor Pasquale Costanzo na criação de uma cátedra de Direito da Internet na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Gênova.

O Direito da Internet surge em decorrência do fenômeno das redes, estando albergado dentro da designação genérica de Direito da Informática, o qual, por sua vez, serve de base para o Direito da Internet. Nas palavras de Constanzo, o Direito da Informática teria um valor propedêutico em relação ao Direito da Internet, e a Informática jurídica continuaria sendo uma espécie de matriz originária daquele.

Filiamo-nos claramente à linha de pensamento deste eminente professor, de maneira que ao referi-se aos aspectos jurídicos da Internet, estar-se-á propondo uma nova disciplina auxiliar que venha a tutelar as relações advindas daquela. O comércio eletrônico é a implicação mais evidente que decorre da utilização da rede como meio de realização de negócios jurídicos.

5.2. Nomenclatura.

Analisados os fatores históricos e a importância da criação desta nova disciplina, cabe ainda analisar a nomenclatura mais adequada.

Já foi visto que Informática Jurídica é um termo que se restringe à parte operacional aliada ao profissional do Direito, enquanto o Direito da Informática chegaria mais próximo do que convencionamos chamar de Direito da Internet.

Estamos com De Lucca ao privilegiar-se a designação Direito da Internet em face das demais; a saber, direito virtual, direito do ciberespaço ou do espaço virtual, ciberdireito, direito cibernético, etc.

Em suas conjecturas, De Lucca evidencia sua preferência a esta expressão na medida em que se optássemos por direito virtual, ter-se-ia a impressão equivocada de tratar-se de um complexo de normas virtuais e não reais. De Lucca nivela ainda a expressão direito da Internet à direito do espaço virtual ou do ciberespaço, pois tanto uma como a outra melhor descrevem o conjunto de normas que incidem sobre as relações recorrentes naquele mundo.

5.3. Fontes

No dizer de Savigny, a fonte substancial suprema do direito encontra-se na consciência comum do povo, vivendo sob a forma de intuição viva dos institutos jurídicos considerados em seu complexo orgânico e não sob a forma de uma regra abstrata.

Essa visão romântica de fonte do direito há muito foi superada, todavia não se pode negar a importância da força das pressões sociais pela modificação do direito, pois é da sociedade que ele nasce e é para ela que ele vive.

Reale considera fonte de direito como sinônimo de processos de produção de normas jurídicas, os quais pressupõem uma estrutura de poder capaz de assegurar o adimplemento das normas por ele emanadas.

Costumava-se distinguir, de maneira equívoca, as fontes em formal e material. Por fonte material indicavam-se as razões últimas, os motivos lógicos ou morais que guiavam o legislador em sua tarefa, dando-se ênfase à natureza filosófica, que diz respeito às condições lógicas e éticas do fenômeno jurídico. Para Reale, tratar dos problemas de fundamento ético ou social das normas jurídicas é tarefa da Sociologia ou da Filosofia, estando fora do campo da Ciência Jurídica.

Em que pesem tais opiniões, autores existem como Maria Helena Diniz, a qual nos filiamos, que resgata o caráter de quase marginalidade das fontes materiais, invocando a teoria egológica de Carlos Cossio, ao considerar que o jurista deve ater-se tanto às fontes materiais como às formais, preconizando a supressão da distinção, preferindo falar em fonte formal-material, "já que toda fonte formal contém, de modo implícito, uma valoração, que só pode ser compreendida como fonte de direito no sentido de fonte material."

Ante essas considerações, dividir-se-ão as fontes formais em estatais e não- estatais.

As fontes estatais subdividem-se em: legislativas (leis, decretos, regulamentos etc.), jurisprudenciais (sentenças, precedentes judiciais, súmulas etc.) e convencionais (tratados e convenções internacionais). As não-estatais abarcam os usos e costumes, a doutrina e as convenções em geral ou negócios jurídicos.

Analisada a teoria concernente às fontes, o Direito da Internet, como ramo relativamente autônomo, sustentar-se-ia numa incipiente doutrina, cuja importância se reflete na constituição das noções gerais, nos conceitos, nas classificações, nas teorias e nos sistemas, exercendo função relevante na elaboração e aplicação do direito; na momentaneamente escassa jurisprudência, e no que poderíamos chamar - sem o intuito de cometer qualquer tautologia e nem a pretensão de reduzir esse novo ramo do direito à uma disciplina específica - de fontes transdisciplinares, ou seja, o alargamento das fontes concernentes a outros ramos do direito devido à sua aplicabilidade ao fenômeno das redes, mesmo que de forma oblíqua e análoga.

Evocamos ainda em separado a importância dos usos e costumes e dos negócios jurídicos ou poder negocial, no dizer de Reale, como fontes do Direito da Internet, dadas suas respectivas importâncias.

Os usos e costumes remetem-nos uma vez mais ao pensamento de Savigny, sendo frutos da vontade livre do povo em viver e organizar a vida de determinada maneira.

Como esclarece Poletti:

"(....) os usos e costumes aparecem de forma imprevista. E o processo de seu surgimento parece estar além de nossa compreensão, pois não podemos explicá-lo nem determiná-lo com segurança. Na verdade, eles brotam de uma subconsciência social, às vezes, até de uma espécie de inconsciente coletivo de Jung, que os governa no seu aparecimento e na sua eficácia jurídica."

Daí extrair-se a importância desta fonte em relação ao Direito da Internet e particularmente às relações comerciais em ambiente virtual, já que os costumes imporiam a consciência social da obrigatoriedade de determinado comportamento ainda não previsto em lei.

Quanto ao poder negocial, o que se destaca é a importância do direito nascido dos contratos – no caso, contratos eletrônicos ou virtuais -, fazendo lei entre as partes em função do ordenamento jurídico estatal que assim o permite.

E finalmente, para esgotar as possibilidades de fontes concernentes à matéria em estudo, não nos olvidemos dos princípios gerais do direito, fonte subsidiária dos usos e costumes prevista no artigo 4o da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, os quais adquirem força normativa para solução das controvérsias submetidas a juízo na falta de disposição legal.

5.4.Autonomia

Cada ramo do direito que insurge, requer para si o reconhecimento de sua autonomia.

A autonomia pode ser de ordem legislativa, jurisdicional e didático-docente, todas oriundas da manifestação prática de uma autonomia precedente: a autonomia científica.

Aftalión acredita que não há falar-se em autonomia científica se os princípios de um ramo em questão aparecem como contingentes exceções, especificações dos de outra disciplina, a qual se recorre para solução de casos não previstos. Assim, em suas palavras:

"(...) no cabe hablar de una rama autónoma, sino, a lo sumo, de un recuadro o ramal más o menos excepcional (derecho de excepción) o especializado (derecho especial)."

Malgrado seu posicionamento pouco flexível, estamos para que todas as disciplinas jurídicas se socorrem uma das outras para formar uma opinião acerca de determinado assunto, o que não as restringe necessariamente a mera especificação de outra disciplina, evidenciando-se, ao contrário, o intercâmbio contínuo entre os mais diversos ramos jurídicos, privilegiando-se a característica mor do direito que é a sua unicidade. Logo, tal critério não nos satisfaz, a medida que restringe a autonomia à dependência ou não de outras disciplinas.

Neste ponto, vale lembrar o que nos ensina o eminente e saudoso mestre Vicente Ráo:

"(...) as disciplinas jurídicas, cedendo às pressões das vicissitudes contemporâneas da vida social, se dividem e subdividem em um número sempre crescente de ramos e sub-ramos, os quais, por sua vez, padecendo de gigantismo, tendem a se constituir em disciplinas autônomas e distintas"

Ráo afirma que a especialização e a subespecialização são extremamente úteis e clamam por sua autonomia. Contudo, para que a criação de um novo ramo jurídico tenha êxito, deve haver um forte vínculo aos princípios gerais do direito, desprezando-se o caráter estritamente técnico e reafirmando os postulados ideológicos e os elementos intelectuais, morais e espirituais que integram a personalidade humana..

Talvez ainda seja realmente cedo para falar-se em autonomia como a entendemos em seu universo mais amplo, haja vista a falta de uma normatização específica quanto à matéria. Não obstante, há que considerar-se uma autonomia relativa, alicerçada principalmente no plano doutrinário e em menor grau no plano jurisprudencial.

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Sobre o autor
Marcio Morena Pinto

acadêmico de Direito na Universidade Prestiteriana Mackenzie de São Paulo e pesquisador na área de Direito da Informática da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Marcio Morena. O Direito da internet: o nascimento de um novo ramo jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2245. Acesso em: 22 nov. 2024.

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