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Tutela inibitória na ação civil pública trabalhista

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29/08/2012 às 16:37
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XIII. Tutela de obrigações contempladas em lei e interesse de agir.

Sob outro enfoque, também se debate a questão do interesse de agir pela circunstância de que, comumente, os direitos buscados em concreto pela tutela inibitória não seriam outros senão aqueles já prescritos pela lei em abstrato, que já veicula a respectiva sanção para a hipótese de seu descumprimento.

 A insurgência parece-nos equivocada. O fato de haver previsão legal de uma multa de cunho administrativo (como as multas previstas na CLT) para o inadimplemento de obrigações de fazer e não fazer não impede que o julgador utilize-se de um meio processual posto pela própria legislação à sua disposição com o fito de fazer valer a autoridade do ordenamento jurídico por meio da autoridade jurisdicional quando as sanções endolegais da conduta se revelarem ineficazes para o restabelecimento da ordem jurídica.

 De outro lado, parece-nos que é a própria violação da lei que enseja a necessidade de manejo da ação civil pública de cunho inibitório, ao mesmo tempo que o art. 127, caput, da CF confere a um dos entes legitimados da ação civil pública a legitimidade para a defesa da própria ordem jurídica em si, abstratamente considerada.

 Assim, a imposição de astreintes, por exemplo, com previsão no art. 11 da Lei da Ação Civil Pública e art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, pode mostrar-se fundamental para o alcance da satisfação da obrigação pelo empregador, revelando-se um adequado mecanismo processual destinado à garantia da efetividade da ordem emitida pelo órgão jurisdicional e pelo ordenamento legal. Confira-se, abaixo, aresto que endossa nossa tese:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FINALIDADE. O fim maior da ação civil pública na Justiça do Trabalho é exatamente a tutela do ordenamento jurídico vigente, agindo o Ministério Público em defesa dos interesses coletivos relacionados ao desrespeito dos direitos trabalhistas garantidos pela Constituição da República. Assim é que, se as medidas extrajudiciais tomadas não foram capazes de fazer cessar as inúmeras infrações constatadas, compete a esta Justiça determinar que o réu cumpra as obrigações de fazer e não fazer que resultam, em última análise, no cumprimento da ordem jurídica pátria  (TRT 3ª Região, RO-7141/98, 3a. Turma).


XIV. O conteúdo da tutela inibitória.

A tutela inibitória tanto pode se revelar por meio de um comando positivo (facere), como negativo (non facere ou tolerar). O art. 83 do CDC ressalta o princípio da ampla tutela adequada em sede de ação civil pública[7], com o art. 84, no caput, aduzindo ao poder-dever de concessão, pelo Juiz, de tutela específica da obrigação (1) ou de providências assecuratórias do resultado prático equivalente ao do adimplemento (2).

No primeiro caso (concessão de tutela específica), o comando jurisdicional veiculará uma obrigação originária do sujeito passivo em relação a um dado direito ou interesse. É o caso de se determinar, por exemplo, a determinado Município que cumpra suas obrigações constantes do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).

No segundo caso (providências assecuratórias do resultado prático), o comando jurisdicional veiculará uma obrigação derivada de alguma obrigação originária. É o caso, mantendo-se na linha do citado exemplo, de se determinar à municipalidade, em região com forte presença de trabalho infantil em lixões, que erga muros no entorno destes, cadastre catadores de lixo e monitore o fluxo de pessoas no interior dos lixões.

Este último exemplo dá a dimensão do poder criativo do Juiz nas tutelas inibitórias.

É que em sede de tutela inibitória vigora o princípio da não identificação, ou da atipicidade, inexistindo taxatividade quanto às medidas cabíveis na busca pela efetividade de direitos. Daí a reaproximação entre direito material e processo, revelando um movimento neossincretista da teoria da ação.

Com efeito, o art. 84, §5º, do CDC, prescreve que, “para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”, sendo que a expressão tais como indica o caráter meramente exemplificativo do rol de medidas.

Paralelamente, conforme analisado, a tutela inibitória coexiste com a expressa previsão de garantia jurídica de certos direitos e interesses (CF, art. 129, III; CDC, art. 81, etc). Trata-se, aqui, de cláusula revolucionária para ranços do fetichismo jurídico que marcou as chamadas escolas exegéticas e pandectistas; trata-se da expressa previsão de que ao lado de direitos formalmente definidos à luz da mais analítica jusfilosofia, existem outros valores carecedores de proteção a despeito de possuírem tipicidade completa.

 É assim que, apesar de inexistir prescrição normativa para que Municípios, especificamente, cerquem seus lixões ou controlem o fluxo de pessoas, em nome de princípios fundamentais (como, no nosso exemplo, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente), é dado ao Juiz proferir decisão inibitória derivada nesta direção, julgando-se apenas axiologicamente.

Em ocasião recente, outro exemplo, o Ministério Público do Trabalho em Londrina manejou ação civil pública em face de instituição financeira acometida por grande número de casos de lesão por esforço repetitivo (LER) e de doenças osseomusculares relacionadas ao trabalho (DORT), após constatar a precariedade das condições ergonômicas de algumas de suas agências, conquanto formalmente adequadas segundo seu PPRA. Tamanha era a incidência de casos de LER/DORT nas citadas agências que se determinou a reavaliação do PPRA destas, bem como a contratação de serviços de arquitetura especializados em ergonomia para participar da sua elaboração e implantação, ainda que inexista a exigência específica de tal profissional por norma regulamentar. Novamente, prevaleceu a situação concreta e sobressaiu o direito fundamental à saúde sobre um princípio de legalidade (mal utilizado, pois não se deve confundir legalidade com legalismo) supostamente assecuratório de tipicidade plena de deveres e obrigações.


XV. Cominação de multas e conversão da obrigação em perdas e danos.

O meio mais usual com que a jurisdição atua sobre a vontade do Réu, na tutela inibitória veiculada por ação civil pública trabalhista, é através da cominação de multas, ora diárias (astreintes), ora fixas, ora fixas e multiplicadas pelo número de trabalhadores lesados, ora multiplicadas pelo número de obrigações descumpridas, multas estas que podem incidir sobre qualquer tipo de obrigação de fazer ou não-fazer, sem restrição legal para que se limitem a obrigações infungíveis.

Com previsão nos arts. 11, da Lei 7.347/85, e 84, §4º, do CDC, a multa tende a ser mais eficiente que a determinação de cumprimento da obrigação por sub-rogação (por terceiro), que não só é mais demorado, como também implica no adiantamento dos custos pelo autor. Tal multa é computada a partir do ato caracterizador de descumprimento da tutela inibitória determinada e não suspensa por alguma medida judicial, mas, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85, sua cobrança se dará posteriormente ao trânsito em julgado de sentença confirmatória da tutela.

A dosimetria da multa não deve ser extrema, a ponto de inviabilizar por completo a atividade na hipótese de um simples descumprimento (embora poderá vir a se tornar vultosa em caso de reiterações sucessivas no ilícito ou de lesão a elevado número de trabalhadores), nem tão amena a ponto de tornar compensatório o risco da ilicitude.

Sua existência é autônoma e não está adstrita ao valor da obrigação principal, tampouco sendo substitutiva desta, que poderá, em última análise, ser convertida em obrigação ressarcitória na hipótese de seu cumprimento tornar-se inviável ou se assim requerer o autor (CDC, art. 84, §1º). Em tais casos, prossegue-se na cobrança cumulativa das multas até então incidentes, acrescidas do valor correspondente às perdas e danos (CDC, art. 84, §2º).

 No direito brasileiro, tais multas cominatórias revertem-se em favor do Autor. No caso das ações civis públicas trabalhistas, a tendência é a reversão ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, criado pelo art. 10 da Lei 7.998/90 e em sintonia com o art. 13 da Lei 7.347/85, embora não se trate exatamente de um fundo específico de recomposição dos direitos lesados de que cuida esta lei e tampouco conte com a composição na forma por ela discriminada. Daí, portanto, a conveniência, notadamente em casos afetos a interesses de jovens, de reversão ao Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente (FIA), ou a conversão dos valores em obrigações relacionadas aos direitos lesados, como a conversão em obrigação de elaborar cartilhas informativas, entregar bens a entidades beneficentes ou a órgãos de fiscalização do trabalho (computadores, veículos, etc), ou até mesmo, de construir escolas e postos de saúde, como se dá quando as multas assumem patamares mais elevados (e que é comum em hipóteses de trabalho escravo).

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XVI. Multas cominatórias, multas administrativas e bis in idem.

As multas decorrentes do art. 11 da Lei 7.347/85 e do art. 84, §4º, do CDC possuem natureza e finalidades distintas das multas administrativas comumente aplicadas pela fiscalização do trabalho, podendo coexistir sem que se incorra em bis in idem. De fato, enquanto as multas da fiscalização, amparadas, na CLT, são de natureza administrativa e com finalidade punitiva, aquelas buscadas na ação civil pública têm caráter cominatório, servindo justamente para assegurar o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer pleiteadas. Confira-se a respeito:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – FIXAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA – PREVISIBILIDADE DE MULTAS ADMINISTRATIVAS – POSSIBILIDADE. O fato de já estar prevista na legislação uma multa de cunho administrativo para o inadimplemento de obrigações de fazer, não impede que o julgador se utilize de um meio de natureza processual posto pela própria legislação à sua disposição, com o fito de fazer valer sua autoridade jurisdicional. A imposição de astreintes, previsto especificamente no art. 11 da Lei da Ação Civil Pública e art. 84, do Código de Defesa do Consumidor (de aplicação subsidiária àquela), mostra-se como meio para o alcance da satisfação da obrigação pela requerida, é um mecanismo processual destinado a garantir a efetividade da ordem emitida pelo órgão jurisdicional. A pretensão do autor, tal como posta, revela a busca de uma ordem judicial que determine que a ré cumpra o ‘fazer’, acompanhada da imposição de medida coercitiva que induza ao cumprimento espontâneo da obrigação. Trata-se da tutela específica da obrigação de fazer pretendida, a qual no entender de Ada Pellegrini Grinover ‘é praticamente coincidente com a idéia de efetividade do processo e da utilidade das decisões, pois nela, por definição, a atividade jurisdicional tende a proporcionar ao credor o exato resultado prático atingível pelo adimplemento (TRT da 24ª Região, Ac. n. 643/99).


XVII. Medidas necessárias.

O art. 84, §5º, do CDC, prevê que “para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”, restando evidente, conforme já nos referimos, o caráter numerus apertus das medidas arroladas, bem como a fungibilidade entre a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito (busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas), conforme será analisado.

Em interessante ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em Londrina com o desiderato de compelir tradicional equipe local de futebol a promover o pagamento das verbas salariais atrasadas de seus empregados (tutela ressarcitória), bem como ao tempestivo pagamento dos salários futuros de seus empregos (tutela inibitória), o Juízo constatou a ineficiência das multas cominatórias, na medida em que o clube continuara atrasando pagamentos vencidos no curso da ação. O caso revelava-se delicado, ademais, por conta da existência de contabilidade paralela (“por fora”) dos valores arrecadados, impedindo a constrição do faturamento. Ante tal cenário, preliminarmente, determinou-se a penhora de imóveis do clube, cujo valor seria suficiente para quitar os débitos antigos. Todavia, a má administração da entidade sinalizava que o clube, em curto espaço de tempo, se recolocaria em situação de inadimplemento, desta vez agravada pelo desfazimento patrimonial anterior. A conseqüência seria, a médio prazo, a extinção do clube em virtude da má administração. Reputado patrimônio cultural da cidade, o Juízo nomeou administrador para o levantamento da situação do clube, com o Ministério Público pugnando pela realização de audiências públicas visando a alterações no estatuto social do clube (convolação em entidade de fins lucrativos, apresentação regular de balanços, etc) consentidas pela diretoria, com o objetivo de se obter um resultado de efetivo saneamento das questões salariais futuras sem a extinção da entidade, que, repita-se, seria merecedora de especial proteção jurídica por conta de seu status de patrimônio cultural municipal. Trata-se, aqui, de exemplo de “medidas necessárias”.

 Entendemos que o universo das medidas necessárias, em casos extremos, permite, até mesmo, a possibilidade de incursão do demandado em crime de desobediência. Ressalte-se que a legislação alemã prescreve a possibilidade de prisão no § 888 do ZPO, articulando, no entanto, para que o juiz aplique, inicialmente, a sanção pecuniária e reserve a prisão para a hipótese de impossibilidade de uso da primeira medida ou quando ela não surtir os efeitos esperados. Também no direito norte-americano, há os institutos do civil contempt e do criminal contempt, o primeiro destinado à proteção do credor e, o segundo, à manutenção da dignidade da Justiça. Em ambas as hipóteses é aberta a possibilidade de pena pecuniária e de prisão, com o Juiz dispondo de discricionariedade na cominação.


XVIII. Mitigação dos princípios da congruência e da perpetuatio libeli.

O art. 11 da Lei 7.347/85, o art. 84, §§ 4º e 5º, do CDC, e, principalmente, o §5º do art. 461 do CPC, deixam clara a possibilidade do Juiz, ex officio, deferir a tutela específica na forma que mais eficazmente resguardar a situação de direito material vindicada. O art. 4º do Anteprojeto de Código de Processo Civil Coletivo estabelece que “nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido”. Trata-se, sem dúvida, da mitigação do princípio da adstrição da sentença ao pedido e causa de pedir, também chamado de princípio da congruência e prescrito pelos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil.

Especificamente para a ação civil pública, discute-se, outrossim, a existência de uma mitigação do princípio da estabilização da demanda em favor da busca pela máxima efetividade da prestação jurisdicional. É assim que o parágrafo único do art. 4º do citado anteprojeto concebe que “a requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado”, a semelhança do quanto prescrito pelo Código Modelo de Processo Coletivo para a Ibero-América.

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Sobre os autores
Luiz Fabre

Procurador do Trabalho, Mestrando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Coordenador Regional da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT (CONAETE) na 2ª Região, Membro da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE-SP), ex-Coordenador Regional da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do MPT (CODEMAT) e da Coordenadoria de Trabalho Portuário e Aquaviário (CONATPA), Coordenador do Centro de Estudos do MPT/2ª Região, Professor do Complexo Educacional Damásio de Jesus, aprovado nos concursos de ingresso na Magistratura Federal da 3ª Região (2006), Procuradoria do Município de São Paulo (2004), Procuradoria do Estado do Ceará (2004) e Procuradoria da Fazenda Nacional (2003).

Taís Lavezo

Procuradora do Estado do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FABRE, Luiz ; LAVEZO, Taís. Tutela inibitória na ação civil pública trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3346, 29 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22518. Acesso em: 19 mai. 2024.

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