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O art. 20, § 1º, da Constituição e a distribuição dos royalties relativos à exploração de petróleo na plataforma continental

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13/03/2013 às 09:00
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III) AS MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS RELATIVAS À COMPENSAÇÃO PREVISTA NO ART. 20, § 1º[8]

Para a adequada interpretação do referido dispositivo constitucional, importa buscar também as manifestações doutrinárias. Luís Roberto Barroso, em parecer encomendado pelo Estado do Rio de Janeiro, analisou as propostas de alterações na disciplina do pagamento dos royalties na forma apresentada pelas emendas parlamentares conhecidas como “Emenda Ibsen” e “Emenda Simon”, que pretendem redistribuir os royalties para todos os municípios brasileiros, independentemente de serem produtores ou possuírem instalações ligadas à exploração e distribuição de petróleo e gás.  O foco do parecer é a sustentação do ponto de vista do direito do Estado do Rio de Janeiro à participação no resultado da exploração do petróleo.[9] Eis o que diz o constitucionalista:

“A discussão quanto à validade da orientação adotadas pelas emendas Ibsen e Simon depende, em grande medida, da adequada leitura do artigo 20, § 1º, da Constituição. De forma mais concreta, trata-se de saber se o dispositivo cuida do direito dos estados e municípios afetados pelo processo de extração do petróleo de receberem royalties e participações especiais ou se o dispositivo constitucional estaria atendido uma vez que a União, por meio de lei, atribuísse a todos os estados e municípios, sem diferenciação, o direito a receber royalties e participações especiais.

(...)

Pois bem: o § 1º do artigo 20 fala em participação no resultado ou compensação financeira pela exploração de recursos no respectivo território. Na verdade, o conceito chave é o de compensação, seja pelo uso do território do estado ou do município, seja pelos danos ou ônus decorrentes da atividade. Pois bem: o que haveria pra compensar em relação a uma região não envolvida nem afetada no processo de exploração? Caso todos os estados e municípios tivessem o mesmo direito, o local da atividade seria irrelevante e o emprego da palavra compensação não teria pertinência. Vale dizer: artigo 20, §1º não teria sentido nem razão de existir. Regra ancestral da interpretação jurídica é a de que a norma não traz em si termos inúteis.

(...)

Em suma: a interpretação gramatical ou semântica restringe os direitos previstos no artigo 20, §1º aos estados e municípios cujos territórios são afetados pela exploração de petróleo ou gás natural. Trata-se de verdadeiro direito subjetivo constitucional ao recebimento de tais receitas. A lei destinada a regulamentar o dispositivo constitucional não pode ignorar esse sentido mínimo do texto, sob pena de nulidade. Assim, a lei federal é necessária para detalhar a repartição dos recursos, mas deve obedecer à premissa estabelecida pela própria Constituição”.[10] (gn)

O referido constitucionalista apresenta a conclusão inarredável a respeito da interpretação do dispositivo da Constituição: 

“Por fim, cumpre abordar a interpretação teleológica, que leva em conta, sobretudo, os fins visados pela norma, o valor ou bem jurídico tutelado pelo ordenamento. Veja-se bem: o propósito subjacente ao artigo 20, § 1º, como todo modelo de pagamento de royalties, está associado a compensar estados e municípios pelos impactos ambientais e socioeconômicos causados ou potencializados pela atividade petrolífera. Tal fim constitucional resulta frustrado pelo rateio linear do produto  dos royalties, sem considerar os riscos e encargos dos estados confrontantes da exploração marítima do petróleo”. (gn)

Na mesma linha, refere Luiz Cezar Quintans, ao interpretar o art. 20, § 1º:

“O legislador constitucional, através da norma em comento, determinou que todos participassem do resultado da exploração do petróleo e gás no Brasil ou recebessem uma compensação financeira pela sua exploração. O vocábulo ´todos´ se refere aos Estados, Distrito Federal e Municípios em seus respectivos territórios, além de órgãos da administração direta da União, quando se trata da parte marítima. Existe, como exceção, o caso dos Municípios que possuem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural. Mas, é caso específico para beneficiar os municípios que possuem tais instalações e não são confrontantes. (...) Se no modelo de concessão os Estados, Distrito Federal e Municípios não participam dos resultados (como partícipes da exploração direta), vale a regra da compensação financeira, que só pode ser aplicada aos Estados e Municípios confrontantes e especificamente aos Municípios que suportam as operações logísticas, de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, que não confrontam com o mar. Qualquer interpretação diferente disso vai subverter a ordem Constitucional”.[11]

         A noção de compensação é também uma tendência existente em nível mundial, que se refletiu no Brasil, conforme dá conta outro estudo específico sobre o tema:

O processo de implantação da atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural, especialmente quando realizada na plataforma continental (offshore), como qualquer projeto de investimento de grande vulto, gera elevação extraordinária do nível de emprego e renda local e regional e, portanto, aumento igualmente extraordinário da demanda por serviços públicos e de infra-estrutura em geral.

O motivo apontado acima é reforçado por um outro objetivo que está usualmente associado à cobrança de royalties: o de indenizar ou compensar os impactos causados sobre o meio ambiente pelas atividades de mineração. Conforme aponta Schantz Jr:

Another justification sometimes offered for a royalty is that it compensates for environmental impacts. While sitespecific arrangements made for mining permits resolve the more acute conflicts, royalties address the residual impacts. (…) If directs controls exercised by the government were made more stronger, the need for the royalty to account for residual pollution would move inversely. A royalty in this case is the value of remaining environmental impacts (Schantz Jr, 1994).[12] (gn)

 Essa última conclusão é bastante importante: os royalties servem à compensação ambiental dos impactos ambientais residuais. Segundo o autor referido, caso houvesse outros controles diretos, o valor dos royalties poderia ser menor. Contudo, não existe, na indústria do petróleo, um imposto ou contribuição específica, com finalidade parafiscal ambiental. A única existente refere-se à CIDE, mas aí não se trata mais de petróleo, e sim de seus derivados. Em vista disso, salta aos olhos, aliás, que a maioria dos estudos no Brasil que envolvem impactos e medidas ambientais referentes à indústria do petróleo acaba por ignorar que os royalties são também um mecanismo de compensação ambiental, em linha assemelhada à disciplina do poluidor-pagador. 

A conclusão inafastável, portanto, é a de que assiste o direito constitucional à compensação financeira, na exploração do petróleo/gás natural, tanto aos chamados Municípios produtores, na realidade meramente confrontantes (eis que a maior parte do petróleo nacional encontra-se na plataforma continental) quanto àqueles que sofrem os efeitos, os impactos das atividades envolvendo o petróleo. Vale dizer, justamente aos municípios afetados por esses efeitos. Isso decorre já da Constituição, cabendo tanto ao legislador, mas fundamentalmente, ao Executivo, respeitar, proteger  e dinamizar o exercício desses direitos pelas municipalidades. Porém, o que se vê é exatamente o contrário: a interpretação da ANP, acolhida pelo STJ, quanto aos Municípios portadores de instalações e afetados por operações de embarque e desembarque, ignora esse sentido fundamental dos textos constitucional e legal.  A Constituição não admite interpretação restritiva, a ponto de contemplar unicamente com o pagamento de royalties os municípios chamados produtores de petróleo/gás natural.

Deflui da análise doutrinária, bem como das manifestações do STF a respeito, uma ênfase na compensação como um mecanismo de recomposição de riscos e/ou danos ambientais, econômicos e sociais decorrentes das atividades envolvendo o manejo do petróleo. Já há, na doutrina, específica referência à compensação decorrente da extração na plataforma continental, incluindo-se explícitas referências aos afetados e aos portadores de instalações de embarque e desembarque de petróleo.[13] Atente-se ainda para a contribuição de Luís Roberto Barroso, que entende haver um direito subjetivo constitucional, assegurado aos Municípios no referido dispositivo.


IV) OS ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ART. 20, § 1º

 

a)    O sentido do termo exploração

  Em outro artigo[14] fizemos amplo estudo e referência ao significado do termo exploração, constante do art. 20, § 1º, da Constituição. Ali conclui, pelas razões abaixo expostas de modo sucinto (que são uma síntese do que lá desenvolvido), pela inadequação da aplicação de uma interpretação restrita do termo, de modo a compreender abranger ele apenas os Municípios em que ocorre a lavra do petróleo.

Inicialmente, de nada adianta recorrer à legislação subjacente para se buscar definir o significado do termo exploração. Primeiro, por metodologicamente inconstitucional o referido procedimento. É que estaríamos diante de uma interpretação conforme à lei, quando, na verdade, a lei é que se deve basear na Constituição. O termo exploração, catalogado no art. 20, § 1º da Constituição, deve ter um significado próprio, a ser concretizado pelo operador do direito na tarefa de interpretação/concretização.[15]

Não bastasse isso, nos termos estritamente legais, exploração confunde-se com pesquisa. Ora, a pesquisa é até mesmo anterior à extração, daí não podendo advir o pagamento de royalties. Portanto, se, nos termos legais, a produção (que inclui o transporte e a distribuição) é uma etapa posterior à exploração, como deixam claro os incs. XV e XIX do art. 6º da Lei 9478/97, o termo constitucional “exploração” restaria absolutamente incompreensível, se adotada a legislação para fins de sua interpretação.[16] É que a restrição do termo exploração é aqui tão elástica, que desautorizaria qualquer Município a receber royalties, fossem eles produtores (no sentido usual do termo) ou afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo. 

Além disso, é cânone da interpretação constitucional a consideração de que seus termos são utilizados num sentido mais leigo, sem tanta precisão técnica.[17] É o que também acontece na referência à exploração feita pelo § 1º do art. 20 da Constituição. Mas não é só!

Como bem afirma Friedrich Müller, o conceito jurídico de um termo difere do conceito técnico que ele possui em sua área do conhecimento. Texto e contexto se confundem, e para o professor germânico, os conceitos não poderão ser entendidos de uma maneira convencional, como simples abstrações de elementos encontráveis na realidade, mas sim diante de uma sua inevitável especificidade jurídica: os conceitos jurídicos são, sem dúvida, fórmulas encurtadoras, ordenadoras, referidas à realidade (sachbezogene, ordnende Abkürzungsformeln).[18] Não serão, porém, simples abstrações desta. Ao contextualizá-lo, dentro de um texto válido, com pretensão de normatividade, o conceito jurídico transforma aquele conceito oriundo de outra área do conhecimento, ao mesmo tempo que com ele se relaciona.

    Note-se que não se está a defender um significado hermético, distinto do coloquial, do termo explorar. O significado mais adequado ao termo é comum, e nos é dado pelo Aurélio, em sua definição 4, do termo explorar:

“Tirar partido ou proveito de; fazer produzir; desenvolver (um negócio ou indústria); empreender, cultivar: explorar uma fazenda, uma mina.”[19]

 Reitere-se aqui que o termo exploração, pois, não significa unicamente a atividade de extração de petróleo e gás, para fins de distribuição dos royalties. A exploração de petróleo e gás, para fins constitucionais, constitui atividade complexa que se inicia com a pesquisa, passa pela extração, pelas atividades de embarque e desembarque e culmina com o processamento, quando então se transforma em outro produto, pronto para o consumo.

 Assim, quer-se distribuir os frutos dessa exploração, que é um conjunto encadeado de atividades, todas merecedoras dos royalties, dado seu entrelaçamento e dependência mútuas. A indústria do petróleo é clara em considerar encadeadas e dependentes entre si as atividades de extração e transporte do petróleo até sua chegada à refinaria. Assim, apenas estão excluídos dos royalties os momentos posteriores à chegada do petróleo à refinaria, pois que aí não mais haverá óleo bruto, ensejador do pagamento dos royalties.

 Contudo, ainda que, por si só, a noção de exploração fosse tomada de modo restrito, ela deve ser compreendida em interpretação sistemática com o restante do próprio dispositivo, de outros excertos da Constituição e, em especial, do âmbito normativo consistente nas particularidades da indústria do petróleo.

b)    A literalidade e uma aproximação ao elemento sistemático – os bens da união

 Quer-se nesse momento tratar: (i) da literalidade de alguns pontos do dispositivo constitucional; (ii) da compreensão da disciplina jurídica da plataforma continental, mar territorial e zona econômica exclusiva.

 No que se refere ao item (i), perceba-se que o dispositivo constitucional assegura participação ou compensação aos Estados, DF, Municípios e órgãos da Administração direta da União, pela exploração de petróleo e gás, “no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva”.  

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 Bem vistas as coisas, considerada apenas a literalidade do dispositivo (já informada, é verdade, por uma certa sistematicidade, adiante vista, no sentido da titularidade de cada bem jurídico)[20], a hipótese que mais salta aos olhos do intérprete é a de que apenas aos órgãos da Administração direta da União estariam garantidos os pagamentos de royalties pela exploração no mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva. Afinal, esses bens não são o “respectivo território” de nenhum Estado-membro ou Município.

 Com efeito, o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva não são território nem estadual, nem municipal. Eles são território do Estado brasileiro (art. 20, V e VI), bens da União, servindo antes como manifestação assertiva da soberania do Estado nacional, tendo significativa importância econômica e geopolítica.

 Ora, já quanto à lavra em terra, mesmo que os bens do subsolo sejam da União, fica claro que o dispositivo constitucional remete o benefício ao Município em cujo território ela ocorre.

 Sabe-se, porém, que a literalidade é apenas um limite à interpretação. Das várias hipóteses ali existentes, apenas estarão excluídas aquelas que em nenhum contexto sejam compatíveis com o texto constitucional.[21] E, se tornarmos mais abrangente, mais adequada e mais completa a análise do próprio art. 20, § 1º, veremos que outras “interpretações literais” são possíveis. Isso desde logo porque o próprio dispositivo faz a referência ao termo exploração (cuja adequação do significado amplo foi já acima tratada), bem como à noção de compensação pelo petróleo extraído da plataforma continental. Tudo o que remete à necessidade de investigação do sentido desses termos e de sua correlação recíproca. Em outras palavras, para além de várias conclusões sob o aspecto literal, a contribuição desse elemento é insuficiente para se chegar a uma noção mais aprofundada. Isso exige a presença de outros elementos de interpretação e de concretização.

 Daí porque não se deve considerar ilegítimo o recebimento, pelos Estados e municípios meramente confrontantes, dos frutos da plataforma continental.

 Desde logo, em vista de uma peculiar força do elemento genético, consistente na referida manifestação do Min. Jobim, no sentido de permitir um melhor equilíbrio econômico-financeiro no pacto federativo. Ainda assim, porém, como visto, essa assertiva tem maior força para os Estados do que para os Municípios.

 Contudo, o que deve legitimar o percebimento pelos Municípios é justamente a força dos elementos sistemático – informado pela noção de compensação e pela característica da afetação - e teleológico, devendo este perscrutar as características do âmbito normativo a ser desvelado quando do trabalho de concretização pelo intérprete.

c)    A previsão de compensação e a teleologia do art. 20, § 1º - a plataforma continental e a maior legitimidade de recebimento pelos afetados do que pelos confrontantes, chamados “produtores”

 Como já mencionado, o art. 20, § 1º contempla os Municípios não só mediante “participação”, mas também por uma compensação, conforme previsto na Constituição.

 As considerações do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho estabelecem pertinente reflexão acerca da exploração na plataforma continental:

“A norma distingue entre participação e compensação. Esta última pressupõe um ‘prejuízo’ decorrente da exploração. Já a participação constitui uma associação nos benefícios.

Compreende-se que o ente federativo que no seu território sofra a exploração seja por ela compensado, ou, até, nela tenha participação. Menos aceitável é que faça jus a uma participação quando a exploração se der na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, que não lhe integram o território. Quanto à compensação, esta seria admissível, sob a condição do prejuízo.”[22] (grifo nosso)

 Daí se extraem lições fundamentais. A principal delas confirma a noção de exploração como tendo um sentido amplo, compreendendo também a atividade de transporte do petróleo e gás natural. Admite-se que, mesmo dando-se a atividade na plataforma continental, sejam os municípios que sofrem os efeitos da exploração do petróleo compensados. Ora, evidentemente que essa exploração não pode coincidir com a mera extração, já que essa é feita em alto-mar. Ela apenas se justificaria quanto a plataformas situadas praticamente à beira-mar, que por si só já oferecem riscos ambientais. Porém, em geral, a atividade passível de compensação é a de suporte logístico para o transporte, armazenamento ou beneficiamento do petróleo.

Corolário disso é que, quanto às atividades desenvolvidas na plataforma continental, têm mais legitimidade para o recebimento os municípios portadores de instalações de embarque e desembarque de petróleo e aqueles por elas afetados, do que os meramente confrontantes, chamados também produtores, que abocanham a imensa parte dos royalties distribuídos por conta da exploração do petróleo e que têm relação com a extração apenas de forma fictícia.

Como se sabe, são definidos como produtores, no caso da plataforma continental, os municípios com ela confrontantes (art. 49, II, “d”, da Lei 9.478/97). Ora, em tais municípios, não há sequer uma gota de petróleo que seja extraída propriamente de seu território, sendo a compensação paga inicialmente em virtude de uma mera ficção geográfica.

Essa ficção foi sacramentada por lei, como adiante se verá.

c.1) Escorço histórico – a contemplação dos produtores e dos confrontantes

Foi apenas na legislação que os municípios meramente confrontantes viram assegurada, pela literalidade dos dispositivos legais, o seu (generoso) quinhão na divisão e partilha dos royalties.

 Com efeito, as Lei 7453/85  e 7525/86 atribuíram o recebimento de royalties também aos Municípios confrontantes com a plataforma continental, equiparando-os então aos Municípios efetivamente produtores de petróleo em terra.[23] Veja-se a definição de confrontante dada pela Lei 7525/86:

Art. 2º Para os efeitos da indenização calculada sobre o valor do óleo de poço ou de xisto betuminoso e do gás natural extraído da plataforma continental, consideram-se confrontantes com poços produtores os Estados, Territórios e Municípios contíguos à área marítima delimitada pelas linhas de projeção dos respectivos limites territoriais até a linha de limite da plataforma continental, onde estiverem situados os poços.

 Isso coincidiu justamente com o incremento da produção de petróleo oriundo da plataforma continental, bem como com os ventos da redemocratização política do país, em que o federalismo e a descentralização de recursos ganharam impulso. 

 O legislador foi sensível a essa nova forma de exploração da riqueza oriunda do petróleo. E contemplou então os Municípios que, entendia, poderiam ser prejudicados pela exploração marítima do petróleo e gás. Optou, porém, pela maior destinação dos recursos aos confrontantes, em clara sintonia com um critério baseado no determinismo físico.[24] Porém, mesmo quanto aos confrontantes, também manifestou a idéia de prejudicialidade aos Municípios vizinhos. Com efeito, cabe aqui uma interpretação sistemática com a própria referência, pela lei, às áreas geoeconômicas dos Municípios produtores. Assim dispõe a lei quanto a essas áreas:

Art. 3º A área geoeconômica de um Município confrontante será definida a partir de critérios referentes às atividades de produção de uma dada área de produção petrolífera marítima e a impactos destas atividades sobre áreas vizinhas.

Art. 4º Os Municípios que integram tal área geoeconômica serão divididos em 3 (três) zonas, distinguindo-se 1 (uma) zona de produção principal, 1 (uma) zona de produção secundária e 1 (uma) zona limítrofe à zona de produção principal.

§ 1º Considera-se como zona de produção principal de uma dada área de produção petrolífera marítima, o Município confrontante e os Municípios onde estiverem localizadas 3 (três) ou mais instalações dos seguintes tipos:

I - instalações industriais para processamento, tratamento, armazenamento e escoamento de petróleo e gás natural, excluindo os dutos;

II - instalações relacionadas às atividades de apoio à exploração, produção e ao escoamento do petróleo e gás natural, tais como: portos, aeroportos, oficinas de manutenção e fabricação, almoxarifados, armazéns e escritórios.

§ 2º Consideram-se como zona de produção secundária os Municípios atravessados por oleodutos ou gasodutos, incluindo as respectivas estações de compressão e bombeio, ligados diretamente ao escoamento da produção, até o final do trecho que serve exclusivamente ao escoamento da produção de uma dada área de produção petrolífera marítima, ficando excluída, para fins de definição da área geoeconômica, os ramais de distribuição secundários, feitos com outras finalidades.

§ 3º Consideram-se como zona limítrofe à de produção principal os Municípios contíguos aos Municípios que a integram, bem como os Municípios que sofram as conseqüências sociais ou econômicas da produção ou exploração do petróleo ou do gás natural.

 Note-se que a caracterização de um município como pertencente à área geoeconômica pressupõe a presença de equipamentos em seu território ou a simples prejudicialidade em vista das atividades, caracterizando então que esses Municípios devem ser afetados pelas atividades envolvendo o manejo do petróleo e gás.

 A contemplação aos confrontantes continuou na Lei 7990/89, bem como na Lei 9478/97. Deixa-se de fazer a elas maiores referências no presente estudo, pois o que aqui nos interessa é a possível influência que as leis anteriores pudessem ter para a conformação final do art. 20, § 1º no texto constitucional.

c.2) A interação entre a lei anterior e o dispositivo constitucional

 Ora, por mais que a Constituição tivesse tomado as referências então dadas pela lei para a redação do art. 20, § 1º, os significantes ali inseridos assumem agora outros contornos. Como se sabe, a interpretação dos dispositivos constitucionais não se deve vincular aos significados legais. Essa é a lição clássica do constitucionalista Rudolf Smend, que consolida a força da Constituição. Como elegantemente afirma o mencionado autor:

“A Constituição não tem, absolutamente, em primeira linha, o propósito de transformar normas legais especiais em direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não normatizam relações privadas, administrativas ou penais por ocasião do direito privado, administrativo ou penal, mas sim por ocasião da própria Constituição. Eles não perseguem as especiais finalidades técnicas daquelas áreas, mas sim o fim geral constitutivo do direito constitucional. (...) mesmo uma regra copiada insere-se em uma outra dimensão, e numa completamente nova conexão significativa, que até então lhe era estranha, movendo-se, por conseguinte, igualmente, em uma relação incomensurável, se comparada à sua apresentação inicial, e à região técnico-jurídica, da qual se origina sua literalidade.”[25]

 Portanto, não há uma simples emenda, ou atualização, pela Constituição, de institutos antigos, desenvolvidos em outras áreas do Direito. Ao contrário, a Constituição é que irradia seus novos conteúdos. Isso vale também para a situação vertente, que se refere a direitos de Estados e Municípios.

 Desse modo, mesmo que se desse vazão à força do elemento genético de interpretação, e que se entendesse presente o chamado critério do determinismo físico, ainda assim a noção de prejudicialidade, de impactos ambientais, está inserida também nos dispositivos legais que contemplavam os confrontantes, quando menos para a caracterização das áreas geoeconômicas. Em outras palavras, caso se entendesse, erroneamente, dever-se tomar como referência os critérios existentes na lei anterior, mesmo aí está ínsita, a par do determinismo físico, a noção de prejudicialidade para qualquer compreensão que se venha a fazer de Municípios portadores de instalações ou afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo.

c.3) A superficialidade do determinismo físico e a compensação constitucional por efetivos riscos e impactos nos Municípios

 Na acurada análise econômica promovida por Rodrigo Serra e Carla Patrão, houve um claro determinismo físico na distribuição legal dos royalties, consistente nas “projeções marítimas dos limites municipais”, alcançados pelos pares de linhas ortogonais e paralelas. Segundo os autores, essa solução não atende ao “fundamento econômico[26] para repartição dos royalties entre os municípios, qual seja, de que estes recursos devam ser distribuídos sob o propósito de preparar os municípios impactados pelas atividades petrolíferas para a fase pós-esgotamento das jazidas. Isto, obviamente, porque não há, a princípio, qualquer relação entre a distância física que separa o poço petrolífero e o município confrontante e a intensidade da presença de capitais transitórios nos municípios beneficiários.”[27]

Contudo, à guisa de concretizar os arts. 48 e 49 da Lei 9478/97, esse critério do determinismo físico foi utilizado pela ANP não apenas para aquinhoar os confrontantes, mas também com o objetivo de definir o sentido de instalações de embarque e desembarque de petróleo e de Municípios afetados por operações de embarque e desembarque de petróleo. Assim, em vez de limitar a utilização do critério para os confrontantes, a ANP subverteu a teleologia dos arts. 48 e 49, incrementando o determinismo físico ao exigir uma suposta ligação ao campo produtor – na plataforma continental!!! – da instalação de embarque e desembarque que recebe o petróleo dali oriundo e transportado até a costa brasileira.[28]

 Os autores citados, Rodrigo Serra e Carla Patrão, concluem igualmente no sentido de uma maior legitimidade para o recebimento daqueles que efetivamente sofrem os impactos da exploração de petróleo:

“Resta, assim, como definição sensível aos efetivos impactos econômicos das atividades petrolíferas sobre o continente, o conceito de municípios onde se localizam instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque vinculados àquela indústria.”[29]

 Perceba-se então que o dispositivo constitucional, mediante a noção de compensação, corrobora exatamente essa necessidade de uma indenização em face de um prejuízo sofrido pelos Municípios que suportam as atividades de embarque e desembarque de petróleo ou são por elas afetados. A compensação se justifica verdadeiramente apenas em alguns casos: (i) quando a vocação socioeconômica do município se altera em vista da instalação do aparato da indústria do petróleo, com todas as conseqüências daí advindas; (ii) em função de impactos ambientais; (iii) em vista da essencialidade das instalações localizadas nos municípios, para o adequado escoamento do petróleo e do gás natural, com eventuais riscos ambientais daí advindos. Portanto, é apenas quando verificadas ao menos uma destas condições que os municípios confrontantes se equiparam aos afetados, detendo a mesma legitimidade que estes últimos.

d)   O elemento sistemático externo, a teleologia e o âmbito normativo – a indústria petrolífera – seu significado e as conseqüências do desenvolvimento da atividade – a convocação do art. 225 para a atividade de interpretação do art. 20, § 1º

 Se a literalidade revela as possibilidades da atividade interpretativa, e o elemento sistemático convoca a atenção para as peculiaridades do contexto em que será feita a interpretação, o elemento teleológico exige venham à luz, em nossa visão, particularidades do âmbito normativo, ou seja, daquela parcela de realidade sobre a qual incidem os elementos do texto de norma, e que com ele se confundem.

d.1) O âmbito normativo – a indústria do petróleo e suas estruturas

 É fundamental a compreensão de que a norma não se confunde com seu texto, sendo antes o resultado da atividade de interpretação/concretização por parte do operador do direito. Ela é, inclusive, essencial para lidar com questões de declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto. O termo é muito utilizado na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão.

 O âmbito normativo, reitere-se, nada mais é que a parcela da realidade para a qual o texto de norma se dirige.[30]

 No estudo ora feito, cabe então indagar do sentido da indústria petrolífera em relação com os preceitos constitucionais que as abarcam.

 Como se sabe, a indústria petrolífera destaca-se por dois aspectos: sua vitalidade enquanto matriz energética, com enorme impacto para as atividades econômicas; e pelas conseqüências danosas de sua atividade, em vista dos impactos ambientais e sócio-econômicos dela decorrentes.

 Basta recordar que o petróleo moveu em grande parte a geopolítica mundial, desde o início do século XX, não sendo diversa sua importância nos dias atuais. Nações e povos se emancipam, alteram seus regimes, criam e destroem Estados e ganham força e pujança em vista do desenvolvimento da indústria do petróleo.[31]

 Em atenção a tudo isso a Constituição contemplou em vários dispositivos a atividade petrolífera. Considerou-a uma atividade econômica, porém, em vista de seu sentido estratégico, sujeita à exploração em regime de monopólio (art. 177). Aliás, mesmo a apropriação da plataforma continental pelo Estado brasileiro teve em mira os potenciais petrolíferos ali existentes.

 Quanto aos impactos ambientais, como se trata de indústria primariamente poluente, abarcou-a, ainda que não explicitamente, em todo o regime de cautelas e políticas de prevenção previstos no art. 225. Como se sabe, as atividades envolvendo o petróleo têm direto impacto ambiental. Em vista disso, o petróleo e o gás natural devem ser considerados também recursos minerais, conforme previsto no § 2º desse dispositivo:  

Art. 225...........

........................

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

 Sobre a qualificação jurídica do petróleo e do gás natural como recursos minerais, cabe a excelente interpretação sistemática[32] de Alexandre Monteiro (et alli):

Por atividade minerária, compreende-se a movimentação dos recursos minerais contidos no solo ou subsolo, cuja finalidade precípua é o aproveitamento econômico dos referidos minerais. Num conceito científico mineral “é um elemento químico ou substancia cuja composição pode ser expressa em termos de uma fórmula química e que ocorre naturalmente na Terra com estrutura cristalina definida baseada em um arranjo interno ordenado de átomos ou íons” Estão excluídos, portanto, os líquidos, gases e elementos de origem orgânica.

Embora, todavia, as ciências exatas tenham tal entendimento, o direito, por vezes, possui seu tratamento próprio a respeito de determinados objetos, e assim acontece no caso das atividades minerárias.

A Constituição Federal traz um novo conceito, que passa a ser o norteador da seara jurídica no que diz respeito às atividades de mineração, a saber: o conceito de recurso mineral. Juridicamente, recurso mineral é considerado como uma concentração de matérias-primas, seja em estado sólido, líquido ou gasoso, no interior ou sobre a costa terrestre. Tal expressão é encontrada no art. 20, inc. IX, da Carta Magna, que dispõe que são bens da União os recursos minerais, inclusive os do subsolo. Não resta dúvida que o legislador abrangeu, no conceito de recurso mineral, substâncias como o petróleo e o gás natural. Do mesmo modo, o art. 22, inc. XII, dispõe que compete privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia.

(...)

Concluímos, portanto, que apesar de o petróleo e o gás natural não serem considerados, sob o ponto de vista geológico e cientifico, como um mineral, o nosso ordenamento jurídico o abraça como sendo um recurso mineral e, por isso, as atividades que digam respeito a estas substâncias fósseis serão enquadradas como minerais.[33] (gn)

  Além disso, o meio ambiente degradado, quando da exploração na plataforma continental, não é somente a área respeitante aos equipamentos situados no mar. O meio ambiente que se degrada é também e fundamentalmente aquele respeitante às áreas em que situados os equipamentos em terra, que acolhem o petróleo oriundo do mar.

 Em vista disso, cabe referir outro elemento do âmbito normativo, crucial para a compreensão dos Municípios a serem compensados. Trata-se da complementariedade entre as estruturas e equipamentos existentes para o recebimento do petróleo oriundo da plataforma continental. Tudo o que implica, em nosso sentir, a necessidade de que todos os Municípios que contribuem com estruturas significativas para o manejo do petróleo devam receber os royalties. A título ilustrativo, cabe citar significativo trecho do acórdão do TRF/4ª Região, ao apreciar a Apelação Cível 2001.71.00.040286-0:

“De outro lado a expressão “embarque e desembarque” deve ser interpretada de forma a alcançar o depósito (tancagem), porquanto ligados por oleodutos as monobóias localizadas em mar aberto na costa do Município de Tramandaí. Acata-se aqui a idéia de um sistema operacional unitário. Nota-se que sem a tancagem, não é possível a operação de embarque e desembarque. O Município é parte integrante e inafastável da estrutura exigida ao recebimento do petróleo desembarcado. Nem poderia ser outro entendimento, seja pela ótica da legislação de regência, seja à luz do que informa a própria Agência Nacional do Petróleo, em razão da matéria fática que a questão encerra.

Note-se que, nos termos da Lei nº 9.478, de 06-08-1997, art. 49, inciso I, alínea C, farão jus ao recebimento dos royalties os municípios que “... sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural...” (grifei).

Afetados, no caso e segundo Aurélio, vem a ser os que sofrem afecção, ou seja, os Municípios que por alguma forma sofrem lesão, são atingidos, prejudicados pelas operações de lavra, embarque ou desembarque de hidrocarbonetos em seu território. Tais pagamentos se constituem, indubitavelmente, em uma espécie de compensação pelos prejuízos denatureza ambiental, paisagística e urbana que instalações dessa natureza provocam naqueles territórios.

Ora, consoante documentos das fls. 306/316 da própria Agência Nacional de Petróleo, no Município de Tramandaí, estão localizadas em mar duas monobóias para operação de descarregamento de navios, de onde o produto segue para o litoral e daí, por oleoduto de 8 km, até o Terminal de Osório (Terminal Almirante Soares Dutra (fls. 312). Neste Município litorâneo, Tramandaí, portanto, o único impacto do descarregamento de petróleo e gás se limita a um oleoduto que corta parcela ínfima do seu território (menos de 8 km). Apenas isso.

Já o Município de Osório, igualmente de acordo com a ANP, por ter em seu território o Terminal Almirante Soares Dutra, “... cuja função é a de receber e transportar petróleo e derivados para a Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP)...” (fls. 313) suporta nada menos que “... 19 tanques, sendo 7 para armazenamento de petróleo (capacidade total de 503.782 m3) e 12 para derivados (capacidade total de 352.173 m3)...” contando ainda “...com uma sala de controle (que monitora todo o terminal), com um laboratório químico e com uma oficina de manutenção” (fls. 313). Como se vê, a diferença entre o impacto causada em um e outro Município é enorme, afigurando-se absolutamente desarrazoado que se entenda que aquele que não tem uma gota sequer de petróleo transitando ou sendo manipulado em seu território – a não ser no interior de oleoduto – seja beneficiário de tais pagamentos, em detrimento do vizinho situado a menos de 10km e que recebe todo o produto descarregado, ao argumento que busca dissociar operações tão umbilicalmente ligadas, a saber o descarregamento dos navios para as monobóias, o transporte até o litoral e daí para a tancagem. Essa distinção, se feita em texto legislativo seria de extrema injustiça e injuridicidade, por alheio a sentido elementar de Direito, por contrário a ele; dimanando de mera norma administrativo-interpretativa é absolutamente insustentável, por dissociada de princípios de direito e justiça, não podendo por isso mesmo prosperar.”

 Perceba-se, pois, que é através de elementos do âmbito normativo e da interpretação sistemática que ganham força, junto ao art. 20, § 1º, princípios como a igualdade e a razoabilidade, além dos dispositivos constitucionais respeitantes ao art. 225, particularmente no sentido de esclarecer os beneficiários da compensação ali prevista.

d.2) O elemento sistemático externo e os impactos ambientais

 É importante referir ainda que o Estado brasileiro, atento aos impactos ambientais da indústria do petróleo, possui vasta legislação a respeito. Nela se destaca, mais do que a parte de produção propriamente dita, os cuidados necessários justamente com as atividades de transporte do petróleo.

Assim, em concretização ao art. 20, § 1º, e ao art. 225 da Constituição, o elemento sistemático reclama ainda a análise da legislação referente aos cuidados e perigos da atividade petrolífera enquanto uma atividade carregada de externalidades, principalmente ambientais. Perceba-se aqui que a legislação explicita exigências já existentes no nível constitucional, designadamente na parte relativa ao meio ambiente, não se tratando, pois, de uma inusitada interpretação sistemática entre dispositivos no nível constitucional e outros em nível infraconstitucional.

 Nesse sentido, a Lei 9966/2000 dispõe sobre “a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.”[34]

 Ou seja, o próprio elemento sistemático indicia já aquilo que, de outro modo, estaria contido no âmbito normativo: a íntima relação entre as atividades envolvendo o manejo do petróleo e as externalidades daí decorrentes, destacando-se a poluição e as conseqüências ambientais em geral.

 Estudo do National Research Council, dos Estados Unidos, apontou as seguintes causas da presença de óleo no mar:

“(iii) o transporte de petróleo pode provocar escoamentos de diferentes quantidades, desde os acidentes associados a petroleiros como o Exxon Valdez, até as liberações operacionais relativamente pequenas e regulares de petroleiros, ou vazamento de oleodutos.”[35]

d.3) Conseqüências para a concretização legal dos dispositivos constitucionais

 Ora, é bem de se ver que, como bem referido pelo voto do Min. José Delgado e pela acurada análise do Prof. Luís Roberto Barroso, da exigência constitucional de compensação surge a necessidade de proteção, pela legislação, àqueles Municípios afetados pelas atividades envolvendo o manejo do petróleo e do gás natural.

 Assim, se a indústria do petróleo é altamente poluente, devem ser contemplados com compensações aqueles Municípios que correm riscos de sofrer um dano ambiental. Trata-se, aqui, de um elemento do âmbito normativo.

 Além disso, como já referido, a indústria do petróleo é também excludente, carregada de externalidades outras além da ambiental. Daí se conclui que merecem compensação também todos aqueles Municípios cuja vocação sócio-econômica se vê ameaçada ou, no mínimo, prejudicada, em decorrência das atividades envolvendo o manejo do petróleo ou do gás natural, designadamente por se tratar de recursos que, cedo ou tarde, se exaurirão. Trata-se de outro elemento do âmbito normativo.

d.4) Da importância estratégica das atividades[36]

Aqui, o raciocínio completa-se a partir da compreensão da importância estratégica das atividades. Tanto a extração quanto o transporte e o refino do petróleo constituem monopólio da União. O regime de monopólio constitucional envolve uma atividade econômica em sentido estrito. Trata-se de uma atividade excepcionalmente reservada à União, que pressupõe a unicidade da titularidade sobre a produção econômica.[37]

Portanto, também por essa visão, a tese da ANP, secundada pelo STJ, ao restringir os royalties à lavra no território do Município, não tem respaldo constitucional. A Constituição não faz a diferenciação entre extração e transporte do óleo bruto, para fins de pagamento de royalties aos municípios. A Constituição não promove a divisão das atividades para efeitos de compensação financeira pela exploração. Ao contrário, a Carta Magna deliberou pelo regime de monopólio das atividades consideradas em bloco, ou seja, considerou o seu conjunto. 

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Sobre o autor
Rodrigo Meyer Bornholdt

Advogado, sócio da Bornholdt Advogados. Mestre em Direito do Estado e Doutor em Direito das Relações Sociais, ambos pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. O art. 20, § 1º, da Constituição e a distribuição dos royalties relativos à exploração de petróleo na plataforma continental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3542, 13 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23954. Acesso em: 5 mai. 2024.

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