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Sistemas e tipos de controle de constitucionalidade

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26/04/2013 às 08:51
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3  CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE QUANTO À NATUREZA DO ÓRGÃO RESPONSÁVEL

Enfocando o aspecto ora em análise, o controle de constitucionalidade poderá ser: a) político; b) jurisdicional; c) misto.

3.1 CONTROLE POLÍTICO

O controle político é exercido por órgãos sem poder jurisdicional. A natureza do órgão responsável pela verificação da constitucionalidade é essencialmente política. Trata-se de órgão distinto dos três poderes, órgão este garantidor da supremacia da Constituição. Tal sistema é encontrado em alguns países europeus, como Portugal, sendo o controle normalmente realizado pelas cortes ou tribunais constitucionais.

Na lição do renomado mestre José Afonso da Silva (2004, p.49), o controle político:

É o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, tais como: o próprio poder legislativo, solução predominante na Europa no século passado; ou um órgão especial, como o Presidium do Soviete Supremo da ex-União Sovietica (constituição da URSS, art. 121, n.4) e o Conseil Constitucional da vigente constituição francesa de 1958 (arts. 56 a 63).

Luiz Roberto Barroso (2004, p. 42-43) entende que, no Brasil “o veto do executivo a projeto de lei por entende-lo inconstitucional (veto jurídico) bem como a rejeição de projeto de lei da CCJ seriam exemplos de controle político”.

O controle político é atualmente praticado na França, sendo encarregado de exercê-lo o Conselho Constitucional, previsto na Constituição de 1958. Cumpre salientar que a fiscalização realizada por esse órgão é essencialmente preventiva. Após a promulgação do ato normativo, não há mais falar em controle de constitucionalidade no direito Francês. No controle político, nada existe, em principio de jurisdicional: nem o sujeito, nem o processo, nem os meios de controle.

3.2 CONTROLE JURISDICIONAL

O sistema jurisdicional, denominado de judicioal review nos Estados Unidos da America do Norte, é a faculdade de que as Constituições outorgam ao poder judiciário o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. É o sistema realizado tanto através de órgão único de caráter jurisdicional (controle concentrado) como por qualquer juiz ou tribunal (controle difuso). Ao discorrer a respeito do tema ora em analise, Kildare Gonçales Cravalho (2008, p.372), informa:

Considera-se o poder judiciário competente para o exercício do controle de constitucionalidade, quando não há na constituição previsão para a sua efetivação, como ocorreu nos estados unidos, salientando ser inerente a esse poder a competência para a aplicação do direito, o que implica naquela de desaplicar as normas jurídicas quando contrárias à constituição

Na mesma linha de raciocínio, destaca-se a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2001, p.32), para quem  o controle jurisdicional tem por si “a naturalidade, pois a verificação da constitucionalidade de uma norma não é senão um caso particular de verificação de legalidade, atribuição que freqüentemente é desempenhada pelo poder judiciário.”

O controle de constitucionalidade atribuído ao poder judiciário faz surgir a integração da jurisdição constitucional à jurisdição ordinária, uma vez que o juízo de constitucionalidade é exercido, em regra, por qualquer autoridade judicial no terreno da jurisdição ordinária. Ocorre que, alguns juristas renomados apontam alguns riscos perante essa integração. O doutrinador Kildare Gonçalves Carvalho (2008, p.373), citando magistério de Cappelletti e Cf. Segado, exemplifica os seguintes perigos:

(...) o primeiro deles estaria em que o padrão do magistrado de carreira, que tem como especialidade a aplicação da lei e não sua crítica, apresentaria incompatibilidade com o exercício da jurisdição constitucional; o segundo risco estaria em que a atividade de julgar as leis é mais complexa e delicada, o que exige de seus titulares expressiva sensibilidade político-institucional, motivo por que a jurisdição constitucional não guardaria perfeita adequação com o ápice de uma carreira de perfil técnico-legal, cujos meios de acesso (concurso público) não avaliam aquela sensibilidade política institucional, mas apenas o conhecimento jurídico apresentado por seus titulares.

3.3 CONTROLE MISTO OU HÍBRIDO

Realiza-se o controle misto quando a Carta Magna submete certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como vislumbra-se na Suiça, em que as leis federais ficam sob controle político da assembléia nacional, e as leis locais, sob o controle jurisdicional.

O Brasil adotou o controle jurisdicional. Porém, é de fundamental importância aludir ao ensinamento de Dirley da Cunha Junior (2009, p.302) no sentido da possibilidade de controle político em determinados casos isolados, a saber:

No Brasil, a despeito da prevalência do controle jurisdicional, tem-se admitido um certo tipo de controle político, exercido nas mesmas hipóteses do controle preventivo,ou  seja, por meio dos pareceres, nos projetos de lei, das comissões de constituição e justiça das casas legislativas, e por meio do veto jurídico-constitucional, em face de inconstitucionalidade , dos chefes dos poderes executivos da união, estados, distrito federal e municípios. Ademais, pode ocorrer, outrossim, o controle político da constitucionalidade pelo congresso nacional, mas aqui já de forma sucessiva ou repressiva, no caso de sustação dos atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (CF/88, art. 49, V), e no caso de rejeição das medidas provisórias (CF/88, art. 62, § 5º.)


4 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE QUANTO AO MOMENTO DE EXERCÍCIO

Em conformidade com o momento no qual é exercício, o controle de constitucionalidade pode ser preventivo (a priori) ou repressivo (a posteriori). Em ambas as hipóteses, o exercício poderá ser feito pelo legislativo, executivo  ou judiciário.

4.1 CONTROLE PREVENTIVO OU PRÉVIO

Esse controle tem por objetivo evitar que se elaborem normas com eivas de inconstitucionalidade, buscando-se sanar os vícios antes mesmo do ingresso da norma no ordenamento jurídico, ou seja, antes de sua promulgação e publicação.  Pode ser jurisdicional, se realizado por órgãos especiais de controle constitucional, ou político, quando exercido pelos próprios Poderes Legislativo e Executivo. Nesse sentido, traz-se ensinamento do festejado doutrinador, Alexandre de Moraes (2000, p.558)

(...) para que  qualquer  espécie  normativa  ingresse  no ordenamento jurídico, deverá  submeter-se a todo o procedimento previsto constitucionalmente. Dentro deste procedimento, podemos vislumbrar duas hipóteses de controle preventivo de  constitucionalidade, que  buscam  evitar  o ingresso  no ordenamento  jurídico de leis  inconstitucionais: as comissões de constituições e justiça e o veto  jurídico.  

O controle preventivo é o mais abrangente, uma vez que busca adequar as leis em vias de promulgação aos preceitos fundamentais esculpidos na Carta Fundamental,  quer seja de ponto de vista formal ou material.

4.1.1 CONTROLE PREVENTIVO REALIZADO PELO PODER LEGISLATIVO

O poder legislativo exerce o controle preventivamente através das Comissões de Constituição e Justiça (CF/88, art. 58 – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados).

Por conseguinte, assim ensina  a doutrina pátria:

A primeira hipótese de controle de constitucionalidade preventivo se refere às comissões permanentes de constituição e justiça, cuja função principal é analisar a compatibilidade entre o projeto de lei ou de emenda constitucional com a Constituição. A criação destas comissões está prevista no art. 58 da CF. Já o art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados ampliou o campo de abrangência e criou a comissão de constituição e justiça e de redação, estabelecendo seu campo temático e sua área de atividade em aspectos constitucionais, legais, jurídicos regimentais e de técnicas legislativas de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas comissões, para efeito de admissibilidade e tramitação. (MORAES, 2000, p.584)

Pedro Lenza (2008, p.134), trazendo lição de Michel Temer, observa que o controle ora analisado nem sempre ocorre sobre todos os projetos de atos normativos, citando a sua inocorrência, por exemplo, sobre projetos de medidas provisórias, resoluções dos Tribunais e Decretos.

O parecer negativo das comissões de constituição e justiça, declarando a inconstitucionalidade de lei, como regra geral, ao teor do art. 101 do Regimento Interno do Senado Federal, rejeita e arquiva definitivamente o projeto de lei, salvo, desde que não unânime o parecer, se houver recurso interposto por no mínimo 1/10 dos membros do senado, manifestando opinião favorável ao seu processamento. No mesmo sentido, o art. 54, I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece que será “terminativo o parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria”. Saliente-se, no entanto, que há previsão de recurso para o plenário da Casa contra referida deliberação (arts. 132, § 2º, e art. 137, II, b, do Regimento Interno).

4.1.1.1 SÚMULAS DE COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DE REDAÇÃO

Com fulcro no art. 54, IX do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, há previsão de organização de súmula da jurisprudência dominante da Comissão, quanto aos assuntos mais relevantes. A Comissão de Constituição de justiça e de redação chegou a elaborar os seguintes enunciados:

 Verbete n 1, de 1º de dezembro s de 1994: A) Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que autoriza o Poder Executivo a tomar determinada providência, que é de sua competência exclusiva, é inconstitucional. B) Projeto de lei, de autoria de Deputado ou Senador, que dispõe sobre a criação de estabelecimento de ensino é inconstitucional.

Verbete n. 2, de 1º de dezembro de 1994: Projeto de lei que declara utilidade pública de associação, sociedade, entidade ou fundação ou instituição é inconstitucional e injurídico.

Verbete n. 3: projeto de lei que dá denominação a rodovia ou logradouro público é inconstitucional e injurídico.

Verbete n.4: projeto de lei que institui dia nacional de determinada classe profissional é injurídico.

4.1.2 CONTROLE PRÉVIO OU PREVENTIVO REALIZADO PELO EXECUTIVO

O poder executivo pode exercer o controle vetando (“veto jurídico”) um projeto de lei que entenda ser inconstitucional (art. 66, § 1º). O veto dar-se quando o chefe do executivo considerar o projeto de lei inconstitucional ou contrário ao interesse público. O primeiro é o veto jurídico, sendo o segundo conhecido como veto político.

Sendo assim, caso o chefe do executivo entenda ser o projeto de lei inconstitucional poderá vetá-lo, exercendo, dessa forma, controle prévio ou preventivo, antes do projeto transformar-se em lei. O veto jurídico-constitucional (CRFB/88,§ 1º do art. 66), pode ser exercido pelos chefes do executivo das três esperas política da federação (Presidente, Governadores e Prefeitos).

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4.1.3 CONTROLE PRÉVIO OU PREVENTIVO REALIZADO PELO JUDICIÁRIO

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem recusado o controle preventivo em sede abstrata e admitido, excepcionalmente, o controle preventivo in concreto, em face de mandado de segurança, impetrado por parlamentar para a defesa de suas prerrogativas, em decorrência de proposta inconstitucional de emenda à Constituição. Nessa hipótese, o STF tem admitido o cabimento do mandado de segurança quando a vedação constitucional se dirigir ao próprio processamento da lei (art. 57, § 7º e art. 67), ou da emenda (art 60, §§ 4º e 5º), vedando a sua apresentação na primeira hipótese e a sua deliberação na segunda. A inconstitucionalidade, segundo o Supremo, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita a Constituição.

Sendo assim, o direito público subjetivo de participar de um processo legislativo hígido (devido processo legislativo) pertence somente aos membros do poder legislativo.

Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não deseja que, sequer, se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente.

O particular não possui legitimidade ativa ad causam para questionar os procedimentos legislativos de uma Casa Legislativa. A legitimidade para ir a Juízo é somente do parlamentar que, ferido em suas prerrogativas como legislador, vê tolhido o direito de ver obedecido o regular processo legislativo.

A jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou, na análise dessa particular questão,  entendimento afirmativo, consolidado em orientação que atribui, aos Deputados Federais e aos Senadores da República – e apenas a estes (MS 23.334/RJ, Rel. Min. Celso de Mello), com a conseqüente exclusão de terceiros estranhos à instituição parlamentar (RTJ 139/783, Rel. Min. Octavio Gallotti) – legitimação para fazer instaurar o pertinente processo judicial, a exemplo do seguinte julgado:

O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico- -constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa ‘ad causam’ para provocar a fiscalização jurisdicional. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de recusar, a terceiros que não ostentem a condição de parlamentar, qualquer legitimidade que lhes atribua a prerrogativa de questionar, ‘incidenter tantum’, em sede mandamental, a validade jurídico-constitucional de proposta de emenda à Constituição, ainda em tramitação no Congresso Nacional. (MS 23.334/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 17/11/1999)

Ressalta-se que, apenas questão constitucional se sujeita ao controle de constitucionalidade. Matéria interna corporis não está sujeita à apreciação pelo poder judiciário. Nesse sentido, pontifica o doutrinador Pedro Lenza (2008, p.136), in verbis:

O STF, por maioria de votos, já decidiu que o controle de constitucionalidade a ser exercido pelo judiciário durante o processo legislativo abrange, abrange somente a garantia de um procedimento em total conformidade com a constituição, não lhe cabendo, contudo, a extensão do controle sobre aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos interna corporis, vedando-se, desta feita, interpretações das normas regimentais.

4.2   CONTROLE POSTERIOR OU REPRESSIVO

O controle repressivo tem por finalidade assegurar a supremacia da Constituição, por meio da invalidação ou não aplicação de leis ou atos dos poderes públicos.  Esta forma de controle somente será exercida após a entrada em vigor da lei ou emenda, ou seja, após a publicação ou atendimento à vacatio legis.

No Brasil, o controle repressivo é exercido pelo poder judiciário, podendo ser difuso ou concentrado. Difuso, é o controle exercido pela pluralidade de órgãos, como nos Estados Unidos da America, e concentrado quando reservado a um ou poucos órgãos, como se verifica na Alemanha e demais países europeus.

Assevera-se que, os órgãos de controle verificarão se o ato normativo ou a lei,  possuem vício formal (produzido durante o processo de sua formação), ou se possuem vício material (relativo ao seu conteúdo).

4.2.1 CONTROLE POSTERIOR OU REPRESSIVO EXERCIDO PELO LEGISLATIVO

No âmbito federal o poder legislativo poderá exercer o controle repressivo em poucas hipóteses. O Congresso Nacional poderá sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa, tudo conforme disposição do art. 49, V da Carta Fundamental de 1988. Referido controle será realizado através de decreto legislativo a ser expedido pelo Congresso Nacional. Nessa esteira de raciocínio, traz-se doutrina do jurista Alexandre de Moraes (2000, p. 560):

 (...) prevê competir ao Congresso Nacional  sustar  os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder  regulamentar  ou dos limites  de delegação legislativa. O Congresso  Nacional editará um decreto legislativo  sustando o decreto presidencial (CF, art. 84, IV) ou a lei delegada (CF, art. 68), por desrespeito à forma constitucional previstas para suas edições.

Parte da doutrina, a exemplo de Michel Temer e Kildare Gonçalves Carvalho, salienta que, na realidade, o referido controle é de legalidade e não de inconstitucionalidade, já que o que se verifica é em que medida o decreto regulamentar extrapolou dos limites da Lei.

Outra possibilidade, prevista no art. 62 da Constituição Federal,  representa a rejeição de uma medida provisória considerada inconstitucional, seja: I) por não atender aos pressupostos constitucionais de urgência e relevância; II) por ter um conteúdo incompatível com a Constituição ou vedado por ela; ou, III) por ter sido reeditada na mesma sessão legislativa.

Ressalte-se que, o Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo, poderá, sempre no caso concreto e em sede de controle difuso, apreciar a constitucionalidade de uma lei, e, se for o caso, deixar de aplicá-la. Nesse sentido, destaca-se entendimento da sumular 347/STF, In verbis: "O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público"

Por oportuno, traz-se aqui entendimento levantado pelo Ministro Gilmar Mendes  que, ao apreciar pedido liminar veiculado no MS n° 25.888, questionando a possibilidade de controle repressivo exercido pelo TCU, lançou posicionamento nos seguintes termos:

 Não me impressiona o teor da Súmula nº 347 desta Corte, segundo o qual ‘o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público’. A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos não-jurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional. No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988″., Julg. 22/03/2006, DJ 29/03/2006.

4.2.2 CONTROLE POSTERIOR OU REPRESSIVO EXERCIDO PELO EXECUTIVO

O principio constitucional da Supremacia da Constituição produz efeitos em todas os poderes da República, preconizando que todos devem cumprir as leis que se coadune com a Constituição. Prevalece a tese, no ordenamento jurídico brasileiro, de que o executivo poderá descumprir lei que considere inconstitucional. Se mesmo um particular pode recusar o cumprimento à lei que considere inconstitucional, com mais razão deverá fazer um chefe de um poder.

Conforme entendimento de Alexandre de Moraes (2004, p. 601):

O Poder Executivo, assim como os demais poderes de Estado, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade, observando, primeiramente, como primado do Estado de Direito Democrático, as normas constitucionais. Dessa forma, não há como exigir-se do chefe do Poder Executivo o cumprimento de uma lei ou ato normativo que entenda flagrantemente inconstitucional, podendo e devendo, licitamente, negar-se cumprimento, sem prejuízo do exame posterior pelo judiciário.

Requisito para o uso dessa prerrogativa pelo Poder Executivo, reveste-se na exigência de que a decisão administrativa de negar cumprimento à lei inconstitucional deve ser suficientemente motivada. Não se está a exigir que o administrador tenha plena convicção e certeza acerca da inconstitucionalidade da lei. Busca-se, de outro lado, o atendimento a um dos princípios norteadores da administração pública brasileira, qual  seja, o princípio da motivação, o qual:

implica para a Administração o dever de justificar os seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existente e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo. (MELLO, 2002, p.94).

O STF, ao julgar  a ADI 221 DF, assim se manifestou:

Ação direta de inconstitucionalidade. Medida provisória. Revogação. Pedido de liminar. - por ser a medida provisória ato normativo com forca de lei, não é admissível seja retirada do congresso nacional a que foi remetida para o efeito de ser, ou não, convertida em lei. - em nosso sistema jurídico, não se admite declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo com forca de lei por lei ou por ato normativo com forca de lei posteriores. O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do poder judiciário. Os poderes executivo e legislativo, por sua chefia - e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade -, podem tão-só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com forca de lei que considerem inconstitucionais. - a medida provisória n. 175, porém, pode ser interpretada (interpretação conforme a constituição) como ab-rogatoria das medidas provisórias n.s. 153 e 156. Sistema de ab-rogacao das medidas provisórias do direito brasileiro. - rejeição, em face desse sistema de ab-rogacao, da preliminar de que a presente ação direta de inconstitucionalidade esta prejudicada, pois as medidas provisórias n.s. 153 e 156, neste momento, só estão suspensas pela ab-rogacao sob condição resolutiva, ab-rogacao que só se tornara definitiva se a medida provisoria n. 175 vier a ser convertida em lei. E essa suspensão, portanto, não impede que as medidas provisórias suspensas se revigorem, no caso de não conversão da ab-rogante. - o que está prejudicado, neste momento em que a ab-rogacao está em vigor, é o pedido de concessão de liminar, certo como é que essa concessão só tem eficácia de suspender "ex nunc" a lei ou ato normativo impugnado. E, evidentemente, não há que se examinar, neste instante, a suspensão do que já esta suspenso pela ab-rogacao decorrente de outra medida provisória em vigor. Pedido de liminar julgado prejudicado "si et in quantum". (ADI 221 MC / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Publicação: DJ DATA-22-10-93 PP-22251 EMENT VOL-01722-01 PP-00028 Julgamento: 29/03/1990 - TRIBUNAL PLENO.) [Grifo nosso]

Adiante, a decisão que se expõe é emanada do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido em 1993, quando, não só é acolhida a possibilidade de o Executivo negar execução à lei, como tal comportamento é tido como dever precípuo do agente executivo.

Ementa Lei inconstitucional - Poder Executivo - Negativa de eficácia. O poder executivo deve negar execução a ato normativo que lhe pareça inconstitucional.resp 23121 / go ; Recurso Especial, 1992/0013460-2, fonte dj data:08/11/1993, pg:23521, LEXSTJ vol.:00055 pg:00152, RELATOR MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096). data da decisão 06/10/1993, Orgão Julgador T1 - primeira turma decisão por unanimidade, dar provimento ao recurso.)

Apesar da divergência jurisprudencial e doutrinária, melhor filiar-ser à corrente que considera um poder-dever do chefe do executivo de negar aplicação a lei considerada inconstitucional, já que é representante de um poder escolhido pelo povo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUEDES, Igor Gadelha. Sistemas e tipos de controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3586, 26 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24299. Acesso em: 2 mai. 2024.

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