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A atuação do Ministério Público para a efetivação do direito fundamental à inclusão escolar das crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais

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03/05/2013 às 15:36
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4.  A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À INCLUSÃO ESCOLAR DA CRIANÇA E ADOLESCENTE

A constituição Federal determinou uma série de normas que veiculam a obrigatoriedade de adoção de comportamentos e ações pelos gestores públicos para possibilitar a efetivação de direitos sociais fundamentais. Dentre esses direitos assumem especial relevância o direito à inclusão escolar garantida, principalmente, às crianças e adolescentes. Esse conjunto de ações, comportamentos e iniciativas de responsabilidade do Estado compõe o núcleo das chamadas políticas públicas, que devem ser compreendidas como “aquelas ações voltadas para a concretização da ordem social, que visam à realização dos objetivos da República, a partir da existência de leis decorrentes dos ditames constitucionais” (FRISCHEISEN. 2000, pág. 80), ou como destaca VERONESE:

Política pública não é sinônimo de assistencialismo e, muito menos, de paternalismo, antes é conjunto de ações, formando uma rede complexa, endereçada sobre precisas questões de relevância social. São ações, enfim, que objetivam a promoção da cidadania” (1999, pág. 193).

 Tratando-se, no entanto, da efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, essas políticas se tornaram absolutamente necessárias e prioritárias haja vista que o atendimento a esses direitos deve ocorrer com prioridade absoluta, especialmente porque o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu que essa prioridade deve ser entendida como a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Segundo Liberati:

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e dos adolescentes[...].

Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.” (1991, p. 45).

Contudo, fatores como a falta de vontade política dos gestores e o despreparo técnico dos servidores do município, ente a que foi atribuída a obrigatoriedade de oferta e administração do ensino fundamental, têm se constituído um sério obstáculo à adoção de políticas públicas sérias voltadas à construção de uma verdadeira escola inclusiva para crianças e adolescentes.

Esse quadro indesejável abriu espaço para a atuação do Ministério Público, valendo-se da nobre missão que lhe atribuiu a Constituição Federal de defensor dos direitos sociais e individuais indisponíveis, categoria na qual estão inseridos os direitos garantidos à criança e ao adolescente, especialmente o direito à educação, e por consequência, o direito a uma escola inclusiva em todos os seus níveis, especialmente os níveis iniciais. Além dos artigos 127 a 129 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 200 a 205 atribuiu ao Ministério Público encargo especial na defesa desses direitos.

Dentre as várias atribuições e formas de atuação poderá promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência.  E cada vez mais se observa a utilização efetiva desses recursos, pelo Ministério Público, com o fim de coagir os gestores omissos a adorarem as políticas públicas a que estão responsáveis. Cite-se, por exemplo, o processo nº 0120355-87.2012.8.20.0001, ajuizado pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte perante o juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal. Nesse processo, o Ministério Público conseguiu que juiz determinasse ao município de Natal a seguinte ordem

Matricule, imediatamente, a criança em série compatível com sua idade, garantindo sua perfeita inclusão escolar, tendo um prazo 10 (dez) dias para efetivar a matrícula, sob pena de responsabilidade pela omissão, inclusive com multa diária no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) por cada dia de atraso, a ser revertida ao Fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Rio Grande do Norte.

  Assim, a realização de políticas públicas favoráveis à efetivação do ensino inclusivo ideal fica cada vez mais dependente da atuação dos órgãos do Ministério Público. Evidentemente, não devia ser assim. Os gestores públicos deveriam, voluntariamente, desincumbir-se desse encargo cumprindo as funções que lhes cabem e que lhes foram impostas tanto pela Constituição como pela lei.


5. CONCLUSÃO

   A educação foi tratado pela Constituição Federal como direito fundamental do cidadão, em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana. Consequentemente, criou para o Estado a obrigação de garantir a efetivação plena desse direito. Nesse compasso, é de se afirmar que o ensino público de qualidade deve ser garantido a todas as pessoas, de qualquer condição e em todos os seus níveis.

 Contudo, historicamente, o sistema de ensino foi organizado de forma preterir a plena formação daquelas pessoas que dependem de atendimento educacional especial. Sempre se buscou organizar, tanto os currículos como os ambientes escolares, em premissas fundadas na homogeneidade dos alunos. A falsa percepção de que alunos “iguais” deveriam se mantidos juntos fez com que ao longo do tempo se passasse à prática da pedagogia da exclusão.

 No entanto, após a Declaração de Salamanca de 1994, documento do qual participaram várias nações e organizações internacionais, lideradas pela Organização das Nações Unidas, o Brasil passou a adotar medidas efetivas para implantação de uma filosofia verdadeiramente inclusiva nas escolas pública, ou, em outras palavras, passou-se a tentar cumprir aquilo que já estava previsto no artigo 208 da Constituição Federal desde 1988: a obrigação do Estado de garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

 Várias ações foram desenvolvidas no sentido de implantar no Brasil uma escola verdadeiramente inclusiva, notadamente, para as crianças e adolescentes. Nesse sentido, disposições inovadoras foram trazidas tanto com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, como com o Plano Nacional de Educação, aprovado pela a Lei nº 10.172/2001 e a Resolução CNE/CEB 2/2001, editada pelo Ministério da Educação.

 Ocorre que mesmo com todas essas ações, crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais vêm enfrentando dificuldades por todo o Brasil, para, de fato terem acesso ao sistema educacional regular. Professores despreparados e currículos escolares inapropriados são correntes obstáculos à efetivação da inclusão escolar. Esse quadro lamentável abre espaço para a atuação do Ministério Público com vistas a efetivação desse direito.

O Ministério Público é um órgão criado pela Constituição Federal de 1988, independente em relação aos demais Poderes da República e que tem suas funções regulamentadas pelos dos artigos 127 a 129 da Constituição, e ainda peloo Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 200 a 205. Dentre outras atribuições, cabe ao Ministério Público o encargo especial de promover a defesa desses direitos sócias e fundamentais individuais indisponíveis, dentre eles o direito à educação. Para o alcance de seus fins os Promotores Públicos dispõem de instrumentos jurídicos próprios como o inquérito civil público e a ação civil pública. Em muitas situações, somente através de ações judiciais propostas por esse órgão é que crianças e adolescentes conseguem garantir o direito à inclusão escolar.

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Dessa forma, dada a ineficácia das políticas públicas voltadas para efetivação da verdadeira inclusão escolar, o Ministério Público vem se tornando imprescindível para, por meio de sua atuação constitucional, forçar o Poder Público a, de fato, cumprir com aquilo que a Constituição lhe determinou: garantir um sistema público de ensino verdadeiramente inclusivo a todos aqueles com necessidades educacionais especiais, principalmente, nos níveis iniciais, a crianças e adolescentes.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 05/10/1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 13/07/1990.

BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei n.º 10.172 de 09 de janeiro de 2001. Diário Oficial da República Federativa do Brasil de 10/01/2001.

CARVALHO, Roselita Edler. Dez anos depois da declaração de Salamanca. Disponível em: < cape.edunet.sp.gov.br/textos/eventos/2.doc>. Acesso em: 28 jan. 2012.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB 2/2001. Diário Oficial da União, Brasília, 14 de setembro de 2001. Seção 1E, p. 39-40.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Disponível em http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_9.pdf> Acesso em: 28. jan.2013.

FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas - A responsabilidade do administrador e o Ministério Público. Max Limonad. São Paulo: 2000.

LIBERATI. Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente. IBPS. Brasília: 1991.

MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.

MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos. Inclusão escolar: algumas notas introdutórias. In; MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos et al ( Org.). Inclusão: compartilhando saberes. Petrópolis- RJ: Vozes, 2006, p. 17- 26.

MITTLER, Peter. Educação inclusiva: contextos sociais. Trad.: Windyz Brazão Ferreira. Porto Alegre: Artmed, 2003.

RODRIGUES, Davi. Dez Ideias (mal) feitas sobre a Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, Davi. (Org.). Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006, p. 299-318.

SOUSA, L. F.E,C.P. (Orgs). Políticas educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 209-221. REIS, Marlene Barbosa de Freitas. Educação inclusiva: limites e perspectivas. Goiânia: Deescubra, 2006.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os Direitos da Criança e do Adolescente. LTr. São Paulo: 1999.

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Sobre a autora
Elizangela Santos de Almeida

Advogada; Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba - UNIUBE; Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM; e Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Elizangela Santos. A atuação do Ministério Público para a efetivação do direito fundamental à inclusão escolar das crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3593, 3 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24350. Acesso em: 4 mai. 2024.

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