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Assédio moral organizacional

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4 DO DANO MORAL COLETIVO

As empresas que praticam o assédio moral organizacional, consoante já posto, utilizam um padrão determinado de conduta, adotado sob a forma de orientações gerais, que é reproduzido em todos os seus estabelecimentos, de molde a atingir, indistintamente, todos os empregados, em ofensa à sua dignidade. Importa mencionar que se incluem como vítimas, tanto aqueles que laboram para a empresa, quanto os que já foram demitidos, todos atingidos pelas práticas hostis.

Destaca-se, ademais, que o assédio moral coletivo afronta não apenas à dignidade dos empregados diretamente vitimados, mas também, atinge bens e valores de toda uma coletividade. Explica-se: na organização social, sobressaem-se valores aceitos e compartilhados pela sociedade, a qual pode ser vista em toda a sua extensão ou, até mesmo, representada por segmentos menores (grupos, categorias ou até classe de pessoas).

Tem-se, hodiernamente, a teoria da responsabilidade direcionada não somente para a composição de danos no âmbito individual e privado, mas também para a proteção de bens e valores relevantes à coletividade. Nesse passo, ensina o Procurador Regional do Trabalho Xisto Tiago de Medeiros Neto que “esses valores, de natureza extrapatrimonial, representam a síntese de interesses comuns das pessoas, os quais, assim amalgamados, adquirem expressão e dimensão próprias, tornando-se indivisíveis e traduzindo caráter coletivo e metaindividual”. (2004, p. 132).

Na esteira desse entendimento, o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho frisa que não apenas o indivíduo isoladamente possui um padrão ético, de forma que a coletividade, ou os grupos sociais, são titulares de direitos transindividuais. (1995, p. 13).

Com efeito, quando houver intolerável violação de direitos coletivos e difusos, cuja essência seja tipicamente extrapatrimonial, restará configurado o dano moral coletivo, a ensejar a necessária tutela na esfera jurídica. Atente-se que a compreensão do dano moral coletivo não deve estar diretamente conjugada com a idéia de perturbação, incômodo ou transtorno coletivo, tendo em vista que tais fatores constituem muito mais conseqüência do dano produzido pela conduta do agente do que pressuposto para sua configuração.

Impende salientar, ainda, que não é porque a configuração da conduta ilícita está inserida no âmbito de uma relação de trabalho que lhe é atribuído o caráter de direito individual. A quantidade de pessoas, a depender do tipo de conduta, é irrelevante, posto que o elemento materializador de um dano moral de natureza coletiva é sua repercussão no meio social. Assim sendo, caso uma prática discriminatória seja direcionada a um indivíduo ou pequeno grupo em particular e essa lesão puder ser irradiada para todo o ordenamento jurídico, haverá uma ruptura de todo o sistema de garantias fundamentais, ferindo-se, portanto, direitos coletivos que devem ser tutelados.

Faz-se imperioso ressaltar, nesse cenário, a imprescindibilidade e relevância de se responsabilizar as empresas praticantes do assédio moral organizacional, haja vista o dano ocasionado à coletividade como um todo. Não é admissível, em suma, que os responsáveis, frente a um sistema jurídico - respaldado por uma lógica de eqüidade, justiça e razoabilidade -, possam obter benefícios a partir de práticas ou omissões lesivas à coletividade ou a determinados grupos de pessoas, auferindo situações de vantagem.

Nessa quadra, Manoel Jorge e Silva Neto posiciona-se no seguinte sentido:

quando o empregador ofender, injusta e coletivamente, a intimidade, a vida privada, e a honra dos trabalhadores, estará concretizando dano moral de dimensão transindividual, passível de reparação. [...] se a determinação empresarial é dirigida a todos os empregados, será correto reconhecer a dimensão coletiva da ofensa, a compostura de transgressão a interesse transindividual trabalhista, e, assim, pleiteada a indenização por dano moral coletivo, é indeclinável a emissão de provimento judicial com tal fim, inclusive para refrear os ânimos do empregado quanto a novas investidas. (2001,p.118).

Desse modo, a condenação pelo dano moral coletivo constitui um meio legalmente previsto para reparar o descaso e a inobservância em face dos direitos fundamentais dos trabalhadores pela empresa, bem como do ordenamento jurídico e dos princípios basilares que lhe dão fundamento, em especial o do respeito à dignidade humana.

Assim, com a devida condenação e penalização da empresa, há o restabelecimento da ordem jurídica, fazendo se cessar a continuidade das condutas lesivas e impedindo o retorno da prática ilícita. Em outro ângulo, propicia-se a reparação do dano coletivo emergente das condutas desrespeitosas de princípios e normas, constitucionais e infraconstitucionais, que tutelam as relações de trabalho.

A jurisprudência tem se posicionado no sentido de responsabilizar o empregador pela prática de atos lesivos aos trabalhadores, em reconhecimento da configuração do dano moral coletivo e da necessidade de sua reparação. São exemplos os seguintes julgados:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. A caracterização do dano moral decorre da mera constatação da lesão, não havendo necessidade de que seja produzida prova do sentimento que ela desencadeou. Noutros termos, uma vez presente a lesão, o dano é presumível [...]. Demonstrado nos autos o desrespeito a direitos trabalhistas garantidos pela própria Constituição Federal [...], o senso comum nos leva a concluir que a indignação e sobretudo a insegurança certamente assolará a coletividade de seus empregados. Constatado o dano moral coletivo sofrido pelos empregados da ré, sobeja pertinente sua condenação à indenização correspondente, reversível ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador[7].

DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. Uma vez configurado que a ré violou direito transindividual de ordem coletiva, infringindo normas de ordem pública que regem a saúde, segurança, higiene e meio ambiente de trabalho e do trabalhador, é devida a indenização por dano moral coletivo, pois, tal atitude da ré abala o sentimento de dignidade [...] tendo reflexos na coletividade e causando grandes prejuízos a esta[8].

Noutro passo, aponte-se que a condenação da empresa por dano moral coletivo não obsta a propositura de ações individuais perante a Justiça do Trabalho pelos empregados, visando à reparação pessoal pelo dano moral e/ou material decorrente do assédio moral. Repita-se: a condenação da empresa praticante do assédio moral organizacional corresponde a uma reparação pelo dano coletivo, objetivando o restabelecimento da ordem jurídica e social devastada, além da punição do infrator e da coibição de reiteradas práticas.

Outrossim, a indenização pelo dano moral coletivo, além do caráter punitivo, apresenta caráter preventivo-pedagógico, razão pela qual o valor da reparação deve expressar montante que sirva de exemplo para a sociedade, como sinal da função inibidora presente na condenação.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas conclusivas, o assédio moral organizacional é reflexo de uma sistemática operacional adotada pela empresa, com o intuito de engajar subjetivamente todo o grupo de empregados a obter o lucro, e a atingir metas de vendas demasiadamente elevadas, seguindo-se um dado padrão de conduta estabelecido. Para isso, são utilizados métodos hostis e humilhantes, findando por degradar não apenas a dignidade dos trabalhadores, mas, também, todo o ambiente de trabalho, o que gera conseqüências nefastas para a saúde física e psíquica dos trabalhadores.

Salienta-se, conforme explicitado, que as vítimas desse fenômeno acabam sendo não apenas os trabalhadores da empresa, mas também toda a coletividade, que se depara com grave violação a valores de ordem social e moral, constitucionalmente consagrados. Nesse desiderato, cabe a órgãos como o Ministério Público do Trabalho, Sindicatos Profissionais e Associações proceder a tutela dos direitos dos trabalhadores e da sociedade como um todo, o que se faz por meio de ação civil pública perante à Justiça do Trabalho, visando à cessação e reparação do ato ilícito, através da condenação da empresa pelos danos morais coletivos.

O que não se pode permitir é que as empresas fiquem impunes diante da configuração do assédio moral organizacional, haja vista que tal prática representa um retrocesso social intolerável, por refletir o desprezo evidente aos valores e regras de proteção aos diretos dos trabalhadores, em sua dimensão coletiva. 

 


 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Adriane Reis. O assédio Moral Organizacional. Dissertação de mestrado em Direitos das Relações Sociais. PUC-SP, 2006.

BARROS, Alice Monteiro de. Assédio moral. Repertório de Jurisprudência IOB: trabalhista e previdenciário, v. 2, n. 18, p. 539 – 547, set. 2004.

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.

HIRIGOYEN, Marie-France. A violência perversa no cotidiano. 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago. Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2004.

______.Dano Moral Coletivo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2007.

RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio Moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006.

SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendonça. O assédio moral no direito do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo. n. 103. p. 142-172, jul./set. 2001.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. A responsabilização civil por dano moral difuso e coletivo na Justiça do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo. n.103. p. 109-125. jul./dez. 2001.

SOUZA, Micheline Cachina Cavalcanti de. Assédio Moral nas Relações de Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte. Natal. n. 07. p. 138-155. julho. 2007.


ABSTRACT: This article shows an analysis about the moral collective harassment  practiced by companies and shows that it’s a hard common phenomenon that jeopardizes the worker’s dignity and the environment at work. Although it is an old phenomenon, the bullying, particularly the organizational one, has only been gaining more relevance today because of the current global economic model. In order to develop this research many types of sources, such as the law, doctrine, jurisprudence, were used. Therefore, this study demonstrates that the bullying must be totally removed from the legal system and the companies that have been practicing it should be compelled to pay a compensation for collective moral damage.

Keywords: Organizational Moral Harassment Affront to the worker dignity. Degradation of the environment at work. Moral Damage Harassment.


Notas

[1] Ação em trâmite na 5ª Vara do Trabalho da Comarca de Natal/RN.

[2] A ação em comento foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 21ª Região em face da empresa Cia Brasileira de Bebidas - AMBEV, a qual foi condenada a pagar uma indenização no montante de 01 (hum) milhão de reais pelo assédio moral coletivo praticado em seu âmbito. Parte deste dinheiro foi destinada à promoção de campanha publicitária dirigida pela empresa, com o objetivo de esclarecer o que consiste o assédio moral, desestimular a sua prática e, ainda, de encorajar os trabalhadores a reagirem contra sua ocorrência e denunciá-lo aos órgãos competentes.

[3] TRIBUTAL REGIONAL DO TRABALHO. 21ª Região. Acórdão nº 61.415. Rel. Juíza Joseane Dantas dos Santos. Publicado no DJE/RN nº 11.289, em 22/08/2006.

[4] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. 9ª Região, RO nº 1796/2002. Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther. Publicado no DJ em 20/09/2002.

[5] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. 15ª Região. RO n.º 029389/2001. 5ª TURMA, Rel. José Antonio Pancotti. Publicado em: 08/04/2002.

[6] É sabido que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.369/2003, o qual dispõe acerca do conceito de assédio moral individual, valores de sua indenização, formas de prevenção pelo empregador, além de enquadrá-lo como ilícito trabalhista.

[7] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. 10ª Região. RO nº. 00430/2005. Rel. Juiz Braz Henrique de Oliveira, Publicado em 03.05.2006.

[8] TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. 8ª Região. RO nº 5309/2002. 1ª Turma. Rel. Juiz Luis José de Jesus Ribeiro.

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MIRANDA, Arianne Castro Araújo. Assédio moral organizacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3604, 14 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24396. Acesso em: 26 abr. 2024.

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