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As privatizações à Luz do Ditado Constitucional

01/11/2001 às 01:00
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Sumário

:

1. Introdução; 2. Direito Público e Direito Privado; 3. Estado Liberal e Estado Social; 4. Serviço Público, Atividade Econômica e Privatização; 5. Conclusão; 6. Bibliografia


1. INTRODUÇÃO

"Fora da Constituição, não há instrumento nem meio que afiance a sobrevivência democrática das instituições" Paulo Bonavides. Do país constitucional ao país neocolonial (a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional) - 2ª ed.- São Paulo: Malheiros, 2001, p. 13.

O Direito está passando por inúmeras transformações. O Direito Administrativo, em especial, é um ramo em constante mutação, principalmente pelo fato de não ser codificado. Este início de século concita-nos, em meio às mudanças, a tecer algumas reflexões acerca do papel do Estado num cenário altamente dinâmico.

Alude-se ao fenômeno da diminuição do tamanho do Estado para designar a transferência de atividades, antes sob a órbita do Estado, para a iniciativa privada[1]. Tal se justifica em face da possibilidade de os particulares desempenharem eficientemente certas atividades. O princípio da eficiência, aliás, foi incorporado apenas recentemente ao texto constitucional. É um dos frutos da reforma constitucional.

Este trabalho visa a traçar um panorama das responsabilidades e cometimentos do Estado frente a seus administrados. Faremos um breve apanhado das mudanças que se têm operado, tais como as tentativas do Estado de se desincumbir de algumas atividades e as repercussões que uma privatização[2] desastrosa causa no meio social.

O exame da realidade, muito pouco animadora, faz-se à luz de enunciados constitucionais. Não é, porém, nossa meta expor um quadro negligenciador das garantias dos cidadãos, como forma de lamentação pura e simples. É, ao contrário, nosso intuito despertar para a consciência e o resgate da força normativa da Constituição de que nos fala Konrad Hesse.

Vale dizer: subjacente a essa crise no Estado contemporâneo, está a esperança de todos aqueles que ainda estão dispostos a levantar a bandeira da cidadania e lutar pela concretização da dignidade da pessoa humana, anunciada já no início de nossa Carta Magna.


2. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

Nossa preocupação precípua é com a análise do Direito Público, como gênero de que derivam o Direito Constitucional e o Direito Administrativo. Mas, o que efetivamente diferencia o Direito Público do Direito Privado? A doutrina é unânime em reconhecer a dificuldade insuperável de precisar o que separa o público do privado, em sua acepção jurídica.

Conquanto não se deva pensar que sejam (direito público e direito privado) dois compartimentos estanques[3], pois suas normas intercomunicam-se freqüentemente, o compromisso didático exige alguma distinção funcional entre ambos.

O princípio máximo do direito público é o princípio da soberania. No direito privado vige, supremamente, o princípio da autonomia privada. Os entes privados gozam desta capacidade de estabelecer normas conforme os seus interesses[4].

Interessa aqui saber que o Estado-Administração, titular de prerrogativas públicas, tem em virtude do texto constitucional o dever inafastável de servir a comunidade de forma adequada, com o mínimo de perturbação social possível. Os poderes que lhe são conferidos são instrumentais, é dizer, estão vinculados à satisfação de uma finalidade cogente.

Enquanto na iniciativa privada o empresário opera com ânimo lucrativo, o administrador público tem em vista a prestação de serviços à comunidade, pois têm os membros desta, individualmente, direito subjetivo ao recebimento de uma comodidade estatal.

Ademais, cabe acentuar que ao administrador público se impõe o atendimento à legalidade estrita: só poderá agir quando a lei expressamente o autorizar. Ao particular, porém, é lícito fazer o que a lei não proíbe. A legalidade, nesse último caso, sofre temperamentos.


3. ESTADO LIBERAL E ESTADO SOCIAL

O Estado liberal, fruto das revoluções, tinha como pilares, fundamentalmente, a liberdade e a propriedade. A burguesia exigia a menor interferência possível do Estado. Este consistia, em suma, numa instituição abstencionista. Os direitos existiam formalmente, e sua concretização dependia unicamente da aquiescência das forças econômicas dominantes. As desigualdades sociais reinavam.

Com o Estado social desponta a necessidade da maior intervenção do Estado nos meios econômico e social. Em vez de um Estado consagrador de liberdades, passa-se a querer um Estado oferecedor de proteção, que atue positivamente, a fim de assegurar a plena realização dos preceitos constitucionais.

Sob tal contexto, é oportuna a lição de Fábio Konder Comparato: "a legitimidade do Estado contemporâneo passou a ser a capacidade de realizar, com ou sem a participação ativa da sociedade- o que representa o mais novo critério de sua qualidade democrática-, certos objetivos predeterminados[5]".

Compete ao administrador público, numa democracia, garantir o bem estar do povo. Trata-se de comprometimento estatal inarredável, porquanto inscrito na Constituição. O que se nos apresenta, todavia, é uma série de inconstitucionalidades perpetradas pelo maior dos administradores públicos.

Com efeito, o Representante da Nação tem sido infiel aos desígnios do texto constitucional[6]. Tem legislado mais do que o Congresso Nacional por meio de um instrumento que foi criado para uso excepcional- a medida provisória. A respeito, procedem as palavras contundentes de Paulo Bonavides: "o Poder Executivo se tornou no País, com aquelas medidas, o legislador de exceção por excelência. No exercício dessa tarefa, move-se ele com assiduidade, inteiramente desembaraçado dos freios constitucionais, produzindo um volume de legislação de péssimo conteúdo, eivada de flagrantes inconstitucionalidades, e que excede já o número de leis aprovadas por via legislativa ordinária[7]".

Essa é a atual conjuntura, constituída de inúmeras aberrações jurídicas. Além das famigeradas medidas provisórias, existem mais de trinta emendas constitucionais, muitas das quais de cunho privatista e desnacionalizador[8]. Há ainda, na realidade brasileira, a possibilidade de o Estado destinar recursos, servidores e bens públicos para organizações particulares, sem prévia licitação. Em nosso país ainda é possível que o Estado contrate com seus próprios órgãos para ampliar-lhes a autonomia[9].

Sob o argumento da eficiência e da conseqüente necessidade de transferir à iniciativa privada a execução de determinadas tarefas, começa-se a vislumbrar uma tendência à desfiguração do Estado social. O que passa a predominar é a força do mercado[10], em detrimento das prestações positivas a que o Estado está constitucionalmente vinculado frente à Nação.


4. SERVIÇO PÚBLICO, ATIVIDADE ECONÔMICA E PRIVATIZAÇÃO

A missão de definir o que seja serviço público é sem dúvida espinhosa. Sobre o tema, preleciona Marçal Justen Filho: "um dos mais tradicionais problemas do direito público reside na determinação do conceito de serviço público, especialmente em face do conceito de atividade econômica"[11]. Continua o mesmo autor: "o conceito de serviço público é um conceito reflexo. Deriva do modelo constitucional assumido pela comunidade, inclusive no tocante à função e ao papel que a própria comunidade reserva para si própria. Por isso, é impossível formular conceito não histórico de serviço público"[12].

Ruy Cirne Lima conceituou o serviço público como "todo o serviço existencial, relativamente à sociedade ou, pelo menos, assim havido num momento dado, que, por isso mesmo, tem de ser prestado aos componentes daquela, direta ou indiretamente, pelo Estado ou por outra pessoa administrativa"[13].

O que sobressai, então, é que o serviço público desempenha papel essencial na vida dos cidadãos[14]. Consiste sua prestação num imperativo constitucional autorizante[15]: não estando à disposição do corpo social, cabe ao indivíduo reivindicá-la em juízo.

Deve-se pontuar que, mesmo quando o Estado preste o serviço público através de terceiros[16], deve zelar para que prepondere o regime publicista. Em outras palavras, a titularidade do serviço público pertence inescapavelmente ao Estado[17].

No que concerne à atividade econômica, mister lembrar que a Constituição adotou o sistema capitalista e consagrou a livre iniciativa. É lícito, pois, ao particular desempenhar qualquer atividade econômica, sem que para isso sofra qualquer embaraço por parte do Estado. Mas a atuação da iniciativa privada não poderá frustrar a concretização dos comandos constitucionais voltados à satisfação do bem comum. Nessa linha, é válido nos socorrermos do magistério de José Afonso da Silva: "assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ‘liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidades de gozar das facilidades e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo’. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social"[18].

Ao Estado também é deferida a possibilidade de atuar nos meios econômicos[19], seja regulando o mercado, seja protagonizando uma atividade lucrativa. Sua presença, porém, no campo da iniciativa privada, explorando atividade econômica, deve ser ditada por fortes razões, como, por exemplo, de segurança nacional ou interesse público relevante, segundo expressa previsão constitucional.

A atuação do Estado como regulador das forças econômicas encontra respaldo no art. 174 da Constituição. Trata-se de dispositivo consagrador do princípio da subsidiariedade. Por meio deste está o Estado obrigado a fiscalizar, incentivar e planejar as atividades econômicas. Não é de modo algum mecanismo tendente a desprestigiar a liberdade que tem o indivíduo de perseguir o lucro, mas uma tentativa de verificar se o comportamento empresarial está de acordo com o interesse de toda a população[20].

Como salientamos anteriormente, outra forma de intervenção do Estado no domínio econômico se dá quando ele próprio explora uma atividade lucrativa. Por lei específica podem ser criadas e mantidas empresas públicas, sociedades de economia mista e outras pessoas jurídicas[21]. Embora o regime jurídico dessas entidades seja o de direito privado, sofrem elas o impacto marcante de normas publicísticas[22].

Atualmente, tem-se discutido a conveniência de privatizar algumas das empresas pertencentes à esfera governamental, tendo em vista, peculiarmente, o fato de sua precária rentabilidade. Não nos mostramos- é bom que se diga- contrários a mudanças no Estado, "à redução de suas dimensões", em nome de uma proclamada maior eficiência. O que se questiona é o modo com que se operam determinados negócios entre o Estado e a iniciativa privada. Esquece-se com freqüência de estudar a viabilidade jurídica de determinadas transformações no quadro econômico do país[23].

O tema revela intensa perplexidade[24], pois toda mudança introduzida no Estado, pelo Chefe do Executivo, deve-se fazer à luz dos mandamentos legais e constitucionais. Esta é a constatação a que chega o Ministro José Augusto Delgado: "a privatização, no momento atual brasileiro, tem que ser vista nos seus aspectos constitucionais e nos seus aspectos de direito processual (...) Observo primeiramente é o excesso de discricionarismo com que o poder estatal, Poder Executivo está atuando no campo da privatização. E isto em total descompasso com a evolução do direito constitucional, do direito administrativo, que é de impor restrições ao discricionarismo do Executivo"[25].

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O processo de privatização no país é ainda mais suscetível de meditação quando se observa que a população, teoricamente a feliz destinatária dos novos concertos realizados pelo Estado, não tem conhecimento do que é feito em seu nome[26]. Eis um autêntico atentado a um fundamento da República: a cidadania.

Ao final da exposição, resta-nos admitir que o momento não é de glórias. Especialmente no que se refere aos bens e serviços públicos, Adam Smith já ponderara a propósito do dever do Estado de realizar e manter certas obras e instituições públicas, pois o lucro nunca poderia repor os dispêndios de qualquer indivíduo.

É necessário que, antes de conferir maior eficiência aos serviços e às empresas do Estado, os olhos e a mente dos administradores estejam voltados à plena realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, consagrados naquela que é tida como a Carta dos sonhos. Não se pode porém negar que a busca da felicidade seja árdua, já que como lembra um grande estudioso: "A democracia nunca é o fruto de uma evolução natural e inelutável da sociedade política. Ela se institucionaliza, muito ao contrário, ao longo de um incessante e penoso trabalho de defesa da dignidade humana"[27].


5. CONCLUSÃO

a)O Direito passa por mudanças. Esse fenômeno decorre de seu caráter expressivamente dinâmico. No Direito Administrativo, em específico, ocorrem várias transformações, mormente porque não é codificado.

b)A necessária redução das dimensões do Estado convida para uma discussão acerca do papel dos administradores públicos frente ao povo. É imperioso verificar se a transferência de atividades ao setor privado é operada de maneira adequada, isto é, à luz da Constituição.

c)A distinção entre Direito Público e Direito Privado é nebulosa, sem precisão. Mas o terreno prágmático exige alguma diferença entre aqueles ramos. O primeiro tem como pilar a soberania, o segundo, a autonomia privada. O administrador público, pertencente à primeira esfera, goza de prerrogativas de que não dispõe o particular, mas elas só se justificam como meios de atingir o interesse público.

d)Não havia, no Estado liberal, interferência marcante do poder estatal na vida da Nação. Com o florescimento do Estado social, exige-se atuação efetiva do Estado. Este se destaca como agente imprescindível na busca da concretização dos valores constitucionais. Não se admite sua inércia.

e)Um Estado Democrático de Direito deve prestar serviços aos indivíduos. Reserva-se-lhe ainda a possibilidade de exercer atividade econômica, desde que por óbvia necessidade de garantir prevalência ao interesse geral.

f)O Estado não pode privatizar qualquer atividade. O processo de privatização deve obedecer a comandos jurídicos. É-lhe vedada a conotação política. Lamentavelmente, a realidade, pouco dócil, tem revelado que o argumento da eficiência tem sido utilizado para mascarar interesses de grupos econômicos. Fica flagrante a desarmonia- nunca desejada- entre direito e economia.

g)Por mais dissabor que cause a crise por que passa a República, ainda existem pessoas- e não são poucas- dispostas a orientar suas condutas segundo a ordem jurídica estabelecida e lutar para que ao lado da vontade de poder haja a vontade de Constituição[28].


6.NOTAS

1.Sobre o assunto, importante é a manifestação do Ministro José Augusto Delgado, do STJ: "discute-se, defende-se por um lado a diminuição do Estado, para que ele fique vinculado tão somente às atividades essenciais de segurança, educação, saúde, lazer etc.; por outro lado, isto está acarretando o fortalecimento de grandes grupos econômicos, que não têm nenhum compromisso com o bem estar social e cujo compromisso é exclusivamente com o lucro" ( Aspectos jurídicos da privatização, p. 78).

2.Adotamos no presente trabalho a concepção ampla de privatização. Maria Sylvia Di Pietro trata da questão em importante estudo. Afirma a ilustre autora que o conceito amplo de privatização engloba "todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem: a desregulação, a desmonopolização, a venda de ações de empresas estatais ao setor privado, a concessão de serviços públicos e os "contracting out" (Parceiras na Administração Pública, p. 14).

3.Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro, p. 19. Reconhecendo a dificuldade de distinguir o direito público do direito privado, assevera Tércio Sampaio Ferraz Jr.: "(...) a distinção entre a esfera pública e a privada, confusa e sem nitidez, faz da separação entre direito público e privado uma tarefa difícil de se realizar (...) não obstante, apesar de inúmeras críticas, a dicotomia ainda persevera, pelo menos por sua operacionalidade pragmática". (Introdução ao estudo do direito, p. 138).

4.Tércio Sampaio Ferraz Jr., op. cit., pp. 140 e 141.

5.Fábio Konder Comparato. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba, p. 350.

6.Diz Eros Roberto Grau que a Constituição de 1988 define "um modelo econômico de bem-estar. Esse modelo, desenhado desde o disposto nos seus arts. 1º e 3º, até o quanto enunciado no seu art. 170, não pode ser ignorado pelo Poder Executivo, cuja vinculação pelas definições constitucionais de caráter conformador e impositivo é óbvia". (A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 37).

7.Paulo Bonavides. Curso de direito constitucional, p. 618.

8.Sobre o caráter privatista e desnacionalizador das emendas, conferir Paulo Bonavides, op. cit., p. 612.

9.Pretende-se aí olvidar de algo comezinho: i) para contratar, são necessários dois titulares de direito- no caso do órgão, carece ele de personalidade jurídica; ii) que apenas a lei pode ampliar ou restringir autonomia. A hipótese é de descaso com outro princípio geral de direito, qual seja o da segurança jurídica, consubstanciador de um sentimento que "tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem" e na qual confiam (Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário, p. 91).

10."O maior problema das reformas perseguidas pela ‘globalização’ reside no fato de que as mesmas se operam sem qualquer conteúdo ético". (...) "Este será o grande desafio com o qual se defrontará o jurista no limiar do próximo milênio: assegurar o funcionamento das estruturas econômicas, sem as amarras dos procedimentos burocratizantes do Estado, de modo compatível com a efetivação dos direitos humanos". (Paulo Roberto Ferreira Motta. Agências reguladoras de serviços públicos, p. 17-18).

11.Marçal Justen Filho. Concessões de serviços públicos, p. 54.

12.op. cit., p. 58 - grifos nossos.

13.Ruy Cirne Lima. Princípios de direito administrativo, p. 82. Anotou inteligentemente o autor que o serviço público, por sua notável importância, não poderia sofrer com o ilimitado das ambições mercenárias.

14.Convém concordar com Marçal Justen Filho, quando assinala que "Uma consideração inafastável acerca do serviço público, portanto, relaciona-se com sua aptidão para realizar certos valores fundamentais assumidos pela Nação. Bem por isso, é impossível despublicizar certos serviços públicos no Brasil, pois sua prestação foi garantida constitucionalmente, como via de promover a dignidade da pessoa humana, a eliminação das desigualdades e outros valores fundamentais" (op. cit. p. 59).

15.A expressão "imperativo autorizante" é de autoria do insigne jurista Goffredo Telles Junior. Em seu Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, Maria Helena Diniz explica que a norma jurídica é imperativa porque "prescreve as condutas devidas e os comportamentos proibidos e, por outro lado é autorizante, uma vez que permite ao lesado pela sua violação exigir seu cumprimento (...)".

16.Exemplo típico da hipótese é a concessão de serviços a empresas privadas. Deve-se tomar o cuidado para não transferir aos particulares a execução de qualquer mister estatal, pois como adverte o Prof. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho (Revista do IAP, n. 27, p. 38-39), "a finalidade das concessões não é a de servir concessionários, mas o público a quem o serviço é prestado". É imperioso, portanto, que a execução do serviço público corresponda à satisfação do interesse coletivo. Aloísio Surgik pondera que a "contratação de algum tipo de serviço público com o setor privado pelo regime das concessões não pode estender-se às rodovias e vias públicas, por sua peculiaridade como garantia de ir e vir, que é o próprio corolário do direito à liberdade" (Da violação da liberdade na cobrança de pedágio. Revista da Faculdade de Direito de Curitiba n.13, p. 31).

17.Juarez Freitas. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, p. 90. Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece: "Dizer que em determinada hipótese existe serviço público equivale a dizer que os agentes públicos, para dar satisfação regular e contínua a certa categoria de necessidades de interesse geral, podem aplicar os procedimentos de Direito Público" (Curso de direito administrativo, p. 579 - grifos nossos).

18.José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo, p. 772.

19.É interessante a classificação feita por Eros Roberto Grau acerca da intervenção do Estado. São, conforme o autor, três as modalidades: i) intervenção por absorção ou participação, pela qual o Estado intervém no domínio econômico; ii) intervenção por direção, por meio da qual o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo normas de comportamento compulsório; e iii) intervenção por indução- por ela, o Estado manipula os instrumentos de intervenção conforme as leis que regem o funcionamento dos mercados. (op. cit., 159).

20.Comentando o referido princípio, o Prof. Juarez Freitas assevera que "o imperativo de que o aparato estatal dedique as suas melhores atenções às atividades primordiais resulta insofismável do art. 174 da Lei Fundamental. Não se trata de Estado máximo contraposto a Estado mínimo, senão que de lutar pela prossecução do Estado essencial" (op. cit. p. 91). Coerente com esse raciocínio está a lição de Lucia Valle Figueiredo, segundo a qual "as balizas da intervenção serão ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa". (Curso de direito administrativo, p. 84).

21.Apesar de estarmos nos referindo a empresas exploradoras de atividade econômica, admitimos a existência de empresas prestadoras de serviço público, tais como a COPEL, a TELEBRÁS, a Empresa de Correios etc.

22.Celso Antônio Bandeira de Mello, com habitual percuciência, afirma que tais empresas, por força do próprio texto constitucional, vêem-se colhidas por normas ali presentes que obstaculizam a perfeita simetria de regime jurídico entre elas e a generalidade dos sujeitos de Direito Privado.(op. cit. p. 159).

23.A respeito da privatização sob o enfoque, principalmente, da tradição norte-americana consulte-se a obra de John Donahue. É deste estudioso a seguinte observação: "Não é, de modo algum- a privatização-, o corretivo universal. "os imperativos do traçado organizacional e os imperativos da viabilidade política estão em contraposição. Lamentavelmente, não há razão para esperar que o processo político tenda para o padrão adequado de privatização". (Privatização- fins públicos, meios privados, p. 21).

24.O momento é de consternação, haja vista estarmos presenciando uma renúncia por parte dos detentores do poder à realização de objetivos previstos na Constituição. Pondera Marçal Justen Filho: "não se admite que o Estado se recuse a promover tais valores, nem mesmo diante da invocação da ausência de lucratividade. Aliás, há serviços que, em face dos encargos a eles relacionados, nunca seriam desempenháveis pela iniciativa particular, tendo em vista sua incompatibilidade com os parâmetros de lucratividade que norteiam a atuação tipicamente privada" (op. cit., p. 59).

25.José Augusto Delgado. Aspectos jurídicos da privatização, p. 77.

26."À parte a ignorância natural- as barreiras técnicas e organizacionais que negam ao público o conhecimento de um quadro completo do que está sendo feito em seu nome- existe também a ignorância engendrada, que é o resultado de fraude deliberada cometida por subgrupos políticos com encargos de responsabilidade sobre negócios públicos" (op. cit., p. 42).

27.Fábio Konder Comparato, op. cit., p. 359- grifamos.

28.Essa última nota de conclusão toma proveito da magistral lição de Konrad Hesse, em seu excelente ensaio sobre A força normativa da Constituição, p. 19.


7. BIBLIOGRAFIA:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo- 12ª ed.- São Paulo: Malheiros, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional- 9ª ed.- São Paulo: Malheiros, 2000.

________________ Do Estado Liberal ao Estado Social- 6ª ed.- São Paulo: Malheiros, 1996.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário- 6ª ed.- São Paulo: Saraiva, 1993.

CIRNE LIMA, Ruy. Princípios de direito administrativo- 5ª ed.- São Paulo: RT, 1982.

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, in Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1997.

DELGADO, José Augusto. Aspectos jurídicos da privatização, in Aspectos jurídicos, econômicos e sociais da privatização. Brasília: Escola Nacional da Magistratura, 1998.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública- 2ª ed.- São Paulo: Atlas, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro - 12ª ed. - São Paulo: Saraiva, 1996.

________________. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1988.

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FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo- 4ª ed.- São Paulo: Malheiros, 2000.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais- 2ª ed.- São Paulo: Malheiros, 1999.

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JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997.

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SURGIK, Aloísio. Da violação da liberdade na cobrança de pedágio. Revista da Faculdade de Direito de Curitiba n. 13, 1999.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSER, Imad Ali. As privatizações à Luz do Ditado Constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2449. Acesso em: 24 nov. 2024.

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