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A moral burguesa como fonte dos "direitos sexuais" e do novo conceito de "famílias"

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23/05/2013 às 10:59
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III – A LEI NATURAL

34.Muitos confundem o jusnaturalismo abstrato, ou jusracionalismo, com o direito natural no seu sentido objetivo ou clássico. Santo Tomás afirma que a lei natural, o direito natural, é a verdadeira fonte do direito positivo. Modernamente, cremos não ser equivocado dizer que a fonte do direito positivo são os direitos e os deveres humanos, algo devido ao homem, precisamente por ser homem, ou algo a que o homem está obrigado perante os outros homens, precisamente por serem homens.

35.Para ilustrar bem a ideia de Santo Tomás, tomando de empréstimo de Kelsen a sua norma hipotética fundamental (“devemos obedecer ao pai da constituição”), diríamos que a verdadeira norma fundamental não é hipotética, mas real: a Constituição deve obedecer à lei natural.

36.Normalmente se objeta serem a lei natural ou o direito natural excessivamente vagos ou abstratos. Isso se explica por duas razões principais. A primeira: o homem moderno perdeu e menosprezou algo que os pensadores antigos e medievais tinham em grande conta: o senso comum. Ele despreza as coisas óbvias apreendidas diretamente pelos sentidos. A outra, as teorias racionalistas que pretenderam ser o direito natural algo abstrato, somente encontrável no homem ideal, em estado puro, no estado de natureza. As teorias contratualistas dos primeiros liberais viam os direitos naturais como abstrações, tal qual o contrato social ou o homem no estado de natureza. As teorias racionalistas causaram um desgaste no conceito de direito natural.

37.Em contraposição a isso, deve-se frisar que o direito natural é sempre atual, que a lei natural está sempre presente enquanto o homem é homem. Em oposição às abstratas teorias contratualistas sobre a origem do Estado, diga-se que o Estado é uma necessidade natural do ser humano, que precisa organizar o convívio social e necessita de ordem e hierarquia dentro do grupamento humano.

38.Quando se objetar que a lei natural é excessivamente vaga, demonstre-se que uma carga tributária excessiva, que priva o homem do essencial para a sua subsistência, fere a sua dignidade e viola o seu direito a uma existência digna.

39.Santo Tomás distinguia os papéis da lei natural e da lei positiva. A lei natural é geral e universal, pelo menos em seus preceitos (ou princípios) primeiros, tal como os direitos humanos. Na verdade, compreende-se que a lei natural são os próprios direitos humanos. A lei positiva detalha, atualiza, operacionaliza a lei natural no momento histórico em que ela será aplicada. Por certo, como o conhecimento humano é cumulativo, ao longo da história, o homem vai tomando consciência cada vez maior da lei natural, dos direitos humanos. Cabe-lhe dar aplicabilidade prática à compreensão que tem da lei natural em determinado momento histórico.

40.Os conceitos de direitos sexuais e reprodutivos estão claramente marcados pela ideologia feminista. Esta fundamenta-se ora na lógica marxista da opressão e da luta de classes ora em um liberalismo radical. A primeira luta de classes teria sido, em verdade, uma luta de gêneros. Com a invenção dos métodos anticoncepcionais, começou-se a sustentar que as mulheres encontraram a sua independência real. Que o seu papel de mães teria sido socialmente construído e não naturalmente fornecido.

41.Ainda que as concepções marxistas possuam algo de verdadeiro, pois dificilmente uma doutrina é inteiramente falsa, fato é que, na essência, destoam, contrariam, afastam-se muito do senso comum. O instinto materno e o papel da mulher no seio da família não são socialmente construídos, não são culturalmente determinados. Os papéis do homem e da mulher no tecido social são naturalmente distintos; nossos sentidos demonstram que homem e mulher possuem características diversas, até físicas, não obstante participem ambos da mesma dignidade, da mesma natureza de ser humano.

42.Por igual, também não se pode dizer que exista um gênero homossexual. Isso também não encontra suporte no senso comum, na consideração sensata da realidade sobre o ser humano. Os ideólogos dos direitos de opção ou orientação sexual preconizam que, como os papéis sexuais são social e artificialmente construídos por uma civilização repressora fundada na busca da mais-valia, na verdade, a homossexualidade, não fosse a lógica repressora, equivaleria à heterossexualidade. Por aí se vê, novamente, o que vimos sustentando: a lei natural, os direitos humanos, não comportam interpretações – manipulações – ideológicas. A ideologia sempre se baseia em um senso particular, singular, reducionista da realidade. Ela é sempre parcial. Somente o senso comum, com a sua natural abertura à totalidade do ser humano, pode fornecer com segurança luzes neutras sobre os direitos inalienáveis dos seres humanos, e não somente das mulheres, e não somente dos homossexuais, e não somente dos bissexuais, e não somente dos índios, e não somente dos idosos, e não somente dos deficientes.

43.Indício claro de que se está sacrificando o senso comum em benefício do senso singular, ou parcial, é a tendência de distinguir entre seres humanos, de tomar partido de uns em detrimento de outros, de conceder direitos “humanos” especiais ou exclusivos a mulheres (como o de matar seus filhos nascituros), a homossexuais (o de não verem questionado o seu estilo de vida, mesmo com sacrifício da liberdade de crença da grande maioria), a negros, a deficientes, a índios. Ora, a própria noção de direitos humanos não se compadece com a ideia de direitos exclusivos das mulheres, dos homossexuais, dos negros, dos deficientes e dos índios. Os direitos humanos, ou direitos naturais, são comuns a todos os homens, a todo o gênero humano. Visões parciais de mundo não são aptas a engendrar com sensatez concepções de direitos humanos.


IV – A LÓGICA MATERIALISTA POSSUI FINS MATERIALISTAS

44.Há quem sustente, a nosso ver, com razão, que por trás da ideologia dos direitos sexuais exista o propósito de controlar a demografia nos países em desenvolvimento. Sabe-se que a difusão do aborto, e crê-se que a difusão do casamento homossexual, são meios eficazes de controle da natalidade. Seria estranho pensar que a Fundação Rockfeller, a Fundação MacArthur e a Fundação Ford, que tanto se engajam nessa causa – é difícil encontrar uma única iniciativa nessa temática em que alguma delas não se envolva de alguma forma, incluídos trabalhos de Marcuse e o livro Em defesa dos direitos sexuais acima citado –, estejam voltadas para objetivos altruístas, metafísicos. Talvez seja o caso de analisar, a partir do seu próprio critério de interpretar a história, os seus motivos, os meios empregados e os seus objetivos reais.

45.São ilustrativos os seguintes esclarecimentos:

“Apesar destas interpretações, não existe atualmente nenhum texto internacional sobre direitos humanos que formule, de modo explícito, os direitos reprodutivos. Encontra-se somente o reconhecimento, em instrumentos jurídicos nacionais e internacionais, de faculdades relativas à procriação humana, à família e à vida. Porém, tais faculdades estão longe de ser unanimemente reconhecidas na ótica sustentada pelos promotores dos DDSSRR [direitos sexuais e reprodutivos].

Para preencher este vazio, o IPPF [International Planned Parenthood Federation] elaborou e propôs uma Carta dos assim chamados DDSSRR, com a intenção de aplicar os documentos conclusivos da Conferência da ONU no Cairo (1994) e em Pequim (1995) a que já acenamos. (...) Mesmo se o IPPF apresenta a própria hermenêutica dos direitos reprodutivos como se se tratasse da hermenêutica da ONU, na realidade ela corresponde a uma visão ideológico-política muito particular (...).

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Como é sabido, o IPPF foi criado em 1952, com sede central em Londres e com organizações afiliadas – Associações de Planejamento Familiar (APF) – em cento e quarenta países. É a organização não governamental mais potente e influente a promover o controle demográfico mundial. Seu balanço supera os cem milhões de dólares e suas fontes de entrada são tanto os Estados – principalmente a Grã Bretanha – quanto entidades privadas, como as fundações norte-americanas Ford, Rockefeller, Hewlett e MacArthur. Suas ações refletem uma ideologia liberal ‘radical’ ou ‘absoluta’ e usam esta Carta como instrumento para difundir algumas liberdades; não se trata, porém, de simples liberdades negativas – onde o Estado não intervém – mas, ao contrário, de direitos positivos, exigências diretas ao Estado por parte de indivíduos, que procedem com uma lógica de ‘clientes’ e não de ‘pacientes’.”[11]

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46.Talvez o senso comum nos ajude a descobrir porque, em benefício de uma peculiar ou singular visão de mundo, pedem-nos para sacrificar o nosso juízo e o que os sentidos de todos os homens normais do mundo podem descobrir pela simples e serena observação da realidade, ajudados pelo conhecimento antropológico colhido pela experiência religiosa.


BIBLIOGRAFIA:

CHESTERTON, Gilbert Keith. Santo Tomás de Aquino: biografia. Tradução e notas de Carlos Ancêde Nouguê. São Paulo: LTr, 2003.

CORÇÃO, Gustavo. Dois amôres – duas cidades. 1. Na Antiguidade e na Idade Média. Rio de Janeiro: Agir, 1967.

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

LOPES, José Reinaldo de Lima et alli. Em defesa dos direitos sexuais. Organizador: Roger Raupp Rios. Porto Alegre: Livraria Editora do Advogado, 2007.

MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PONTIFÍCIO CONSELHO PARA A FAMÍLIA. Lexicon: Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: Edições CNBB, 2007.


Notas

[1] Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 81-2.

[2]  Op. cit., p. 82.

[3][3] A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 46.

[4] Princípios fundamentais norteadores do direito de família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 116.

[5] Op. cit., p. 51-2, com o esclarecimento de que o direito romano admitia, segundo Coulanges, formas de casamento não religioso, embora o casamento sagrado fosse o mais antigo.

[6] Eros e Civilização. Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara. p. 33.

[7] Direito de Família. p. 19-21.

[8] Dois amôres – duas cidades. 1. Na Antiguidade e na Idade Média. Rio de Janeiro: Agir, 1967. p. 29.

[9] Santo Tomás de Aquino: biografia. Tradução e notas de Carlos Ancêde Nouguê. São Paulo: LTr, 2003. p. 126.

[10] Op. cit., p. 139.

[11] CANCIO, José Alfredo Peris. Verbete: Direitos sexuais e reprodutivos. In: Pontifício Conselho para a Família. Lexicon: Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília: Edições CNBB, 2007. p. 248-50.

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Sobre o autor
Paul Medeiros Krause

Procurador do Banco Central em Belo Horizonte (MG), Ex-analista processual na Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRAUSE, Paul Medeiros. A moral burguesa como fonte dos "direitos sexuais" e do novo conceito de "famílias". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3613, 23 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24515. Acesso em: 13 mai. 2024.

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